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ELA É O CARA!

Camila Cabello Point Off View

A bola no pé, a sensação de euforia, a vontade de atravessar o campo e levá-la até o


fundo do gol num chute perfeito de fazer toda a torcida vibrar. Essa era sequência de
pensamentos que sempre me preenchia toda vez que eu começava uma partida de
futebol.
O melhor esporte do mundo!
Não importava onde ele era jogado, se era em um campo profissional, um asfalto
quente, ou a areia da praia onde eu estava agora. A sensação sempre seria a mesma e
eu vivia por ela. Vivia por esse esporte e faria de tudo para conseguir ser uma grande
jogadora profissional. No nível de Alexia Putellas, a melhor jogadora do mundo e dona
de duas lindas bolas de ouro. Aquilo, meus amigos, aquilo era o meu maior objetivo.
-Eu tô livre! – Ouço minha melhor amiga Dinah gritar do outro lado do pequeno campo
de areia e passo a bola para ela, correndo em seguida para frente, pois sabia que ela
me devolveria. Essa era uma de nossas inúmeras jogadas juntas.
Dito e feito! A bola voltou no meu pé e eu driblei o babaca loiro em uma finta perfeita,
passando por entre os dois zagueiros em seguida e chutando a bola que foi com GPS
para onde a coruja dorme, marcando nosso terceiro gol seguido.
-ISSO! – Pulo animada correndo até Dinah e sendo levantada pela mesma que sorria
enquanto me rodopiava no ar.
-Você foi fantástica, Mila. – Ela diz e me solta bagunçando meus cabelos.
-Ela deu sorte, isso sim. – Tinha que ser o babaca loiro falando isso.
-Cala a porra da boca, Nicolas! Ela joga muito melhor que você. – Dinah fala irritada se
colocando de braços cruzados na frente do garoto.
-Ela é uma garota, nem se ela quisesse ela conseguiria ser melhor. – Sinto a raiva me
consumir e quando eu ia partir pra cima daquele babaca sinto braços fortes me
puxarem pela cintura para trás. Dinah apenas bufa e se afasta negando com a cabeça.
-Calma, gatinha. Não vale a pena. – Meu namorado Alex, tentando mais uma vez
controlar meu comportamento esquentado. Ele sabia que se deixasse eu pularia no
pescoço de Nicolas, mesmo eu sendo muito mais baixa que ele.
-Você gosta de cortar o meu barato né! – Dou um tapa em seu braço e ele apenas ri
me puxando para fora do pequeno campo e indo até a nossa canga estendida na areia.
Se deita me puxando junto a ele e me beija com um sorriso sacana no rosto.
-Adoro quando você fica bravinha assim. – Reviro os olhos e ele ri mais ainda me
puxando para mais um beijo, dessa vez aprofundando o mesmo.
Alex era o capitão do time masculino de futebol do nosso colégio, ele era o atacante
principal e astro da equipe. Estávamos juntos a dois anos e meio, eu acho....já não me
lembro bem, parece que ele sempre esteve aqui.
-Você um dia vai ter que me deixar calar a boca daquele idiota, não tô nem ai se ele faz
parte do seu time. – Apoio a cabeça no peitoral dele e ele começa a fazer carinho no
meu cabelo.
-Gata, ele só tem inveja. Inveja porque você sozinha é melhor que metade do nosso
time. – Levanto a cabeça sorrindo para ele.
-Acha mesmo?
-É claro que eu acho. – Ele coloca uma mexa do meu cabelo atrás da orelha e sorri de
um jeito fofo. – Você é a melhor jogadora que eu já vi, e com certeza vai ser a melhor
do mundo.
-Você só fala isso porque é meu namorado.
-Não, eu falo isso porque é a verdade. – Ele pisca e sorri de lado. – E porque eu sou seu
namorado.
Dou um soquinho em seu peito fazendo o mesmo gargalhar e me puxar para outro
beijo que logo se torna intenso. Sinto Alex apertar minha cintura tentando me levar
mais para perto, se é que isso era possível.
-Você tá ficando bom nisso. – Digo quando finalizamos o beijo.
-Em beijar? – Pergunta confuso.
-Sim, quando nos conhecemos você não sabia dar beijinho. – Provoco e ele bufa
cruzando os braços com um biquinho fofo no rosto.
-Quer dizer que eu não beijava bem?
-Relaxa, eu te ensinei muito bem. – Sussurro puxando ele pelo pescoço para iniciar
uma sessão de beijos.
Eu gostava desses momentos com Alex, me sentia de certa forma confortável. Eu já
estava acostumada com ele e seu jeito meio bobo de ser.
Depois de me despedir do meu namorado e da minha melhor amiga eu fui para casa,
já sabendo que minha mãe me esperaria com aquela ideia de querer que eu fosse para
a reunião de debutantes, negocio chato!
Ela não gostava do meu jeito largado de ser, detestava as roupas largas que eu usava e
odiava o fato de eu querer jogar futebol. Mas pelo menos ela aprovava Alex, a única
coisa que eu tinha feito certo para ela era ter começado a namorar com ele.
Mas não sei quem estava mais no papel de ovelha negra da família, se era eu ou se era
meu irmão gêmeo Cameron Cabello. Ele queria ser cantor e tinha uma banda de
garagem, totalmente desaprovada pelos nossos pais que eram divorciados e viviam
nos jogando para casa um do outro quando começávamos a dar trabalho.
Eu andava tranquilamente quase chegando na porta de casa, jogando a minha bola de
futebol de uma mão para outra e cantarolando Katy Perry com meus fones de ouvido
no volume máximo.
O Boné de Cameron seguido pelo capuz do meu moletom me protegia do sol, eu tinha
ficado bem queimada na semana passada e não queria ficar descascando de novo. Eu
parecia uma fantasia de Halloween ambulante.
-Cameron?
-Cameron?
Tem alguém falando?
-CAMERON! – A puxada brusca no meu moletom me assustou fazendo com que eu
jogasse a bola para cima e quase caísse no chão.
-Tá maluca? – Pergunto indignada para a loira escorrida na minha frente.
-Ah, é você! – Ela fala revirando os olhos impaciente. – Achei que fosse o seu irmão.
Monique era a vaca namorada do meu irmão, sinceramente eu não sabia porque
Cameron ficava com ela. Garota sem sal, mimada e insuportável.
-Onde ele está?
-Eu tenho cara de babá dele? – Vocifero pegando minha bola no chão.
-Camila, eu não tô com paciência, fala onde ele está. – Ela coloca as mãos na cintura
com aquela cara de quem é acostumada a ter tudo nas mãos.
-Eu não sei, acabei de chegar se você não tá vendo. – Mostro a chave na minha mão. –
Acho que ele já está na casa do nosso pai, ou ele está te evitando porque era o que eu
iria fazer se fosse ele.
-Ninguém me evita. – Ela fecha os punhos. – Avisa ao seu irmão que ele tem sorte de
me namorar e que é para ele me ligar se quiser continuar namorando.
-Tá, tá. – Bufo entediada e me afasto entrando em casa, sem nem olhar para trás.
Ninguém merece essa garota.
-Ai está você! – Ah não, de repente eu preferia estar lá fora com Monique.
-O que foi, mãe?
-Olha só o que eu separei para você usar no baile de debutantes. – Ela estende um
vestido rosa horrível, cheio de babados e com as mangas bufantes. Quase vomitei meu
almoço. – O Alex vai amar ver você usando isso!
A empolgação dela me dava pena, mas eu nunca vestiria aquele troço horrendo. Nem
se me pagassem ou se a própria Putellas pedisse...tá se ela pedisse eu faria...mas quem
não faria? Aquela mulher é Deus.
-Não vai rolar, mãe. Quem sabe na próxima. – Forço um sorriso e tento subir as
escadas, mas ela me impede vindo até mim ainda com o vestido em mãos.
-Camila, querida. Já está na hora de você focar em coisas mais femininas, você anda
por aí parecendo o seu irmão, parece até que eu tive dois filhos homens.
Eu estava cansada de ouvir aquilo, era sempre a mesma conversa entediante sobre
como eu deveria ser e de como ela ficaria orgulhosa se eu fosse mais “feminina”.
Quem liga para essa merda de etiqueta e vestidos com babados? Eu nunca gostei de
princesas e mesmo se gostasse, eu não queria ter a minha vida baseada em esperar
um príncipe encantado vir me resgatar. Eu sou meu próprio príncipe encantado.
-Não vou usar isso! – Falo devagar e firme, continuando a subir as escadas antes que
ela continue com esse assunto insuportável.
Vejo a porta do quarto do meu irmão aberta e sigo para lá dando risada quando vejo
ele pendurado na janela tentando se amarrar por uma corda improvisada feita de
cobertores.
-O que você tá fazendo? – Pergunto me jogando na cama dele e ele me olha de olhos
arregalados. – Já não devia estar na casa do papai?
-Tecnicamente eu estou lá. – Ele diz jogando o monte de panos para o outro lado da
janela.
-A Monique tá te procurando...- Comento jogando minha bola para cima. – Ela é um
saco, por que você fica com ela?
-Ela é gostosa. – Reviro os olhos. – Coisa de homem.
-Tá que seja...- Vejo ele jogar uma mala grande pela janela e se sentar na mesma
passando uma das pernas para o outro lado. – O que é que você tá fazendo?
-Eu vou para Londres!
Levanto tão rápido que chego a ficar um pouco tonta.
-Espera aí, como assim Londres?
-Minha banda vai tocar num festival de lá, é minha grande chance. – Ele pega a
guitarra que estava dentro da capa ao lado da janela e solta a mesma para cair do lado
de fora.
-Mas e o Illyria? – Pergunto sobre o novo colégio dele.
-Então, eu estou contando com você para me ajudar com isso. – Ele levanta da janela
voltando para dentro do quarto e para de frente para mim.
-O que você quer que eu faça?
-Sei lá, liga para eles, finge que é a mamãe, inventa que eu tô com uma doença
terrível. – Ele pensa um pouco. – Tipo a da vaca louca!
-Quanto tempo vai ficar lá?
-Duas semanas.
-Duas semanas? – Começo a me preocupar. – Você sabe que isso é arriscado, não
sabe?
-Sei.
-Sabe qual a porcentagem de bandas que dão certo por aí?
-Provavelmente a mesma das jogadoras de futebol feminino. – Bufo e ele vem até mim
dando um beijo em minha testa e depois volta para a janela. – Te vejo em duas
semanas.
Pula com dificuldade e eu volto a me deitar na cama pensando na maluquice do meu
irmão e no que eu poderia fazer para livrar a barra dele.
(...)

Estava descendo para o campo de futebol do colégio com minhas amigas do time
quando Brenda, nossa goleira, vem até nós com uma cara nada boa.
-Que cara é essa? – Dinah pergunta.
-Cortaram nosso time.
-O que? – Pergunto franzindo o cenho. – Como assim cortaram o nosso time?
-A escola não quer mais gastar com a equipe e foram poucas garotas inscritas. – Ela
bufa me entregando a folha de aviso e eu leio sentindo a raiva me consumir.
-Tudo bem, calma. – Respiro fundo pensando em uma solução. – Vamos falar com o
treinador Chapman, talvez ele possa ajudar.
Continuamos descendo até o onde o treinador estava. Era treino do time masculino e
vi Alex fazendo umas flexões do outro lado do campo. Paro ao lado do treinador
Chapman e ele nem se dá ao trabalho de virar o rosto na minha direção.
-Oi, meninas. Já estou sabendo da novidade.
-Sabe que isso não é justo, tem que nos ajudar. – Falo em nome das minhas amigas de
time.
-Infelizmente eu não posso fazer nada garotas.
-Pode sim! – Sorrio pensando na ideia que tive agora. – Queremos jogar no time
masculino.
Ele gargalha e finalmente me olha, mas quando vê minha expressão séria ele para de
rir.
-Não está falando sério, não é?
-Qual é, treinador. Sabe que a gente sabe jogar, só queremos uma chance. – Ouço
minhas colegas concordarem e ele vira para mim com uma cara entediada.
-Olha, eu não sei se eu sei isso que você disse. – Fala irônico e eu fecho a expressão.
Filho da pu..
-Oi, gata. O que tá acontecendo aqui? – Alex pergunta se aproximando um pouco
ofegante com alguns amigos do time dele atrás.
-As garotas querem jogar no time masculino. – O treinador responde debochado.
-Espera, é sério isso? – Alex fala rindo e eu sorrio para ele.
-Por que tá todo mundo tão chocado?
-Não podem jogar no time masculino. – Diz o treinador babaca.
-E por que não? – Dinah pergunta se colocando ao meu lado.
-É simples, moças não são rápidas como rapazes, nem tão atléticas. – Ele cruza os
braços numa pose imponente. – É biologia, moças não superam rapazes!
-Alex, você é o capitão. – Me viro para o meu namorado. – O que me diz?
Ele olha para os amigos que esperavam a resposta dele e depois vira para mim.
-Acho que o treinador tem razão.
-O que? Como assim? Ontem você disse que eu era melhor que metade dos caras do
seu time. – Falo indignada e seus amigos começam um coro de zoação.
Alex ri em escarnio e cruza os braços tentando parecer um macho alfa, patético.
-Camila, eu nunca disse isso, tá legal? – Diz em tom de deboche. – E chega desse papo!
Seus amigos riem dando pequenos tapinhas em seus ombros e eu nego com a cabeça.
-Você é um idiota! – Me aproximo dele, olhando com raiva. – Acabou!
Seu sorriso debochado morre na hora e seus amigos começam a zoar de novo com ele.
Saio rápido do campo chamando minhas amigas e Alex corre até mim.
-Gata, perai. – Ele me puxa pelo pulso e eu solto puxando com força. – Eu só não quero
que se machuque...
-Vai se ferrar! - Empurro ele e saio sem sequer olhar para trás.
Que se dane ele e esse time de imbecis, e que se dane esse treinador filho da puta.
Quero que todo mundo vá se foder.
Volto para casa me sentindo derrotada e quando abro a porta dou de cara com a
minha mãe que estava na sala com um monte de vestidos em cima do sofá.
-Que cara é essa? – Pergunta vendo a minha expressão de derrotada.
-Você venceu mãe, cortaram o time de futebol. – Suspiro me sentindo péssima e ela
abre um sorriso enorme como se não estivesse nem aí para os meus sentimentos.
-Sem futebol? – Ela pega um dos vestidos em cima do sofá e estende mostrando para
mim. – Quer dizer que agora você tem tempo para se dedicar a outra coisa?
-Não.
Subo as escadas correndo, vou direto para o meu quarto e entro batendo a porta com
força. Deito na cama e começo a olhar os meus pequenos troféus de futebol que
ganhava quando era criança, todos em cima de uma prateleira com algumas fotos
minhas com as minhas companheiras de time.
Por que tinha que ser tão difícil? Por que eu não poderia mostrar meu talento para o
mundo e jogar o esporte que eu amava? Tinha que ser tão difícil assim só por eu ser
mulher? Mesmo se eu conseguisse uma chance, eu nunca seria tão valorizada quanto
os jogadores masculinos.
Seria tudo mais fácil se eu fosse homem...
De repente meus olhos se voltam para a foto minha e do meu irmão que estava
pregada no espelho do meu quarto. Me levanto para pegar a foto e começo a analisar
a mesma.
“Achei que fosse o seu irmão.”
“Você anda por aí parecendo o seu irmão.”
As vozes de Monique e da minha mãe veem na minha cabeça e eu arregalo os olhos.
Era isso!
Era isso que eu precisava fazer!
Eu tinha que me tornar um homem e assim mostraria para todos aqueles babacas que
estavam errados.
Sorrio triunfante e pego minhas malas colocando todas as minhas roupas dentro. Pego
minha bola de futebol e o boné de Cameron. Desço as escadas, tão rápido quanto subi.
-Opa, mocinha! – Minha mãe me interrompe quando chego perto da porta. – Onde
você pensa que vai?
-Mãe, já disse. Vou ficar duas semanas na casa do papai. – Respondo sem me virar.
-Não disse não, e você não vai!
Mordisco o lábio pensando numa desculpa e tiro toda força do mundo para falar o que
me vem na cabeça.
-Sabe, mãe...- Me viro para ela e faço uma carinha inocente. – Eu pensei sobre o que
você disse, de todo esse lance de debutante e acho que você tem razão.
Ela abre um sorriso e corre até mim me segurando pelos ombros.
-Sério?
-Sim...a Monique vai ficar o tempo todo com o Cameron e eu achei que ela poderia me
ajudar sabe, a aprender tudo sobre o assunto. – Sorrio mostrando os dentes e ela me
abraça.
-Minhas preces foram ouvidas! – Ela me enche de beijos e eu me afasto limpando a
baba que ficou no meu rosto. – Você e a Monique vão se divertir muito.
-Também acho. Preciso ir.
Saio antes que ela fale alguma coisa a mais.
(...)

-Não, de jeito nenhum! – Meu amigo Troye falava enquanto passava chapinha no
cabelo de uma cliente. Estávamos no salão de beleza dele, implorando para que ele
nos ajudasse.
-Por favor, Troye. – Eu, Dinah e Brenda fazendo biquinhos pidões.
Ele se vira e nos olha como se fossemos malucas.
-Você tem noção que está pedindo para que eu transforme você no seu irmão? –
Arqueia as sobrancelhas.
-Olha, Troye. Eu só quero jogar futebol. Posso mostrar que sou melhor que todos
aqueles idiotas do time do Alex. – Suspiro. – Eu só preciso de uma chance. Por favor,
Troye.
-É, por favor, Troye. – A cliente que se tratava de uma idosa pede e ele abre um
sorrisinho negando com a cabeça.
-Tá bom, tá bom. – Ergue as mãos em rendição e nós pulamos animadas abraçando
ele. – Mas se der errado, eu nunca tive nada a ver com isso.
-Fechado!
-Vamos a transformação! – Ele fala e eu respiro fundo.
Meu futuro estava prestes a tomar rumo.
Twitter: @Eilish5x

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