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Do
conservadorismo à moral conservadora no Serviço Social brasileiro. Serviço
Social em Revista, Universidade Estadual de Londrina, Volume 8. N. 2. Jan/Jun
2006.
RESUMO:
Neste artigo pretendemos fazer uma breve abordagem de algumas das formas
de conservadorismo que permeiam a ação e o discurso dos assistentes sociais,
desde a emersão da profissão perdurando até os dias atuais, com o intuito de
suscitar debates sobre o assunto na categoria profissional. A primeira será feita
ao que Romano (1981) classifica de conservadorismo romântico. Este pretende
retornar a velhos valores e à organização social feudalista já ultrapassada
historicamente; a segunda abordagem conservadora situa-se dentro de um
discurso de caráter idealista, localizado no conservadorismo que Nisbet (1981)
chamará de “moderno”, que pretende manter o Estado moderno; por fim,
faremos um sobrevôo sobre a história do Serviço Social brasileiro demonstrando
como este conservadorismo se manifesta nos diferentes momentos históricos
desta profissão.
PALAVRAS CHAVE : Conservadorismo romântico; Conservadorismo Moderno;
Serviço Social
ABSTRACT:
In this article we intend to make a brief approach of some of the conservative
ways that have occurred in the action and speech of the Social Workers, since
the profession emmersion until today, with the purpose to raise debates about
the issue in the professional category. The first one will be made; Romano (1981)
classifies as romantic conservatism. This intends to renew the old values and
feudal social organization already historically old fashioned; the second
conservative approach is in the idealistic character speech, in the Nisbet
conservatism, will call “modern” that intends to maintain the modern State; at the
end, we will fly over the Brazilian Social Work history showing how this
conservatism shows itself in the different historical moments of this profession.
KEY WORDS: romantic conservatism; modern conservatism; Social Work
INTRODUÇÃO
O Conservadorismo Romântico
À primeira vista pode parecer impróprio ou até mesmo inútil estudar uma forma
de conservadorismo que emerge como contraponto aos ideários da Revolução
Francesa e que, já na época de seu surgimento, aparecia apenas como forma
da nobreza lutar contra a perda de status sendo tido, portanto, como um
movimento que “não parecia mais do que uma manifestação final daquele
passado do qual a Europa estava em toda parte se libertando” (NISBET, 1981,
p. 72). Entretanto, segundo Nisbet (1981), apenas na atualidade é possível
perceber a influência desse conservadorismo no pensamento e na política deste
século e na origem do pensamento nos conseguintes. Este pensamento irá
rebater, como veremos, no Serviço Social brasileiro.
Assim, para estes conservadores, a sociedade não pode ser criada pela razão
individual (NISBET, 1981). Esta tentativa, antes, poderia levar a sociedade a se
enfraquecer, pois os indivíduos, ao tentar modificá-la, poderiam desrespeitar as
leis que a regula por desconhecerem a verdadeira natureza social. Esta, para os
românticos, ainda de acordo com o autor, tem raízes no passado que o presente
não pode aniquilar através da manipulação racional. De acordo com esta
explanação, conclui-se, portanto, que estes conservadores concebem a
sociedade dentro de uma realidade metafísica, entendendo que ela existe e se
regula independentemente dos indivíduos sociais. Esta é a principal proposição
que fazem contra o iluminismo (NISBET, 1981). Fica clara, assim, a primazia
histórica, lógica e ética da sociedade sobre o indivíduo.
Disso decorre que a sociedade não pode ser desmembrada em indivíduos, mas
apenas em pequenos grupos da sociedade, o que é uma contra-proposta ao
individualismo Iluminista. Os grupos sociais internos constituem as menores
lealdades da sociedade que são, de acordo com Burke, “lugares de refúgio e de
descanso'”(BURKE apud NISBET, p. 67). Para este autor, segundo Nisbet
(1981), a revolução usou de seu poder para destruir estas lealdades que são
verdadeiras fontes da sociedade e da moralidade. Ainda de acordo com Nisbet
(1981), para Burke o primeiro vínculo do homem é com a família, depois com a
vizinhança e com a província. Estes vínculos, somados aos grupos religiosos,
são para Bonald (teórico do conservadorismo romântico) os suportes
necessários para a vida do homem. A partir deste princípio, tal autor considera
um equivoco dos reformistas lutarem para sobrepor aos vínculos as vontades
ditadas pela razão, baseadas na informação científica.
Nesta mesma perspectiva, como explica Romano (1981), para os românticos não pode
haver passagem do “Todo” para as partes que nunca poderão ser autônomas. O autor
explica que para estes conservadores o todo é como se fosse um todo iluminado que
apresenta frestas por onde a luz passa e dá a impressão de que existem partes autônomas.
Quanto mais estas partes projetadas a partir do “Todo” se afastam dele, mais delineia seus
limites, ampliando a impressão de autonomia, porém, este afastamento é apenas um
processo em que, no seu auge, quando os homens imaginarem-se Deus, iniciar-se-á o
retorno à divindade. Assim, segundo Nisbet (1981), estes conservadores não vêem o
indivíduo em si, mas sim enquanto membros da sociedade; não se vê o indivíduo, mas
sim o pai, a mãe, o empregado, o patrão e assim por diante. O indivíduo é, portanto,
“apenas uma fantasia, a sombra de um sonho” (LAMENNAIS apud NISBET, 1981, p.
65).
Fernandes (1994) afirma que Durkheim considera que o homem possui duas
naturezas: uma individualidade que se apóia no corpo, tendo sua base no
biológico; e uma outra que não é própria do homem, mas que advém da
sociedade e é antagônica (superior) à anterior, sendo incutida no homem através
de um educador.
Fica claro que para Durkheim a moral não se erige a partir de um indivíduo, ou
de um grupo de indivíduos, mas por um sujeito, a sociedade; e que o homem ao
qual o educador deve plasmar não é aquele que a natureza criou, mas aquele
que a sociedade quer que ele seja e este é o critério da normalidade: é normal
aquele que é como a sociedade quer que ele seja e, por sua vez, é moralizado
aquele que é normal.
Explica Fernandes (1994) que Durkheim não considera esta imposição violenta
porque para ele as paixões patológicas são constituintes da essência natural do
homem. As imposições do Outro servem para refrear estas paixões, sendo,
portanto, terapêuticas na medida em que a moral, com suas imposições, cria ao
redor do homem uma barreira ao pé da qual as paixões morrem. “O amor do
Outro só nos quer bem: o espírito de disciplina é garantia de saúde e
normalidade do corpo...” (DURKHEIM apud FERNANDES, 1994, p. 84). Caso
não existissem estas barreiras, Durkheim acredita que as paixões iriam se
libertar e não haveria como detê-las, o que levaria o homem à dor e ao
desencanto e, por fim, ao suicídio.
É por isso que o Outro exige disciplina, que é boa para ele e para os homens.
Nesta direção mostra que “O Outro é duplamente sábio. A disciplina responde a
uma necessidade sua, mas, também, ao nosso bem” (FERNANDES, 1994, p.
89). A disciplina modera os desejos humanos de tal forma que a felicidade será
encontrada nos desejos mais próximos e realizáveis
Conclui a autora que para Durkheim a moral tem dois aspectos: o que diz
respeito ao primeiro, a moral (enquanto autoridade) impõe normas que devem
ser seguidas; depois, o que se refere ao segundo, a moral é uma coisa boa que
atrai a vontade do homem. Assim, a sociedade por um lado é a potência que faz
a lei e, por outro, é “um ser amado ao qual nos damos” (DURKHEIM apud
FERNANDES, 1994, p. 94).
Ressalta Fernandes (1994) que, havendo esta outra face da moral advinda do
Outro que é amada pelo homem, considera Durkheim que o educador deve fazer
com que as crianças se interessem pelos fins coletivos, que seus desejos fiquem
atados a eles como um fim ao qual um dia poderão servir. Dentre estes fins,
destacam-se três objetos que são hierarquizados de acordo com a evolução
social e moral: a família, a pátria e a humanidade.
A autora considera que hierarquizar a família e a pátria não foi difícil, porém isto
se complica quando se compara pátria e humanidade. Durkheim soluciona isso
analisando que se o maior valor fosse atribuído aos fins morais mais abstratos e
impessoais do que a primazia do objeto, então a humanidade estaria acima na
hierarquia. Porém, ele pondera que a humanidade não é um organismo social
que possui “consciência própria”.
Por este prisma, Durkheim não enfatiza qualquer tipo de grupo social, mas, em específico,
a pátria; além disso, o autor não vê grupos conflitantes nesta pátria, só passando a haver
no caso de o educador multiplicar interesses individuais, não assegurando entre os
cidadãos suficiente comunidade de sentimentos e idéias. Assim, a divisão do trabalho
para Durkheim só passa a ser um problema com a crise da moralidade.
Ainda segundo a autora, Durkheim salienta que para haver o equilíbrio, além da
disciplina, o educador, a serviço da Pátria, deve oferecer ideais para ser objeto
de amor e nisso também não há violência alguma, porque permite que o homem
se realize plenamente visto que caso o homem não se sinta atraído pelos
objetivos da pátria, ele se desprende dos fins coletivos, visando apenas o
individual, passando a ter comportamentos patológicos. Destaca o autor que
mais uma vez o Outro é duplamente sábio, pois requer normas e sentimentos
que o mantém e que são boas para o homem “[...] o Outro nos ama e é graças
ao amor que ele nos demonstra, oferecendo objetos ao nosso desejo, que não
nos suicidamos” (DURKHEIM apud FERNANDES, 1994, p. 102)
Destaca a autora que, graças a este segundo elemento, o Outro já não se limita
a ser o legislador e guardião da disciplina, da ordem moral para os seus. Ele
torna-se também amor, o modelo ideal em torno do qual os homens se
esforçarão para realizar-se. Esta aspiração não é vã porque,
[...] por superior que ele seja a cada um de nós, há, entretanto, alguma coisa de
comum entre nós e ele. Há em nós uma parcela dele mesmo; esta parte
eminente do nosso próprio ser que se chama alma vem dele e o expressa em
nós' (DURKHEIM apud FERNANDES, 1994, p. 103).
Só assim há um sentimento que nos inspira a amá-lo no outro e só assim este amor terá
algum valor moral.
Por este prisma, Guedes (2005) mostra que, para Maritain, se o homem tem a
possibilidade de escolha, ele pode optar pela realização apenas material ou
também a espiritual. A escolha pelo estritamente material, entretanto, contraria
a natureza humana – perfectibilidade. Pautado-se na perfectibilidade humana,
Maritain coloca a discussão sobre bem comum, pois , conforme Guedes (2005)
para Maritain, a relação entre as pessoas (perfectíveis) é constituída pelo que
cada parte pode doar de conhecimento e amor de forma a constituir um “Todo”
que se figura maior e melhor que as pessoas – as partes. Por este prisma, na
análise de Maritain, sociedade que deriva do bem comum não é a soma dos
bens individuais, mas sim o bem do corpo social (GUEDES, 2005). Eis aí mais
uma característica própria dos conservadores românticos que não concebem as
pessoas individualizadas, mas apenas no “Todo”.
Por volta de 1975, o Serviço Social experiencia um outro movimento, que Netto
(2004) irá denominar de Reatualização do Conservadorismo. Um grupo de
assistentes sociais [3] irá se aproximar do que denominam de temas da
fenomenologia. Estes profissionais, segundo Guedes (2005), partiam do
entendimento da prática profissional como ajuda e, sem considerar as demandas
sócio-históricas que recaem sobre a determinação do objeto do Serviço Social,
preocupavam-se em oferecer aportes teóricos aos assistentes sociais para que
pudessem interpretar adequadamente e compreender as necessidades da
pessoa (o cliente), de forma a ajudá-la (o) a descobrir as possibilidades de
realização de seus propósitos humanos.
Considerações Finais
BIBLIOGRAFIA
NOTAS
[1] Este texto é parte da pesquisa que deu origem ao Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado sobre o título de “Conservadorismo e Perspectiva Crítica:
Uma análise de valores que permeiam práticas profissionais de assistentes
sociais”, orientado pela professora Olegna de Souza Guedes. Refere-se,
também, a parte da produção do grupo de pesquisa registrado no CCNPq com
o nome de “Fundamentos filosóficos do Serviço Social” coordenado, também,
pela profº Olegna de Souza Guedes.
[4] Essência é o fenômeno que se manifesta à consciência e que são por ela
significado, a consciência dá sentido ao mundo, ela é a origem de todo o
significado, fazendo com que o mundo apareça como fenômeno significativo
para a consciência . (Capalbo apud Guedes, 2005, p. 178)