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Operações Motivacionais
Lucelmo Lacerda

Quem trabalha com comportamento tem que considerar sempre, de


maneira central, as motivações que as pessoas têm, ou não, para se
comportarem. Isto é o que define se algum estímulo que normalmente é
reforçador é reforçador naquele momento e o quanto ele é reforçador. E mais
ainda, isto é o que nos permite compreender quando algo que normalmente
seja reforçador, parece incapaz de fazer alguém se comportar.
O fenômeno que tratamos neste tópico tem uma longa trajetória de
construção histórica, que não abordaremos aqui, mas pode ser bastante bem
compreendida pela leitura do artigo de Caio Miguel (2000), de modo que nosso
enfoque será a forma com que o fenômeno da motivação é atualmente tratada,
elaborada sobretudo por Jack Michael e bem apresentada no capítulo de
motivação, escrito com o próprio Caio Miguel, na terceira edição da bíblia
branca da ABA, o Cooper, Heron & Heward (2020).
Temos então o conceito de Operação Motivacional, que pode ser
Estabelecedora ou Abolidora (ou abativa), sendo que a Operação
Estabelecedora pode ser Condicionada ou Incondicionada e as Operações
Estabelecedoras Condicionadas podem também serem Reflexivas,
Substitutivas ou Transitivas. Há também, por sua vez, as Operações
Motivacionais Punidoras, que também podem ser Condicionadas ou
Incondicionadas.
Vamos explicar essas definições tão complexas, porque elas são
fundamentais para a compreensão do comportamento humano de um ponto de
vista Behaviorista Radical e para o dia a dia da intervenção analítico-
comportamental em qualquer esfera e inclusive, ou talvez até, especialmente,
no caso de intervenções com pessoas com Transtorno do Espectro Autista, e
depois explico o porquê deste acento.
No meu caso, um pudim caprichado, especialmente se estiver sem
furinho, com uma bela calda de caramelo e acompanhado de um café expresso
(é assim que eu gosto, não me julguem) é extremamente reforçador,

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comportamentos que me geram esta consequência têm bastante probabilidade
de se repetirem a perder de vista.
Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, vocês, apesar de não me
verem agora, acreditem em mim, precisam saber que eu acabei de comer um
baita pedação de pudim depois de almoçar bem, o café estava ótimo e, como
dizem as pessoas, “fiquei até triste de tanto comer”. Verdade seja dita, o
comportamento que eu emiti para ter acesso ao pudim, que estão relacionados
a pegar na geladeira e mobilizar uma cafeteira elétrica, estão tinindo para
acontecerem mais e mais, MAS não agora. Se eu emitir um comportamento
AGORA e um outro pudim tão caprichado quanto o anterior for a consequência,
isso provavelmente irá punir o meu comportamento e não reforçar.
Mas como isso é possível? O pudim é o mesmo, são só diferentes
pedaços da mesma forma. O café é feito de uma cápsula igual à primeira, da
mesma caixa, feito na mesma cafeteira. A distância no tempo entre uma e
outra consequência podem ser de apenas alguns minutos e mesmo assim,
continua havendo esta contradição entre os efeitos, por que isso acontece? O
que pode ter acontecido ao pudim ou ao café neste intervalo para alterar tão
drasticamente seus efeitos?
A resposta é: NADA. Não aconteceu nada com o pudim ou o café,
aconteceu comigo, com este organismo que vos fala (ou escreve, vocês
entenderam) e se esperarmos um pouco mais e no meu caso, nem precisa
tanto, esta mesma combinação maravilhosa e inquestionável de sobremesa
torna a ser reforçadora, tornando tudo ainda mais confuso. O que são esses
processos que me alteram de tal maneira que um mesmo estímulo ora é
reforçador, ora é punidor ou ora não é nada? Não alterações no ambiente no
organismo que operam esses processos de estabelecimento do valor de certos
estímulos (como reforçadores ou punidores) ou do abatimento desse mesmo
valor.
Vamos aos exemplos, que ajudam demais para entender um fenômeno
assim tão complexo. Imagine um bebê, que vou chamar de Enzinho, como para
a grande maioria dos membros típicos da espécie, o leite do peito da mamãe,
Dona Cláudia, é um poderosíssimo reforçador para o comportamento de
Enzinho de chorar, o que ocorre com algumas horas de intervalo.

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Digamos que Enzinho acabou de mamar, depois de chorar após acordar.
Após ser colocado no seio da mãe, encheu a pança e foi recolocado no berço.
Neste exato momento, digamos que a mãe pegue novamente Enzinho e o
recoloque no seio (só para dar um exemplo didático para vocês) e ele, na
verdade, o evita, se esquiva do mamilo até agora amado. Isto porque o existem
duas operações opostas na motivação, as operações estabelecedoras (com
duas propriedades, sobre as quais já falarei) e as operações abativas (com
duas propriedades diretamente opostas).
Operações Estabelecedoras: são relações estabelecidas entre organismo
e ambiente que aumentam, momentaneamente, o efeito reforçador de um certo
estímulo. Por exemplo, a privação do leite, em todo o período em que Enzinho
estava dormindo, estabeleceu o valor reforçador do leite, ou seja, se o leito
for uma consequência a qualquer comportamento de Enzinho, este
comportamento aumentará de probabilidade. E tem um segundo efeito
também, o de evocar os comportamentos de Enzinho que, no passado, foram
consequenciados por leite, o que neste caso é o choro.
Os exemplos são inúmeros, diante de um estímulo aversivo sentido na
bexiga, o valor reforçador de ir ao banheiro urinar se estabelece e cresce,
quanto mais cresce a estimulação aversiva em minha bexiga à medida em que
ela fica mais cheia, isso faz com que os comportamentos que emiti no passado
e que produziram a oportunidade de ir ao banheiro, como simplesmente ir, ou
entrar em um comércio e pedir para usar, ou comprar uma coisa qualquer em
um comércio somente para legitimar o uso do banheiro, são evocados neste
momento e, quando dá certo, ufa, mais um reforçamento para a conta.
Um caso quase idêntico ao de cima é só um pouco deslocado, a
estimulação aversiva no intestino, que também estabelece o valor reforçador
de ir ao banheiro defecar e evoca os comportamentos que o permitiram no
passado.
Em todos os casos acima o valor reforçador é intrínseco, inato ou, como
dizemos, incondicionado. Ficar sem comer ou beber água pode levar à morte,
então a equação de motivação e comportamento faz todo o sentido, mas é
importante dizer que a mesmíssima coisa ocorre também em estímulos

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aprendidos, como nossa relação com o celular, que não é inata, mas é muito
reforçadora para muitas pessoas.
Temos então:
Operações Motivacionais Incondicionadas (que não precisamos
aprender), como a privação de comida, de água, de sexo... ou a exposição ao
calor ou à dor; e
Operações Motivacionais Condicionadas (que precisamos aprender),
como a privação de celular, de livros, ou a exposição a uma aula de um
assunto que detestamos, etc.
As Operações Motivacionais Estabelecedoras Condicionadas podem ser
também de diferentes tipos, descritos por Jack Michael e Caio Miguel no livro
mais fundamental da ABA (Cooper, Heron & Heward, 2020):
Operação Motivacional Estabelecedora Transitiva: É o caso em que
uma motivação “bloqueada” gera a motivação para seu desbloqueio. Por
exemplo, um eletricista está mexendo em uma tomada e, para consertá-la,
precisa de uma chave de fenda e esse bloqueio de seu comportamento gera a
motivação pela chave de fenda. Eu estou com meu celular, tenho motivação
para falar no WhatsApp, mas a bateria caiu e isso bloqueia meu
comportamento e gera a motivação para o carregador, que desbloqueia meu
reforçador.
Operação Motivacional Estabelecedora Reflexiva: Trata-se de um
condicionamento respondente da condição aversiva ou reforçadora para outros
estímulos. Por exemplo, se todos os dias em que o pai ou marido chega em
casa bêbado, ocorre uma situação de violência doméstica, então o próprio
andar trôpego do abusador é produz uma Operação Motivacional
Estabelecedora Condicionada Reflexiva para sair deste local, ou seja, esta
operação, cria “pré-aversivos”. Se um chefe tem o comportamento reiterado de
elogiar e depois criticar o funcionário, o elogio se torna um pré-aversivo e já é
ocasião de ocorrência de uma Operação Motivacional Estabelecedora
Reflexiva. O mesmo ocorre no contrário também, em uma situação muito
reforçadora, aquilo que vem antes dela também se torna ocasião de ocorrência
de Operação Motivacional Estabelecedora Reflexiva.

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Operação Motivacional Estabelecedora Substitutiva: Também se trata
se um condicionamento respondente, mas não somos condicionados a sentir
algo diante de um outro estímulo, mas do estímulo próprio de nossa Operação
Motivacional. Imagine que você esteja muito privado de água, verdadeiramente
com sede, o que fará? Provavelmente procurará por água e quando encontrar,
por um breve momento, antes de beber, você estará sentindo muita sede e
estará olhando para a água. Quando isso acontece reiteradas vezes, “olhar
para a água” pode estabelecer a motivação para beber água, você pode nem
estar com privação de água, mas sentirá sede e beberá ao menos um copo, se
uma água gelada ficar bobeando em sua frente. Isso é o que acontece
inúmeras vezes conosco quando comemos algo em excesso só porque estava
em nossa frente, quando de repente “dá vontade” de comer algo, só porque
vimos uma foto suculenta, é porque a visão daquilo se pareou com a Operação
Motivacional Estabelecedora de comer, no passado.
É muito importante ter em vista, quando falamos em intervenção baseada
em ABA, que sempre trabalhamos com a motivação, ela é a base de todo
nosso trabalho e esse deve ser objeto de grande dedicação e estudo de nossa
parte. Vocês ainda estudarão sobre as inúmeras avaliações de preferência,
elas realmente são muito importantes, vocês poderão saber o quê, naquele
momento, seu cliente prefere. No entanto, o próprio teste, a depender de sua
configuração, ou a utilização deste reforçador, são Operações Motivacionais
Abolidoras e reduzem o valor do reforçador dali por diante, daí que é preciso
então utilizar de outros reforçadores, variar, transformar a situação em
reforçadora o máximo que pudermos.

Referências Bibliográficas

MIGUEL, C. F. O conceito de operação estabelecedora na análise do


comportamento. Psicologia: teoria e pesquisa, 16, 259-267. (2000).

COOPER, J. O., HERON, T. E., & HEWARD, W. L. Applied behavior


analysis. Pearson UK. (2020).

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