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UTOPIA. DE MORUS A NORMAN.

Mais de uma vez escutei a crítica ao usar a palavra “utopia” ao me referir ao planete Gor.

Essa crítica vem do conhecimento vulgar e superficial do que a palavra significa. Para o vulgo,
utopia seria a ideia de civilização ideal, fantástica, imaginária. É um sistema ou plano que parece
irrealizável, é uma fantasia, um devaneio, uma ilusão, um sonho.

Não sou inocente a ponto de utilizar essa palavra em um sentido tão restrito. Na verdade meu
conceito de utopia vem da obra de Tomas Morus, homem de estado, diplomata, escritor, advogado e
homem de leis, chanceler de Henrique VIII, que viveu no início do século XVI.

Utopia é um termo inventado por Thomas Morus que serviu de título para sua principal obra escrita
em latim por volta de 1516. Segundo a versão de vários historiadores, Morus se fascinou pelas
narrações extraordinárias do Navegador português Rafael Hitlodeu que navegara com Américo
Vespúcio nas suas últimas viagens e ficara no litoral da América, enquanto Vespúcio regressava à
Europa. Aí conhecera múltiplas regiões e visitara uma ilha cuja situação geográfica Rafael não
mencionou.

O encontro com Thomas Morus é mediado por Pedro Gilles e acontece na Antuérpia, onde Morus
se encontra de passagem. O longo diálogo com Rafael, divide-se em duas partes: na primeira parte,
More tece duras críticas à sociedade real em que vive, aspirando por uma sociedade perfeita; a
segunda parte consta da narração de Rafael da ilha idealizada que conhecera com todos os
pormenores. A organização política, social, como se organizavam as famílias, a divisão dos
trabalhos, as cidades, a alimentação, a saúde, e tudo o mais. Nesta ilha todos vivem felizes, não
desejam mais do que têm, pois cada um tem o que necessita, não mais; praticam as virtudes da
temperança e da moderação.

Esta ilha imaginária apresenta uma das sociedades “possíveis”, constituída com base na razão
humana; trata-se de um verdadeiro exercício mental para resolver um problema que Morus enuncia
do seguinte modo: dado um país no qual se ignorasse por completo tudo o que diz a revelação
cristã, mas onde a razão humana pudesse resolver com isenção as questões do bem comum, que
soluções se dariam para a organização política e social? A resposta – ou uma resposta – de Tomas
Morus: a Utopia. A utopia é uma espécie de jogo entre um real que se rejeita e um ideal que se
espera e se deseja.

Agora, a partir da visão de Utopia de Morus, olhemos para Gor. Norman constrói um mundo
assentado em bases sólidas, quais sejam a manutenção da Ordem Natural e a limitação tecnológica
daquela humanidade. Estrutura um sistema social baseado em Castas e na escravidão enquanto
instituição histórica e socialmente aceita. Gor é, de fato, um mundo duro, cruel, mas a Natureza é
dura e cruel. Conflitos existem, mas são resolvidos dentro de uma ótica muito clara de ética.

Elementos de instabilidade são eventualmente colocados por Norman – principalmente pela ação
dos “Outros” em sua batalha galática com os Reis Sacerdotes – mas são sempre superadas pelos
valores intrínsecos do Goreano.

Esse mundo – fazendo um paralelo com a Utopia de Morus – se desenvolveu histórica e


culturalmente com a mesma matriz humana da Terra, mas sob condições sociais bastante distintas.
E tendo por base essas condições, alcançou o seu equilíbrio. A Filosofia Goreana traçada por
Norman ao longo dos 34 Livros da série Crônicas da Contra-Terra lança os fundamentos dessa
utopia. Entender essa Filosofia é entender Gor.
Mas será que a utopia Goreana – assim como a Utopia de Morus – poderia um dia ser efetivamente
instituída em nossa pobre Terra? Não sei. Assim como não se faz suco de laranja com limões, não se
ergue uma sociedade do nada, sem considerar a sua evolução histórica e cultural. Os fatores sociais
que moldaram a nossa humanidade são substancialmente distintos dos fatores sociais que moldaram
a humanidade Goreana, ou a humanidade de Morus.

É fato, no entanto, que a Filosofia Goreana pode de alguma forma ajudar a que pensemos este nosso
Mundo de uma forma diferente. Se existe um fator relevante na obra de Norman, é sua análise sobre
o total distanciamento do homem da Terra em relação à Natureza. Mais que um distanciamento,
uma guerra, uma tentativa de subjugação causada pela ideia do homocentrismo, o homem enquanto
centro da Natureza.

Outros aspectos podem ser destacados dentro dessa Filosofia, como a forma de valorização da
iniciativa humana, dada pela sua capacidade conjugada com suas habilidades.

Mas dai a querer que a Terra se transforme em um grande Gor… Não.

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