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Patrimônio Cultural

e Histórico
Material Teórico
Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Esp. João Augusto Menoni Vieira

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Alessandra Fabiana Cavalcanti
Patrimônio Material e
Patrimônio Imaterial

• Introdução;
• Sistema Nacional de Patrimônio Cultural;
• Política de Patrimônio Cultural Material do Iphan;
• Tombamento: Reconhecimento Histórico;
• Patrimônio Imaterial Brasileiro;
• O Registro do Patrimônio Imaterial Brasileiro;
• História de Sucesso.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Proporcionar ao aluno conhecimento sobre os sistemas e as políticas públicas de proteção
do patrimônio cultural brasileiro;
• Apresentar a Política de Patrimônio Cultural Material do Iphan e o seu principal instrumen-
to de proteção: o tombamento;
• Reforçar o conceito de patrimônio imaterial, instituído pela Constituição Federal de 1988,
destacando os instrumentos de salvaguarda;
• Apresentar um caso concreto no qual o poder público contribui efetivamente para o registro
de um patrimônio imaterial brasileiro.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

Introdução
Patrimônio é tudo o que criamos, valorizamos e queremos preservar: são
os monumentos e obras de arte, e também as festas, músicas e danças, os
folguedos e as comidas, os saberes, fazeres e falares. Tudo enfim que pro-
duzimos com as mãos, as ideias e a fantasia (Cecília Londres). ­(BRASIL,
2012, p. 5)

Figura 1 – O Bumba Meu Boi do Maranhão é uma celebração múltipla que congrega diversos bens
culturais associados, divididos entre plano expressivo, composto pelas performances dramáticas,
musicais e coreográficas; e o plano material, composto pelos artesanatos, como os bordados do boi,
a confecção de instrumentos musicais artesanais, entre outros. O Complexo Cultural do Bumba
Meu Boi do Maranhão foi inscrito como patrimônio imaterial no Livro de Registro de Celebrações
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, em 2011
Fonte: iphan.gov.br

A ampliação do conceito de patrimônio cultural, patrocinada pela Constituição


Federal de 1988, fez com que as políticas públicas do setor cultural, a partir das
últimas duas décadas do século XX, se adequassem às novas visões de preservação
do conjunto de bens culturais materiais e imateriais no país, especialmente em refe-
rência às identidades coletivas. Anteriormente, essa política, estava limitada a bens
de características excepcionais, monumentais e/ou representantes da elite. “Pela
primeira vez um texto constitucional contempla como patrimônio a dimensão ma-
terial e imaterial da cultura, bem como faz referência à identidade e à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, salientam Silva e Simonian
(2018, p. 51).

No campo das políticas públicas, conforme os autores, houve uma intenção de


reduzir a interferência do Estado e de ampliar a participação popular com a adoção
de uma metodologia preservacionista que considera relevantes todos os bens cultu-
rais marcos de memória e de identidade para um determinado grupo social.

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De acordo com a doutora em História e Patrimônio Cultural Paula Porta (2012),
foi a partir da década de 2000, que esses princípios modernos estabelecidos pela
Constituição de 1988 começaram a realmente trazer inovações positivas à polí-
tica de preservação do patrimônio brasileiro. Dentre os principais aspectos que
constituem o avanço da política de preservação do patrimônio cultural no país, a
autora destaca:
a) atualização do conceito de patrimônio, adequando-o à diversidade cul-
tural brasileira;

b) formulação de diretrizes para orientar a ação institucional, tendo como


foco o envolvimento da sociedade, a promoção do desenvolvimento local
e a potencialização das possibilidades de fruição do patrimônio cultural;

c) abertura para novas áreas de atuação, de forma a abranger os diferen-


tes legados da cultura brasileira;

d) formulação e a implantação de novos instrumentos de ação;

e) revisão das metodologias de trabalho;

f) fortalecimento do órgão nacional de preservação para dar suporte à


ampliação do campo de ação;

g) esforço para construir instrumentos de ação conjunta e de gestão


compartilhada do patrimônio entre União, estados e municípios;

h) progressivo e substancial aumento do investimento em preservação e


promoção de bens culturais. (PORTA, 2012, p. 7)

Sistema Nacional de Patrimônio Cultural


Assim, a partir dos anos 2000, o aumento dos investimentos e a preocupação
do poder público em fortalecer a gestão do patrimônio cultural e de inseri-lo na
pauta das políticas voltadas ao desenvolvimento do país vêm contribuindo para o
registro e a salvaguarda de bens materiais e imateriais e para a criação de uma
consciência preservacionista. Um exemplo é o Sistema Nacional do Patrimônio
Cultural (SNPC), conjunto de princípios, de objetivos, de diretrizes, de estratégias e
de metas que devem orientar o poder público na formulação de políticas culturais –,
uma das 53 metas do Plano Nacional de Cultura, instituído pela Lei nº 12.343, de
2 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010).

O SNPC tem como objetivo implementar a gestão compartilhada do patrimônio


cultural brasileiro, visando à otimização de recursos humanos e financeiros para sua
efetiva proteção, atuando no desenvolvimento de uma política de preservação do
patrimônio que regulamente princípios e regras para as ações de conservação. Além
disso, cria um sistema de financiamento voltado ao fortalecimento das instituições do
setor por meio de ações integradas entre cidades, estados e Governo Federal.

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UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

Com vistas à construção do Sistema, o Iphan, entre 2010 e 2011, coordenou a


elaboração dos Planos de Ação para Cidades Históricas (que, posteriormente, deu
origem ao PAC Cidades Históricas), assim como estimulou a criação da Associação
Brasileira de Cidades Históricas (ABCH). A construção de referências conceituais,
legais e estratégicas para a implementação do Sistema segue em permanente rea-
valiação, assim como as revisões e as atualizações do PNC.

Para atender às cidades que possuem bens tombados pelo Iphan, o governo federal instituiu,
em 2013, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas, destinando
R$ 1,6 bilhão a 425 obras de restauração de edifícios e de espaços públicos em 44 cidades
de 20 estados brasileiros. Coube ao Iphan a concepção dessa linha do PAC, que está sen-
do executada com a cooperação de diversos co-executores, em especial os municípios, as
­universidades e as outras instituições federais, com apoio técnico da Caixa Econômica Fe-
deral e de governos estaduais. Em cinco anos de existência do PAC Cidades Históricas, foram
contratados R$ 651 milhões, que beneficiaram 126 obras. Confira mais informações sobre o
PAC Cidades Históricas em: https://bit.ly/2J4nm5U.

Figura 2 – Praça Senador Figueira, em Sobral (CE), restaurada pelo PAC Cidades Históricas
Fonte: iphan.gov.br

Somente na década de 2000 são lançados os primeiros marcos de uma nova


política de patrimônio. Porta (2012), cita como exemplos:
1. Decreto nº 3.551 (2000), que institui o registro de bens culturais de na-
tureza imaterial, dando início às primeiras ações de inventário e registro,
em 2002.
2. Primeiros tombamentos de áreas remanescentes de quilombos, tam-
bém em 2002, em acordo com a proteção a esses testemunhos prevista
na Constituição.

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3. Lançamento do Programa Nacional de Patrimônio Imaterial, em 2004,
que institucionaliza e disponibiliza recursos para a salvaguarda, o apoio e
o fomento ao patrimônio imaterial.
4. Início do programa Legados da Imigração, que resultou no tombamento de
diversos bens relacionados à imigração alemã, italiana, ucraniana e polo-
nesa em Santa Catarina, em 2007.
5. Tombamento da Casa de Chico Mendes (figura 3), entendida como teste-
munho singular de um processo social relevante para o país (2008).
6. Primeiro tombamento relativo à cultura indígena, protegendo como
patrimônio nacional os locais sagrados dos povos do Xingu (2010).
7. Primeiros tombamentos relativos ao patrimônio naval (2010), protegendo
quatro embarcações tradicionais e o acervo do Museu Nacional do Mar
(Rio de Janeiro).

Figura 3 – Casa do líder seringueiro e ambientalista Chico Mendes, em Xapuri (AC), foi tombada,
em 2008, como patrimônio material e passou a constar no Livro do Tombo Histórico
Foto: iphan.gov.br

A importância do patrimônio cultural para os municípios


Importante fator de atração turística, entre outras características econômicas, o
patrimônio cultural também está na pauta de discussões nos municípios detentores
de bens e de sítios naturais e culturais. Desde 2014, a Confederação Nacional dos
Municípios (CNM) realiza, anualmente, em parceria com outras entidades, o Encon-
tro Brasileiro das Cidades Históricas, Turísticas e Patrimônio Mundial. Em 2018, o
evento ocorreu em Manaus (AM). A cada edição, no final do encontro, é divulgada
uma carta contendo reivindicações dos representantes municipais. O documento, ela-
borado e aprovado por meio de votação é entregue a autoridades ligadas ao Turismo.

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UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

A Carta de Manaus aponta como prioridades temas como preservação, valo-


rização e promoção do patrimônio cultural e natural. Questões voltadas à susten-
tabilidade, à governança e à sustentabilidade das Cidades Históricas, Turísticas e
Patrimônio Mundial também constam no documento, assim como a maior intera-
ção entre os poderes Executivo e Legislativo. Para os dirigentes municipais, deve
haver priorização de políticas públicas com foco na preservação e na valorização do
patrimônio cultural e natural, incluindo questões sociais relativas às comunidades
locais e ao fortalecimento do uso do turismo como fator para a preservação e a
valorização desses patrimônios.

Outro tema recorrente nos encontros – também tratado em Manaus –, é a busca


de fontes de financiamento público-privado, a identificação de boas práticas de ne-
gócios e as alternativas de exploração do potencial econômico e turístico, de forma
a praticar a gestão sustentável.

Nesse sentido, a carta ressalta a importância da liberação em caráter de urgência de recursos do


PAC Cidades Históricas para municípios que já possuem projetos, especialmente os declarados
Patrimônio Mundial pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura. Confira, na íntegra, a Carta de Manaus (2018).
Disponível em: https://bit.ly/2EeHFuW.

Política de Patrimônio
Cultural Material do Iphan
Em agosto de 2018, foi instituída, por meio da Portaria nº 375, a Política de
Patrimônio Cultural Material (PPCM) do Iphan, normativa que passou a servir de
guia para ações e processos de identificação, de reconhecimento, de proteção, de
normatização, de autorização, de licenciamento, de fiscalização, de monitoramento,
de conservação, de interpretação, de promoção, de difusão e de educação patrimo-
nial relacionados à dimensão material do Patrimônio Cultural Brasileiro. A PPCM
consolida princípios, premissas, objetivos, procedimentos e conceitos para a pre-
servação do Patrimônio Cultural Brasileiro de natureza material, que se formaram
e se modificaram ao longo das décadas.

A consulta pública – aberta pelo Iphan – proporcionou a participação da so-


ciedade, de pessoas físicas e de instituições públicas e privadas, que contribuíram
com o texto final do documento, entre elas a Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), o
Centro Nacional de Pesquisa e de Conservação de Cavernas do Instituto Chico­
Mendes de Biodiversidade (ICMBio), o Grupo de Estudos e de Pesquisas em Po-
lítica e Território (Geoppol/UFRJ), a Vale S.A. – Licenciamento Ambiental, a
Rede Paulista de Educação Patrimonial (Repep) e o Museu de Astronomia e de
Ciências Afins.

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A Política de Patrimônio Cultural Material traz inovações importantes, ficando claro
o objetivo de promover a construção coletiva dos instrumentos de preservação, garan-
tindo assim a legitimidade das ações do Iphan junto às comunidades e também entre
os agentes públicos. Destaque para um instrumento de proteção inédito, a Declaração
de Lugares de Memória. Por meio desse reconhecimento, ainda que um bem cultural
tenha perdido sua integridade e autenticidade, em consequência da ação humana ou
do tempo, o Iphan poderá reconhecer a importância de seus valores simbólicos.

Povos e comunidades tradicionais também estão contempladas na PPCM, com


as especificidades culturais de povos e de comunidades tradicionais. Em relação os
povos indígenas, está contemplado o direito de autodefinição de suas próprias prio-
ridades em processos que envolvam a preservação de seu legado cultural.

Objetivos, princípios e premissas da PPCM


A Política de Patrimônio Cultural Material (PPCM) apresenta apenas cinco obje-
tivos gerais bastante pragmáticos (BRASIL, 2018b):
1. qualificar e ampliar as ações e as atividades de preservação do patrimônio
cultural de natureza material;
2. estabelecer práticas para a construção coletiva dos instrumentos de pre-
servação, de forma a ampliar a legitimidade perante as comunidades locais
e os agentes públicos e facilitar a definição de estratégias de gestão com-
partilhada dos bens acautelados;
3. institucionalizar as práticas e os instrumentos da preservação desenvol-
vidos ou sugeridos pelo comitê do patrimônio mundial e pela comissão
cultural do Mercosul;
4. precisar os entendimentos institucionais sobre termos ou conceitos especí-
ficos aplicáveis à preservação do patrimônio cultural de natureza material;
5. fortalecer a preservação do patrimônio cultural de natureza material de
povos e comunidades tradicionais portadores de referência à identidade, à
ação e à memória do país.

A PPCM apresenta ainda 18 princípios, que vão da humanização, apontando


para a melhoria na qualidade de vida do ser humano, até o princípio do controle
social, que estabelece que o cidadão é parte legítima para monitorar as ações de-
senvolvidas pelo Iphan.

Já em relação às premissas, que correspondem às verdades adotadas sempre


aplicáveis, independentemente do tipo de ação, o texto propõe a busca da supe-
ração da divisão das dimensões materiais e imateriais do patrimônio cultural; a
compreensão do tempo presente na abordagem dos bens culturais; a leitura do
território e das dinâmicas sociais nele existentes; o estímulo ao fortalecimento dos
grupos sociais para preservação de seu patrimônio cultural e a articulação entre as
esferas de governo para compartilhamento de competências.

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UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

Figura 4 – A educação patrimonial – recursos educativos formais e não formais que têm como foco o
patrimônio cultural – é um dos dez processos constantes na Política de Patrimônio Cultural Material
Foto: iphan.gov.br

Com o objetivo de nivelar as informações e facilitar a compreensão do tema, o


texto da Política de Patrimônio Cultural Material define e considera dez processos
diretamente relacionados ao patrimônio material:
a) Educação patrimonial.
b) Identificação.
c) Reconhecimento.
d) Proteção.
e) Normatização.
f) Autorização.
g) Participação no licenciamento ambiental.
h) Fiscalização.
i) Conservação.
j) Interpretação, promoção e difusão.

Assim, a Política de Patrimônio Cultural Material estabelece que os processos


de identificação, de reconhecimento e de proteção serão considerados como mo-
mentos da patrimonialização de um bem cultural material; já os processos de nor-
matização, de autorização, de participação no licenciamento, de fiscalização e de
conservação serão considerados formas de vigilância do patrimônio material; e os
processos de interpretação, de promoção e de difusão serão considerados formas
de interação com o patrimônio cultural.

Para fins operacionais, a PPCM do Iphan, apresenta um glossário muito interessantes com
verbetes e expressões relacionados ao patrimônio cultural de natureza material brasileiro
como, por exemplo: Conservação Preventiva – (1) Entendimento aplicável ao patrimônio
cultural material. (2) Conjunto de estratégias e de medidas de ordem técnica, administrati-
va e política que, considerando o manejo do bem e as circunstâncias ambientais em que o
mesmo se encontram deve contribuir para retardar ou prevenir a deterioração deste. Vale a
pena conferir na publicação Política do Patrimônio Cultural Material do Iphan, páginas 51 a
58 (BRASIL, 2018b). Disponível em: https://bit.ly/2QgdJ3S.

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Tombamento: Reconhecimento Histórico
O tombamento é um “conjunto de ações, realizadas pelo poder público e ali-
cerçado por legislação específica, que visa a preservar os bens de valor histórico,
cultural, arquitetônico, ambiental e afetivo, impedindo a sua destruição e/ou desca-
racterização” (CREA-SP, 2008, p. 15). Em nível nacional, o Decreto-Lei nº 25/37
é o documento mais importante relacionado à preservação do patrimônio cultural,
utilizado ainda hoje como base na elaboração de legislações federais, estaduais
e municipais. O referido decreto instituiu o tombamento, processo administrativo
que garante legalmente a preservação dos bens culturais, como também pune, por
meio de sanções, aqueles que descumprirem a legislação.

O tombamento pode ser aplicado a bens materiais, a móveis e imóveis, de inte-


resse cultural ou ambiental (fotografias, livros, mobiliário, utensílios, obras de arte,
edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc.), de interesse para a
preservação da memória coletiva.

No quadro 1, observamos algumas questões relacionadas ao tombamento que,


muito frequentemente, causam dúvidas.

Quadro 1 – Questões relativas ao tombamento


Não, a preservação pode existir sem o tombamento. O tombamento é uma imposição
Preservar é o mesmo legal; porém, sem ele não há garantia real de preservação. Esta é uma importante ação a
que tombar? ser tomada para garantir a preservação definitiva do patrimônio, impedindo, por lei, a sua
descaracterização e/ou destruição e propiciando a sua plena utilização.
Sim, para se garantir a preservação dos bens culturais, da memória coletiva e, consequentemente, da
É necessário tombar? identidade cultural dos grupos sociais. É uma medida legal conveniente e segura, particularmente
em relação a bens ameaçados pela descaracterização, destruição e pela especulação imobiliária.
Não. Os critérios de tombamento devem ser técnicos. Essa é uma forma errada de tratar o tombamento
de bens imóveis, pois reforça a história dos vultos. Deve-se ter o cuidado de preservar bens de todas
Deve-se tombar apenas as camadas sociais definidoras da história local. É importante o tombamento de edifícios públicos
bens das famílias relevantes, assim como de qualquer edifício que possua características arquitetônicas e históricas de
importantes ou fortes significados cultural e afetivo. Por exemplo: deve-se lutar para se preservar o casarão do antigo
edificações oficiais? coronel, mas também a vila operária, o palacete e a pequena casa de porta e janela, a sede da câmara
municipal, o velho armazém, a casa grande da fazenda, mas, em conjunto, outras edificações que
expressem a vida, o trabalho e os hábitos da comunidade que os criou.
Não. É uma noção ultrapassada e equivocada sobre preservação e tombamento. A importância
Os bens a serem tombados de um bem não tem ligação direta com sua idade. Atualmente, existem entidades de
precisam ser antigos, com preservação da arquitetura moderna. Bens recentes podem ser indicados para tombamento,
mais de 100 anos? pois também estão sujeitos às descaracterizações ou demolições. Exemplo: Pampulha, Brasília,
Masp, Parque do Ibirapuera, jardins de Burle Marx, etc.
Deve-se fazer um inventário dos bens, observando-se sua integridade (estado de conservação/
Quais os critérios para possibilidade de restauração), raridade, exemplaridade (bens mais significativos, pois na
se definir os bens a presença de diversos com as mesmas características, apenas alguns podem vir a ser elencados)
serem tombados? e a importância arquitetônica, cultural, histórica, turística, científica, artística, arqueológica e
paisagística, sendo que o bem pode possuir um desses aspectos ou agregar outros.
Obedecem a uma escala de importância:
Quais tipos de bens são
• Bens de interesse da humanidade, de excepcional valor, inscritos na Lista do Patrimônio
tombados pelos órgãos
Universal pela Unesco.
e pelos conselhos de
• Bens de interesse nacional, tombados pelo Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
defesa do patrimônio:
• Bens de interesse estadual, tombados pelos institutos e pelos conselhos de defesa do
internacional, federal,
patrimônio estaduais.
estadual e municipal?
• Bens de interesse local, tombados por órgãos de defesa do patrimônio existentes nas cidades.

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UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

Um bem pode ser tombado Sim. Dependendo de sua importância, pode ser inscrito na Lista do Patrimônio Universal e ser
por mais de um nível? tombado pelas outras três instâncias nacionais.
A solicitação do pedido de tombamento pode vir do proprietário, da sociedade, do conselho
Quem pode solicitar de defesa do patrimônio, de entidades, de toda e qualquer pessoa de direito público ou
o tombamento? dos órgãos municipais/estaduais/federais. O pedido deve ser devidamente descrito
mediante justificativas.
Fonte: Crea-SP, 2008, p. 16-20

O Iphan, mantém quatro Livros do Tombo onde são inscritos bens culturais ma-
teriais passíveis de proteção. Vamos conferir, no quadro 2, a descrição desses livros.

Quadro 2 – Livros do Tombo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan


Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico
São inscritos os bens culturais em função do seu valor arqueológico, relacionado a vestígios da ocupação humana
pré-histórica ou histórica; de valor etnográfico ou de referência para determinados grupos sociais; e de valor paisagístico,
englobando tanto áreas naturais, quanto lugares criados pelo homem aos quais é atribuído valor à sua configuração
paisagística, a exemplo de jardins, mas também cidades ou conjuntos arquitetônicos que se destaquem por sua relação com
o território onde estão implantados.
Livro do Tombo Histórico
Neste livro são inscritos os bens culturais em função do seu valor histórico. É formado pelo conjunto dos bens móveis e
imóveis existentes no Brasil e cuja conservação seja de interesse público por sua vinculação a fatos memoráveis da história do
Brasil. Esse Livro, para melhor condução das ações do Iphan, reúne, especificamente, os bens culturais em função do seu valor
histórico que se dividem em bens imóveis (edificações, fazendas, marcos, chafarizes, pontes, centros históricos, por exemplo)
e móveis (imagens, mobiliário, quadros e xilogravuras, entre outras peças).
Livro do Tombo das Belas Artes
Reúne as inscrições dos bens culturais em função do valor artístico. O termo belas-artes é aplicado às artes de caráter não
utilitário, opostas às artes aplicadas e às artes decorativas. Para a História da Arte, imitam a beleza natural e são consideradas
diferentes daquelas que combinam beleza e utilidade. O surgimento das academias de arte, na Europa, a partir do século XVI,
foi decisivo na alteração do status do artista, personificado por Michelangelo Buonarroti (1475-1564). Nesse período, o termo
belas-artes entrou na ordem do dia como sinônimo de arte acadêmica, separando arte e artesanato, artistas e mestres
de ofícios.
Livro do Tombo das Artes Aplicadas
Onde são inscritos os bens culturais em função do valor artístico, associado à função utilitária. Essa denominação
(em oposição às belas artes) se refere à produção artística que se orienta para a criação de objetos, peças e construções
utilitárias: alguns setores da arquitetura, das artes decorativas, design, artes gráficas e mobiliário, por exemplo. Desde o
século XVI, as artes aplicadas estão presentes em bens de diferentes estilos arquitetônicos. No Brasil, as artes aplicadas se
manifestam fortemente no Movimento Modernista de 1922, com pinturas, tapeçarias e objetos de vários artistas.
Fonte: Brasil, 2018c

Em 2018, o Iphan contabilizava 1.262 bens tombados (patrimônio de natureza


material), sendo 46% no Sudeste, 33% no Nordeste, 12% no Sul, 5% no Centro-
-Oeste e 4% no Norte. O Rio de Janeiro é a unidade da Federação com o maior
número desses bens: 243, seguido por Minas Gerais, com 208; São Paulo, com
115 e, pela Bahia, com 93.

Patrimônio Imaterial Brasileiro


O que o modo de fazer cuias do Baixo Amazonas, o ofício das baianas de acara-
jé, dos mestres de capoeira; e o Círio de Nossa Senhora de Nazaré ou o Complexo­
Cultural do Boi-Bumbá do Médio Amazonas e Parintins têm em comum? São bens

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registrados1 como patrimônio cultural imaterial do Brasil. Os bens culturais de na-
tureza imaterial dizem respeito às práticas e aos domínios da vida social que se
manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão
cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e san-
tuários que abrigam práticas culturais coletivas). A Constituição Federal de 1988,
em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer
a existência de bens culturais de natureza material e imaterial.

Figura 5 – O modo de fazer o acarajé recebeu o título de patrimônio imaterial,


em 2005, por ser uma prática cultural de longa continuidade, reiterada
no cotidiano dos ritos do candomblé na Bahia
Fonte: iphan.gov.br

A Unesco define, assim, patrimônio imaterial:


Práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com
os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são as-
sociados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indi-
víduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.
(BRASIL, 2018d)

Para atender às determinações legais e criar instrumentos adequados ao reco-


nhecimento e à preservação desses bens imateriais, o Iphan coordenou os estudos
que resultaram na edição do Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000, que
instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), além de consolidar o Inventário Nacional
de Referências Culturais (INCR). Além disso, em 2010, foi instituído o Inventário
Nacional da Diversidade Linguística (INDL), utilizado para reconhecimento e va-
lorização das línguas portadoras de referência à identidade, ação e memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

1 Uma questão importante: bens culturais materiais são tombados e bens culturais imateriais são registrados.

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UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pe-


las comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e
de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Confira na publicação
do Iphan Patrimônio cultural imaterial – para saber mais, com diretrizes e instrumentos
que norteiam e tornam possíveis as atividades de identificação, registro e salvaguarda do
patrimônio imaterial. Acesse em: https://bit.ly/2K6TK8N.

Programa Nacional do Patrimônio Imaterial – PNPI


Entre as atribuições do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) está
a elaboração de indicadores para acompanhamento e avaliação de ações de valori-
zação e salvaguarda do patrimônio cultural imaterial brasileiro. E, entre os objetivos
estão a captação de recursos e a promoção da formação de uma rede de parceiros
para preservação, valorização e ampliação dos bens que compõem o Patrimônio
Cultural Brasileiro, além do incentivo e apoio às iniciativas e práticas de preserva-
ção desenvolvidas pela sociedade. É um programa de apoio e de fomento que busca
estabelecer parcerias com instituições dos governos federal, estaduais e municipais,
universidades, organizações não-governamentais, agências de desenvolvimento e
organizações privadas ligadas à cultura e à pesquisa (BRASIL, 2018d).

Nas diretrizes da política de apoio e de fomento do PNPI estão previstas a pro-


moção da inclusão social e a melhoria das condições de vida de produtores e deten-
tores do patrimônio cultural imaterial, e medidas que ampliem a participação dos
grupos que produzem, transmitem e atualizam manifestações culturais de natureza
imaterial nos projetos de preservação e valorização desse patrimônio.

Figura 6 – Artesanato produzido por herdeiros de


Mestre Vitalino. Feira de Caruaru, Caruaru/PE
Fonte: iphan.gov.br

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Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC
Para falarmos sobre o INRC será preciso, antes, vermos, afinal, o que é um in-
ventário. Fazer um inventário é realizar um levantamento, uma listagem descritiva
dos bens de uma pessoa. Quando se fala em inventariar bens culturais de um lugar
ou de um grupo social, estamos falando sobre identificar bens culturais que reme-
tem às referências culturais desse lugar ou grupo.
Para que se possa preservar um bem cultural, é importante saber não
apenas que ele existe, mas também se a manifestação cultural é praticada
pela população local, se as pessoas têm dificuldade ou não em realizá-la,
que tipos de problema a afetam, como essa tradição vem sendo transmitida
de uma geração para outra, que transformações têm ocorrido, quem são
as pessoas que hoje atuam diretamente na manutenção dessa tradição,
entre vários outros aspectos relativos à existência daquele bem cultural. [...]
Ou seja, o primeiro passo para se preservar alguma coisa é conhecê-la.
O Inventário Nacional de Referências Culturais é um instrumento para co-
nhecer e documentar bens culturais, como também para conhecer o valor
atribuído pelos grupos sociais a esses bens. (BRASIL, 2012, p. 20)

Assim, ter uma manifestação cultural documentada (por meio de descrições tex-
tuais, fotos, vídeos, desenhos, entre outros) pode servir a diversos fins como, por
exemplo, ser fonte de pesquisa, atuar como referências do passado para que possa-
mos entender quem somos hoje, como memória de uma manifestação cultural que
não mais ocorre, mas que permanece viva na memória das pessoas e que pode vir
a ser reorganizada.

Ao inventariarmos um bem cultural, descrevemos e documentamos uma mani-


festação cultural por meio da realização de entrevistas, da produção de textos, de
fotografias, de desenhos, de gravações sonoras, de filmagens, entre outros recursos
de documentação. Trata-se também de levantar todas as fontes de informação pos-
síveis já produzidas sobre aquele bem, produzindo-se assim um conhecimento atual
de como é aquele bem cultural e também uma memória das coisas que foram vistas
e estudadas durante a realização do inventário.

Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL


No Brasil, atualmente, são faladas cerca de 210 línguas. Os grupos indígenas
falam cerca de 180 línguas e as comunidades de descendentes de imigrantes, cerca
de 30 línguas. Além disso, usam-se, pelo menos, duas línguas de sinais de comu-
nidades surdas, línguas crioulas e práticas linguísticas diferenciadas nas comunida-
des remanescentes de quilombos, muitas já reconhecidas pelo Estado brasileiro, e
também em outras comunidades afro-brasileiras. Há uma ampla riqueza de usos,
práticas e variedades no âmbito da própria língua portuguesa falada no Brasil
(BRASIL, 2012).

19
19
UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

Assim, o Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL, é um instru-


mento de identificação, de documentação, de reconhecimento e de valorização das
línguas portadoras de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira. Seu objetivo é mapear, caracterizar,
diagnosticar e dar visibilidade às diferentes situações relacionadas à pluralidade lin-
guística brasileira, de modo a permitir que as línguas sejam objeto de políticas pa-
trimoniais que colaborem para sua continuidade e valorização.

Benhamou (2016, p. 21) salienta o alerta da Unesco sobre a diversidade lin-


guística no mundo: “a metade das 6 a 7 mil línguas faladas no início dos anos
2000 poderá desaparecer antes do fim do século se nada for feito para salvá-las
ou preservar sua memória”. Conforme a autora, a língua é o elemento central do
patrimônio imaterial.

O Registro do Patrimônio Imaterial Brasileiro


Outro instrumento para a preservação do patrimônio cultural é o Registro de
Bens Culturais de Natureza Imaterial. Por meio dele é reconhecido que um bem faz
parte do patrimônio cultural brasileiro. O registro se efetiva a partir da inscrição do
bem em um ou mais de um dos seguintes livros do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional – Iphan:

Quadro 3 – Livros de registros do patrimônio cultural imaterial brasileiro – Iphan


Livro de Registro dos Saberes
Criado para receber os registros de bens imateriais que reúnem conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das
comunidades. Os Saberes são conhecimentos tradicionais associados a atividades desenvolvidas por atores sociais reconhecidos
como grandes conhecedores de técnicas, de ofícios e de matérias-primas que identifiquem um grupo social ou uma localidade.
Geralmente estão associados à produção de objetos e/ou prestação de serviços que podem ter sentidos práticos ou rituais.
Trata-se da apreensão dos saberes e dos modos de fazer relacionados à cultura, à memória e à identidade de grupos sociais.
Livro de Registro das Celebrações
Reúne os rituais e as festas que marcam vivência coletiva, religiosidade, entretenimento e outras práticas da vida social.
Celebrações são ritos e festividades que marcam a vivência coletiva de um grupo social, sendo considerados importantes
para a sua cultura, memória e identidade, e acontecem em lugares ou em territórios específicos e podem estar relacionadas
à religião, à civilidade, aos ciclos do calendário, etc. São ocasiões diferenciadas de sociabilidade, que envolvem práticas
complexas e regras próprias para a distribuição de papéis, preparação e consumo de comidas e bebidas, produção de
vestuário e indumentárias, entre outras.
Livro de Registro das Formas de Expressão
Criado para registrar as manifestações artísticas em geral. Formas de Expressão são formas de comunicação associadas a
determinado grupo social ou região, desenvolvidas por atores sociais reconhecidos pela comunidade e em relação às quais o
costume define normas, expectativas e padrões de qualidade. Trata-se da apreensão das performances culturais de grupos
sociais, como manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, que são por eles consideradas importantes para a
sua cultura, memória e identidade.
Livro de Registro dos Lugares
Nele são inscritos os mercados, as feiras, os santuários e as praças onde se concentram e/ou se reproduzem práticas culturais
coletivas. Os lugares são aqueles que possuem sentido cultural diferenciado para a população local, onde são realizadas práticas e
atividades de naturezas variadas, tanto cotidianas quanto excepcionais, tanto vernáculas quanto oficiais. Podem ser conceituados
como lugares focais da vida social de uma localidade, cujos atributos são reconhecidos e tematizados em representações simbólicas
e narrativas, participando da construção dos sentidos de pertencimento, memória e identidade dos grupos sociais.
Fonte: Brasil, 2018e

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Os bens inscritos em um ou mais de um desses livros recebem o título de Patri-
mônio Cultural do Brasil. Esse reconhecimento de bens e de expressões represen-
tativos da diversidade cultural brasileira, significa mais do que a mera atribuição de
um título:
Tem como efeito a obrigação, por parte do poder público, de documentar
e dar ampla divulgação a esse bem, de modo que toda a sociedade possa
ter acesso a informações sobre sua origem, sua trajetória e as transforma-
ções por que passou ao longo do tempo; seus modos de produção; seus
produtores; o modo como é consumido e como circula entre os diferentes
grupos da sociedade, entre outros aspectos relevantes. Ou seja, consiste
na identificação dos significados atribuídos ao bem e na produção de
vídeos ou material sonoro sobre suas características e contexto cultural
(BRASIL, 2012, p. 23).

História de Sucesso
O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, no Espírito Santo, foi o primeiro bem cul-
tural do país registrado, pelo Iphan, como patrimônio imaterial no Livro de Registro
dos Saberes, em 2002. O saber envolvido na fabricação artesanal de panelas de bar-
ro, processo de produção no bairro de Goiabeiras Velha, na capital Vitória, emprega
técnicas tradicionais e matérias-primas provenientes do meio natural. A atividade,
eminentemente feminina, é tradicionalmente repassada pelas artesãs paneleiras, às
suas filhas, netas, sobrinhas e vizinhas, no convívio doméstico e comunitário.

Figura 7 – Raiz da cultura popular do estado, a legítima panela de barro capixaba


é identificada por um selo de qualidade da Associação das Paneleiras de Goiabeiras
Fonte: Iphan/Márcio Vianna

Em 1815, as panelas de barro de Goiabeiras já figuravam na lista de atrativos


turísticos do Espírito Santo. O botânico naturalista francês Saint-Hilaire as descre-
veu, segundo o Dossiê das Paneleiras de Goiabeiras do Iphan, como: “caldeira de

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UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

terracota, de orla muito baixa e fundo muito raso”, “… num lugar chamado Goia-
beiras, próximo da capital do Espírito Santo” (BRASIL, 2006, p. 15). Atualmente,
confeccionam, em barro, panelas, potes, travessas, bules, caldeirões, frigideiras
etc., de diversas formas e tamanhos.

Apesar da urbanização e do adensamento populacional que envolveu o bairro de


Goiabeiras, fazer panelas de barro continua sendo um ofício familiar, doméstico e
profundamente enraizado no cotidiano e no modo de ser da comunidade de Goia-
beiras Velha. É o meio de vida de mais de 120 famílias, muitas das quais aparenta-
das entre si. Envolve um número crescente de executantes, atraídos pela demanda
do produto, promovido pela indústria turística como elemento essencial do “prato
típico capixaba” (BRASIL, 2018f).

A produção está associada à genuína culinária do Espírito Santo, principalmente


no preparo da moqueca e da torta capixaba. Raiz da cultura popular do estado, a
legítima panela de barro capixaba é identificada por um selo de qualidade da Asso-
ciação das Paneleiras de Goiabeiras. No grande galpão da associação, são produ-
zidas, em média, cerca de três mil panelas por mês. Apesar de ser uma atividade
tradicionalmente feminina, alguns homens já trabalham no ofício.

Figura 8 – As panelas de barro são o recipiente característico para as moquecas


capixabas (de peixes e mariscos), além da Torta da Semana Santa
Fonte: Iphan/Márcio Vianna

As panelas continuam sendo modeladas manualmente, com argila sempre da


mesma procedência e com o auxílio de ferramentas rudimentares. Depois de se-
cas ao sol, são polidas, queimadas a céu aberto e impermeabilizadas com tintura
de tanino, quando ainda quentes (figuras 9 e 10). Sua simetria, a qualidade de seu
acabamento e sua eficiência como artefato devem-se às peculiaridades do barro
utilizado e ao conhecimento técnico e habilidade das paneleiras, praticantes desse
saber há várias gerações. A técnica cerâmica utilizada é reconhecida por estudos
arqueológicos como legado cultural indígena. O saber foi apropriado por colonos
e descendentes de escravos africanos que vieram a ocupar a margem do man-
guezal, território historicamente identificado como um local onde se produziam
panelas de barro.

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Figuras 9 e 10 – Depois de secas ao sol, as panelas são polidas, queimadas
à céu aberto e impermeabilizadas com tintura de tanino
Fonte: Iphan/Márcio Vianna

Cuidar do nosso patrimônio imaterial é tarefa que cabe não apenas a ór-
gãos governamentais. No nosso cotidiano também podemos promover a
preservação desse patrimônio: ensinar aos nossos filhos o valor dos bens
culturais; procurar conhecer e valorizar nossos mestres e artistas locais;
envolver-se, direta ou indiretamente, na luta pela preservação dos patri-
mônios ameaçados de desaparecimento; acompanhar as ações dos ór-
gãos governamentais em prol da preservação das manifestações culturais
locais; entrar em contato com os agentes governamentais, propor, suge-
rir; conhecer as associações civis que existem no lugar onde moramos
e procurar saber se estas associações se preocupam com o patrimônio.
Ir além: formar uma associação, reunir um grupo de amigos, falar, dis-
cutir, se informar, ajudar a divulgar informações. (BRASIL, 2012, p. 33)

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UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
E-book Património Cultural: conceitos e critérios fundamentais
Esta obra, em formato digital, é uma coedição da IST Press e do Icomos Portugal, e
pretende reunir um conjunto de definições essenciais para qualquer abordagem teórica
ou prática ao património cultural, dando particular atenção às questões relacionadas
com o patrimônio arquitetônico. Adicionalmente, introduziram-se hiperlinks, com
o intuito de facilitar a navegação entre conceitos relacionados; na lista final de
referências bibliográficas, este sistema possibilita também o acesso direto, online, à
maioria das fontes consultadas. O Icomos – Conselho Internacional dos Monumentos
e Sítios –, é uma organização não-governamental mundial associada à Unesco. É a
única organização deste gênero, que se dedica a promover a teoria, a metodologia e
a tecnologia aplicada à conservação, à proteção e à valorização dos monumentos, dos
conjuntos e dos sítios.
https://bit.ly/2PD5pMJ

 Vídeos
Saberes do Barro – Ofício das Paneleiras De Goiabeiras
Primeiro bem cultural imaterial registrado no Brasil pelo Iphan. Inscrito no Livro de
Registro dos Saberes em 2002. O ofício das paneleiras, em Vitória (ES), constitui
um saber repassado de mãe para filha por sucessivas gerações, no âmbito familiar e
comunitário, em uma tradição de mais de 400 anos. A técnica cerâmica utilizada é
de origem indígena, caracterizada por modelagem manual, queima a céu aberto e a
aplicação de tintura de tanino.
https://bit.ly/2WgOjHa

 Leitura
Dicionário Iphan de Patrimônio Cultural
A obra, de caráter coletivo e referência dinâmica e crítica, busca contribuir no campo da
preservação do patrimônio cultural, a partir da experiência institucional, com a definição
básica das práticas, dos discursos e dos conceitos fundamentais que caracterizam a
história desse campo no Brasil. A obra foi concebida em duas partes: uma enciclopédica,
composta pelos artigos; e outra, dicionarizada, composta pelos verbetes.
https://bit.ly/2La7scF
Perguntas Frequentes Sobre Tombamento
A Prefeitura de São Paulo, em sua página na internet, no espaço Serviços para o
Cidadão, coloca à disposição 19 perguntas e respostas sobre o tema tombamento.
Vale a pena conferir.
https://bit.ly/2ZB9w0u

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Referências
BENHAMOU, F. Economia do patrimônio cultural. São Paulo: Edições Sesc São
Paulo, 2016.

BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Instrução


técnica do processo de Registro do Ofício das Paneleiras de Goiabeiras. Brasília:
Iphan, 2006. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/
9_1%20Iphan%20lan%C3%A7a%20livro%20sobre%20Of%C3%ADcio%20
das%20Paneleiras%20de%20Goiabeiras%20em%20Vit%C3%B3ria%20(ES).pdf>.
Acesso em: 11 dez. 2018.

________. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Dossiê I


phan 3 – Ofício das Paneleiras de Goiabeiras. Brasília: Iphan, 2006. Disponível
em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_oficio_paneleiras_
goiabeiras.pdf>. Acesso em: 04 jan. 2018.

________. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Patrimô-


nio cultural imaterial – para saber mais. Brasília, 2012. Disponível em: <http://
portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/cartilha_1__parasabermais_web.pdf>.
Acesso em: 03 jan. 2019.

________. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Desafios


da preservação do Patrimônio Cultural nas cidades históricas. Brasília: Iphan,
2018a. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Fol-
der_pac_2018.pdf>. Acesso em 11 dez. 2018.

________. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Política


do Patrimônio Cultural Material. Brasília: Iphan, 2018b. Disponível em: <http://
portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/publicacao_politica_do_patrimonio.
pdf>. Acesso em: 12 dez. 2018.

________. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Livros do


Tombo. Brasília, 2018c. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/deta-
lhes/608>. Acesso em: 02 jan. 2019.

________. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Patrimô-


nio imaterial. Brasília, 2018d. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/
detalhes/234>. Acesso em: 03 jan. 2019.

________. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Livros


de Registro. Brasília, 2018e. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/
detalhes/122>. Acesso em: 03 jan. 2018.

________. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan. Ofício das


Paneleiras de Goiabeiras. Brasília, 2018f. Disponível em: <http://portal.iphan.
gov.br/pagina/detalhes/51/>. Acesso em 04 jan. 2018.

________. Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Institui o Plano Nacional de


Cultura – PNC, cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais –

25
25
UNIDADE Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial

SNIIC e dá outras providências. Disponível em: <http://www2.cultura.gov.br/site/wp-


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CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS. Carta de Manaus. 5º ­Encontro


Brasileiro das Cidades Históricas, Turísticas e Patrimônio Mundial, ­Manaus/AM,
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CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO ESTADO


DE SÃO PAULO – CREA-SP. Patrimônio histórico: como e por que preservar.
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PORTA, P. Política de preservação do patrimônio cultural no Brasil – Diretri-


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SILVA, A. C. R.; SIMONIAN, L. T. L. A política patrimonial atual do Brasil e a gestão


compartilhada do patrimônio arqueológico na Amazônia. In: Revista­Memória em
Rede, v.10, n.18, jan./jul. 2018, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), P ­ elotas/
RS. Disponível em: <https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Memoria/
article/viewFile/11079/8116>. Acesso em: 10 dez. 2018.

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