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Organizadores:

Fernando Miranda / Gonzalo Vicci / Melissa Ardanche

BELLAS
ARTES
Organizadores:
Fernando Miranda / Gonzalo Vicci / Melissa Ardanche

BELLAS
ARTES
Universidad de la República
Roberto Markarian
Rector

Comisión Sectorial de Investigación Científica


Cecilia Fernández
Pro Rectora de Investigación

Instituto “Escuela Nacional de Bellas Artes”


Fernando Miranda
Director

Impreso en Mastergraf / Mayo 2017


D.L.
ISBN:

Diseño de portada: Tania Pérez


Maquetación: Elina Zurdo
ORDEN DOCENTE

Samuel Sztern
Javier Alonso
Ruth López
Paula Espert
Martín Iribarren

ORDEN ESTUDIANTIL
Mariana Sierra
Yohnattan Mignot
Josefa Sanes

ORDEN EGRESADOS
Edgardo Terevinto
María del Carmen Baitx
Sofía Martínez
ÍNDICE

PRÓLOGO

Educación y Visualidad: Investigaciones pedagógicas en contextos hiper-visuales....................................13


Fernando Miranda, Gonzalo Vicci y Melissa Ardanche

SÍNTESIS

V Coloquio Internacional Educación y Visualidad. Investigaciones pedagógicas en contextos


hiper-visuales: Síntesis y Comentarios............................................................................................................................15
Alice Fátima Martins

1) FORMACIÓN DE PROFESORES Y CULTURA VISUAL

Atravessamentos da Educação da Cultura Visual na formação de professores em Artes Visuais..........21


Monica Mitchell de Morais Braga y Belidson Dias

Reabitar o conceito de Multivíduo em Canevacci sob uma Perspectiva da Formação Docente


em Artes Visuais.......................................................................................................................................................................27
Francieli Backes y Leonardo Charréu

Imagens nas escolas: currículo, práticas e diálogos com visualidades................................................................33


Adriane Camilo Costa y Raimundo Martins

Lugares, encontros e acontecimentos da formação docente em Artes Visuais...............................................39


Deise Facco Pegoraro y Leonardo Charréu

Arte contemporânea e educacão da cultura visual: pedagogias culturais na alfabetização infantil.....43


Lutiere Dalla Valle y Jéssica Maria Freisleben

Afetos de um mundo secreto: fabulações de uma formação docente..................................................................47


Ana Cláudia Barin y Marilda Oliveira de Oliveira

Cavar vazios: Compor/ produzir/ inventar docências ‘entre’ escritas e imagens............................................55


Francieli Regina Garlet y Marilda Oliveira de Oliveira

Pesquisar na primeira pessoa: enfrentamentos metodológicos no processo de formação


docente em artes visuais........................................................................................................................................................61
Jonara Eckhardt y Leonardo Charréu

2) CULTURA VISUAL Y PRODUCCIÓN DE NARRATIVAS FÍLMICAS ALTERNATIVAS

Josafá Duarte e o cinema autodidata.................................................................................................................................67


Paulo Passos de Oliveira
Narrativas audiovisuais: dispositivos móveis e imagens técnicas em ambiente escolar.............................73
Marcelo Henrique da Costa

Um cinema entre as ruínas e o futuro...............................................................................................................................83


Alice Fátima Martins

Narrativa fílmica infante e experiência educativa: que campos de sentidos são produzidos
neste diálogo?............................................................................................................................................................................87
Vivien Kelling Cardonetti y Marilda Oliveira de Oliveira

Dando Pinta: juventude transviada nas periferias do Rio de Janeiro.................................................................97


Rodrigo Torres do Nascimento y Aldo Victorio Filho

Nas redes teóricas e metodológicas com imagens, cotidianos e afetos.............................................................105


Teresinha M. C. Vilela y Aldo Victorio Filho

3) DISCUSIONES EPISTEMOLÓGICAS Y PEDAGÓGICAS SOBRE EL ARTE Y LA CULTURA VISUAL

O discurso da cultura visual no Brasil (2005-2015)..................................................................................................113


Erinaldo Alves do Nascimento y Maria Emilia Sardelich

Os materiais visuais na pesquisa em Educação...........................................................................................................119


Susana Rangel Vieira da Cunha

Máquinas estético - poéticas para aprender...............................................................................................................129


Tatiana Fernández y Belidson Dias

A pergunta que foi feita: sobre escolhas metodológicas e desafíos na pesquisa em


Arte e Cultura Visual.............................................................................................................................................................137
Leda Maria de Barros Guimarães

Avessos da docência em Artes Visuais...........................................................................................................................145


Alexandre Guimarães

Ensino de Desenho na formação profissional e tecnológica: reflexões sobre arte,


visualidades e cotidiano no contexto cultural amazônico......................................................................................155
Ronne Franklim Carvalho Dias y Raimundo Martins

4) PRÁCTICAS ARTÍSTICAS Y RESISTENCIAS VISUALES

Fanzines: visualidades impertinentes e suas táticas de narrativas imagéticas............................................163


Ramon Santos de Castro

A Visão Arde: sobre aquilo que não deve ser visto......................................................................................................173


Paul Cezanne Souza Cardoso de Moraes

Frida kallejera? Me kahlo! Quando corpos e imagens se encontram.................................................................179


Odailso Berté, Crystian Castro y Andres Morales Granillo

Batuque, arte e educação na comunidade quilombola São Pedro dos Bois, Amapá/Brasil......................185
Clícia Tatiana Alberto Coelho y Raimundo Erundino Santos Diniz

Prácticas de colaboración y modelos de autoría en editoriales cartoneras latinoamericanas................195


Valeria Lepra

Materialidades efímeras en la emergencia de una estética de resistencia política en


el espacio público...................................................................................................................................................................199
Roberta Rodrigues
Intervenciones montevideanas: as frases desenhadas pelos muros da cidade,
seus autores e sua receptibilidade..................................................................................................................................207
Maurício Fernando Schneider Kist

Estética y política. Un estudio de las prácticas artístico-políticas en Uruguay,


Argentina y Chile durante los años 70 y 80................................................................................................................219
May Puchet

Noite das Lanternas Flutuantes: Prácticas artísticas de participación colectiva con


la comunidad del barrio Arquipélago en Porto Alegre – Brasil...........................................................................227
Ricardo Moreno

5) ÁMBITOS Y RECORRIDOS

Universos visuais da espera em espaço de trânsitos: Colégio Militar de Santa Maria...............................235


Simone Marostega y Leonardo Charréu

Construções poéticas para processos emancipatórios na paisagem escolar.................................................241


Maria Lia Gauterio Conde Pinto

Choque de Monstros: corpo, identidade e visualidade na escola........................................................................245


Pâmela Souza da Silva

Ensino de Arte: diálogos transestéticos na formação do sujeito na cibercultura..........................................253


Débora Cristina Santos e Silva y Leda Maria de Barros Guimarães

Olhar, ver, reparar: um estudo sobre as visualidades e cegueiras que atravessam a escola...................259
Juliana Zanini Salbego y Leonardo Charréu

O ensino médio em logotipos e cartuns no Brasil......................................................................................................263


Rosilei Mielke y Erinaldo Alves do Nascimento

A Escola de Artes Visuais do Parque Lage....................................................................................................................269


Claudia Saldanha

Mantras dodecafónicos: visualidades musicales......................................................................................................281


Leísa Sasso y Belidson Dias

Excessos e intervalos de aprendizagens com a cidade...........................................................................................287


Tamiris Vaz y Raimundo Martins

6) VISUALIDADES DIGITALES Y CONSTRUCCIÓN DE IDENTIDADES

O que pode uma docência ao garimpar heterogêneos e aprender nos encontros com signos? .............295
Angélica Neuscharank y Marilda Oliveira de Oliveira

Ocultamiento / Revelación: Un estudio sobre impactos e inter-relaciones entre sujetos


y dispositivo tecnológico visual de vigilancia en espacio pre-determinado..................................................305
Marcela Blanco Spadaro

Conversaciones Hipervisuales. ¡Eso también es una visualidad!........................................................................311


Juan Sebastián Ospina Álvarez

“Essa não sou eu”: um estudo sobre as culturas juvenis do corpo no espaço escolar...................................321
Karina Dias Silveira y Leonardo Charréu

Justiça social e educação: Problemas de gênero nas Artes Visuais...................................................................325


Carla de Abreu
As visualidades interativas dos robôs paraibanos no Robocup jr. Dance........................................................333
Rosângela Pacífico Matias y Erinaldo Alves do Nascimento

Da invenção de infância à adolescência estendida: imagens de juventude contemporânea


no advergame “Salvando a fonte”....................................................................................................................................339
Jordana Falcão Tavares y Raimundo Martins
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PRÓLOGO

Educación y Visualidad: Investigaciones pedagógicas en contextos


hiper-visuales

Fernando Miranda
Gonzalo Vicci
Melissa Ardanche

El V Coloquio Internacional Educación y Visualidad gaciones que tienen que ver con las etapas de
se realizó, en 2016, en la ciudad de Montevideo, preparación de base de los docentes que actúan
Uruguay. El evento, que se lleva adelante desde en ámbitos de educación artística.
2007 en distintas universidades brasileñas, ocurrió
por primera vez fuera de Brasil. Se establecen allí relaciones entre los estudios
de Cultura Visual y los formatos curriculares de
Para esto, se contó con la organización del “Nú- formación del profesorado, la construcción de la
cleo de Investigación en Cultura Visual, Educa- identidad docente y las representaciones estéticas,
ción y Construcción de Identidad” del Instituto ideológicas y políticas de los educadores.
“Escuela Nacional de Bellas Artes”, así como dis-
tintos y convergentes apoyos de la Universidad Las contribuciones de este apartado también
de la República. avanzan sobre la formación de profesores en sus
condiciones de ejercicio práctico, las característi-
En la edición de la que este libro reúne el conjunto cas de los ambientes físicos, y las relaciones con
de contribuciones, el tema fue el de las Investiga- materiales y visualidades cotidianas.
ciones pedagógicas en contextos hiper-visuales,
con el que se pretendió reconocer los desafíos de Un segundo apartado tiene que ver con la Cultu-
las prácticas de investigación y de la producción de ra Visual y la producción de narrativas audiovi-
conocimiento en entornos cotidianos de múltiples suales alternativas, donde el interés está centrado
experiencias visuales, y dar alternativas críticas, en diversas maneras de producir visualidades.
prácticas y reflexivas.
Desde prácticas autodidactas desarrolladas en
Naturalmente, en un evento de colaboraciones ámbitos no centrales de producción fílmica y
variadas, es importante fijarse también como ob- que recogen experiencias de vida locales, hasta
jetivo profundizar las relaciones entre los grupos la utilización de lenguajes audiovisuales en el
de investigación relacionados en este espacio trabajo con adolescentes en distintos contextos
académico, tanto como el conocimiento mutuo de de actuación, las aportaciones transcurren en
sus prácticas y de sus producciones teóricas. reconocer oportunidades, posibilidades y logros
El espacio de la Educación, de las Artes Visuales de narrativas visuales diversas.
y de los Estudios de Cultura Visual, como ámbi-
to de investigaciones, merece distintos foros de Esto permite reconocer expectativas, experien-
amplificación y debate de sus resultados locales cias, placeres -y también sufrimientos y dolo-
y regionales. res- de diferentes grupos y colectivos que en-
cuentran en la construcción de relatos visuales,
En base a las características temáticas del con- posibilidades de expresión y voz.
junto de contribuciones expuestas en la quinta
edición de este coloquio, hemos agrupado las Un tercer conjunto de colaboraciones las he-
mismas en seis capítulos, a fin de ordenar sus mos nucleado bajo el título de Discusiones epis-
aportes y relacionar su lectura. temológicas y pedagógicas sobre el Arte y la Cul-
tura Visual.
En el primer apartado, que denominamos For-
mación de profesores y Cultura Visual, encon- Se trata de un grupo de textos que tienen como
trará el lector reflexiones surgidas de investi- denominador común analizar los discursos vincu-
- 14 -

lados a las artes visuales, la Pedagogía y las visuali- recorridos; nos adentramos en la lectura de una
dades cotidianas, y la condición de la teoría y el es- serie de textos que forman una suerte de work
tatus disciplinar de la reflexión sobre estos campos. in progress respecto a investigaciones en curso
que reconocen los más variados ámbitos de acon-
Este apartado no escapa de ubicar textos que tecimiento de experiencias dentro del sistema
discuten también las orientaciones metodoló- educativo formal, especialmente en escuelas y
gicas y las consecuencias curriculares de estos colegios secundarios.
debates, tanto como su impacto en la definición
siempre discutida de la condición epistemológica El libro termina con un último apartado, el sex-
de nuestro campo de estudio. to, donde el interés reside en lo que hemos defi-
nido como Visualidades digitales y construcción
Al apartado cuarto lo hemos denominado Prác- de identidades.
ticas artísticas y resistencias visuales. Creemos
que el mismo exigirá al lector un juego con sus Este grupo de trabajos hace foco en la relación
propias referencias visuales y sus experiencias con las imágenes visuales y en sus consecuen-
como espectador. cias de producción de deseo, construcción de
identidad y sexualidad, consecuencias de consu-
Allí se recogen distintos resultados de investiga- mo, y hasta prácticas de vigilancia. En un extre-
ciones que toman en cuenta diferentes alternati- mo, algunos de los textos avanzan aún a formas
vas artísticas, acciones de resistencia y memoria, de visualidades desprovistas de imágenes, a las
y hasta maneras de posicionarse frente al deno- que podríamos llegar por textos literarios y evo-
minado mercado del arte. caciones imaginarias.

Los textos no eluden miradas sobre lo institucio- Al final, estamos convencidos de que los resul-
nal formal a nivel cultural -museos- o educativo tados de las distintas prácticas de investigación
-centros escolares-; pero también avanzan sobre que este volumen reúne, favorecen la posibilidad
maneras alternativas de ubicarse frente al Esta- de reunir sus contribuciones en diferentes capí-
do y al mercado, para trabajar con referencias tulos temáticos que abrirán seguramente, a futu-
artísticas, políticas o comunitarias que abren ám- ro, nuevas oportunidades de avance.
bitos de acción a ser explorados o reconocidos.

Continuando en la estructura de este libro, el


quinto apartado asume las aportaciones que
reunimos bajo el título más abierto de Ámbitos y
- 15 -

V COLOQUIO INTERNACIONAL EDUCACIÓN Y VISUALIDAD


INVESTIGACIONES PEDAGÓGICAS EN CONTEXTOS HIPER-VISUALES:
SÍNTESIS Y COMENTARIOS
Alice Fátima Martins - UFG

Entre os dias 9 e 10 de maio de 2016, os pro- do colóquio. Destarte, ganharam destaque as


fessores Fernando Miranda e Gonzalo Vicci, tensões e inquietações em relação às questões
do Instituto Escuela Nacional de Bellas Ar- de gênero, etnia, e pedagogias, com destaque
tes – Universidad de la República, ligados ao aos referenciais identitários. Também foram
Núcleo de Investigación en Cultura Visual, tratadas questões referentes às tecnologias
Educación y Construcción de Identidad, es- da imagem, da informação, das relações, e
tiveram à frente na realização do V Coloquio suas reverberações nos processos educati-
Internacional Educación y Visualidad, cujas vos, em seus diversos contextos e ambientes.
atividades ocuparam os espaços do belo Tea- Assim, a ênfase esteve nos processos de ensi-
tro Solís, em Montevideo. Os temas em pauta nar e aprender atrelados às visualidades da
organizaram-se em torno ao eixo Investiga- arte, da publicidade, das ruas, das redes, dos
ciones pedagógicas en contextos hiper-vi- ambientes digitais. Nesses termos, o visível e
suales. Sua realização integra as atividades o não visível, as visualidades autorizadas, le-
desenvolvidas regularmente pelo Grupo de gitimadas, foram problematizadas em relação
Pesquisa Cultura Visual e Educação (CNPq/ às demais, as não autorizadas, trazendo-se à
Brasil), de modo que dele participou o corpo discussão os modos de visibilizar e os sistemas
de pesquisadores do grupo, e seus orientan- de regulação. O corpo compareceu como um
dos matriculados nos diversos programas de dos temas mais potentes, se não o principal,
pós-graduação aos quais se vinculam, no Bra- nessas questões, nas relações de tensão entre
sil e Uruguai. Encerrando a programação aca- o visível e o não visível, o autorizado e o não
dêmica, foi organizada uma sessão com o ob- autorizado.
jetivo de se esboçar uma síntese acrescida de
comentários e observações a respeito dessa Nas discussões, recorrentemente esteve em
que foi uma breve mas intensa jornada. A em- destaque a ênfase na abordagem de temas
preitada foi designada, pelos coordenadores, que envolvem, diretamente, os conteúdos,
à Profª Rachel Fendler e a mim. Assim, a nós as temáticas capazes de inquietar e motivar
coube a tarefa de acompanhar toda a progra- o desenvolvimento das várias pesquisas em
mação e, ao final, enfrentar o desafio de apon- pauta. Contudo, e talvez por isso mesmo, fi-
tar as principais questões emergidas ao longo cou ressaltada a necessidade de haver uma
das apresentações de trabalho e das conver- aproximação maior às questões de ordem
sações, bem como sinalizar aspectos que tal- metodológica e epistemológica em relação
vez devessem sem enfatizados nos próximos ao tema-eixo proposto para o colóquio. Foi
colóquios a serem realizados pelo Grupo. possível notar que os temas desenvolvidos já
traziam alguma demarcação prévia a respeito
Desse exercício, pudemos constatar que, de da noção de visualidade e hiper-visualidade,
um modo geral, as conversações e os trabal- no tocante a suas implicações em processos
hos apresentados ressaltaram preocupações de investigação, aos modos de abordagem. Na
e interesses no tocante a um amplo conjunto maioria dos casos, essas demarcações prévias
de temáticas que atravessam o campo, ou os não foram colocadas em questão, não foram
campos, seja a partir dos estudos da cultura problematizadas. Por essa razão, sentimos a
visual, de um modo mais amplo, seja no tocan- necessidade de haver um avanço maior sobre
te aos contextos considerados hiper-visuais a abordagem epistemológica, bem como na
e seus desdobramentos, conquanto temática discussão a respeito das metodologias de pes-
- 16 -

quisa. Tal ênfase poderia fornecer parâmetros mação com os sentidos mais atentos, resultan-
norteadores para articular, de modo mais do em aprendizagens ampliadas. Do mesmo
consistente, a abordagem das temáticas em modo, não poderia deixar de referir o cuida-
pauta. O que são os contextos hiper-visuais? do e o rigor com que a Profª Rachel Fendler
Qual a natureza das visualidades referidas acompanhou os trabalhos, cuja interlocução
nas pesquisas reportadas? As visualidades re- considero um privilégio, neste exercício.
percutem nas questões em processo de inves-
tigação? De que forma? Elas permitem pensar
de outra maneira? Em que medida, ao trazer
as discussões sobre imagens, e fazer uso delas,
corre-se o risco de reproduzir as coisas que já
se sabe de antemão, ou de reiterar certos con-
juntos de crenças, em vez de questioná-las?

No caso das pesquisas apresentadas, todas


desenvolvidas no âmbito dos programas de
pós-graduação que tomam parte do Grupo de
Pesquisa Cultura Visual e Educação (CNPq/
Brasil), pareceu-nos interessante perguntar,
por exemplo, como se dão as relações entre as
pesquisas desenvolvidas pelos orientadores
e os estudantes a eles vinculados? Como fun-
cionam os grupos e as redes de investigação
no tocante à circulação de visualidades, além
da discussão a respeito das mesas?

Ainda a esse respeito, e intentando um exer-


cício de autocrítica, sugere-se fazer uma
reflexão a respeito dos tipos de imagens ge-
ralmente articuladas nas apresentações das
conferências que tratam de imagens. Ou seja,
como se fazem uso das visualidades quando
se abordam questões relativas ao visual e ao
hiper-visual? Como as estratégias de uso des-
sas visualidades articulam as tensões entre os
conteúdos em discussão e a organização do
pensamento?

Finalmente, ressaltou-se a intensidade com


que a programação foi desenvolvida, com al-
gumas manifestações relativas ao desejo de
que houvesse mais tempo para o aprofunda-
mento nos debates. Esta queixa resulta da di-
fícil equação a ser resolvida pelos organizado-
res, em todas as edições do Colóquio, entre os
parâmetros que envolvem número de partici-
pantes apresentando trabalhos, o tempo des-
tinado à apresentação de cada comunicação
e o tempo de debate e conversação. Ainda e
assim, tal observação aponta, sobretudo, para
o desejo de aprofundar compartilhamentos, o
que só ocorre onde há solo fértil, acolhimento,
encontro profícuo. Tais qualidades podem ser
atribuídas ao V Coloquio Internacional Educa-
ción y Visualidad, sem dúvidas.

Não poderia fechar este breve relato sem


agradecer o desafio proposto pelos organiza-
dores, que me levou a participar da progra-
1.
FORMACIÓN
DE PROFESORES
Y CULTURA VISUAL
- 21 -

ATRAVESSAMENTOS DA EDUCAÇÃO DA CULTURA VISUAL


NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ARTES VISUAIS

Monica Mitchell de Morais Braga - UnB


Belidson Dias – UnB

Resumo: destes futuros professores para refletir sobre o


pensamento da educação da cultura visual nos
Em meio a grande oferta visual da vida contem- currículos da formação dos professores em artes
porânea, trabalhar com os estudos da cultura visuais.
visual em ambientes de aprendizagem é uma
abordagem que vem se desenvolvendo com fre- Palavras-chave: cultura visual, currículo e for-
quência no Brasil. Os estudos referentes à cul- mação de professores.
tura visual entendem que a experiência social é
afetada por imagens e artefatos que configuram Introdução
práticas do mostrar, do ver e do ser visto, carac-
terizando-se, portanto, um campo que pensa e A influência crescente das imagens no cotidiano
problematiza nossas experiências visuais que tem reflexos na maneira no qual compreende-
surgem das condições da vida cotidiana. A edu- mos e nos relacionamos com as pessoas. O coti-
cação da cultura visual propõe espaços de mu- diano está repleto de imagens que influenciam o
danças tanto na (re) construção de um currículo nosso modo de pensar, de agir e isso afeta direta-
de arte que se faça mais próximo da vida cotidia- mente os processos de ensino e aprendizagem da
na contemporânea, quanto para mobilizar, diver- arte. Professores, pesquisadores na área de arte
sificar e ampliar modos de olhar. Uma educação investigam a necessidade e a importância em li-
voltada para a cultura visual busca compreender dar com estas imagens em seus estudos.
influências, processos e impactos que operam
na mediação das representações visuais em Em meio a grande oferta visual da vida contem-
contextos educacionais. A educação da cultura porânea, trabalhar com os estudos da cultura
visual surge como uma concepção pedagógica visual em ambientes de aprendizagem é uma
que destaca as múltiplas representações visuais abordagem que vem se desenvolvendo com
do cotidiano. Esta pesquisa pretende investigar a frequência no Brasil. A pesquisa sobre cultura
presença da cultura visual na formação de pro- visual desenvolvida no Brasil encontra-se, em
fessores de artes visuais de duas instituições de grande parte, na Universidade Federal de Goiás,
ensino superior. Considerando “atravessamen- Universidade de Brasília, na Universidade Fe-
tos” uma metáfora aos caminhos percorridos deral de Santa Maria (UnB, UFG e UFSM)1. En-
por formandos em licenciatura em artes visuais contramos pesquisas também na Universidade
da Universidade Federal de Goiás e da Universi- Federal da Paraíba e na Universidade do Estado
dade de Brasília, a pesquisa busca investigar os do Rio de Janeiro (UFPB e UERJ)2. Por se tratar
Trabalhos de Conclusão de Curso destas duas ins- de uma abordagem pioneira em Programas de
tituições. A pesquisa se expande para questões e Pós-Graduação3, a cultura visual nem sempre
reflexões que vão além da análise das produções está presente nos currículos dos cursos de for-

1 - Grupo de Pesquisa Cultura Visual e Educação da Faculdade de Artes Visuais (UFG), Grupo de Pesquisa do CNPq - Transviações: Educação
e Visualidade do Instituto de Artes (UnB) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultura do centro de Educação (UFSM).
2 - Grupo de Pesquisa Estudos Culturais em Educação e Arte (UERJ) e Grupo de Pesquisa em Ensino de Artes Visuais (UFPB). Estas duas
universidades participam do grupo de Pesquisa Cultura Visual e Educação da UFG junto com a UnB, UFSM e Universidad de la Republica
Uruguay (UDELAR).
3 - O primeiro curso de pós-graduação em Cultura Visual no Brasil começou na FAV/UFG em 2003.
- 22 -

mação de professores em artes visuais. tos que operam na mediação das representações
visuais em contextos educacionais. A educação
Por este motivo, esta pesquisa pretende investi- da cultura visual se abre para diferentes formas
gar como a presença da cultura visual nos Tra- de conhecimento incentivando “consumidores
balhos de Conclusão de Curso (TCC) das Licencia- passivos a tornarem-se produtores ativos da cul-
turas em Artes Visuais da UFG e UnB, nos anos de tura, revelando e resistindo no processo às estru-
2007 a 2013, pode constituir-se em um currículo turas homogênicas dos regimes discursivos da
para a formação em educação da cultura visual visualidade” (DIAS, 2008, p. 39).
para professores de artes visuais. Esse interesse
por este recorte surge das inquietações de aluna A educação da cultura visual ultrapassa a inde-
e docente que “atravessa” estas instituições, de finida fronteira que abarca os objetos artísticos
forma que o termo “atravessamentos” passa a ser e explora a visualidade, ao enfocar discussões
uma metáfora aos caminhos formativos, portan- sobre a influência das imagens da mídia, tal
to, dos currículos percorridos por formandos em qual o cinema, a publicidade, os jogos digitais,
Licenciatura em Artes Visuais da Universidade as revistas, histórias em quadrinhos, na busca
Federal de Goiás e da Universidade de Brasília. da conexão entre a arte e a vida, entendendo a
A educação da cultura visual imagem como parte do cotidiano, num contexto
diverso e complexo.
Segundo Belidson Dias, “a educação da cultura
visual significa a recente concepção pedagógica Dias (2012) nos lembra que é no início do século
que destaca as múltiplas representações visuais XXI, no Brasil, que se observam vários arte/edu-
do cotidiano” (2012, p. 61). Considera que estas cadores realizando um deslocamento gradual
representações estimulam práticas de produção, da pesquisa e da prática de ensino focada nos
apreciação e crítica de artes ao desenvolver a cog- estudos da arte de elite, para a discussão, dos
nição, imaginação e consciência social. Pois, com- aspectos culturais da visualidade do cotidiano
preende todos os tipos de representação visual, ampliando as formas de conhecer e incorporar
sejam elas consideradas arte ou não. as questões da visualidade cotidiana nas práticas
escolares.
É importante ressaltar que a educação da cul-
tura visual não elimina o diálogo com a história A perspectiva da educação da cultura visual
da arte. Contudo, não a trata através de uma propõe contextualizar o social e o individual.
concepção linear, cronológica, formalista e evo- São abertas possibilidades de entendimento das
lutiva da produção artística. Tampouco se detêm relações de poder sociais e individuais, dos pro-
a biografias de artistas ou com a história dos mo- cessos de construção identitária dos próprios
vimentos estilísticos. Sem a pretensão de enalte- estudantes e de inserção de outras identidades
cer a arte e os artistas, pretende questionar como para esse entendimento. Considera-se importan-
as imagens fixam, disseminam e interferem nas te discutir a experiência social e cultural do ver
nossas interpretações de nós mesmos e do mun- e ressaltar sua influência na formação de iden-
do. Para Dias, tidades e subjetividades, posto que a experiência
individual não pode ser pensada de modo sepa-
a essência da proposição pedagógica não é atin- rado da prática social.
gir a resposta estética elevada, das Belas Artes ou
até mesmo das artes visuais, mas é para alcançar A incorporação crítica dos fenômenos da cultura
significado, sentido, por meio da análise de todas visual requer atenção ao contexto social. As prá-
as formas de cultura visual contextualizadas ticas sociais, os rituais escolares, rotinas e todo
pela experiência da vida cotidiana. (2012, p.61) tipo de interações pedagógicas não podem operar
independentemente de seus contextos sociais. A
O uso do termo “educação da cultura visual” é en- educação da cultura visual associa e acrescenta
tendido aqui como “uma pedagogia crítica, que reflexões de cunho político, social, econômico,
não sugira, nem promova uma metodologia ou histórico, tecnológico, artístico e educacional à ba-
pedagogia unificada e específica, ou ainda, que gagem de saber, memória, vivência e capacidade
indique um currículo específico” (DIAS, 2011, p. interpretativa que o indivíduo já possui.
67). Constitui-se numa série de conceitos trans-
disciplinares que promovam a identidade indivi- Uma educação da cultura visual visa estimular a
dual e a justiça social na educação. reflexão crítica do que pode ser observado, sen-
tido, imaginado, racionalizado ou simplesmente
Uma educação voltada para a cultura visual bus- transmitido por intermédio da visualidade. Pro-
ca compreender influências, processos e impac- põe ainda, esclarecer a produção de sentidos e
- 23 -

significados influenciados por imagens e objetos tífica, artística e humanista) transposto para
visuais, bem como o relacionamento da visua- uma situação de aprendizagem –, ora dá ênfase
lidade com a elaboração de repertórios visuais a uma perspectiva processual-culturalista, que vê
e imaginários que contribuam para as práticas o currículo como espaço de cultura que se faz na
sociais do homem contemporâneo, em distintos interação e negociação entre alunos e professor.
espaços, entre eles, o espaço escolar. (2009, p. 52)

Neste sentido, o trabalho pedagógico desenvol- Tourinho percebe que a ideia de currículo como
vido sob a perspectiva da educação da cultura prescrição ainda acompanha as propostas. São
visual, parece participar da formação dos saberes conteúdos explícitos que prescrevem atividades,
que circulam nas escolas, saberes estes que, assim independente de um tema, projeto ou pesquisa
como os da visualidade contemporânea, influen- em andamento na sala de aula.
ciam as crianças e os jovens. A este respeito, Mar-
tins e Tourinho afirmam que A intenção de fazer um levantamento dos Trabal-
hos de Conclusão de Curso dos licenciados em ar-
Crianças adolescentes e jovens são, provavel- tes visuais é a de examinar o conhecimento já ela-
mente, os mais influenciados pelo contexto, borado na área de cultura visual na formação de
pelas informações, referências e valores da cul- professores que apontem os enfoques, os temas
tura visual que os rodeia. Seus interesses, con- mais pesquisados e as lacunas existentes quando
hecimento, identidades e, principalmente, seus se trata de uma educação para a cultura visual.
afetos, são contagiados por essas influências e
incorporados aos seus modos de vida, passando Um recorte da pesquisa:
a fazer parte de suas subjetividades e sensibili- os TCC da FAV/UFG
dades. (MARTINS; TOURINHO, 2011, p. 55)
O curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFG
Irene Tourinho acredita que “de qualquer forma teve início no ano de 1974 no então Instituto de
e sob qualquer concepção, ao falar de currículo, Artes. Nessa época, era chamado de Licenciatura
estamos falando de poder” (2009, p.53). São mui- em Desenho e Plástica, nomenclatura que perdu-
tas as contradições do currículo. As exigências rou até o ano de 1984 quando mudou para Licen-
constantes das instituições escolares no sentido ciatura em Educação Artística. É no ano 2000,
de preservá-lo, tem gerado incômodos e impul- que o curso recebe o nome de Licenciatura em
sionado embates que, aos poucos, podem sina- Artes Visuais (GUIMARÃES, 2003).
lizar a possibilidade de negociação em meio a
essas relações de poder. Esses embates surgem Este artigo apresenta o levantamento de Trabal-
do entendimento de que “os currículos podem hos de Conclusão de Curso (TCC) da Licenciatura
ser examinados sob muitas perspectivas críticas, em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais
que vão desde os focos que enfatizam ou mini- da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG). O
mizam até as escolhas que as apresentam ou as levantamento ocorreu entre os meses de março
desconsideram” (p. 50). e abril de 2016 na Sala de Leitura da FAV/UFG.
Os alunos ao produzirem seus TCC são orientados
Para Tourinho, nas últimas décadas do sécu- a entregar uma versão física para ficar arquiva-
lo XX o currículo ganhou espaço na teorização do neste espaço. Não há uma obrigatoriedade da
educacional no Brasil nas perspectivas críticas entrega em CD ou meio digital. Nem o site da FAV,
e pós-críticas. Reflexões que pensam “o currículo nem a biblioteca da UFG possuem um banco de
como um ‘artefato’ – algo construído socialmente, dados de monografias de graduação. No reposi-
em contextos particulares e a partir de interes- tório Institucional da UFG encontramos apenas
ses específicos“ (2005, p. 109). dissertações e teses.
Ao analisar quatro propostas curriculares da edu-
cação básica de dois estados e dois municípios brasi- A intenção inicial era fazer um levantamento dos
leiros, por exemplo, Tourinho afirma que TCC até o ano de 2013. Em 2014 houve uma mu-
dança na estrutura curricular do curso. Porém,
Nas instituições escolares no Brasil, o currículo não foram encontrados TCC, na sala de leitura,
ora privilegia uma concepção técnica-universa- dos anos de 2012 e 2013. A estrutura curricular
lista – na qual o currículo é compreendido como de 2000 a 2013 tinha em seu fluxo a disciplina
a expressão de tudo que existe na cultura (cien- Teorias da Imagem e Cultura Visuali4.

4 - Fluxo de integralização curricular do curso de Licenciatura em Artes Visuais da FAV/UFG. Disponível em http://fav.ufg.br/up/403/o/
Fluxo_de_Integraliza%C3%A7%C3%A3o_-_Licenciatura_em_Artes_Visuais.pdf?1417469230 Acessado em 20/04/16.
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AÑO TOTAL CULTURA VISUAL


2007 9 1 (PPG)
2008 7 1 (APPG)
2009 8 -
2010 3 1
2011 9 5 (3PPG)
Total general 36 8

O quadro a seguir, revela o quantitativo de TCC processo de levantamento e de análise que ainda
encontrado no período de 2007 a 2011. Os TCC se encontram em fase de elaboração, esperamos
foram realizados individualmente, em duplas ou poder contribuir para o avanço das pesquisas
trios de alunos. Na primeira coluna encontra-se o na área a partir de um entendimento de como a
ano de realização, na segunda o número de TCC cultura visual se apresenta na formação de pro-
encontrado e na terceira a presença do termo fessores de artes visuais em determinado tempo
cultura visual5. Os critérios de busca foram: títu- e local.
lo, resumo, palavras-chave e sumário.
Referências
Neste levantamento inicial, foram encontrados
trinta e seis Trabalhos de Conclusão de Curso · DIAS, Belidson. Pré-acoitamentos: os locais da
da Licenciatura Presencial6 em Artes Visuais da arte/educação e da cultura visual. In: MARTINS,
FAV/UFG. Oito destes TCC se referiam a cultura Raimundo (Org.). Visualidade e Educação. Goiâ-
visual em seus textos. No ano de 2007, foram en- nia: Programa de Pós-Graduação em Cultura Vi-
contrados nove TCC e apenas um com a presença sual/FUNAPE, 2008, p. 37-53.
da cultura visual no texto. O termo estava pre-
sente no título, resumo, palavra-chave e sumário. · · O i/mundo da educação da cultura visual.
O TCC foi elaborado por três alunos e orientado Brasília: Editora da pós-graduação em arte da
por um professor do programa de pós-graduação Universidade de Brasília, 2011.
da instituição. No ano de 2008, dos sete TCC en-
contrados apenas um fazia referência a cultura · · Arrastão: o cotidiano espetacular e práticas
visual. O termo estava presente no sumário, apre- pedagógicas críticas. In: MARTINS, Raimundo;
sentando o capítulo: o papel da cultura visual na TOURINHO, Irene (Orgs.). Cultura das imagens:
educação. A orientação foi de uma professora desafios para a arte e para a educação. Santa
formada no programa de pós-graduação da ins- Maria: Editora UFSM, 2012, p. 55-73.
tituição. Já em 2009, dos oito trabalhos encon-
trados não há referência da cultura visual. Em · GUIMARÃES, Leda et. al. Percurso histórico da
2010, dos três trabalhos, apenas um faz menção licenciatura em arte na Universidade Federal de
a cultura visual como uma das palavras-chave Goiás (UFG). In: MEDEIROS, Maria Beatriz de (org.).
do texto e a orientadora não faz parte do progra- A arte pesquisa. Brasília: Mestrado em Arte, Uni-
ma de pós-graduação da instituição. Por fim, em versidade de Brasília, 2003, v. 1, pp. 82 - 92.
2010, dos nove trabalhos, cinco fazem referência
a cultura visual e destes três sob a orientação de · TOURINHO, Irene; MARTINS, Raimundo. Cir-
professores do programa de pós-graduação da cunstâncias e ingerências da cultura visual. In:
FAV/UFG. MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene. (Orgs.).
Educação da cultura visual: conceitos e contex-
De posse destes oito TCC que abordam a cultura tos. Santa Maria: Editora UFSM, 2011, p. 51-68.
visual o passo seguinte é levantar os TCC do Insti-
tuto de Artes da UnB e analisar os pontos de con- · TOURINHO, Irene. Perguntas que conversam
vergências e divergências destas abordagens so- sobre educação visual e currículo. In: OLIVEIRA,
bre cultura visual. Com essa pesquisa, após todo o Marilda Oliveira de; HERNÁNDEZ, Fernando

5 - Como a FAV/UFG desde 2003 tem o curso de pós-graduação em Cultura Visual, a coluna 3 do quadro informa também se o orientador
do trabalho é vinculado ao programa.
6 - No ano de 2007, a FAV implantou uma licenciatura na modalidade à distância com diversos polos distribuídos em municípios do
Estado de Goiás. Informação obtida em http://fav.ufg.br/p/7983-licenciatura-em-artes-visuais-modalidade-a-distancia Acessada em
20/04/16.
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(Org.). A formação do professor e o ensino das ar-


tes visuais. Santa Maria: UFSM, 2005, p.107-118.

Currículo para além das grades: de porões a te-


rraços, praças e jardins. In: VIS - Revista do Pro-
grama de Pós-graduação em arte. Brasília: Edito-
ra Brasil,V.8, n.1, jan/jun. De 2009, p. 49-59.

Monica Mitchell de Morais Braga:

Doutoranda em Arte IdA/UnB. Mestre em Cultura


Visual FAV/UFG. Licenciada em Artes Plásticas
FAV/UFG. Especialista em Formação de Profes-
sores PUC-GO. Professora do Instituto Federal de
Goiás na área de Artes Visuais. Membro do Ne-
peinter (Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisci-
plinares) do IFG e do grupo de Pesquisa do CNPq
- Transviações: Educação e Visualidade (UnB).
monica.mitchell@hotmail.com

Belidson Dias Bezerra Júnior:

Professor Associado do Departamento de Artes


Visuais da Universidade de Brasília (UnB). Possui
Pós-doutorado na Universitat de Barcelona, Es-
panha (2013/14), Doutor em Estudos Curricula-
res em Arte Educação - Artes Visuais, na Univer-
sity of British Columbia (2006) Canadá; Mestre
em Artes Visuais - pintura na Manchester Me-
tropolitan University (1992), na Inglaterra; es-
pecialização na Chelsea College of Art & Design
(1993), Inglaterra, e graduado em Artes Plásticas
- Educação Artística, pela UnB (1989). Pesquisa-
dor e docente do Programa de Pós-Graduação em
Arte e desde Março de 2015 é o coordenador.
belidsonn@gmail.com
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REABITAR O CONCEITO DE MULTIVÍDUO EM CANEVACCI


SOB UMA PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS

RE-INHABITING THE CONCEPT OF MULTIVIDUAL IN CANEVACCI


UNDER A VISUAL ARTS TEACHER FORMATION PERSPECTIVE

Francieli Backes - UFSM


Leonardo Charréu - UFSM

Resumo raneidade. O sujeito contemporâneo é resultado


desta modernidade, onde não há identidade fixa:
Esta escrita propõe uma apropriação do con- as identidades tornaram-se móveis e fluídas. A
ceito de multivíduo para a área da formação de identidade passa a diluir-se em subjetividades e o
docentes em artes visuais, possibilitando uma indivíduo detém a possibilidade de assumir diver-
ampliação de sentidos acerca de subjetividades sos “eus”. A essa condição o antropólogo Mássimo
e seus trânsitos. Neste sentido, ao tecer relações Canevacci irá atribuir o conceito de multivíduo, o
com autores que dialogam indiretamente com qual pretende ampliar o conceito ocidental de in-
este conceito, pretende subsidiar o pensamento divíduo – aquele que não pode ser dividido.
de não polarização e de não rotulação dos indi-
víduos com identidades fixas e insubstituíveis, A necessidade de uma clarificação da concei-
com o objetivo de propor uma formação docente tualização da pesquisa em curso no PPGE/UFSM
em artes visuais que se alimente das potenciali- conduziu-nos, portanto, à compreensão destes
dades do conceito de multivíduo. múltiplos eus que assumem subjetividades di-
versas em contextos diferentes. Entendemos que
Palavras-chave: Multivíduo, subjetividade, for- tais dinâmicas propiciam um pensamento acerca
mação docente. da formação docente.

Abstract A compreensão deste fenômeno de “multi-subjeti-


vação” conduz à problematização do lugar como es-
This writing proposes an appropriation of the paço de construção de identidades e de co-habitação
multividual concept to the area of teacher for- de subjetividades.
mation in Visual Arts, enabling an expansion of
meanings about subjectivities and their transits. Ciberespaço, identidades descartáveis e... en-
In this sense, by weaving relationships with au- fim, o multivíduo
thors that dialogue indirectly with this concept, it
aims to subsidize the thought of non-biases and A modernidade apresenta-nos a marca da flui-
non-labelling of individuals with fixed and irre- dez, resultado das ações de uma classe dominan-
placeable identities in order to propose a teacher te, que se caracteriza basicamente pelo dinamis-
formation in visual arts that feeds on the poten- mo. Este nasce de uma necessidade de grupos
tialities of the multividual concept. sociais dominantes, movidos pelo imperativo
capitalista do lucro, o qual se obtém muitas vezes
Keywords: Multividual, subjectivity, teacher for- na velocidade da produção e da oferta de produ-
mation. tos ao mercado consumidor (BERMAN, 1986).
Este ritmo desenfreado de produção e recepção
Introdução se ampliou desde a modernidade até à contem-
poraneidade, resultando em uma sociedade de
A sociedade contemporânea apresenta-se a nós relações cada vez mais voláteis e de pouca va-
como uma mestiçagem dos valores e ideais da loração. A esta nova forma de viver, Bauman
modernidade somados às peculiares e caracte- (2007) irá atribuir o título de Vida Líquida. A mo-
rísticas culturais que diluem-se diariamente. Esse dernidade e a vida líquida desviam-se da conso-
caráter fluído é condição da modernidade e aqui é lidação, hábitos, desejos e até mesmo as relações
somado ao caráter comunicacional da contempo- passam a tornar-se obsoletas com a mesma ve-
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locidade com que os produtos industrializados ele irá apresentar-se como o sujeito de uma nova
perdem seu valor. sociedade, não mais voltada tão somente ao con-
sumo, acima disso, uma sociedade pautada na
Os avanços tecnológicos e o surgimento do cibe- comunicação, produzindo uma nova cidade - a
respaço tornam as relações ainda mais frágeis, metrópole comunicacional. Esta nova cidade é
levando à tendência das identidades descartá- caracterizada pela hibridização de corpos e es-
veis (BAUMAN, 2011). Em termos antropológicos paços, ressignificando-se constantemente:
podemos nos amparar no que propõe Pierre Levy
(1999) sobre o ciberespaço como resultado de um A metrópole comunicacional é muito mais ba-
movimento social, uma necessidade de ampliar seada sobre o consumo e sobre a comunicação.
as formas de comunicação entre as pessoas. Para O consumo, a comunicação e a cultura têm uma
Pierre Levy (1999, p. 124-125) o ciberespaço é produção de valores, não só no sentido econômi-
um produto sociocultural resultante de um pro- co, mas valores no sentido antropológico. É certo
cesso onde “uma infraestrutura de comunicação que a dimensão industrial ainda é significativa,
pode ser investida por uma corrente cultural que mas não é central como era na cidade moderna. E
vai, no mesmo movimento, transformar seu sig- esse cruzamento entre comunicação e tecnologia
nificado social e estimular sua evolução técnica digital favorece um tipo de transformação pro-
e organizacional”. O termo ciberespaço surgido funda na metrópole (CANEVACCI, 2009, p. 11).
em 1984 no romance de ficção intitulado Neu-
romante, de William Gibson, define o universo Nesta nova cidade, mediada pelos avanços tecno-
das redes digitais, mas é definido por Pierre Levy lógicos e pela cultura digital, irá se desenvolver
(1999, p. 92) como um “espaço de comunicação o multivíduo. O conceito de multivíduo amplia a
aberto pela interconexão mundial de computa- ideia ocidental de indivíduo como aquele que não
dores e das memórias dos computadores”. é passível de divisões, que é uno, único. No en-
tanto, entramos em um conflito se afirmarmos a
Esta nova forma de comunicar-se vem associa- existência de uma identidade única, a qual adqui-
da à uma necessidade de economia de tempo, e re o mesmo caráter em diferentes lugares. Uma
o tempo é um bem valioso no mundo líquido mo- identidade fixa e inerte, resistente à qualquer
derno. O que despende tempo é evitado em nossa forma de contágio a partir de um mundo exterior,
sociedade contemporânea, dessa forma o contato de espaços e lugares diferentes. Nesse sentido
virtual é muito mais atrativo, pois não exige que Canevacci (2009) propõem o plural de eu não mais
este tempo tão precioso e escasso seja gasto em como nós, mas sim como eus. Uma multiplicidade
comunicações profundas, mas sim em relações de subjetividades que habitam um só sujeito, onde
mais superficiais, as quais permitam que haja
tempo para o “surfe por tantas outras superfícies as pessoas podem desenvolver uma multipli-
não menos – e talvez muito mais - convidativas” cidade de identidades, de eus – multivíduo;
(BAUMAN, 2011, p. 23). fazer uma co-habitação flutuante de diferentes
selves (plural de self) que co-habitam, às vezes
O ciberespaço, ou mundo virtual, configura um conflitam ou constroem uma nova identidade,
universo a parte onde as relações são mediadas flexível e pluralizada. O indivíduo contemporâ-
pela possibilidade de adicionar-remover-ex- neo, que é o multivíduo, é esse tipo possibilidade
cluir-bloquear. Estas opções muito úteis no mun- (CANEVACCI, 2009, p.17).
do digital não estão presentes na vida real, o que
torna as relações virtuais muito mais atrativas. Nikolas Rose (2011) irá atentar para a condição
deste sujeito contemporâneo, o qual representa
E nesse campo de relações virtuais as identida- uma crise irreversível na forma como consti-
des se tornam descartáveis ou biodegradáveis, a tuem-se as subjetividades. Esta crise não simbo-
partir de uma necessidade de “remodelar a “iden- liza um problema, apenas um novo sentido para
tidade” e a “rede” no momento em que surge uma compreender o homem contemporâneo. Ampa-
“necessidade” (BAUMAN, 2011, p.24). rado em Deleuze e Guattari, o autor nos apresenta
uma forma ainda mais volátil de se pensar a subje-
Atento para esta condição de descarte e degra- tividade: ela não é apenas móvel, fluída, ela é “uma
dação das identidades, o antropólogo Mássimo forma não subjetivada de existência” (ROSE, 2011,
Canevacci irá propor o conceito de multivíduo p.142). Isso quer dizer que o sujeito pode adquirir
ao sujeito contemporâneo capaz de assumir di- diferentes formas de existir sem que isso implique
ferentes identidades mediado pelo espaço onde na produção de uma subjetividade. O multivíduo
está presente ou imerso. Embora o multivíduo irá então transitar entre subjetividades existen-
resulte da modernidade, para Canevacci (2003) ciais e não existenciais, as quais representam
- 29 -

apenas uma forma passageira de sentir, ser e es- um mundo de oportunidades e de prazeres cada
tar em um determinado espaço. vez mais sedutores, mas que irá se deparar com
uma crise que não está preparada para enfren-
Nesse sentido estamos falando em processos de tar. A geração Y possui ao seu alcance a abun-
subjetivação. A subjetivação pode ser compreen- dância de empregos e de oportunidades, as quais
dida como reforçam a condição de liquidez das relações
de trabalho e também interpessoais (BAUMAN,
[...] o nome que se pode dar aos efeitos da com- 2011, p. 58-62). Tudo é facilmente descartável
posição e da recomposição de forças, práticas e e substituível neste mundo líquido moderno, até
relações que tentam transformar – ou operam mesmo as subjetividades.
para transformar – o ser humano em variadas
formas de sujeito, em seres capazes de tomar No mundo líquido moderno, a solidez das coi-
a si próprios como os sujeitos de suas próprias sas, assim como a solidez das relações huma-
práticas e das práticas de outros sobre eles nas, vem sendo interpretada como ameaça:
(ROSE, 2011, p.143). qualquer juramento de fidelidade, qualquer
compromisso de longo prazo (para não falar nos
Compreende-se desta forma que a subjetivação compromissos intemporais), prenuncia um fu-
não se dá apenas na relação do sujeito com o es- turo sobrecarregado de obrigações que limitam
paço, mas também em sua relação com outros a liberdade de movimento e a capacidade de
sujeitos. Dessa forma, ampliando a concepção agarrar no voo as novas e ainda desconhecidas
de Canevacci (2009), de que não é possível ser oportunidades que venham a surgir (BAUMAN,
o mesmo em diferentes espaços, também não é 2011, p. 112-113).
possível permanecer-se o mesmo no contato com
os diferentes sujeitos. A fluidez é de fato característica própria da so-
ciedade contemporânea, assim como a fragili-
Nesse sentido, nós como sujeitos multivíduos dade nas relações e a facilidade em substituir
pertencemos a um constante processo de meta- não apenas bens de consumo mas também in-
morfose, adquirindo a subjetividade que é mais teresses, desejos, gostos e tudo mais que nos
adequada às nossas necessidades de auto-re- afeta. Nesse sentido, este caráter tão marcante
presentação, e isto é algo comum no ambiente da nossa sociedade representa um ponto de ins-
virtual: o ciberespaço. tabilidade também para a educação em todos os
âmbitos e áreas. Na educação das artes visuais
O ciberespaço pode ser compreendido, então, não é diferente. Se compreendermos a arte como
como um terreno fértil para o desenvolvimento forma de comunicação ao passo em que também
de uma nova cultura: a cultura de sujeitos mul- nos identificamos como sujeitos multivíduos, de
tivíduos, aqueles capazes de assumir diferentes imediato nos identificamos com a figura mitoló-
“eus”. Na fluidez do trânsito entre uma identida- gica de Apolo. Isto porque teremos o peso da ins-
de e outra, a rigidez do conceito de identidade tabilidade do mundo contemporâneo em nossas
acaba dando lugar ao conceito de subjetividade. costas. No entanto, este desafio torna-se também
O multivíduo não assume então diferentes iden- solo fértil para problematizações que perpassam
tidades, mas sim transita livremente por suas a arte e a cultura. Esta fragilidade torna-se então
diversas subjetividades exteriorizando-as no um potencial para a educação das artes visuais.
momento e no lugar que às exigem. No entanto,
este sujeito múltiplo em um só, não habita ape- A arte por si só apresenta-se como um produto
nas o ambiente virtual, esta prática torna-se desta sociedade instável. As produções artísti-
habitual em suas relações no mundo físico. Esta cas assumem para si o caráter efêmero de forma
característica, embora presente no meio virtual, natural, pois estão imersas neste contexto que
acaba sendo absorvida pela sociedade e trazida necessita de produções não eternas, facilmen-
ao mundo físico, fazendo com que no cotidiano te degradáveis, capazes de serem substituídas
das pessoas, estas adquiram diferentes formas conforme a necessidade sociocultural do espaço
de “eus”, na medida em que são mais adequados á onde se inserem.
uma determinada situação ou momento.
Ampliando nosso olhar, é possível ver além das
A fragilidade do mundo habitado obras de arte e pensar em uma cultura mais ex-
pelo multivíduo tensa: a cultura visual. Aquela que abarca obras
de arte, mas também toda a forma de comuni-
A fluidez: esta talvez seja uma característica da cação através das imagens ou dos produtos das
chamada Geração Y, uma geração que nasce em imagens e os discursos que elas podem gerar. A
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cultura visual é também resultado dessa socie- não é possível a partir de seu discurso, definir ou
dade habitada crescentemente por multivíduos, estigmatizar a figura do educando, ou seja, o(a)
é produzida pelas diversas subjetividades, às professor(a) passa a ser mediador no processo
vezes persistentes, outras vezes degradáveis. de interpretação das múltiplas subjetividades,
sem ter o domínio sobre a autorrepresentação
A educação transitada pelos do educando. Sua experiência possibilita mediar
multivíduos a experiência do educando, sem interferir nela.

Pensar o docente como multivíduo em formação, Contribuições Metodológicas


em meio aos estudantes que também os são, gera
uma sensação de superficialidade. Nos parece Pensar o multivíduo nos remete também a
que será impossível um autoconhecimento sobre ideia do pensamento complexo, de conexões e
nossa subjetividade e uma aproximação maior de transdisciplinaridade. Nesse sentido, é ne-
com as subjetividades dos educandos. Nos depa- cessária a contribuição de uma metodologia de
ramos neste instante com a sensação de tentar pesquisa que contribua e dialogue com estes
segurar, delimitar, prender em nossas mãos algo preceitos. É preciso amparar-se em uma propos-
que é líquido, que é fluído, e isto é impossível. ta metodológica que esteja aberta a todo tipo de
contribuição dos sujeitos envolvidos, observa-
O conceito de multivíduo é uma potencialidade dos e narrados na pesquisa. Também uma me-
para pensar a educação. Primeiramente nos des- todologia que reconhece o valor dos discursos
estabiliza, nos provoca à uma viagem interior em e dá voz às falas envolvidas, utilizando-as como
busca de quais são estes múltiplos eus que nos matéria-prima. Desta forma, todas as áreas de
compõem. Neste percurso é possível coletar ele- conhecimento, bem como todas as vozes, as ex-
mentos que potencializem nossa prática a partir periências de vida e a cultura cotidiana, operam
do que nos afeta, a partir de nossos desejos e da- como elementos da pesquisa. Os achados e os
quilo que nos é prazeroso, ao passo em que com- acasos são também importantes dispositivos que
preendemos que o corpo humano é afetado de podem atuar como disparadores da produção de
diferentes formas, as quais favorecem e poten- conhecimento.
cializam nossas ações ou nos fazem permanecer
inertes perante elas (Spinoza, 2009). A proposta metodológica que dialoga com estas
proposições é encontrada na bricolagem. Pro-
Ao nos aproximarmos do conceito de afeto em posta a partir dos estudos de Levy-Strauss, a bri-
Spinoza (1632-1677), é possível perceber que colagem vem sendo utilizada como metodologia
as afecções são responsáveis pelo movimento do de pesquisa em diversas áreas de conhecimento.
sujeito, geram prazer ou desconforto, nos impul- Na educação ela está intimamente relaciona-
sionando ao movimento em busca de sensações da aos estudos de Edgar Morin, no que se refere
ou a fugir delas. Docentes estão em formação ao à complexidade do conhecimento. Advinda da
longo de toda sua carreira, e nos afetos diários necessidade de uma sociedade contemporânea
recolhidos em suas experiências cotidianas é que caracterizada, como dissemos no inicio, por sua
reside a força propulsora de sua ação. No entan- fluidez e por seu caráter ideologicamente moldá-
to, nós educadores pensamos a educação a partir vel, a bricolagem surge como uma proposta meto-
do que irá afetar apenas o educando, negligen- dológica mais holística, a qual pretende analisar
ciando nossas experiências, as afecções que nos os diferentes fatores relacionados aos fenômenos
movem, em uma triste ilusão de que será possível socioculturais.
uma aproximação quase que osmótica das múlti-
plas realidades dos educandos. Esta proposta metodológica dissolve o modelo
cartesiano que tende a dissociar as partes para
Pensar a educação a partir do sujeito como multi- compreender o objeto em estudo. O trabalho do
víduo permite pensar sobre o que afeta o docente bricoleur é uma ação contínua de tecer e “costu-
e o que afeta o educando. Se compreendermos o rar” referências teóricas que são capazes de dia-
multivíduo como o sujeito móvel, o qual necessi- logar entre si produzindo novas percepções nun-
ta de uma análise profunda, somos conduzidos ca antes pensadas ou propostas. A bricolagem
a concluir que esta é uma viagem introspectiva pode ser compreendida como uma metodologia
e subjetiva, a qual deve ser pessoal, o contrário, de pesquisa ativa, preocupada com a utilização
será apenas uma interpretação superficial. de ferramentas que estão à disposição do pesqui-
sador, sem que este necessite escolher um único
Esta é uma contribuição à formação docente, método padrão.
pois possibilita ao docente compreender que
- 31 -

O termo bricolagem oriundo do francês bricola- nos educandos, em qualquer pessoa que transita
ge, significa, segundo Kincheloe e Berry (2007, p. pelas calçadas. Pensar sobre, entre e como mul-
15) “um faz-tudo que lança mão das ferramentas tivíduo na sociedade contemporânea, pretende
disponíveis para realizar uma tarefa”. O termo é nos dar a permissão de não sermos um só e de
apresentado de forma metafórica por Claude Le- não compreendermos o outro como sujeito úni-
vy-Strauss (1989) o qual compreende a bricola- co. Esta é uma das muitas necessidades da con-
gem como um processo capaz de definir a relação temporaneidade: nos permitir diluir fronteiras,
entre as partes a partir de um conteúdo comum ampliar nosso campo para além das dicotomias,
entre elas. Para este autor, o bricoleur é aquele questionar e dissolver as hegemonias.
que se utilizará das ferramentas que estão à sua
disposição para realizar a tarefa da pesquisa. Neste sentido, esta é uma pesquisa que procu-
ra ir ao encontro do pensamento complexo, da
[...] um construtor bricoleur seria aquele que fuga dos estereótipos e polaridades, de uma
realiza suas obras a partir de uma lógica diver- ampliação dos modos de ver, vivenciar e transi-
gente à do arquiteto: ele não elabora previamen- tar as diferentes culturas. É pensar o multivíduo
te um plano, ou um projeto com começo, meio e como transcendência de fronteiras onde a arte
fim, mas desenvolve sua construção à medida encontra o potencial para desenvolver-se e mos-
que dispõe de material e ferramentas, em um trar-se. É enfim, uma perspectiva a partir do qual
desenvolvimento contínuo não-programado, li- o educador tem a possibilidade de desenvolver
dando diretamente com o acaso, o imprevisto e um ensino transdisciplinar, livre de limitações
o improviso (KINCHELOE e BERRY 2007, p. 16). cartesianas.

A proposta metodológica da bricolagem dialoga Referências bibliográficas


com uma pesquisa que pretende compreender a
existência destes sujeitos multivíduos, ao passo · BAUMAN, Zigmunt. 44 Cartas do mundo líquido
em que busca desvincular-se dos estereótipos moderno. Tradução Vera Pereira. Rio de Janeiro:
e das visões simplistas e reducionistas. Para fa- Zahar, 2011.
larmos sobre multivíduos precisamos romper
as fronteiras entre as áreas de conhecimento · · Sobre Educação e Juventude: Conversas com
e fazê-las operarem juntas para a produção do Ricardo Mazzeo. Tradução Carlos Alberto Medei-
conhecimento. É preciso diluir a divisória entre a ros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2013.
arte erudita e a arte popular, entre a arte euro-
cêntrica e a cultura das imagens cotidianas. As- · · Vida Líquida. Tradução Carlos Alberto Me-
sim, a bricolagem permite um diálogo e um tecer deiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2007.
de relações entre diferentes domínios, territórios
e espaços e propõe uma confluência entre eles, · BERMAN, Marschal. Tudo que é sólido desman-
criando uma “colcha de retalhos”, retalhos múl- cha no ar: A aventura da modernidade. São Pau-
tiplos, assim como os múltiplos “eus” que consti- lo: Companhia das Letras, 1996.
tuem o multivíduo.
· CANEVACCI, Massimo. A comunicação entre cor-
Considerações Finais pos e metrópoles. In Revista Signos do Consumo,
vol. 1, nº 1, 2009, p. 08-20.
Esta é uma proposta de pesquisa a qual está se
construindo a partir de uma lógica bricoleur, onde · ·Pausas de Carne. In Cadernos PPG-AU FAU-
as leituras, os encontros com as visualidades, as FBA. Vol.1, n.1 (2003). Salvador: FAUFBA-EDUF-
experiências de vida e a cultura cotidiana operam BA, 2003.
como matéria-prima para compreender a dinâmi-
ca de uma sociedade composta por sujeitos entre · KINCHELOE, Joe; BERRY, K. Pesquisa em edu-
os quais transitam os multivíduos. cação: conceituando a bricolagem. Porto Alegre:
Artmed, 2007.
O multivíduo, este novo agente que emergiu da
sociedade contemporânea, está presente em di- · LEVY-STRAUSS, Claude. O pensamento selva-
versos espaços, e transita por diversos territórios gem. Trad. Tânia Pelligrini. Campinas: Papirus,
também. É um bricoleur. Coleta para a sua vida 1989.
tudo o que pode ser útil e também tudo aquilo que
o afeta. Assim constitui-se de subjetividades que · LEVY, Pierre. Cibercultura. Tradução Carlos Iri-
hora são aparentes, hora estão imersas dentro neu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.
de seu íntimo. O multivíduo pode estar em nós,
- 32 -

· MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Trad.


Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória.
8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

· ROSE, Nikolas. Inventando nossos eus. In. SILVA,


Tomaz Tadeu da. Nunca fomos humanos - nos
rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica,
2001.

· SPINOZA, Benedictus de. Ética. Belo Horizonte:


Autêntica, 2009.

Francieli Backes

Mestranda do Programa de Pós Graduação em


Educação - UFSM (PPGE - Linha de Pesquisa
Educação e Arte). Graduada em Artes Visuais
Licenciatura Plena em Desenho e Plástica pela
Universidade Federal de Santa Maria. Membro
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Edu-
cação e Cultura (GEPAEC). Acadêmica do curso
de Farmácia - UFSM. Atua como docente de artes
visuais nas redes estadual e municipal de ensino.

Leonardo Augusto Verde Reis Charréu

Licenciado em Artes Plásticas (Pintura) pela Fa-


culdade de Belas Artes da Universidade do Porto
(1990). Mestre em História da Arte pela Faculda-
de de Ciências Sociais e Humanas da Universida-
de Nova de Lisboa (1995). Doutor em Belles Arts
pela Universitat de Barcelona, Espanha (2004)
e Doutor em Ciências da Educação pela Univer-
sidade de Évora (2004). Atualmente é Professor
Adjunto do Departamento de Artes Visuais, Cen-
tro de Artes e Letras, da Universidade Federal de
Santa Maria, RS, Brasil.
- 33 -

MAGENS NAS ESCOLAS:


CURRÍCULO, PRÁTICAS E DIÁLOGOS COM VISUALIDADES

Adriane Camilo Costa – UFG


Raimundo Martins – UFG

Resumo: Las preguntas de investigación cuestionan la


presencia de imágenes / visualidades construi-
O texto expõe caminhos trilhados para investigar dos por pedagogos maestros en el espacio físico
as construções imagéticas nas escolas de tempo de las escuelas y en qué medida estas imágenes
integral da Rede Municipal de Educação de Goiâ- contribuyen a desarrollar la percepción estética
nia. A pesquisa questiona a presença de ima- y cultural de los sujetos/estudiantes. Buscamos
gens/visualidades construídas pelos professores entender los conceptos de enseñanza de las artes
pedagogos no espaço físico das escolas e em que visuales de pedagogos maestros, su formación
medida tais imagens contribuem para desenvol- inicial y continua y sus prácticas de enseñanza
ver a percepção estética e cultural dos sujeitos/ con los alumnos. Un análisis de las propuestas
alunos. Buscamos compreender concepções de del plan de estudios del sistema educativo en
ensino das Artes Visuais de professoras peda- cuestión es también parte del corpus de este
gogas, sua formação inicial e continuada e suas trabajo destinado a establecer un diálogo con las
práticas pedagógicas com os estudantes. Uma prácticas que implican visualidades. La investi-
análise das propostas de currículo da rede de gación se ha centrado en las escuelas de tiempo
ensino em questão também faz parte do corpus completo, ya que tienen diferentes métodos de
deste trabalho cujo objetivo é estabelecer diálo- construcción y las estructuras curriculares, ade-
gos com as práticas que envolvem visualidades. más del hecho de recibir estudiantes de las ocho
A investigação tem como foco escolas de tempo de la mañana hasta dieciséis horas y veinte mi-
integral em razão de apresentarem modos de nutos. Algunas demandas pedagógicas de estas
construção e estruturas curriculares diferen- escuelas y las comunidades en las que operan
ciados, além do fato de acolherem os estudantes son analizados desde las imágenes producidas
de oito da manhã até dezesseis horas e vinte mi- por los maestros y empleados en su trabajo de
nutos. Algumas demandas pedagógicas dessas enseñanza. Con la expectativa de la comprender
escolas e das comunidades onde estão inseridas el universo visual contemporánea de estas insti-
são analisadas a partir das imagens elaboradas tuciones y para verificar el grado de autonomía
pelas professoras e utilizadas em seu trabalho de los centros de la Red de Educación Munici-
didático. Na expectativa de compreender o uni- pal de Goiânia se proponen caminos de diálogo
verso visual contemporâneo dessas instituições abiertos para imprevistos y contratiempos.
e de verificar o grau de autonomia das escolas
da Rede Municipal de Educação de Goiânia são Palabras clave: Visualidades, pedagogas maes-
propostos percursos dialógicos abertos a impre- tros, escuelas de tiempo completo
vistos e percalços.
A formação integral do sujeito é uma questão
Palavras-chave: visualidades, professoras pe- que há muito preocupa educadores e gestores
dagogas, escolas de tempo integral de instituições educacionais públicas brasilei-
ras. Ultimamente, o Governo Federal, por meio
Resumen: do Ministério da Educação, tem investido em
estratégias a fim de (re) organizar o currículo e
Este texto expone formas que han sido pisadas a jornada escolar na perspectiva da proposta de
para investigar construcciones de imágenes en uma Educação Integral. Na expectativa de con-
las escuelas de tiempo completo de Educación solidar essa proposta, o município de Goiânia tem
Municipal de Goiânia. investido na ampliação da jornada escolar e no
- 34 -

Figura 11 - Imagens de Escolas de Tempo Integral do município de Goiânia

aumento do tempo de permanência dos educan- rifica-se, também, uma disposição para a inter-
dos nas escolas de ensino fundamental. Hoje, o dependência em relação a datas comemorativas.
município mantém vinte e duas escolas de tempo Esta observação talvez seja prematura e deve ser
integral que atendem os estudantes por oito ho- revisitada, considerando que há um trajeto a ser
ras diárias. percorrido ao longo da pesquisa que ainda está
em andamento.
Atenta a esta permanência dos estudantes numa
instituição educacional realizo no doutorado em Na perspectiva do Projeto Político Pedagógico
Arte e Cultura Visuali uma investigação sobre dessas escolas, de acordo com o qual “a reorgani-
as construções imagéticas nas Escolas Munici- zação dos tempos e espaços visam a educação in-
pais de Tempo Integral de Goiânia. Neste texto, tegral dos educandos” (GOIÂNIA, 2015), a pesqui-
pretendemos evidenciar alguns caminhos tril- sa busca identificar e compreender a concepção
hado na busca por respostas para a pesquisa de organização dos espaços e de ‘ferramentas
que questiona a presença de imagens/visuali- culturais’, tanto no Projeto Politico Pedagógico
dades construídas por professores pedagogos quanto na organização das ferramentas cultu-
no espaço físico dessas escolas e também o modo rais selecionadas, projetadas e concretizadas
como tais imagens contribuem para desenvolver pelas professoras.
a percepção estética e cultural dos educandos, ou
seja, construções culturais elencadas por essas O documento que orienta os objetivos e as ações
visualidades, suas possíveis transformações e a que as Escolas Municipais de Tempo Integral de
construção de novos conhecimentos. Goiânia pretendem alcançar esclarece que

Depois de muito dialogar com professores das es- Tendo em vista a complexidade e a necessi-
colas do município de Goiânia cuja jornada peda- dade da educação escolar na concepção his-
gógica está organizada em tempo ampliado - as tórico-cultural, fica evidente a importância da
Escolas Municipais de Tempo Integral de Goiânia, ampliação da jornada escolar. Ter mais tempo
EMTI -, almejo investigar como essas visualida- para estabelecer relações complexas mediadas
des são pensadas enquanto construção de con- por ferramentas culturais, possibilitando novos
hecimento. Como elas podem ser transformadas conteúdos, vivências e atividades no plano in-
em conhecimento pelos sujeitos que frequentam terpsíquico (social) e depois no intrapsíquico (in-
esses espaços. dividual), por meio do auxílio de companheiros
mais experientes e do professor e depois sozin-
Grande parte das EMTI de Goiânia apresenta has, construindo sentido e apropriando-se de
uma configuração predefinida de visualidades significados, torna-se condição primeira para
que compõem seus espaços físicos, por exemplo, viabilizar a formação humana. (GOIÂNIA, 2015)
painéis de boas-vindas aos estudantes no retorno
às aulas, em sua maioria compostos por desenhos O referido documento também evidencia que o
de traço estereotipado e cuja representação de conhecimento deve ser considerado em sua com-
folguedos - soltar pipa, andar de bicicleta etc. - pletude enquanto saber estético-expressivo e co-
nem sempre corresponde ao espaço escolar. Ve- municativo, além de científico, físico e ético. Esse

1 - Pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual na Faculdade de Artes Visuais da Universidade
Federal de Goiás, sob orientação do professor doutor Raimundo Martins.
- 35 -

aspecto será analisado, discutido e avaliado na atendimento em tempo integral (Goiânia, 2013), o
pesquisa durante a investigação das construções currículo das Escolas Municipais de Tempo Inte-
visuais presentes nessas instituições. gral de Goiânia (EMTI) está organizado em duas
partes que se complementam. Uma baseada nos
O previsto e o inesperado do currículo Componentes Curriculares Obrigatórios, saberes
organizados a partir das áreas de conhecimento
É consenso que vivemos hoje na era das imagens previstas por lei federal como obrigatórios para
e saber interpretá-las deve fazer parte das ações o Ensino Fundamental, nas seguintes disciplinas:
educativas sistematizadas da educação formal Arte, Ciências, Educação Física, História, Geogra-
de ensino, pois o conceito de educação está inti- fia, Língua Estrangeira Moderna, Língua Portu-
mamente ligado à formação de sujeitos livres e guesa e Matemática.
críticos, condição para qual é fundamental o con-
hecimento. Considerando as interpretações das A outra parte é composta pelas chamadas Ativida-
imagens que os estudantes realizam a partir de des Específicas, atividades que visam à integração
suas próprias referências culturais, e ponderan- dos diferentes componentes curriculares desen-
do sobre as visualidades presentes no cotidiano, volvendo conhecimentos na práxis, na proposta
pode-se dizer que um processo contínuo de in- da apropriação qualitativa do tempo, “criando
terpretação e construção de significados, assim possibilidades para o educando formar-se sujei-
como as visualidades das instituições educacio- to livre não apenas formalmente, mas livre em
nais, faz parte desse processo construtivo de con- sua capacidade de pensar, refletir e se posicionar
hecimento. frente ao mundo”. Nesta organização, as duas par-
tes são abordadas separadamente, mas devem
A capacidade dos profissionais da educação per- ser complementares para a formação integral dos
ceberem a importância da formação cultural para educandos e se intercalando, ou seja, os compo-
a construção do conhecimento geral e específico é nentes curriculares obrigatórios e as atividades
fundamental para que a educação estética visual específicas estão organizados de maneira que
tenha seu lugar garantido na educação sistemati- se alternem durante o dia, organização pensada
zada. Daí a preocupação em buscar compreender para que (todo) o currículo instituído para as EMTI
as concepções de ensino das artes visuais de pro- tenha importância análoga.
fessoras pedagogas no âmbito de sua formação
inicial e continuada, bem como de suas práticas Nesta pesquisa consideramos, também, que a
pedagógicas com os estudantes. A organização educação, a cultura e as visualidades contribuem
das visualidades dos espaços físicos das escolas para o entendimento das relações de poder exis-
passa a ter significativa importância na cons- tentes nas ‘escolhas’ das imagens a serem pro-
trução de conhecimento dos sujeitos que ali circu- pagadas e divulgadas, intencionalmente ou não,
lam. Nesta perspectiva, é básico que seja discutida pelo currículo previsto nas escolas. Segundo
a formação cultural dos professores que atuam Moll (2012: 28),
nesses espaços. Para Oliveira (2010: 264),
A ampliação do tempo de permanência dos
Educar e educar-se recursivamente, no proces- estudantes tem implicações diretas na reor-
so de complexidade-imaginação, em criativida- ganização e/ou expansão do espaço físico, na
de, lucidez crítica e auto-compatibilização das jornada de trabalho dos professores e outros
novas soluções. Geram-se cultura geral e pro- profissionais da educação, nos investimentos
fissional; e uma dinâmica exploratória/actuan- financeiros diferenciados para garantia da qua-
te-no-devir. A qualidade de uma educação lidade necessária aos processos de mudança,
visual necessária a todos, para crescimento entre outros elementos.
em emoção-razão e resposta responsável aos
desafios culturais emergentes, passará por Assim, na reorganização do espaço físico, as vi-
aqui. (grifos da autora) sualidades desses espaços passam a ter signifi-
cativa importância para a construção de conhe-
A autora evidencia a necessidade da educação cimento dos sujeitos que ali circulam.
visual de qualidade, pensada e não inocente,
numa dinâmica exploratória atuante. Uma análi- Imagens e práticas pedagógicas...
se, ainda embrionária, das propostas de currículo
da Rede em questão compõe esse panorama cujo A pesquisa busca analisar e propor formas para
objetivo é estabelecer diálogos com os procedi- compreender concepções de ensino de artes vi-
mentos que envolvem visualidades. De acordo suais de professoras pedagogas a partir de três
com o Programa para as escolas municipais com eixos: formação inicial, formação continuada e
- 36 -

práticas pedagógicas. Considerar os currículos (pós-moderno), que acompanha a velocidade das


que estão sendo pensados para estes eixos e mudanças tecnológicas, culturais e econômicas
para as escolas de tempo integral, em âmbito lo- – “A liberdade toma lugar da ordem e do consen-
cal e nacional, é basilar no entendimento sobre o so como critério de qualidade de vida” (Bauman,
ensino de artes visuais na contemporaneidade. 1998). Sobre a “ordem”, esclarece Bauman:

Tomar como ponto de partida as concepções de “Ordem” significa um meio regular e estável
ensino de artes visuais e a busca pela cultura vi- para os nossos atos; um mundo em que as pro-
sual nas/das EMTI requer a construção de uma babilidades dos acontecimentos não estejam
abordagem de pesquisa que permita o estudo distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa
da realidade no espaço escolar. Para Hernández hierarquia estrita – de modo que certos acon-
(2007: 88-89), tecimentos sejam altamente prováveis, outros
menos prováveis, alguns virtualmente impossí-
A postura do adulto deve ser a de modelador, veis. Só um meio como esse nós realmente en-
buscando o equilíbrio entre o desfrute da expe- tendemos. Só nessas circunstâncias podemos
riência dos estudantes com os artefatos da cul- realmente “saber como prosseguir”. Só aí pode-
tura visual e a introdução de uma perspectiva mos selecionar apropriadamente os nossos atos
crítica e performativa que signifique discussão, – isto é, com uma razoável esperança de que os
exploração e vivência. (...) Sob esse enfoque, os resultados que temos em mente serão de fato
educadores podem ajudar os estudantes na ex- atingidos. (1998:15)
ploração das manifestações da cultura visual a
partir de uma perspectiva interdisciplinar, vin- O amadurecimento e avanço desta investigação,
culada a diferentes teorias sociais e metodolo- ainda em andamento, está orientado para o diá-
gias de interpretação. logo com teóricos que abordem esta temática
do projeto de maneira aberta e flexível, esta-
A assertiva postulada por Hernández reforça belecendo relações com as novas tecnologias e
a ideia de que a formação cultural do professor formas híbridas que utilizar visualidades e lin-
tem relevância na construção do conhecimento guagens artísticas. Estas novas tecnologias estão
e, consequentemente, no desenvolvimento de su- presentes no nosso cotidiano e do cotidiano das
jeitos autônomos, professores e/ou estudantes. crianças, sobretudo no que se refere à consti-
tuição de saberes e competências, elementos que
É importante salientar que as crianças, na socie- devem ser considerados nas análises sobre a for-
dade contemporânea, desde a primeira infância, mação inicial e continuada dos professores que
têm acesso a meios de comunicação e a mídias colaborarão com a pesquisa.
cada vez mais sofisticados, o que estabelece a
imagem como sua principal fonte de informação. Da mesma forma, quaisquer demandas peda-
Segundo Martins e Tourinho (2010: 41), gógicas dessas escolas e das comunidades onde
estão inseridas serão analisadas a partir das
(...) a vitalidade e o poder da imagem são eviden- imagens elaboradas pelas professoras e utiliza-
tes através da influência que elas exercem sobre das em seu trabalho didático. A investigação em
a imaginação das pessoas, configurando identi- relação à prática pedagógica das professoras se
dades individuais e coletivas, posições de sujeito, dará no percurso, em etapas como observação,
modos de ver, pensar, agir e, consequentemen- análise e crítica, pois a investigação deve con-
te, de produção e interpretação de significados. siderar o conhecimento dinâmico e não linear
Na última década o avanço surpreendente das instigado pelas visualidades e tecnologias con-
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), temporâneas.
associado a processos eletrônicos de distribuição,
comercialização e consumo de mercadorias, in- Práticas e Atividades Específicas
formações, valores e atitudes, contribuiu para
ampliar o alcance da imagem, conferindo-lhe Na expectativa de compreender o universo vi-
posição estratégica na paisagem contemporâ- sual contemporâneo dessas instituições e de ve-
nea, denominada de era da TED, ou seja, da proe- rificar o grau de autonomia das escolas da Rede
minência de aparatos que intercruzam Tecnolo- Municipal de Educação de Goiânia, estão sendo
gia, Entretenimento e Design. propostos percursos dialógicos abertos a im-
previstos e percalços, uma vez que não há uma
Esta realidade é também discutida pelo sociólo- fórmula prévia que indique trajetórias seguras e
go Zygmunt Bauman ao discorrer sobre a “von- precisas.
tade de liberdade” do sujeito contemporâneo
- 37 -

As atividades específicas que compõem a parte · BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Ge-
diferenciada do currículo para as EMTI devem rais da Educação Básica. Ministério da Educação.
ser pensadas considerando os conceitos trabal- Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Cu-
hados, os conhecimentos que a constituem, os rrículos e Educação Integral. Brasília: MEC/SEB/
significados social e histórico, a relevância social, DICEI, 2013.
as linguagens trabalhadas, os recursos materiais
necessários, articulação com outros conheci- · GOIÂNIA. Secretaria Municipal de Educação.
mentos e as técnicas necessárias para realizar Diretrizes Curriculares para a Infância e Adoles-
as ações pretendidas. Estas considerações de- cência da Rede Municipal de Educação. Goiânia,
vem ser ponderadas para que os objetivos da 2008.
ampliação da jornada escolar sejam atendidos.
O debate sobre as atividades específicas nas es- · GOIÂNIA. Secretaria Municipal de Educação.
colas de tempo integral têm sido uma constante, Programa para as Escolas Municipais com Aten-
evidenciando a importância destas atividades dimento em Tempo Integral. Goiânia, 2013.
na educação integral, muitas vezes confundidas
com atividades secundárias, menos significati- · GOIÂNIA. Secretaria Municipal de Educação.
vas que os componentes curriculares obrigató- Reorganização das Escolas Municipais de Tempo
rios. De acordo com Moll (2012: 130), Integral. Goiânia, 2015.

O debate da educação integral em jornada am- · HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da cultu-


pliada ou da escola de tempo integral, bem como ra visual: transformando fragmentos em nova
a proposição de ações indutoras e de marcos le- narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação,
gais claros para a ampliação, qualificação e re- 2007.
organização da jornada escolar diária, compõe
um conjunto de possibilidades que, em médio · JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem.
prazo, pode contribuir para a modificação de Trad. Marina Appenzeller – Campinas, SP: Papi-
nossa estrutura societária. rus, 1996.

A modificação de nossa estrutura societária, · MARTINS, Raimundo e TOURINHO, Irene. Cul-


conforme mencionada por Moll, é relevante nas tura Visual e Infância: quando as imagens inva-
seleções das ações estabelecidas nas escolas e dem a escola. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2010.
também das competências dos professores que
ministram as atividades específicas que são se- · MOLL, Jaqueline (et al.). Caminhos da educação
lecionadas e propositadas nas escolas, de acordo integral no Brasil: direito a outros tempos e es-
com a demanda de cada comunidade escolar. Es- paços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012.
ses são elementos significativos para que as ações
propostas tenham êxito. · OLIVEIRA, Elisabete Silva. Educação Estética Vi-
sual Eco-Necessária na Adolescência. Coimbra,
A investigação, embora em estado inicial de PT: Minervacoimbra, 2010.
mapeamento das escolas com vistas a pesquisa
de campo e a produção de dados, está na fase Adriane Camilo Costa
de levantamento bibliográfico em sintonia com
as perguntas norteadoras, rastreando ideias e Licenciada em Artes Visuais pela Universidade
discussões de teóricos que pesquisam e discu- Federal de Goiás (UFG), Mestre em Arte e Cultura
tem esta temática de modo a elaborar possíveis Visual pela mesma instituição, Especialista em
itinerários e diálogos conceituais que venham a Cinema/Educação pelo IFITEG, doutoranda em
embasar caminhos a serem percorridos eóu ca- Arte e Cultura Visual na FAV/UFG. Atualmente
minhos já trilhados porém ainda não definidos. A é professora na Pontifícia Universidade Católica
pesquisa contempla a questão problematizadora de Goiás e na Secretaria Municipal de Educação
que é, porém, passível de ser revisada durante o de Goiânia. É membro do Grupo de Pesquisa Cul-
percurso investigativo. tura Visual e Educação, da UFG, e do Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Cultura e Educação
Referências na Infância, da PUC Goiás. http://lattes.cnpq.
br/4772871578570275
· BAUMAN, Zygmund. O mal-estar da pós-mo-
dernidade. Trad. Mauro Gama, Cláudia Marti-
nelli Gama - Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
- 38 -

Raimundo Martins

Doutor em Educação/Artes pela Southern Illinois


University (EUA), pós-doutor pela University
of London (GB) e pela Universidade de Barcelo-
na (Espanha). É Professor Titular e docente do
Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura
Visual da Faculdade de Artes Visuais da Uni-
versidade Federal de Goiás (FAV-UFG). É pesqui-
sador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte,
Educação e Cultura (PPGE-UFSM), Cultura Visual
e Educação (PPGACV-UFG) e do Laboratório Edu-
cação e Imagem (PPGE-UERJ).
- 39 -

LUGARES, ENCONTROS E ACONTECIMENTOS DA


FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS.
Deise Facco Pegoraro- UFSM
Leonardo Charréu - UFSM

Resumo: questões e problematizador para pensar a expe-


riência educativa em artes visuais como lugar de
O presente texto apresenta um recorte da pes- encontro.
quisa de dissertação que se encontra em an- Pensando na relação entre forma e conteúdo,
damento intitulada “Experiência educativa em Eisner sugere que
artes visuais como lugar de encontro: processos
e aprendizagem na docência”. Tem por objetivo ...forma e conteúdo são inseparáveis é uma das
pensar a experiência educativa em artes visuais lições que as artes mais profundamente ensinam.
como lugar de encontro na docência. Os encon- Muda o ritmo de um verso de poesia e mudarás o
tros e acontecimentos da graduação permeiam significado do poema. A criação de relações ex-
o tempo presente como forma de ressignificação pressivas e satisfatórias é o que o trabalho artisti-
de aprendizados. O tempo passado é revisitado camente guiado celebra. (EISNER, 2008)
através de diários da prática pedagógica e trazi-
do para problematizar aprendizados de um tem- A prática reflexiva a partir dos diários é feita le-
po outro onde também se fazem presentes ima- vando-se em consideração alguns pontos que de-
gens do espaço escolar de atuação no presente e vem ser contemplados no momento de produção
imagens produzidas pelos alunos. Este universo do DPP. Estes elementos foram inicialmente co-
imagético dispara o pensamento e convida auto- locados durante o meu percurso curricular na
res e conceitos para operarem numa tentativa de licenciatura, a partir de Zabalza (2004).
problematizar um processo de formação docente
pela prática e através dos encontros. A pesquisa Estes elementos/dilemas/pontos de pauta de re-
opera com os conceitos de acontecimento e en- flexão do processo estão compreendidos dentro
contro de Deleuze através do método qualitativo da proposta de Zabalza (2004) contemplando a
cartográfico de pesquisa em educação. fala do professor, o ‘eu’ docente em formação ini-
cial/continuada; os estudantes representados em
Palavras-chave: Educação, encontro, aconte- imagens, ou falas deles (que levam a uma determi-
cimento. nada percepção do professor sobre a experiência
dos seus educandos); os conceitos chave do projeto
O Diário da Prática Pedagógica (DPP) neste tex- de pesquisa/intervenção e seus autores; e diálogo
to e para minha pesquisa de mestrado significa entre imagem e escrita, onde se procurou que
uma possibilidade de olhar para as aulas de artes nenhuma se sobressaisse à outra.
visuais a partir de dilemas e do que aconteceu
de mais significativo. É uma ferramenta de tra- Para trabalhar com esta ferramenta contem-
balho que conheci através dos encontros e ações plando todos os pontos mencionados acima é
do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de preciso transitar por caminhos obscuros entre-
Iniciação à Docência), subprojeto Artes Visuais/ laçando pensamentos e olhares diferenciados.
UFSM, logo no início do curso de Licenciatura em O DPP se torna uma multiplicidade que contribui
Artes Visuais e que caminhou comigo durante para que outras composições sejam acionadas,
todo o percurso de bolsista de iniciação à docên- possibilitando diferentes arranjos. A importância
cia e, também, durante os estágios supervisio- desses elementos está naquilo que eles nos pro-
nados. Hoje, os diários continuam me ensinando vocam a pensar e nas outras conexões que eles
outras formas de ver a prática e formação docen- nos desafiam a realizar.
te e, por isso constitui o elemento disparador de
- 40 -

Tendo em vista a relevância desta ferramenta vestigando da própria prática e assim manter uma
para a formação docente me ponho a pensar em relação de profundo comprometimento com aqui-
duas questões: será que o diário se sustenta por lo que produz sentido.
si só ou será preciso explicá-lo? No que respeita
aos encontros na UFSM como parte do processo Esta prática tem se tornado uma ferramenta
formativo: o que eu aprendi do/com o grupo das muito importante até mesmo para avaliação
aulas, das discussões, dos encontros? de processos. É uma forma de “distanciamento”
que nos permite ver em perspectiva nosso modo
Dentro desta perspectiva, cada docente em for- particular de atuar. É, além disso, uma forma de
mação propõe para si a construção/elaboração aprender (ZABALZA, 2004, p. 10). Os fragmen-
de um material em formato distinto tendo como tos, dilemas, imagens, falas, palavras, conceitos,
ponto de partida os elementos acima elencados. autores que aparecem em meus diários e diários
Desta forma tratará em seguida de narrar as de colegas são recortes. Estes recortes podendo
suas vivências e experiências de sua formação ser propositais já estão carregados de subjetivi-
docente. A contemplação destes elementos oco- dade de quem o faz. E por este motivo o diário se
rrerá de forma única para cada pessoa, pois de- torna único.
penderá do seu próprio processo. O DPP organiza
o pensamento dentro do conjunto de práticas e Uma característica muito importante da cons-
ações docentes. O momento da construção do trução do DPP se faz presente no momento de
diário é um tempo de desafio, de olhar para a estabelecer uma relação entre texto e imagem.
própria experiência e assinalar o que de mais As imagens podem falar por si próprias e os tex-
significativo ocorreu. tos podem dar conta de dizer e muito bem o que
se propõem. Mas a questão aqui é outra. Quando
A importância do uso desta ferramenta faz re- colocamos estas duas linguagens para trabalha-
lação com a qualidade das ações docentes, pois rem juntas, pode ocorrer, e, visa-se que ocorra,
os professores serão melhores profissionais tan- um tensionamento entre elas e por este viés se
to quanto mais conscientes forem suas práticas e possa dar conta de sair do senso comum. Este
quanto mais refletirem sobre suas intervenções tensionamento pode (ou não) acontecer de forma
em determinados locais e contextos. Por este viés particular em cada diário.
também é possível afirmar que os DPP’s contri-
buem para esta qualidade. Assim, os diários con- Importância e contribuições do DPP para a for-
tribuem, a partir dos elementos-chaves, para (re) mação docente
pensarmos nossas práticas.
Nem tudo o que conhecemos conseguimos arti-
Ao abordar todos os elementos na construção do cular de forma proporcional. Muitas vezes, con-
DPP interfere-se diretamente nas relações en- seguimos nos aproximar de tais questões com
tre o professor em formação e o que o circunda: recursos visuais, mas que deixam no poder da
a escola, os alunos, os planos de aula, objetivos imaginação muitas incógnitas e ao mesmo tempo
e palavras-chave do projeto de ensino-pesqui- conteúdos. Não se pode querer tornar claro para
sa, a universidade, os encontros, as leituras e a os outros o que para nós mesmos ainda é con-
própria vida. fusão ou enigma, ou até existe só em ideia. Isto
se aplica porque, como coloca Eisner (2008, p.12)
De maneira subjetiva, o formato escolhido para o “os limites do nosso conhecimento não são defi-
diário faz uma relação entre nossas motivações nidos pelos limites da nossa linguagem”. E, nas
e as experiências de aprendizado. Desta forma palavras de Zabalza, temos que:
há um direcionamento peculiar de cada sujeito.
O diário é construído com o objetivo de oferecer Não é a prática por si mesma que gera conheci-
a quem o produz, um distanciamento necessário mento. No máximo permite estabilizar e fixar
para poder observar com atenção todos os ele- certas rotinas. A boa prática, aquela que permi-
mentos implicados na experiência educativa. O te avançar para estágios cada vez mais eleva-
movimento criativo que se faz ao operar com os dos no desenvolvimento profissional, é a prática
mais diversos materiais, contribui para proble- reflexiva. Quer dizer, necessita-se voltar atrás,
matizar questões que muitas vezes damos por revisar o que se fez, analisar os pontos fortes e
naturalizadas na docência, bem como aprofundar fracos de nosso exercício profissional e progre-
questões para a construção de conhecimento co- dir baseando-nos em reajustes permanentes.
letivo na hora da partilha dos diários. Para tanto a Sem olhar para trás, é impossível seguir em
escolha do formato e materiais a serem utilizados frente (ZABALZA, 2004, p.137).
precisa estar atenta aos anseios do que se está in-
- 41 -

Estas relações se tornam possíveis porque um dos que narram deixando, muitas vezes aparecer um
objetivos das práticas de sala de aula e também caráter inventivo. Para Oliveira (2011),
nas reuniões dos grupos de estágio e PIBID na
UFSM era de não se separar a prática da teoria: Os diários são formados por componentes frag-
elas devem caminhar juntas, bem como afirma Ga- mentados, com acabamentos provisórios. Todo
llo (2010, p.61) sobre o contexto de uma educação diário conta uma história, histórias não linea-
menor, onde teoria e prática estão em revezamen- res, ao contrário, histórias sinuosas, de idas e
to constante, sem totalizações. Assim, o professor é vindas, enviesadas. Um diário se alimenta de
um teórico e um prático, a cada momento assumin- várias fontes: de imagens coladas, de conceitos
do um papel, de acordo com a necessidade, relacio- entrecruzados, de camadas de cola, de desen-
nando textos, filmes, imagens, obras, a docência e a hos, de rasuras, de escritas nas margens. Todo
própria prática em sala de aula. diário é um incorporal, embora esteja sempre
Para tanto, é necessária uma interação entre a encarnado em um ou mais corpos. (OLIVEIRA,
criação das narrativas em forma de imagens vi- 2011, p.999)
suais juntamente com a linguagem escrita. Den-
tro do campo específico de produção de visuali- Produzir registros e organizá-los de forma a
dade delimitado pelas Artes Visuais, a relação contribuir para a auto-formação e formação de
entre imagem e linguagem tem se colocado como grupo permite construir uma espécie de memó-
uma das questões mais instigantes e provoca- ria compreensiva, que para Warschauer (1993) é
doras para artistas, teóricos, críticos e comenta- aquela memória que não é só simples recordação,
dores em geral, por colocar em jogo justamente lembranças vãs, mas é base para a reflexão do
os limites do que se convenciona designar como educador, para análise do cotidiano educativo e
regiões do visual e do verbal (BASBAUM, 2007). do trabalho desenvolvido com o grupo. E, é neste
sentido que Kastrup (1999) me leva a pensar em
Dentro da perspectiva da prática pedagógica uma política de invenção, que se contrapõe à polí-
em Artes Visuais percebo a narrativa como uma tica de recognição, e que se expressa na fórmula
forma de organização, um registro dos conhe- do aprender a aprender. Nesta mesma perspec-
cimentos adquiridos, para discernir padrões de tiva, ainda resgato um fragmento de Ostrower
trabalho no curso, para voltar a questionar so- (2010) onde compõe que
bre reflexões anteriores (VAN MANEN, 2003,
p.91). Num sentido mais amplo, podemos dizer A consciência se amplia para as mais comple-
que a narrativa tem como foco compreender a xas formas de inteligência associativa, em-
experiência humana e busca que sempre envol- preendendo seus voos através de espaços em
ve ações cognitivas e afetivas, sem distingui-las crescente desdobramento, pelos múltiplos e
(MARTINS e TOURINHO, 2009). concomitantes passados-presentes-futuros que
se mobilizam em cada uma de nossas vivências.
Além da produção dos diários, nos encontros do (OSTROWER, 2010, p.19)
grupo PIBID na UFSM reservavam-se momentos
de partilha. Estes momentos eram pensados de Ainda para Ostrower (2010), supõe-se que os
forma a ressignificar o vivido, pois “o que temos processos de memória se baseiam na ativação de
escrito é mais fácil de contar e compartilhar do certos contextos e não em fatos isolados, embora
que o que simplesmente sabemos, pensamos ou os fatos possam ser lembrados. E, a partir desta
sentimos” (ZABALZA, 2004, p.29). Diria até que prática, nos apropriamos dos conhecimentos pro-
se caracterizavam como um lugar de encontro. duzidos através da invenção. Invenção de formas
Um lugar onde podíamos nos encontrar com dile- de organizar, esquematizar, tornar visível para/
mas, problemas, tentativas de soluções para algo através de outro(s) olhar(es) o que foi de mais re-
que parecia estar saindo do que fora planejado. levante nas vivências docentes.
Isso pressupunha a organização de diálogos, de
avaliações, narrativas, inquietações, necessida- A importância dos diários está por ser um instru-
de de mudanças, contextualizações e diferentes mento que valida o percurso docente com seu ca-
formas de pensar/agir/ver. ráter ressignificativo da teoria e prática num corpo
só. Permite ver com distanciamento o próprio pen-
Zabalza (2004) aponta e diferencia os múltiplos samento em relação à experiência vivida. Muitas
tipos de diários conforme a modalidade de narra- vezes estamos tão embrenhados com o andamento
tiva que se utiliza. Esta proposta, em particular, se das aulas que não conseguimos mais tomar folego
vale do formato criativo/poético pois compreende para criticar nosso próprio trabalho. E então o que
uma espécie de narração correspondente às pos- produzimos é uma ferramenta que nos permite
sibilidades de imaginar ou recriar as situações este afastamento do local da experiência para uma
- 42 -

outra experiência igualmente rica. Esta é a que Educação pela UFSM, Linha de Pesquisa Educação
acontece na hora de construir e de se deixar afetar e Arte. Licenciada em Artes Visuais – Desenho e
pelo próprio DPP por forma a produzir encontros Plástica/UFSM. Integrante do Grupo de Pesquisa
com outras formas de pensar e agir. em Arte, Educação e Cultura (GEPAEC/UFSM).

Referências Leonardo Augusto Verde Reis Charréu

· BASBAUM, Ricardo. Além da pureza visual. Por- Professor do programa de Pós-Graduação em


to Alegre, RS: Zouk, 2007. Educação da UFSM, Linha de Pesquisa Educação
e Arte. Licenciado em Pintura pela Faculdade de
· DELEUZE, Gilles. “Que és un dispositivo?”. In: Belas Artes da Universidade do Porto, mestre em
Org., Michel Foucault Filósofo. Madrid: Editora História da Arte pela Universidade Nova de Lis-
Gedisa, 1990. boa e doutor em Belas Artes pela Universidade
de Barcelona. É vice-líder do GEPAEC e coordena
· EISNER. Elliot E. O que pode a educação apren- o NEPIC na UFSM.
der das artes sobre a prática da educação. In:
Currículo sem Fronteiras. V.8, n.2, pp.5-17. Uni-
versity Stanford, Estados Unidos. Jul/Dez 2008.

· GALLO, Silvio. Filosofia da Diferença e Edu-


cação: o revezamento entre teoria e prática. In:
CLARETO, Sônia Maria; FERRARI, Anderson
(Orgs.). Foucault, Deleuze e Educação. Juiz de
Fora: Ed. UFJF, 2010.

· KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mun-


do: Uma introdução do tempo e do coletivo no es-
tudo da cognição. Campinas: Fontes, 1999.

· VAN MANEN, Max Van. Investigación educativa


y experiencia vivida. Barcelona: Idea, 2003.

· MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene. Pes-


quisa narrativa: concepções, Práticas e inda-
gações. in: II CEAC – Congresso de Educação,
Arte e Cultura – Confluência e diálogos no campo
das artes. Anais. Santa Maria, 2009.

· OLIVEIRA, Marilda. Oliveira de. A perspectiva


da cultura visual, o endereçamento e os diários
de aula como elementos para pensar a formação
inicial em artes visuais. In: 20º Encontro Asso-
ciação Nacional de Pesquisadores em Artes Plás-
ticas, 2011, Rio de Janeiro. Anais do Encontro
Nacional da ANPAP. Rio de Janeiro: UERJ/Rede
Sirius, 2011. v. 1. p. 1-13.

· OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de


criação. Petrópolis: Vozes, 2010.

· WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro. Rio


de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

· ZABALZA, Miguel A. Diários de Aula: um instru-


mento de pesquisa e desenvolvimento profissional.
Porto Alegre: ArtMed, 2004.Deise Facco Pegoraro

· ·Mestranda do Programa de Pós-Graduação em


- 43 -

ARTE CONTEMPORÂNEA E EDUCACÃO DA CULTURA VISUAL:


PEDAGOGIAS CULTURAIS NA ALFABETIZAÇÃO INFANTIL

Lutiere Dalla Valle - UFSM


Jéssica Maria Freisleben - UFSM

Resumo: years in the literacy process of a private school


in Santa Maria , RS, Brazil. The teaching design,
Este texto parte de um relato de experiência research and aims to provide the opportunity for
vivenciada entre um grupo de professoras em exchange of experiences and educational practi-
formação inicial no campo das artes visuais com ces among undergraduate students in visual arts
quatro turmas de 1º anos do Ensino Fundamen- from the Federal University of Santa Maria with
tal, com aproximadamente 80 crianças de seis the educational community of the Marist College
anos em processo de alfabetização de uma escola Santa Maria and articulate proposals that favor
privada de Santa Maria, RS, Brasil. O projeto tem the procurement processes written language
por objetivos oportunizar o intercâmbio de expe- through visual narratives and seizure issues
riências e práticas educativas entre acadêmicos related to the words addressed in their exhibi-
de licenciatura em artes visuais da Universidade tions. Seeking to understand how contemporary
Federal de Santa Maria com a comunidade edu- artistic production potentiates childhood literacy
cativa do Colégio Marista Santa Maria e articu- by raising experiences, articulating around vi-
lar proposições que favoreçam os processos de sualities and materiality of the exhibition space
aquisição da linguagem escrita por meio de na- and collaborating in the seizure of issues rela-
rrativas visuais e apreensão de vocábulos rela- ted to the words addressed in their exhibitions.
cionados às temáticas abordadas nas respectivas The methodological theoretical framework that
exposições. Visando compreender como a pro- supports the project, supports the studies of Vi-
dução artística contemporânea potencializa a al- sual Culture and Cultural Pedagogy. Set is still
fabetização infantil ao suscitar experiências, ar- as collective construction, as articulated student
ticulando visualidades e materialidades entorno knowledge in basic training. Still in the initial
do espaço expositivo e colaborando na apreensão phase, the project anticipates relevant clues to
de vocábulos relacionados às temáticas aborda- implement learning processes in which art is a
das nas respectivas exposições. O marco teórico starting point.
metodológico que embasa o projeto respalda-se
nos estudos da Cultura Visual e Pedagogias Key-words: Contemporary Art; Child literacy;
Culturais. Configura-se ainda como construção Childhood; Experimentations;
coletiva, pois articula saberes de estudantes em
formação inicial. Ainda em fase inicial, o proje- Introdução
to antecipa pistas relevantes para implementar
processos de aprendizagem em que a arte seja O presente texto, em forma de relato de expe-
ponto de partida. riência propõe-se a dialogar acerca das práticas
artísticas e pedagógicas oportunizadas pelo pro-
Palavras-chave: Arte Contemporânea; Alfabeti- jeto de ensino, pesquisa e extensão “Arte contem-
zação infantil; Infância; Experimentações; porânea e educação da cultura visual: pedago-
gias culturais na alfabetização infantil”, que teve
Abstract: início em março de 2016. O projeto tem por obje-
tivos oportunizar o intercâmbio de experiências
This text part of an experience report lived e práticas educativas entre acadêmicos de licen-
among a group of teachers in initial training in ciatura em artes visuais da Universidade Federal
the visual arts with four classes of 1st year of de Santa Maria com a comunidade educativa do
primary school, with about 80 children from six Colégio Marista Santa Maria. Além disso, articu-
- 44 -

lar proposições que favoreçam os processos de ta seca (espécie de lápis com ponta afiada) sobre
aquisição da linguagem escrita por meio de na- papel vegetal, que remetem às formas humanas,
rrativas visuais e apreensão de vocábulos rela- internas e externas, do micro ao macro. A pro-
cionados às temáticas abordadas nas respectivas posta de trabalho com as crianças culminou com
exposições. Conhecer e compreender como se dá a visitação à exposição e a vivência de uma ofi-
o processo de alfabetização e quais as possibili- cina artística, que possibilitou a experimentação
dades de maior ênfase a partir de obras e artistas do material – papel vegetal – que foi a base para
contemporâneos dentro deste processo. as obras vistas na exposição.

Visando outras possibilidades e rupturas com Pensando que a infância não é passiva e nas co-
o tradicional uso das práticas artísticas na edu- laborações possibilitadas pela arte contemporâ-
cação infantil, o projeto vem se estruturando, nea, a dinâmica da exposição tentou possibilitar
buscando explorar “o que a docência para a in- algo além da observação, permitindo o contato
fância pode aprender com a arte?” E como a arte, através do “toque”. Um toque suave, como um ca-
ou acadêmicos da área de artes visuais podem rinho ou como uma brisa foi a sugestão dada aos
aprender com a infância? pequenos, para que pudessem sentir as texturas,
as ranhuras e fissuras feitas no papel vegetal que
Atualmente o projeto contempla aproximada- tornaram possível visualizar os desenhos. Perce-
mente 80 crianças, de seis anos, provenientes das ber a transparência do papel e a translucidez que
quatro turmas de 1º anos do Ensino Fundamental, dá nome à exposição. Testar novas possibilidades
da rede privada do Colégio Marista de Santa Ma- com papéis coloridos, descobrir formas conheci-
ria. Propõe se um projeto a ser construído a partir das em meio à riqueza de detalhes das obras ex-
da colaboração entre todos os segmentos envolvi- postas, ver, olhar, buscar o desconhecido, ir além
dos, respaldado pela troca, pela reciprocidade e, do que é familiar, partir do real sem limites à
principalmente, pelo respeito às diferenças como imaginação. Ver e não ter a certeza de que é isso
ponto central de um Projeto de Trabalho. Ele busca mesmo. Questionar-se.
o entendimento de como se dá o processo de alfa-
betização e letramento, quais as referências uti- A infância interroga, por isso é capaz de alterar
lizadas e como as artes visuais podem contribuir os rumos dos acontecimentos. Podemos dizer
nesse processo. que ela não aceita a previsibilidade, porque sen-
te o mundo de uma maneira dinâmica, bem ao
As aproximações iniciais possibilitaram conhe- contrario do adulto, para quem o certo é contar
cer as diferenças entre as quatro turmas de 1º com o que é sabidamente previsto.” (FIGUEIRE-
anos envolvidas no projeto, o ritmo e o tempo de DO, LEAL, 2006, p. 245)
concentração das crianças nesta faixa etária, a
importância da ludicidade e de um planejamento Essa afirmação vem ao encontro aos aconteci-
dinâmico e flexível, características mais especí- mentos e às recorrentes mudanças de estratégias
ficas deste público que requerem um olhar mais que se fizeram necessárias durante a mediação e
atento. Na fase inicial o projeto procurou conhe- visitação à exposição. O planejamento feito não
cer como se dá o planejamento e cronograma das foi tido como algo estático, fechado, pelo contrário,
aulas ministradas pelas professoras e entender foi flexível e aberto a mudanças do início ao fim.
a relevância do tema central - estudos sobre o Tendo em vista que a infância altera os rumos, in-
corpo humano, que é o fio condutor do livro di- terroga e nem sempre aceita a previsibilidade. E
dático do 1º ano do Ensino Fundamental. A partir foi o que aconteceu durante as visitas mediadas
destes encontros, o desafio proposto foi pensar na exposição. Experimentamos, invertemos a or-
como a Arte enquanto potência pedagógica pode dem das ações, adaptamos ao tempo de concen-
propiciar experiências artísticas e quais as con- tração dos pequenos, conversamos e exploramos
tribuições da produção em arte durante os pro- o que foi possível em grupos, ou individualmente.
cessos de alfabetização. Com cada turma experimentamos estratégias di-
ferentes. Com uma turma, primeiramente deixa-
Buscando entrelaçamentos do tema: estudos so- mos que explorassem a exposição à vontade, com
bre o corpo humano, com as ações artísticas pro- outra, iniciamos fazendo a mediação para que pu-
postas pelo grupo, foi possibilitada uma vivência déssemos analisar o que seria mais significativo.
artística a partir da visitação da exposição: “A Averiguou-se que eles chegam tão ansiosos por
(trans)Lucidez da Arte: (des)Tino Humano”, de conhecer e tocar as obras, que deixá-los por al-
autoria do artista plástico e professor do curso de guns minutos explorando o espaço sozinhos pare-
Artes Visuais da UFSM Lutiere Dalla Valle. A ex- ceu a melhor estratégia. Para que posteriormente
posição contou com 15 desenhos feitos com pon- pudéssemos sentar e conversar sobre os elemen-
- 45 -

tos visualizados nas obras. bilitava linhas mais grossas. O papel disponibili-
Stevenson no ensaio “Juego de niños”, de 1981, zado media aproximadamente 3 metros de com-
mencionado no livro “A Infância vai ao cinema”, primento e as crianças usaram todo e qualquer
organizado por Teixeira, Larrosa e Lopes, assina- espaço disponível, criando nesse interim formas,
lou que, linhas, ranhuras, desenhos e palavras de taman-
hos variados. No instante que perceberam a fra-
As crianças são suficientemente capazes de ver; gilidade do papel, que pode rasgar com facilida-
mas, em troca, não possuem a capacidade de de, algumas crianças tiveram que dosar a força
olhar desenvolvida; não usam seus olhos pelo para obter o resultado esperado. Como aponta
prazer de usá-los, senão para secretos propósi- Lucianda Loponte
tos que só elas sabem. As coisas que eu recordo
ter visto com mais nitidez não eram particular- Arte é feita de possibilidade, de invenção, de
mente formosas em si mesmas, mas resultavam criação, de ruptura, do imprevisível, do inespe-
interessantes ou cobiçáveis para mim, simples- rado. A infância também, é puro acontecimento.
mente porque me parecia que poderiam ser uti- E o que a docência para a infância pode apren-
lizadas para brincar.(ESPELT, 2006,p.29) der com a arte? Quais as nossas metáforas con-
temporâneas para pensar a educação para a
Quais serão os propósitos secretos que as obras infância” (LOPONTE, 2008, p.118)
desta exposição despertaram nessas crianças?
Podemos pensar que a exposição/as obras às Portanto, temos que nos deixar levar pela mão
quais as crianças tiveram a oportunidade de con- das crianças e com nossas lembranças, criar um
hecer podem ser objetos/brinquedos que desper- espaço com elas, pois não se trata de criar uma
taram interesse, cobiça e desejo de posse? ponte, pois isso seria tentar entrar no mundo das
crianças, como algo de fora, como um estrangei-
Após visitação e mediação da exposição, as ro tentando penetrar esse território. Vamos cons-
crianças foram convidadas a experimentar o pa- truindo nesses momentos de troca um espaço
pel vegetal associado a uma “ponta-seca”, neste comum, compartilhando experiências. Buscando
caso palitos de churrasco e cabos de pincéis, e criar fendas na esperança que nos deem um norte que
suas narrativas visuais. “Exploração do papel, re- nos digam um pouco de si na construção de um
gistro do gesto, ludicidade? Para quê?” (LOPONTE, trabalho em equipe.
2008, p 118) Possibilidades que foram exploradas
através da mediação, da busca por diálogos e não A vivência dessa prática artística e educativa
pela explicação do que estava sendo mostrado, possibilitou às crianças a experimentação de
nem do direcionamento da interpretação. Evitan- outros materiais, em um local diferente do con-
do questionar o quê e por que fizeram, simples- vencional, aproximando a universidade da co-
mente deixando-os experimentarem. A partir da munidade, neste caso estudantes de um colégio
investigação realizada durante a experimentação da cidade de Santa Maria. Permitiu-nos a apro-
do material evidenciou-se a importância de tocar, ximação com o processo de alfabetização para
sentir, explorar, riscar e concretizar nesta faixa melhor avaliar como a arte pode colaborar nesse
etária. Através dos desenhos foi possível observar processo e a investigação de como se produz o
que algumas crianças resgataram em seus desen- conhecimento em arte contemporânea a partir
hos a temática da exposição, outras ficaram em de experiências artísticas nas séries iniciais e
seus desenhos habituais: casas, cachorro, pessoas, quais as contribuições da produção em arte du-
flores, dentre outros desenhos e estruturas, típi- rante os processos de alfabetização. Em linhas
cos desta faixa etária e não se permitiram sair de gerais, a presente prática relatada, aproximou a
sua zona de conforto. comunidade santa mariense do contexto univer-
sitário de formação e circulação de ideias, grupos
Assim, creio que seja fundamental desenvolver de pesquisa e estudos recentes atrelados ao cam-
pesquisas no campo da cultura visual, tendo po artístico cultural, contribuiu com a formação
como sujeitos das pesquisas as crianças, procu- de público para as artes e incentivou a busca pela
rando entender seus pontos de vista, suas re- experimentação criativa no contexto da arte con-
lações com as representações imagéticas, suas temporânea. Articulou suas proposições iniciais,
produções gráfico-plásticas, entre outros enfo- contribuindo com os processos de aquisição da
ques. (CUNHA, 2010, p. 141) linguagem escrita por meio de narrativas visuais
e apreensão de vocábulos relacionados à temá-
As crianças puderam testar espessuras de lin- tica abordada na exposição artística, tais como:
has, pois os palitos de churrasco possibilitavam corpo, cérebro, coração, célula. Mesmo dando
fazer linhas mais finas, já o cabo de pincéis possi- seus passos iniciais, o projeto antecipa pistas
- 46 -

relevantes para realizar processos de aprendiza- Lutiere Dalla Valle


gem em que a arte seja o ponto de partida e atue
como protagonista. Professor Adjunto na Universidade Federal de
Santa Maria. Mestre e Doutor em Artes Visuais
Referências e Educação (Universidad de Barcelona/ES);
Mestre em Educação, Especialista em Arte e Vi-
· CUNHA, Vieira da. Susana R.; As Infâncias nas sualidade, Licenciado e Bacharel em Artes Vi-
tramas da cultura visual. In: Raimundo Martins;I- suais (UFSM). Coordenador do Núcleo Educativo
rene Tourinho. (Org.). Cultura Visual e Infância: Cláudio Carriconde (NECCA), Grupo de Estudos e
Quando as Imagens Invadem a Escola. 1ed.Santa Pesquisas Cinema e Educação (GECED), e do Gru-
Maria: editora da UFSM, 2010, v. 1, p. 131-162. po Arte Contemporânea e Educação da Cultura
Visual. Membro do GEPAEC.
· LOPONTE, Luciana Gruppelli; Arte e metáforas
contemporâneas para pensar infância e edu- Jéssica Maria Freisleben
cação. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Edu-
cação, v. 13, n. 37 jan./abr. 2008. Licenciada em Artes Visuais pela Universidade
Federal de Santa Maria. Membro do Núcleo Edu-
· SPELT... titulo do capítulo In: Teixeira, I. A. de C.; cativo Cláudio Carriconde (NECCA), do Grupo de
Larrosa, J; Lopes, J. de S. M. (orgs.). A Infância Vai Estudos e Pesquisas Cinema e Educação (GECED)
ao Cinema. São Paulo: Autêntica, 2006. e do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão Arte
Contemporânea e Educação da Cultura Visual.
- 47 -

AFETOS DE UM MUNDO SECRETO: FABULAÇÕES DE


UMA FORMAÇÃO DOCENTE

Ana Cláudia Barin - UFSM


Marilda Oliveira de Oliveira - UFSM

Resumo Supervised Teaching Practice in the Visual Arts


Teaching Major. The memory that I have fabrica-
Esta dissertação experimentou da fabulação ted was not the one about a recall or a review of
para pensar os encontros de uma formação do- what the teaching formation diaries contained,
cente. Encontros esses produzidos pelos afetos but it was the creation, which might have come
(SPINOZA, 2013) disparados pela animação Co- from these registers. Moved by Deleuze’s (1997)
raline e o Mundo Secreto (2009). Encontros que and Deleuze e Guattari’s (1995) thoughts, I have
conversaram com os diários visuais, construídos produced, with connections from the past, some-
no momento dos Estágios Curriculares Supervi- thing in constant development, an anti-narrati-
sionados na Graduação em Licenciatura em Ar- ve, about to happen, breaking the time sequen-
tes Visuais. A memória com a qual fabulei não foi ces of events. The secret world constructed in
aquela que diz respeito à lembrança ou resgate this research is not about another world, but this
do que está contido nos diários de formação do- world, here and now, what happens in complete
cente, mas o que pode ser criado a partir desses immanence, all that might become. I operated
registros. Movimentada pelo pensamento de with concepts such as affects and encounters
Deleuze (1997) e Deleuze e Guattari (1995), pro- to trace the ‘sewing’ of this research, to map this
duzi com estas conexões com o passado que está rhizome, where methodic thinking is defeated
em constante devir, por vir, uma antinarrativa, by disorder towards the creation of new territo-
rompendo com as sequências temporais dos ries. The experimentation through the memory
acontecimentos. O mundo secreto em construção was the fabulation, which invades the character
na pesquisa não diz respeito a outro mundo, e sim Coraline’s quotidian and elements present in the
a este mundo, no aqui e agora, no que acontece pedagogical diaries. The text was built in the mix
em plena imanência, em tudo que pode vir a ser. of such borders, in the teaching living based on
Operei com conceitos como afetos e encontros the fabulation I produced in this research.
para traçar a ‘costura’ da pesquisa, mapear esse
rizoma, onde o pensamento metódico é desafia- Traçando um percurso pela fabulação
do pela desordem e para a criação de novos te-
rritórios. A experimentação com a memória foi A ideia da fabulação sempre permeou meus
a própria fabulação, que adentra no cotidiano da interesses de pesquisa, desde a graduação. Na-
personagem Coraline e nos elementos presentes quele momento, relacionada com questões do
nos diários pedagógicos. Foi na mistura dessas cotidiano e da autobiografia, esta temática me
fronteiras que o texto se construiu, na vivência movimentou pela possibilidade de lançar-me em
de uma docência fabuladora que produzi esta diferentes encontros. Partindo de pesquisas que
pesquisa. envolviam um mundo fantástico, construí trabal-
hos que me permitiram explorar essa fabulação,
Abstract tanto em sala de aula, a partir dos estágios, como
na criação dos diários pedagógicos. Estabelecer
This master’s thesis experimented the fabula- relações com a memória, com diferentes expe-
tion to think encounters regarding teachers’ riências e pensar a questão do indivíduo den-
formation. Such encounters were produced by tro do espaço em que habita possibilitaram-me
affects (SPINOZA, 2013) triggered by the ani- analisar a noção de tempo, de espaços sociais, de
mation Coraline (2009). The encounters dialogue lembranças, de sentidos e das relações criadas
with visual diaries were constructed during the nesse meio.
- 48 -

Essas relações foram construídas tanto no âmbi- Partindo do conceito de afetos (SPINOZA, 2013),
to de aproximação ao objetivo de pesquisa, quan- surgiu o movimento que me fez adentrar na
to à satisfação ao abordar assuntos tratados pela pesquisa. Pensei nessa ação de afetar-se para
experiência como docente em formação, como modificar uma visão passada, construindo novas
no âmbito de questões pertinentes aos modos significações e traçando relações entre os en-
de como vejo as diferentes formas de educação contros que experimentei na pesquisa e como se
hoje. Trata-se de forçar o pensamento a respeito davam esses encontros com os personagens pre-
de como se enxerga uma docência fora do lugar sentes no filme e as muitas situações adversas.
comum, relacionando-a a indagações presentes Dissertei sobre esses processos de formação do-
a partir dos objetos escolhidos para realizar esta cente a partir desses personagens, dessa mistura
pesquisa, como o filme Coraline e o Mundo Secre- de engrenagens que me faz buscar o que pode
to (2009) e os diferentes encontros com os diários movimentar o pensamento a partir das imagens
pedagógicos. e das literaturas escolhidas.

Ao voltar o olhar para os diários pedagógicos, Abrir a pequena porta desse mundo secreto me
utilizei diferentes afetos para construir um pen- permitiu vasculhar, remexer, fotografar frag-
samento diante das experimentações dentro da mentos que constroem meu bloco de sensações
sala de aula e do retorno dos estudantes a partir no presente. Explorar Coraline é esmiuçar em
de conteúdos e temas trabalhados no período detalhes esse mundo contido nos diários, nos
dos estágios, quando situações de desconforto e sentidos que me formam como docente. Dilatar
desencaixe podem voltar a surgir. Redescobrir esses elementos foi a forma que encontrei para
imagens, textos, relatos e narrativas apresenta- respirá-los novamente, permitindo-lhes desper-
das durante essa vivência como docente em for- tar novas potências, outros dilemas (ZABALZA,
mação permitiu desdobramentos ainda irrecon- 2004)2, inéditas formas de estar fazendo pesqui-
hecíveis, a partir dos encontros com a vida e com sa em educação.
o cotidiano da personagem Coraline, juntamente
com os diários. Encontrei, no presente, citações que me eram es-
tranhas, imagens que pareciam tiradas no hoje,
A partir da potência de agir (SPINOZA, 2013) e objetos que lembrava tanto que pareciam novos,
dos encontros (DELEUZE, 1988-1989) com esses ganhos no atual momento. Deparei-me com con-
elementos, produzem-se inúmeros vazamentos ceitos que nem sabia que estavam ali, mas que
relativos a questões da minha formação como consegui redimensionar de forma coesa e exten-
docente, à rigidez que muitas vezes toma a do- sa durante toda a pesquisa.
cência, ao cotidiano comum e à fuga dele, que se
apresentam durante a intercessão fílmica1. Tra- “Tudo parte de uma certa ideia do movimento,
ta-se de construir relações de ‘situação de apro- que traz consigo uma contração dos corpos e uma
ximação e afastamento’, que não são questões de dilatação de seu tempo” (DELEUZE, 1999, p. 63).
contrariedade ou contradição, e sim de abertura É esse movimento que permite caminhar sobre
para uma perspectiva de um pensamento dife- essa memória, é o elo em que necessitei transi-
rente, não necessariamente exclusivo/original, tar para ter acesso a esses estilhaços docentes,
mas outro. trazendo, de forma atualizada, a própria memó-
ria como duração (BERGSON, 2005).

1 - Termo usado pela doutora Vivien Kelling Cardonetti em sua tese de doutorado Experiências educativas: ressonâncias de intercessões
fílmicas – defendida em dezembro de 2014; PPGE/UFSM. Intercessões fílmicas significam, nesta pesquisa de doutorado, propor-se
encontros com diferentes filmes e curtas para pensar a docência. Pensar como essas imagens fílmicas ressoam durante o período de
pesquisa na educação e a intensidade dos encontros que essas imagens movimentam. “Ao convidar a imagem fílmica para servir de inter-
cessor neste texto, a intenção é de forçar o pensamento a pensar outras coisas, opondo-se a uma imagem naturalizada e homogeneizada.
(...) Dessa maneira, as imagens fílmicas ou os signos fílmicos nesta pesquisa, passam a ser vistos como provocações que impulsionam a
contestação dos hábitos do pensamento ainda arraigados e solidificados em nós”. (CARDONETTI, 2014, p. 10).
2 - O conceito de dilema trabalhado na pesquisa foi tomado de Zabalza (2004). Este autor considera dilemas aqueles momentos/situações
que elegemos para pensar o processo. Um dilema nem sempre é um aspecto negativo da aula. Envolve questões que desejamos pensar
de forma mais aprofundada, tanto no individual como no plano coletivo. “Os dilemas, como ferramentas conceituais para a análise das
atuações docentes, se acomodam bem a essa complexidade da aula e permitem compreender a natureza desafiadora da ação didática
que os professores devem enfrentar” (ZABALZA, 2004, p. 19); “O ensino aparece como uma profissão carregada de dilemas”(ZABALZA,
2004, p. 21).
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Sobre Coraline res Supervisionados do curso de Licenciatura em


Artes Visuais. Com a ânsia de sairmos de um re-
Coraline é aventureira. Tal característica mar- lato narrado, em forma de ata, onde somente des-
cante da personagem me fez ter encontros po- crevíamos o que acontecia na escola e em sala de
tentes com essa intercessão fílmica e trazê-la aula, partimos para uma proposta de construção
para a pesquisa. Percebi como Coraline consegue de uma escrita mais pessoal, através da qual ex-
articular cada acontecimento com suas expe- ploramos questões educativas agregadas às nos-
riências e desejos, sem se deixar levar por ideias sas vivências individuais e também grupais.
que não a afetam, a partir das quais sua potência
de agir não é aumentada. Quando me deparei com este ‘novo formato’ de
diário enxerguei uma nova chance de tornar
Pode até ser que, aqui e acolá, ela ouça a voz do esse retorno das aulas mais interessante, quem
pequeno companheiro felino que permanece ao sabe até mais atrativo. A fantasia já estava pre-
seu lado durante boa parte do filme, mas está sente em meus planos de aula e na forma como
convicta de seus anseios e segue sua curiosidade. trabalhava dentro da escola, e o desafio era fazer
com que esse mundo fantástico aparecesse tam-
Não aspirei imitá-la em minhas vivências de bém em meus diários pedagógicos.
formação docente, tampouco repetir suas frases
potentes, que tanto chamam a atenção no filme. Lembro de questionar a razão de me colocar tão
Minha ânsia foi viver Coraline em mim, sentir pessoalmente nessas páginas, que não eram so-
junto com ela os passos curiosos, tão envolventes mente páginas, mas viraram caixinhas, imagens,
durante o filme, e seu desbravar em um mundo fotos e recortes. Pensava no trabalho que isso
secreto. Experimentei os afetos que foram se tudo poderia dar, ou até mesmo no quanto isso
produzindo, sem esperar que a memória sim- poderia remexer em minhas experiências ante-
plesmente reviva o passado, mas que trouxesse riores. Qual era o sentido do diário naquele mo-
para a pesquisa algo que ainda não estava dado, mento? Qual a razão de criar um diário? Para ex-
inédito de ler e escrever, de sentir e pensar. primir bem essas sensações, trago um pequeno
trecho do livro Isto não é um Diário, de Zygmunt
O entrelaçamento de minhas experiências como Bauman (2012), no qual ele questiona, em seu
docente nos estágios, meus diários pedagógicos e primeiro capítulo, o sentido e a falta de sentido
a animação sobre Coraline me fez problematizar de se fazer um diário:
questões a respeito da docência. Criei relações
de transbordamento do que foi e é feito a partir O jogo das palavras é para mim o mais celestial
de mim e do outro que encontro: que tipo de re- dos prazeres. Gosto muito desse jogo – e o prazer
levância isso tem na minha experiência de for- atinge os píncaros quando, reembaralhadas as
mação docente? cartas, meu jogo parece fraco e preciso forçar o
cérebro e lutar muito para preencher as lacunas
Assim, como problema de pesquisa, busquei e superar as armadilhas. Esqueça o destino: es-
pensar quais afetos emergem da fricção entre tar em movimento, e pular sobre os obstáculos
as experiências como docente, materializadas ou afastá-los com um chute, é isso que dá sabor
nos diários pedagógicos, e a animação Coraline à vida (BAUMAN, 2012, p. 8).
e O Mundo Secreto (2009). Realizei um exercício
que estabelecesse diálogos entre o que foi vivido O jogo das palavras é para mim o mais celestial dos
nesses ensaios e a docência, assim como as re- prazeres. Gosto muito desse jogo – e o prazer atin-
lações que se traça com a fabulação presente nos ge os píncaros quando, reembaralhadas as cartas,
elementos de pesquisa. Busquei extrair, desse meu jogo parece fraco e preciso forçar o cérebro e
bloco de sensações, o que se constrói nas fissuras lutar muito para preencher as lacunas e superar
do que é produzido nos afetos e encontros com os as armadilhas. Esqueça o destino: estar em movi-
relatos pessoais. mento, e pular sobre os obstáculos ou afastá-los
com um chute, é isso que dá sabor à vida (BAU-
Encontro(s) com os diários MAN, 2012, p. 8).

Em que lugar da pesquisa os diários pedagógi- Com esses diários, tive exatamente essa oportu-
cos saltaram aos olhos? Qual a motivação de es- nidade de saborear uma escrita que ainda não
miuçá-los nesses encontros, misturando-os com tinha experimentado, superar as armadilhas
a fabulação e a personagem de Gaiman, Coraline? e me lambuzar. Mais tarde fui percebendo que
Meus diários foram se construindo ao longo dos nem sempre as páginas caligrafadas eram doces
anos, a partir da disciplina de Estágios Curricula- e que, por umas ou outras vezes, o amargo toma-
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va conta do corpo, ofuscando qualquer desejo de somente o conjunto das condições, por mais re-
continuar. Mas estavam ali, ‘página a página’, cente que sejam, das quais desvia-se a fim de ‘de-
sendo criadas embebidas de dilemas (ZABALZA, vir’, isto é, para criar algo novo” (DELEUZE, 1992,
2004) e de mim mesma. p. 210-211). Estou em plena imanência, para
vivenciar os movimentos de afetos para a deste-
Com a oportunidade de elaborar esses diários rritorialização do passado, para a criação do que
pedagógicos de outras maneiras, e os revisitando ainda não existe, forçando o pensamento a partir
hoje, vejo o quanto foram necessários movimentos da potência de agir.
de mudança durante minha formação docente.
Começar a viver uma docência não foi nada fácil, No momento de retorno aos diários, fiz escolhas
pois o que mais transbordava desses fragmentos por trazer as aulas ao estado presente, viven-
pessoais eram contestações, alardes e algazarras do-as neste momento, no agora, utilizando da
de uma insatisfação que parecia não me largar. memória para colocar meu corpo em sintonia
Estar docente ainda me causa desconfortos, mas com antigas escritas. Foi nesses encontros que
ainda assim vejo que caminhar por essas tramas redescobri quais afetos aumentavam minha po-
me desperta um encantamento outro, de devir an- tência e quais a diminuíam.
sioso para o novo, para a transformação.
Voltando o olhar para os fragmentos pessoais,
Esse exercício de idas e vindas fez com que eu des- enxerguei que a fantasia e a fabulação sempre
cobrisse que a fabulação estava contida em minha estiveram presentes no momento de escrita e da
pesquisa, mesmo que de forma sutil, há bastante escolha de imagens. Ao vivenciar novamente os
tempo. Meus diários são carregados desses ele- diários, vi que utilizava a fabulação de maneira
mentos que remetem muito à fabulação, que se mais solta, sem conceituá-la. Hoje, justamente
inventam a todo minuto. Não contam histórias de pela aproximação a conceitos que na época des-
um tempo passado, cronológico, mas fazem-me conhecia, consegui costurá-la com elementos
viajar em um mapa cheio de lembranças. agenciados a esses afetos, encontros diversos
que o conteúdo das artes me oportunizava.
A memória na qual fabulei não diz respeito ao
resgate do que está contido nos diários de for- No deleite que tenho ao visitar esses escritos,
mação docente, mas ao que pode ser criado de questionei-me justamente pelo encantamento
novo a partir dessa memória. “É o devir que es- pelo obscuro, pelo sombrio, que sempre permeou
capa à história que está registrada, é a ‘antina- minhas escolhas acadêmicas. Viver me impul-
rrativa’, o devir não é história; a história designa siona a estar neste sombrio e nas facetas desta

Diário pedagógico – Ana Cláudia Barin, 2012/2ºsem. (arquivo pessoal)


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Diário Pessoal, Ana Cláudia Barin, 2014-2015 (arquivo pessoal)

animação, de um mundo secreto. Quando falo de de diversas maneiras, em diferentes tempos.


mundo secreto não falo de outro mundo, de algo Chamo-o de Diário Pessoal, pois acredito que a
que está além do aqui e do agora ou de um mundo palavra ‘pedagógico’ não exprimiria tanto o que
utópico. Quando falo em secreto, quero me refe- abarco nessas páginas vermelhas e pretas. Não
rir ao estado de consciência em que me trans- que os outros diários não tivessem o cunho pes-
porto a ‘esse mundo’ que está no mesmo mundo. soal, ou muito menos que este não tratasse de di-
Não é o contrário, e sim o que acontece junto: é lemas (ZABALZA, 2004) educacionais, mas pre-
o que acesso para experimentar as sensações feri denominá-lo dessa forma para que a costura
que as vivências cotidianas nos trazem. Enxer- nem sempre fique borrada.
guei nesse sombrio uma potencialidade que fez
movimentos, me faz observar as fissuras além do Diário Pessoal, Ana Cláudia Barin, 2014-2015
óbvio e me ajudou na construção como pesquisa- (arquivo pessoal)
dora cujo olhar subjetivo sobre a docência se tor- Revirando as múltiplas facetas desses diários,
na abrangente e ilimitado. enxerguei buracos, saliências que me instigam
a pensar a razão de permanecer docente nessas
Vasculhando este mundo secreto presente em circunstâncias. Que sentidos tenho dado a esse
meus antigos escritos, encontrei disparadores tempo vivido em formação? Onde encaixei esse
para a criação de um novo diário, que foi se mol- ‘coexistir’ de tempos em minha pesquisa, no hoje?
dando a partir desses saltos de memória e da na- Como consegui fazer ‘durar’ a condição docente?
rrativa fílmica. Esse diário que construí de forma
constante trouxe, a passos miúdos, muito do que Necessitei criar para estar em mudança con-
estava em meus antigos diários, pois a formação tínua. Afinal, ninguém conseguiria permanecer
docente nunca parou e nunca para. Utilizei da intacto a tantos borbulhos. Ou será que consegui-
duração para que esse passado, com essas lem- ria? Aposto na fabulação para não me enrijecer,
branças antigas, existisse no agora e me levou a para aumentar minhas potências de agir, para
pensar sobre um tempo que já foi e que ainda é. me colocar em criação contínua, numa duração
Necessitei fazer viver esses diários no presente, que vai se revelando e onde há um ininterrup-
para movimentar meu passado. Alarguei esse to jorro de novidade (BERGSON, 1984). Jorro de
passado nesse tempo em duração para com- criação, em puro devir.
preender que preciso somar, adicionar novas
lembranças a essa sensação atualizada. Me perguntei em que momento a arte se faz pre-
sente para conservar esses espaços para criações
Produzir esse diário no momento presente da no ambiente educacional, e em que momentos
pesquisa fez com que eu pensasse sobre minhas poderei usar da fabulação para manter em cons-
escolhas e sobre como as angústias se ampliam tante atualização essas lembranças, me dispondo
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sempre a atravessá-las, modificá-las em prol de parei no aqui/agora, me refiz em fabulação. Elu-


novas invenções. O que tem nesses escritos que cidei um povo que não estava lá de começo, que
não se mostraram antigos, pois revelaram uma foi se criando, em cada revisita sobre dilemas e
educação tão presente, com tantos afetos costu- angústias de uma formação docente. Não me fiz
rados, tantos encontros intensos? na incompletude, mas na invenção. Montei terri-
tórios revivendo em minhas escritas, escritas es-
Conclusões de uma fabulação sas que não seguem nenhuma linha, só costuras,
inacabada ponto a ponto.

Esta pesquisa se fez a partir de percursos dotados Indago-me a respeito de que outra forma eu teria
pela fabulação, na descoberta de alguns dilemas, de trazer esses elementos para uma pesquisa em
no que ainda pode se perceber de novo. Meus educação, que não fosse esta maneira. Essa foi a
objetos de pesquisa me permitiram usar da ex- forma que encontrei de falar de escrita, de criação,
periência docente sem repeti-la, embasada pelos de movimento e potência, falar de literatura, de
conceitos que escolhi, fez com que eu construísse literatura como cura, de possibilitar arrebentar
novos territórios para visitar e ultrapassar pon- amarras com o intuito de costurar outras, sempre
tes de afetos que só aumentaram minha potência outras. Quis pronunciar sobre uma formação do-
do pensamento, estando em ininterrupto devir. cente que foca (e desfoca) nessa enunciação de
Meus diários não se fecham completamente, e coletivos, não querendo seguir modelos e paradig-
nunca irão vedar. Estão lá, abertos, conservados mas existentes, mas ter a oportunidade de inven-
nesse tempo em duração, que fazem com que eu tar, inventar por si só o que é estar docente.
me aproveite de tantos fragmentos para me cons-
truir no hoje, na docente que me enxergo, que es- Quero dar mais um impulso nessa roda que for-
tou. Posso pensar como se deu essa escrita, o que ma a educação. Girar e girar em busca desse jorro
ela é para a pesquisa e que ela “não se trata de uma inacabado de devir. Reinventar outros, me inven-
mistura arbitrária, que tornaria indiferentes os tar outras. Fabular... Fabular... Fabular...
desvios. Nessa narrativa em forquilha, cada des-
vio forma um circuito, e ele só se torna perceptível Referências
depois, na pergunta: ‘o que passou?’, vista a partir
do presente” (PELBART, 2007, p. 16). · BARIN, Ana Cláudia. Diários Pedagógicos, 2011-
2012-2013.
Mas afinal, o que passou? O que atravessei? Que
territórios redescobri? Quais afetos emergiram · BARIN, Ana Cláudia. Diário Pessoal, 2014-
da fricção entre as experiências como docente, 2015.
materializadas nos diários pedagógicos, e a ani-
mação Coraline ? · BERGSON, Henri. A Evolução Criadora. Tradução
Bento Prado Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Transbordei questões sobre a memória que tal-
vez não fosse possível de outra forma, e somente · · Cartas, conferências e outros escritos. Se-
pela duração consegui acessar esses escritos do- leção de textos de Franklin Leopoldo e Silva; tra-
centes em um tempo que acontece em movimen- dução de Franklin Leopoldo e Silva, Nathanael
to, coexistente. Fabulei com a finalidade de nun- Caxeiro. 2º Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
ca me esgotar, de deixar claro que a pesquisa é
roda viva de devir, e que a invenção vem a somar · ·Matéria e memória: ensaio sobre a relação do
dentro desse ciclo de metamorfoses. corpo com o espírito. Tradução Paulo Neves – 2ª
Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Forcei o pensamento para não me colocar somen-
te na brisa da paixão, mas afetar-me para agir, e · BAUMAN, Zygmunt. Isto não é um diário. Tra-
muitas questões pertinentes à docência transbor- dução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
daram da fricção dos afetos escolhidos para esta- Zahar, 2012.
rem aqui, construindo esta pesquisa. Coraline me
foi uma, duas, infinitas vezes descobridora de seus · BOGUE, Ronald. Por uma teoria deleuziana da
tempos, suas lembranças e criações. Não canso de fabulação. In: AMORIN, A. Carlos; MARQUES, Da-
vê-la, pois seus passos abrangem essa potência de vina; DIAS, Suzana O. (Orgs.) Conexões: Deleuze e
agir, de existir em diferentes mundos, em diferen- Vida e Fabulações e... – Petrópolis, RJ: De Petrus;
tes tempos, nesse mesmo tempo. Brasília, DF: CNPq: Campinas ALB, 2011, p. 17-35.

Visitei mundos secretos e outros em que me de- · DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. Tradução de
- 53 -

Luiz B. L. Orlandi. - São Paulo: Ed. 34, 1999. Filmografia

· · Cinema 1 – A imagem-movimento. Tradução Coraline e o Mundo Secreto. Animação; 100min.


de Stella Senra. [versão digital]. São Paulo: Brasi- Direção: Henry Selick. Roteiro: Henry Selick e
liense, 1985. Neil Gaiman. EUA, 2009.

· · Cinema 2 – A imagem-tempo. Tradução de Ana Cláudia Barin


Eloisa de Araujo Ribeiro; revisão filosófica Rena-
to Janine Ribeiro. – São Paulo: Brasiliense, 2007. Bacharel e Licenciada em Artes Visuais (2013)
ambos pela Universidade Federal de Santa
· Conversações. Tradução de Peter Pál Pel- Maria, RS. Mestre em Educação PPGE/UFSM.
bart. São Paulo: Editora 34, 1992. (2015). Doutoranda em Educação na Lp4: Linha
de Pesquisa ‘Educação e Artes’, no Programa de
· · Crítica e clínica. Tradução de Peter Pál Pel- Pós Graduação em Educação PPGE/UFSM (2015
bart. São Paulo: Editora 34, 1997. - Atual). Atua como professora substituta do cur-
so de Artes Visuais - Bacharelado e Licenciatura
· · O Abecedário de Gilles Deleuze. Realização Plena da Universidade Federal de Santa Maria.
de Pierre-André Boutang, produzido pelas Édi-
tions Montparnasse, Paris. No Brasil foi divulga- Marilda Oliveira de Oliveira
do pela TV Escola, Ministério da Educação. Tra-
dução e Legendas: Raccord [com modificações]. Licenciada em Artes Plásticas pela Universida-
A série de entrevistas, feita por Claire Parnet, foi de Federal de Santa Maria (1987). Bacharel em
filmada nos anos 1988-1989. Desenho e Plástica (Cerâmica) pela Universida-
de Federal de Santa Maria (1987). Mestre em
· · Proust e os signos. Tradução de Antonio Antropologia Social pela Universidad de Barce-
Piquet e Roberto Machado. 2ª Ed. Rio de Janeiro: lona (1990) e Doutora em História, Geografia e
Forense Universitária, 2006. História da Arte pela Universidad de Barcelona
(1995). Atualmente é Professora Associada do
· DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por Departamento de Metodologia do Ensino, do
uma literatura menor. Tradução de Julio Casta- Centro de Educação, da Universidade Federal
ñon Guimarães. Rio de Janeiro: Imago, 2014. de Santa Maria, atua na Graduação nos Cursos
de Licenciatura em Artes Visuais. Membro da
· · Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tra- International Society for Education through Art,
dução de Aurélio Guerra. São Paulo: Editora 34, InSEA. Professora credenciada no Programa de
1995, v. 1. Pós-Graduação em Educação, Mestrado e Dou-
torado (PPGE/CE/UFSM), na Linha de Pesquisa
· · Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tra- LP4: Educação e Artes. Coordenadora do GE-
dução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, PAEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte,
1997, v. 4. Educação e Cultura da UFSM. Editora da Revista
· · O que é filosofia? Tradução de Bento Prado Digital do LAV.
Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Edito-
ra 34, 1997a.

· PELBART, Peter Pál. O tempo não-reconciliado.


Coleção estudos; 160/dirigida por J. Guinsburg.
São Paulo: Perspectiva, 2007.

· SPINOZA, B. Ética / Spinoza; [tradução de notas


de Tomaz Tadeu]. – 3ª Ed. Belo Horizonte: Autên-
tica Editora, 2013.

· ZABALZA, Miguel A. Diários de aula: um instru-


mento de pesquisa e desenvolvimento profissio-
nal/ Miguel A. Zabalza; tradução Ernani Rosa.
Porto: Porto: Artmed, 2004.
- 55 -

CAVAR VAZIOS: COMPOR/ PRODUZIR/ INVENTAR


DOCÊNCIAS ‘ENTRE’ ESCRITAS E IMAGENS
Francieli Regina Garlet - UFSM
Marilda Oliveira de Oliveira - UFSM

Resumo (docência orientada, voluntária), leituras que


tenho experimentado na pós-graduação que di-
Essa escrita intenta falar de uma pesquisa onde zem respeito às filosofias da diferença, e alguns
uma docente, pesquisadora andarilha (GARLET, afetos que se dão em meio à vida, os quais me
2014) devém traça em busca de afetos que pos- disparam a pensar/esburacar a docência, pro-
sam dispará-la a cavar vazios nos ditos e vistos duzindo vazios enquanto espaços de criação de
que a estratifica, abrindo espaços para outras for- outros modos de dizer, estar docente, e de fazer
mas de experimentar-se/inventar-se/dizer-se pesquisa em educação.
docente. Fala de uma pesquisadora/docente/
andarilha que experimenta vazios ao passo que A problemática que permeia essa pesquisa, diz
busca pensá-lo junto a autores como Foucault respeito à: O que pode uma docência que cava
(1998), Deleuze (2006) e Blanchot (2005 e 2010) vazios nos ditos e vistos que a estratifica? Não se
e que se alegra com a possibilidade de compor/ ocupa, portanto, com as certezas sobre um estar
produzir pesquisa ao mesmo tempo em que cava docente, ou com uma identidade docente, prefe-
e experimenta variações de si. re sim, se mostrar/inventar em sua maquinaria,
a partir das posições que ocupa uma docência ao
Palavras-chave: Docência. Vazio. Arte. passo que afetos disparam escritas e composições.

Resumen Uma pesquisa, cuja composição escapa a um


modo descritivo, prescritivo, ou analítico, e se
Esta escrita intenta hablar de una investigación produz mais como experimentações de afetos
donde uma profesora, investigadora andarilla que disparam pensamento e escrita. Composição
(GARLET, 2014) que deviene polilla en búsqueda com imagens e escritas, que não se desejam ex-
de afectos que puedan producir excavación de plicativas, ilustrativas umas das outras, mas que
vacíos en los dichos y vistos que la estratifican, em sua aproximação deixam vazios que mantém
abriendo espacios para otras formas de experi- a sua heterogeneidade...
mentarse/inventarse/decirse profesora. Habla
de una investigadora/profesora/andarilla que Buscando dar consistência à noção de vazio,
experimenta vacíos al paso que busca pensarlo convoco alguns autores: Blanchot (2005 e 2010),
junto a autores como Foucault (1998), Deleuze Foucault (2008), Deleuze (2006) e Levy (2011).
(2006) y Blanchot (2005 e 2010) y que se satis- Penso com eles uma docência que é cavada, es-
face con la posibilidad de componer/producir buracada, pelos encontros que a afetam em meio
investigación a la vez que excava y experimenta à vida. O que se passa ´entre´ a docência e uma
variaciones de si misma. paineira? Um infinito que não cabe nessa escrita,
embora seja possível capturar alguns vestígios
Palabras-clave: Enseñanza. Vacío. Arte desse encontro.

A escrita desse artigo brota do que vem se com- Sobre o vazio...


pondo como pesquisa de doutoramento em um
Programa de Pós-graduação em Educação - Lin- Estamos embebidos numa época histórica, que
ha de pesquisa Educação e Artes. Pesquisa que determina as condições de emergência de nos-
busca pensar uma docência que se produz ‘en- sas escolhas, do que dizemos, ouvimos, vemos
tre’ experimentações que tenho como docente (FOUCAULT, 2008). É de dentro das regras de um
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arquivo que falamos. O arquivo se mostra como outras fulgurações. Enfim, artistar, inventando
“aquilo que fora de nós nos delimita” (FOUCAULT, novos estilos de vida e, portanto, de práticas (CO-
2008, p. 148), audiovisual, é formado por enun- RAZZA, 2007, p. 122).
ciados e visibilidades que produzem a verdade, a
cada vez, com o que é possível dizer e ver. Se não há consonância entre aquilo que vemos
e o que ouvimos, e se há vazios que se instalam
O visível e o enunciável produzem estratos. O “es- entre eles, no qual acontecem estas constantes
tratificado não é o objeto direto de um saber que lutas e capturas que produzem a cada vez enun-
surgiria depois, mas constitui diretamente um ciados e visibilidades, não ocuparíamos cada um
saber” (DELEUZE, 2006, p. 81). Entre estes dois de nós, e a cada vez, uma posição singular nesta
componentes do saber (o visível e o enunciável) poeira que se ergue desta batalha?
haveria um intervalo que os distanciaria, um vazio
no qual os dois “trocariam suas ameaças” (DELEU- Deleuze ao abordar a questão do sujeito a partir de
ZE, 2006, p. 77), uma dimensão informe que daria Foucault, pensa-o como estes “grãos dançantes na
conta da estratificação de ambos. Se pensarmos a poeira do visível, e lugares móveis num murmú-
docência, há estratos, saberes, que a compõe, há rio anônimo”, que “nasce e se esvai na espessura
arquivos que vão compondo estes estratos com o do que se diz, do que se vê” (DELEUZE, 1992, p.
que é possível ver e falar a cada vez. 134). Penso, assim, a docência. Como uma posição
ocupada no vazio que se instala entre o que é dito
Quem habita esse intervalo que separa o ver e o e visto nas experiências educativas que experi-
falar é o diagrama, uma dimensão informe, com- mento a cada vez, seja atuando como docente, ou
posto de virtualidades que só tomam forma ao se a partir do que as leituras e os afetos vindos de ou-
atualizar no arquivo. Relações de força que mis- tros lugares me disparam a pensar com ela.
turam conteúdos e expressões, o ver e o dizer, de
modo a produzir mutações. Penso com Blanchot (2010) o vazio como “um
intervalo que sempre se cava e cavando-se se
Os diagramas nascem em um caos chamado preenche, o nada como obra em movimento”
‘fora’. O fora (fora do poder, fora do saber) “é o (BLANCHOT, 2010, p. 35). Um espaço que não
reino do devir, uma tempestade de forças, o não sugere calmaria, no qual o que vem a preen-
estratificado, o informe, um espaço anterior, de chê-lo jamais o fecha, pois o próprio movimento
singularidades, no qual as coisas não são ainda” de cavá-lo o preenche com possibilidades que
(LEVY, 2011, p. 83). A partir do pensar acessamos são criadas e desfeitas a cada vez neste próprio
o fora, e é a partir desta conexão que a resistên- movimento.
cia ao poder, ocasionada pelo pensar, germina
outro diagrama, um princípio de ordem em meio Se os vazios estão por toda a parte, “entre uma
ao caos (fora), que viria operar mudanças naquilo linguagem e outra” (CORAZZA, 2007) o que os
que vemos e dizemos e, assim, produzir possibi- invisibilizaria? Os saberes e as verdades que
lidades ainda não experimentadas. Levy (2011) grudam em nós? O intervalo estaria apenas ca-
diz de uma experiência do fora, que estaria rela- muflado (embora visível) em meio ao que satura
cionada ao pensar e também à arte, uma expe- o espaço com tantos ditos e vistos cansados de se
riência que ocorre quando há “uma violência que repetir? Seria necessário um exercício de cavar
nos tira do campo da recognição” e nos lança ao vazios? Ficar à espreita do que pode funcionar
imprevisível, “onde nossas relações com o senso como ferramenta para tal? Seria possível cavar
comum são rompidas, abalando certezas e verda- vazios em meio ao cotidiano? Em meio a uma
des” (2011, p. 100). aula? Na docência?

Na intenção de experienciar o vazio (o fora) vou Cavar vazios e assim experienciá-los. Rachar as
produzindo pesquisa e docência. Me lanço nas coisas e as palavras, diria Deleuze (1992) a par-
aventuras pelos intervalos que se alojam “en- tir de Foucault. Produzir espaços nos quais ou-
tre uma linguagem e outra” (CORAZZA, 2007, p. tros visíveis possam brotar em meio as palavras,
122), para que respirar seja possível... Para que e outras palavras possam brotar em meio aquilo
inventar seja possível... Pois somente nesse vazio que vemos.

é possível produzir abalos; provocar mudanças Sobre um pesquisar andarilho que


no que somos capazes de ver e de dizer; dar ale- devém traça...
gres cambalhotas; radicalizar nossas relações
com o poder e o saber; partir as linhas; mudar de Sigo experimentando nessa pesquisa um modo de
orientação; desenhar novas paisagens; promover pesquisar andarilho1 (GARLET, 2014), e a partir do
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Figura 1: Experimentação artística realizada com uma palavra perfurada por uma traça. Residência artística na
Biblioteca Pública Municipal Henrique Bastide (Santa Maria, RS), 2013.

encontro com os vazios produzidos por uma traça, na escrita que segue o que produzi no encontro
vou aprendendo outro modo de andarilhar, no qual com as paineiras.
é necessário cavar um lugar por onde se possa pas-
sar, atravessar, produzir um caminho singular. No meio de uma andança cotidiana
tinham paineiras...
Se num outro momento o andarilho perambulava
‘entre’ o instituído, agora ele sente a necessidade Eis que a parte nuvem da árvore
de cavar o instituído para abrir espaço, cavar o es- encontra uma brecha...
paço sedentário que busca conter o espaço liso (DE- Ganha potência...
LEUZE; GUATTARI, 1997), para que o pensamento Desgruda de si a parte que lhe prende
possa andarilhar e ganhar potência… Cavar um aos poucos vai se dissolvendo no vento...
vazio onde tudo parece cheio, e preservá-lo… para E se vai...
que se possa habitá-lo de diferentes maneiras, sem Até cair leve no chão de algum lugar
preenchê-lo de maneira definitiva…
[Escrita disparada pelo encontro com paineiras em uma
Nessa pesquisa em educação em que uma pes- andança cotidiana. Cascavel, PR, 2014]
quisadora/docente cava vazios para poder anda-
rilhar, isso se dá a partir de encontros com afetos,
espreitados (DELEUZE 1988-1989) em meio ao
cotidiano. Afetos capazes de devorar parte dos es-
tratos que delimitam a docência, abrindo espaços
para criação de coisas ainda não imaginadas, ain-
da não ditas, não visíveis…

A materialidade que tenho experimentado na


pesquisa, portanto, diz respeito: às filosofias da
diferença; a um ruído de uma folha seca em meio
a uma noite de insônia; ao encontro com uma
paineira em meio as andanças cotidianas; e, às
pequenas porções de docência em artes que ex- Figura 2: Fotografia produzida em meio às
perimento com turmas da graduação. Apresento andanças cotidianas. Cascavel, PR, 2014.

1 - A noção de pesquisador andarilho foi pensada e desenvolvida durante minha dissertação de mestrado (GARLET, 2014) a partir de
uma lembrança de infância de um andarilho que visitava a casa de meus pais entrecruzada as noções de ‘espaço liso’ e ‘espaço estriado’
(DELEUZE; GUATTARI, 1997).
- 58 -

Figura 3: Fotografia produzida em meio às andanças cotidianas. Cascavel, PR, 2015.

Figura 4: Fotografia produzida em meio às andanças cotidianas. (Cascavel, PR, 2014).

O encontro com Niezsche, a partir de Deleuze que chega, como acolher aquilo que nos tira a
(1965), junto às fotografias e a escrita produzida firmeza do chão?
a partir do encontro com as paineiras me dispa-
ram a pensar: Como rachar os sedimentos que Creio que com a escrita devenho paina. Apren-
estancam os fluxos da docência, que a burocrati- do a cair “suavemente como uma folha, sobre o
zam, que tentam separá-la do que ela pode? Como tapete da vida” retendo deste percurso (que em
devir paina em meio a tantas forças reativas que algum momento chegará ao chão) “apenas o que
fazem a docência pesar? Como espreitar em meio é necessário para poder escrever alguma coisa”
à imanência do estar docente devires paina... (BARTHES, 2004, p. 208) e nesse processo pro-
Abraçar a coragem de cair no abismo e, leve, ex- duzir-me (sutilmente) docente outra.
perimentar outros lugares, nascer novamente?
Sobre o que não cessa aqui...
Que pulsações experimentamos a cada vez nas
superfícies que habitamos enquanto docentes? No momento, portanto, este projeto de tese, se-
Que outros lugares os ventos vindos do fora gue cavando vazios nos ditos e vistos da docên-
nos convidam a habitar? Que outras docências cia, traçando possibilidades de ‘entres’ a partir
brotam a cada vez nestas experimentações? dos afetos recolhidos em diferentes andanças...
De que maneira, enquanto docentes, pode- Uma passagem de ar para que enfim possa dizer,
mos experimentar as pequenas tragédias que escrever, pensar, inventar uma docência que es-
nos acontecem, de um modo afirmativo, como cape do já dado, do estratificado, do já pronto, dos
forma de movimento... E não apenas carregar modelos de docência que às vezes me imponho,
seus fardos imobilizadores? Como em nossas naturalizo, e a partir dos quais me frustro por
experiências educativas, acolher a diferença não dar conta dos seus ‘deve ser de tal maneira’.
- 59 -

A tese da tese, por hora, diz: Ao cavar vazios nos · DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capi-
ditos e vistos que a compõe, a docência pode gan- talismo e esquizofrenia. Vol. 5. Tradução Peter Pál
har potência de inventar outras possibilidades de Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Ed. 34, 1997.
vida, diferenciando-se de si mesma.
· FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7º.
Referências Ed. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2008.
· BARTHES, Roland. O grau zero da escrita: segui-
do de novos ensaios críticos. Tradução Mário La- · GARLET, Francieli Regina. Pesquisar anda-
ranjeira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. rilho: cintilâncias e transbordamentos de uma
BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita. A pa- docência. 2014, 90 f. Dissertação (Mestrado em
lavra plural. Tradução Aurélio Guerra Neto. São Educação) Universidade Federal de Santa Maria,
Paulo: Escuta, 2010. Santa Maria, 2014.

· · O livro por vir. Tradução Leyla Perrone-Moi- · LEVY, Tatiana Salem. A experiência do fora:
sés. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Blanchot, Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Ci-
vilização Brasileira, 2011.
· CORAZZA, S. M. Labirintos da pesquisa, diante
dos ferrolhos. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Francieli Regina Garlet
Caminhos investigativos I: novos olhares na pes-
quisa em educação. 3a Ed. Rio de Janeiro: Lampa- Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
rina editora, 2007. p. 103-127. Educação da Universidade Federal de Santa Ma-
ria (PPGE-UFSM). Mestre em Educação: Linha de
· DELEUZE, G. Conversações. Tradução Peter Pál Pesquisa LP4 – Educação e Artes (PPGE-UFSM).
Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992. Membro do GEPAEC - Grupo de Estudos e Pesqui-
sas em Arte, Educação e Cultura. E-mail: francie-
· · Foucault. 6º reimpr. da 1º Ed. de 1988. Tra- ligarlet@yahoo.com.br
dução Claudia Sant’Anna Martins; Revisão de
tradução Renato Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, Marilda Oliveira de Oliveira
2006.
· · O Abecedário de Gilles Deleuze. Realização Professora do Programa de Pós-Graduação em
de Pierre-André Boutang, produzido pelas Édi- Educação da Universidade Federal de Santa
tions Montparnasse, Paris. No Brasil, foi divulga- Maria, RS. Coordenadora do GEPAEC - Grupo de
do pela TV Escola, Ministério da Educação. Tra- Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultu-
dução e Legendas: Raccord [com modificações]. ra e Editora da Revista Digital do Laboratório de
A série de entrevistas, feita por Claire Parnet, foi Artes Visuais. Doutora em História, Geografia e
filmada nos anos 1988-1989. História da Arte pela Universidad de Barcelona.
E-mail: marildaoliveira27@gmail.com
· ·Nietzsche. Tradução de Alberto Campos. Lis-
boa: Edições 70, 1965.
- 61 -

PESQUISAR NA PRIMEIRA PESSOA: ENFRENTAMENTOS


METODOLÓGICOS DE UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DOCENTE
EM ARTES VISUAIS

Jonara Eckhardt - UFSM


Leonardo Charréu - UFSM

Resumo: sertação, como proposta de metodologia, a auto-


biografia, buscando “refletir sobre as condições e
O presente texto configura-se como um recorte processos de aprendizagem e de conhecimento
da metodologia enquanto processo de escrita que nos possibilitaram aprender a ser professor/
para a dissertação. Pesquisa que buscou discutir professora” (SOUZA, 2007, p. 6).
e compreender como ocorre a docência em Artes
Visuais enquanto construção, tendo como funda- São muitas as nomenclaturas existentes para
mentação a abordagem experiencial e a investi- classificar as narrativas de formação e auto-
gação autobiográfica. A análise foi feita a partir formação (autobiografia, biografia, relato oral,
das experiências vividas da própria autora, sujei- testemunho oral, histórias de vida, história oral
to em formação. temática, relato oral de vida, investigação (auto)
biográfica). Apontadas em alguns textos como
apenas uma questão de escolha, em outros surge
Palavras-Chave: Escrita; Autobiografia; Cons- como “a diversidade de terminologias [que] reflete
trução docente diferentes perspectivas teóricas e metodológicas
de trabalho com a abordagem biográfica da histó-
A escrita é um ato de um certo despojamento, ria de vida no campo das ciências sociais e de for-
para Souza (2007) “Escrever é, pois, um ato de mação de professores” (SOUZA, 2014, p.36).
desnudar-se” (p.12). Despir-se dos trajes que
nem soubemos como nos fizeram vestir, quem os Trazendo-nos questionamentos como: “qual o
produziu, como chegamos a usá-los. Uma prática sentido da escrita de si e sobre si no processo de
que se necessita aprender, exercitar, renunciar, formação de professores? Como a escrita poderá,
aceitar, errar, rasgar, apagar e começar de novo, ou não, possibilitar aprendizagens sobre a pro-
fazendo com que aquilo que se escreva, seja mais fissão?” Souza (2007, p.16), já referido antes e
seu do que dos autores e das leituras que lhe ali- que constitui um importante referencial teórico
mentam. deste trabalho, é um dos principais autores que
se tem detido em discussões no âmbito educacio-
Posso sem dúvida escolher hoje para mim esta nal, a abordagem experiencial como metodologia
ou aquela escrita, e nesse gesto afirmar a min- autobiográfica no Brasil. O trabalho que ele des-
ha liberdade, pretender buscar um frescor ou envolve, analisa as implicações e fertilidades no
uma tradição; já não a posso desenvolver numa processo de formação docente, as potencialida-
duração sem me tornar pouco a pouco prisio- des que podem ser extraídas na prática da “escri-
neiro das palavras de outrem e até de minhas ta de si”. Defende que
próprias palavras (BARTHES, 2004, p. 15-16).
O trabalho com história de vida, memória e au-
Há inúmeros métodos e metodologias que nos tobiografia tem contribuído na pesquisa educa-
poderiam auxiliar no processo de escrita de cional e na formação para a construção de um
uma pesquisa de cunho educacional. Aprender, campo de produção de conhecimento pedagógi-
partindo da própria história, questionando o pro- co, através da produção de relatos autobiográfi-
cesso de formação docente, tendo como centra- cos, os quais possibilitam desconstruir imagens
lidade a abordagem experiencial, pareceu-me e representações sobre a prática docente, os
adequado ao que de início sempre quis fazer. fundamentos teóricos da prática e, desta forma,
Com essa concepção, optei em incorporar à dis- contrapor-se à memória oficial disseminada pe-
- 62 -

las políticas de formação e pela literatura peda- lavras, linhas e parágrafos o que até então era
gógica que vem estruturando o trabalho docen- apenas vivido, significativo e armazenado na
te (SOUZA, 2007, p. 9). memória.

No Brasil as pesquisas autobiográficas vem aos Pode-se sublinhar que parte desta investigação
poucos ganhando força, tem-se realizado desde é de caráter autorreflexivo pois, estuda conti-
2004, a cada dois anos, o Congresso Internacio- nuamente seus objetivos para tentar assinalar
nal de Pesquisa (Auto)biográfica (CIPA), o que seus pontos fortes e as debilidades do processo
tem originado um extenso e relevante número de aproximação. Uma investigação deste tipo
de textos e publicações acadêmicas referentes considera, portanto, aspectos do cotidiano, o que
ao assunto. Este evento facilita também a aproxi- ocorre no momento e outras questões importan-
mação entre os grupos de investigação, autores, tes que se sobressaem. Trata-se de ressaltar o ato
pesquisadores nacionais e internacionais, onde de estar constantemente a questionar e a avaliar
os mesmos expõem seus estudos, na formulação conscientemente o que lhe acontece, sabendo
de interesses conjuntos por práticas de inves- que sempre haverá ligações a serem exploradas.
tigação. Esse espaço tem permitido questiona-
mentos e debates sobre os aspectos científicos e É uma pesquisa desafiadora, pois não há dados a
pedagógicos da investigação autobiográfica. serem analisados, coletados e categorizados par-
tindo de uma observação externa. O pesquisador
Tendo em vista estas questões e a partir do que torna-se corpo integrante da investigação, onde
tive aproximação, no decorrer da pesquisa adotei inclusive ele próprio é o maior questionamento,
e me utilizei do termo autobiografia como apor- a principal pergunta, no sentido de sua formação
te metodológico, acreditando, como exposto por como docente, como ser humano. A pesquisa não
Souza (2014), que “(...) o sujeito desempenha uma se articula enquanto método, mas enquanto local
análise entre o papel vivido de ator e autor de de fala e de escrita, permitindo deslocamentos
suas próprias experiências (...) “no que consiste o linguísticos e não linguísticos, no campo da Arte,
modelo autobiográfico, existe uma eliminação do da Educação e também fora deles.
investigador, porque a expressão de sentido e a
construção de experiência se centra na singulari- A pesquisa é vista sob uma perspectiva que tem
dade e subjetividade do sujeito” (p. 37-39). indicado caminhos para a construção de saberes
que entrelaçam diferentes dimensões das traje-
Uma metodologia de cunho qualitativo na in- tórias pessoais, acadêmicas e profissionais, “nas
vestigação, conduzida para uma melhor com- autobiografias educativas a história de vida se
preensão do presente, onde quem decide o que focaliza predominantemente nas experiências
deve ser contado é o autor, a partir da narrativa de formação do respectivo autor” (ABRAHÃO,
de vida, dos acontecimentos que são questiona- 2014, p. 13).
dos e vividos por ele mesmo. Possibilita, da mes-
ma forma, “entender os sentimentos, as repre- No decorrer do processo da experiência de si
sentações e os atores sociais em seu processo de “cada um de nós é, ao mesmo tempo o autor, o
formação e autoformação” (SOUZA, 2014, p. 46). narrador e o personagem principal” (LARROSA,
1994, p. 47). Ora precisamos vestir o personagem
Uma abordagem metodológica que é diferen- professor(a), ora nos afastamos para poder tecer
te da pesquisa tradicional pois está baseada no relações como autores desse processo formativo,
princípio de que o sentido não é encontrado mas ora estamos como narradores de toda essa histó-
construído, interpretado, tornando-se um acon- ria, ora já não sabemos mais em qual papel nos
tecimento criativo. Esta metodologia permite ao encontramos.
pesquisador lançar-se à experiência na posição
de não estar imune a ela, permitindo encontrar o Em um de seus escritos, Pereira (2013b) contesta
que talvez não procure ou mesmo sendo encon- esse movimento do pensamento que as metodolo-
trado pelo inusitado. gias autobiográficas e narrativas de histórias de
vida exercem no âmbito acadêmico, apontando
O sentido é construído porque ocorre entrelaçado uma fragilidade que esse modo de investigação
no processo experimental com o qual o pesquisa- possui, uma vez que corremos o risco de a conver-
dor(a) vai tendo contato no decorrer da pesquisa. ter apenas em crônicas e narrativas poetizadas,
Considerando os diferentes polos existentes no não contemplando o rigor e seriedade exigido
sistema educacional, não pode escapar à ma- numa produção de escrita acadêmica. No entan-
neira como se exerce uma prática de pesquisa, to, no mesmo texto, assinala a pertinência dessa
e à forma de se expressarem os seus resultados, forma de escrita, desde que sejam consideradas
em que se precisa forçosamente colocar em pa-
- 63 -

as precauções necessárias, com responsabilida-


de e adotando sistematicamente um conjunto de E quando aprendemos o que não sabíamos, ou
negociações contínuas de sentidos, de significa- não lembrávamos, cada disciplina é um mundo
dos e respectivos efeitos. particular, uma infinidade de possibilidades. Às
vezes em nossas aulas “invadimos” o território
Não podemos desconsiderar que, ao escrever, alheio. É no confronto com o coletivo, com os gru-
também escrevemos para nós mesmos. No nosso pos que habitamos, é nesse entre, na troca, na in-
cotidiano, levamos a efeito, às vezes, enormes ba- teração, no diálogo com o outro, que conseguimos
talhas conceituais que necessitam ser colocadas compreender como nos produzimos professor(a),
em palavras para tomar corpo e se constituir em questionando nossas intervenções, problemati-
saberes em condições de novamente entrar na zando nossas produções como docente.
arena do interminável debate das ideias. Nesse
sentido, escrevemos para nós mesmos, escreve- Produzir no ambiente escolar um mundo com ca-
mos para dar passagem a ideias e movimentos racterísticas próprias, onde não apenas a boca e
que, ao serem escritas, vão nos constituindo aca- os ouvidos tenham papel protagonista, mas que
demicamente (PEREIRA, 2013, p. 214). o corpo tenha voz, e onde “o desafio não está em
descobrir uma única possibilidade de mundo,
Nem todas as mudanças que sentimos quando tampouco em substituir esse mundo por outro
imergimos na profissão são de imediato bem mundo, mas reside em investir em quantos ‘e(s)’
vindas ou bem vistas. Para algumas delas se olha forem necessários para ensaiar possibilidades de
com tom de indiferença ou mesmo de descon- vida no nosso mundo” (CARDONETTI & OLIVEIRA,
fiança, para outras, olhamos como quem enxerga 2015, p. 68).
uma possibilidade a mais de produzir, de pensar,
de agregar significados diferentes para os pa- O paralelo entre arte e a liberdade dessa arte, de
péis que desempenhamos cotidianamente. expressão, que faz procurar habitar a zona de fron-
teira, produzir aprendizagens e saberes a partir do
O que podemos compreender é que não há uma impensado, que “[...] não consiste em trabalhar den-
fórmula ou método único que nos encaminhe à tro de limites fechados e que não poderiam ser ul-
“perfeição” da prática docente, nem seria huma- trapassados, mas em trabalhar transpondo limites,
namente possível, somos suscetíveis a falhas e aprendendo a aprender” (KASTRUP, 2001, p. 24).
adeptos a nos reinventarmos a todo instante, as- Onde, não apenas reproduzam e representem um
sumindo “que a cena docente é feita de dificulda- mundo pré-existente, mas cria-se mundos singula-
des, dissonâncias, resistências, frustrações, erros, res em um mundo já dado.
acertos, mudanças de rumo, dúvidas, incertezas,
conquistas, sucessos” (LOPONTE, 2015, p. 219). Referencias

Novamente Larrosa (1994) nos diz que, “o ser hu- · ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. Tra-
mano, na medida que mantém uma relação re- yetorias espistemológicas y prácticas de la inves-
flexiva consigo mesmo [...] se observa, se decifra, tigación (auto)biográfica em educación em Brasil
se interpreta, se julga, se narra ou se domina” (p. y España. In: ABRAHÃO, Maria Helena Menna
54). Na intenção de nos decifrar, a docência em Barreto e BOLÍVAR, Antonio (Orgs.). La investiga-
Artes Visuais tornou-se território principal onde ción (auto)biográfica em educación. Mirádas cru-
a pesquisa se desenvolveu. zadas entre Brasil e España. Granada, EUG, Porto
Alegre, EdiPUCRS, 2014, p. 8-29.
Que tenhamos consciência de que nossas certe-
zas e verdades são provisórias, que no percurso · BARTHES, Roland. O Grau Zero da Escrita. Se-
do exercício da profissão, durante nossas aulas, guido de novos ensaios críticos. São Paulo: Mar-
podemos nos sentir impotentes e frustrados, tins Fontes, 2004.
como já foi atrás mencionado. Mas há lampejos
de estímulos que não encontramos em livros, ou · CARDONETTI, Vivien Kelling; OLIVEIRA, Ma-
em programas curriculares, mas encontramos rilda Oliveira de. Diário de aula: disparador de
no outro. Se ignorarmos por um instante todas problematizações e de possibilidades para pen-
as pressões que possam existir em qualquer sar a formação de professores de Artes Visuais.
ambiente profissional, e nos determos aos mo- In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de; HERNÁNDEZ,
mentos em que nos encontramos com colegas e Fernando (Orgs). A formação de professores e
amigos, ou quando vivenciamos momentos de o ensino das Artes Visuais. Santa Maria: Ed. da
descontração e trocas de experiências, a pro- UFSM, 2015, p. 51-73.
fissão torna-se mais prazerosa.
- 64 -

· KASTRUP, Virgínia. Aprendizagem, arte e in- Jonara Eckhardt


venção. In: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n.
1, jan./jun. 2001, p. 17-27. Graduada pela Universidade Federal de Santa
Maria no curso de Artes Visuais Licenciatura
· LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. Plena em Desenho e Plástica. Mestranda do Pro-
In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O sujeito da edu- grama de Pós-graduação em Educação, Linha
cação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, de Pesquisa Educação e Artes do Centro de Edu-
1994. cação da Universidade Federal de Santa Maria,
Brasil. Membro efetivo e vice-líder do GEPAEC
· LOPONTE, Luciana Gruppelli. A arte da docência (Grupo de Estudo e Pesquisas em Arte, Educação
em Arte: desafios contemporâneos. In: OLIVEIRA, e Cultura) da UFSM.
Marilda Oliveira de (org.). Arte, educação e cultu-
ra. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2015, p. 215-229. Leonardo Charréu

· PEREIRA, Marcos Villela. A escrita acadêmica: Doutor em Belas Artes pela Universidade de
do excessivo ao razoável. In: Revista Brasileira Barcelona, Espanha e em Ciências da Educação
de Educação. v. 18, n. 52, p.213-244, jan./mar. pela Universidade de Évora, Portugal. Leciona na
2013. graduação no Departamento de Artes Visuais do
Centro de Artes e Letras e na pós-graduação em
· SOUZA, Elizeu Clementino de. Histórias de vida Educação, linha de pesquisa Educação e Artes,
e formação de professores. In: Salto para o futu- na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
ro. TVescola, SEED-MEC. Março, 2007. no Brasil. Membro efetivo e vice-líder do GEPAEC
(Grupo de Estudo e Pesquisas em Arte, Educação
·SOUZA, Elizeu Clementino de. Indagación (auto) e Cultura) da UFSM.
biográfica: contar experiencias, escritura narra-
tiva y formación. In: ABRAHÃO, Maria Helena
Menna Barreto e BOLÍVAR, Antonio (Orgs.). La
investigación (auto)biográfica em educación. Mi-
rádas cruzadas entre Brasil e España. Granada,
EUG, Porto Alegre, EdiPUCRS, 2014, p. 34-57.
2.
CULTURA VISUAL
Y PRODUCCIÓN
DE NARRATIVAS
FÍLMICAS
ALTERNATIVAS
- 67 -

JOSAFÁ DUARTE E O CINEMA AUTODIDATA

Paulo Passos de Oliveira - PPGACV - UFG

Resumo Palabras clave: Josafá Duarte, lenguaje cine-


matográfico, cine autodidacta
Este artigo, fruto de um projeto de doutorado,
apresenta a vida e o modo de fazer cinema de Josafá Duarte: vida e obra
Josafá Ferreira Duarte, realizador do municí-
pio de Forquilha, pequena cidade localizada Ninguém quer ajudar nada, tá tudo contra nós,
na zona noroeste do estado do Ceará, no Brasil. então vamos provar que somos mais fortes
De origem pobre e sem recursos financeiros, o que esses obstáculos que têm sempre na vida
produtor rural Josafá escreve, produz, dirige da gente, e vamos começar a fazer sem saber
e finaliza produções que, majoritariamente, fazer. Sem saber fazer. Vamos fazer sem sa-
abordam temas que trazem como pano de ber fazer. Essa tem sido a nossa teoria, enten-
fundo a política local, sob a égide da comédia. deu? De aprender com nossos erros, de apren-
A partir do trabalho de Josafá, o texto discute der a fazer aquilo que muitas pessoas acham
o conhecimento autodidata das técnicas de fil- que a gente não é capaz de fazer e aí vamos
magem e a relação com o aprendizado formal fazer do nosso jeito.
da linguagem cinematográfica, que conduzi- Josafá Ferreira Duarte
ram este cineasta ao reconhecimento com o
prêmio de Melhor Filme pelo júri popular no V Josafá Ferreira Duarte é um dos 500 habitan-
Festival de Jericoacoara de Cinema Digital, em tes de Salgados dos Mendes, um dos quatro
junho de 2015. distritos que fazem parte do município de For-
quilha. Josafá milita no cinema como militou
Palavras-chave: Josafá Duarte, linguagem ci- em outras esferas de sua vida. Participou de
nematográfica, cinema autodidata invasões de latifúndios improdutivos em mu-
nicípios próximos à capital do Ceará – Fortale-
Resumen za – organizadas pelo Movimento dos Trabal-
hadores Rurais Sem Terra (MST), onde atuou
Este artículo, resultado de un proyecto de doc- por cinco anos. Após ser ameaçado de morte
torado, presenta la vida y la forma de hacer por latifundiários e sob a proteção da Polícia
cine de Josafá Ferreira Duarte, director que Federal, retornou no ano de 2002 a Salgado
vive en Forquilha, una pequeña ciudad situada dos Mendes, onde passou a trabalhar como
en la parte noroeste del estado de Ceará, Bra- agricultor. Lá, fundou um jornal com o objetivo
sil. De origen pobre y sin recursos financieros, de conscientizar politicamente a população.
el agricultor Josafá escribe, produce, dirige y Josafá percebeu que a forma de comunicação
finaliza producciones que, en su mayoría, cu- não surtia o efeito desejado. Foi, então, que re-
bren temas que traen el fondo de la política solveu fazer cinema.
local, bajo los auspicios de la comedia. A partir
del trabajo de Josafá, el texto analiza el cono- Seu primeiro filme, realizado em dezembro
cimiento autodidacta de técnicas de filmación de 2006 sem nenhum tipo de financiamento
y la relación con el aprendizaje formal del len- e com uma pequena câmera de vídeo amado-
guaje cinematográfico, lo que llevó este a lo re- ra emprestada, foi gravado com membros da
conocimiento con el premio a la Mejor Película própria comunidade. Diz Josafá:
por el jurado popular en V Festival de Jericoa-
coara de Cinema Digital, en junio de 2015.
- 68 -

O cenário era o que tinha: o sertão, casa de taipa, Josafá na borda é lançarmo-nos contra o des-
era jumento, era cabaça, era enxada, era espin- locamento do centro de reflexão, deixando de
garda de socadeira, era o açude, [...] era o cenário tomar como base o que se faz em Forquilha.
natural, o que tinha. Não foi nada programado, Ao relativizar as noções de borda e de cen-
não foi nada feito. Até as roupas eram as origi- tro, adotamos uma postura política, podendo
nais, são as do dia a dia. arrastar a produção mainstream para outra
localidade. Entre as grandes produtoras in-
Carismático, Josafá motivou outros interes- ternacionais de caros produtos cinematográ-
sados a produzir filmes: Ronaldo Roger e ficos, e a produção amadora da zona noroeste
Aureliano Shekinah são exemplos de novos do Ceará – pautada na coletividade artesã de
cineastas na comunidade. A equipe trabalha quem fabrica e no público que se reconhece
em regime de cooperativa: o cameraman de –, Hollywood não pode concorrer com aquilo
um filme pode ser ator em outro, e editor na que não é identificável enquanto modelo de
produção seguinte. O grupo foi denominado produção e distribuição mercantis. Os filmes
Cinecordel, em alusão às formas textuais po- de Josafá não brigam pelas mesmas salas de
pulares, que podem ser recitadas oralmente, cinema. Portanto, arrastar o cinema dos pro-
ou impressas. O trabalho do coletivo passou a dutores de Forquilha para a borda é jogar o
ser divulgado em um blog, o Forquilha Cine- cinema mainstream no centro, e este não é o
cordel, bem como no YouTube. tema desta investigação.

Em 2015 Josafá filmou sua primeira produção Falar de arte popular é caminhar em um terre-
com uso do equipamento profissional, em- no conceitualmente arenoso, em que se corre o
prestado pela produtora do cineasta Rosem- risco da bipolaridade entre alta cultura e baixa
berg Cariry: “Cadê meu zóculos”. A versão em cultura, erudito e popular, ou ainda na dis-
curta-metragem recebeu o prêmio de Melhor cussão entre cultura popular mediada pela cul-
Filme pelo júri popular no V Festival de Je- tura de massa, que não sustentam o tema deste
ricoacoara de Cinema Digital, em junho de artigo. A cultura é um termo por si só complexo,
2015. “Cadê meu zóculos” conquistou também que carrega consigo a responsabilidade de ser
três prêmios, dentre eles o de Melhor Diretor, mais que um conceito, mas um campo empíri-
na segunda edição do Festival de Cinema de co de investigação, historicamente constituído
Forquilha, ainda em 2015. Antes destas hon- pelos estudos culturais e pela antropologia.
rarias, Josafá havia sido agraciado com os Deixamos claro que no contexto deste artigo
troféus de Melhor Filme e Melhor Diretor no investigamos um aspecto da cultura criado
I Festival de Forquilha, evento criado e desen- por alguém das classes populares, prioritaria-
volvido pelos próprios fazedores de cinema do mente destinado às classes populares, ligado
município, em fevereiro de 2014. Sem apoio a elas de forma identitária. O cinema popular
político, o festival representou um novo está- não remete apenas à constituição autodida-
gio do cinema forquilhense. ta da gramática do cinema, mas, sobretudo, à
identificação do coletivo de trabalho – Cinecor-
O cineasta popular, autodidata, del – passando pelo universo temático das pro-
mas sem bordas duções, sempre de baixo orçamento.

O cinema forquilhense pode ser identificado Os dicionários apresentam o termo autodida-


aqui como “cinema popular”, termo endossado ta como o que se refere a alguém que desen-
pelo próprio Josafá. Entretanto, ao contrário volve a capacidade de aprender sozinho, sem
do que pensam Bernardette Lyra (2009) e necessidade de um mediador entre o sujeito
Jerusa Pires Ferreira (1989-1990), o seu ci- da aprendizagem e o objeto a ser apreendido.
nema não é “de borda”. Borda pressupõe um Entretanto, o realizador autodidata no cine-
centro, que tomará como referência alguns ma é alguém cuja linguagem apreendida é
critérios, como fatores socioeconômicos, in- oferecida por algum meio. Toda linguagem é
seridos dentro de determinados padrões de mediada por alguém ou por algo – um meio de
produção. Esta reflexão converge na de Alice comunicação de massa. O receptor é aquele
Fátima Martins (2013) para quem este cinema que possui a faculdade de receber a lingua-
recusa-se colocar-se na borda. Na verdade, gem, de processá-la, reelaborá-la e usá-la se-
ele está no centro de sua comunidade. Ao ser gundo determinados critérios. Pode-se dizer
exibido em praça pública, o cinema de Josa- que o cineasta autodidata se didatiza como
fá reina em uma localidade que não possui verbo reflexivo, mas apre(e)nde a partir de
salas de cinema. Colocar o cinema feito por si pegando o mundo emprestado, que advém
- 69 -

de um determinado meio, cuja linguagem é Josafá Duarte e o desenvolvimento


transmitida sem uma explicação formal. Ela, a da linguagem cinematográfica
linguagem, é dada, embora não explicada.
O trabalho autodidata de Josafá é constituído
O “fazer” cinema em Josafá se constitui em maior por uma prática de produção ordenada se-
grau na prática. Portanto, o autodidata deixa de gundo alguns critérios que misturam o apren-
ser um “adjetivo masculino singular” para ser dizado técnico a uma práxis intuitiva. Entre a
“substantivo múltiplo plural”. O autodidata Josa- sua primeira produção, “A história de um galo
fá aprende no devir cinema, cuja metragem se assado” (2006) e “Cadê meu zóculos” (2015) é
constrói à medida que se faz, e se faz à medida possível observar a mudança da qualidade
que se constrói. técnica dos filmes, mas, em termos de lingua-
gem, não houve decerto nenhuma alteração
A linguagem do cinema significativa.

A linguagem no cinema não é formalizada. Desde a captação das imagens à montagem,


“É claro que o cinema não é uma linguagem, o trabalho inicial foi sendo construído no
mas gera seus significados por meio de siste- próprio processo de aprendizagem. No caso
mas (cinematografia, edição de som e assim específico do cinema, o domínio da técnica
por diante) que funcionam como linguagens” e do uso do equipamento permitem a consti-
(TURNER, 1997). O cinema pode ser com- tuição da linguagem.
preendido em primeira instância como co-
municação; um segundo passo necessário é Um amigo meu me ensinou a manusear a má-
colocar este processo de comunicação dentro quina, né?! E aí o primeiro filme foi editado pelo
de um sistema maior gerador de significados: rapaz de Forquilha. Já o segundo, um filho meu
a própria cultura. comprou e me deu um computador de presente,
né?! E aí outro rapaz me ensinou a fazer editar.
Cultura, segundo Raymond Williams, descreve [...] A partir do terceiro filme, que foi “Rastro de
um modo de vida integral por onde se expres- cobra”, eu já comecei a fazer editar lá na minha
sam certos significados e valores presentes no comunidade.
conjunto de instituições da vida social, que não
é imanente. Entretanto, possui uma existência O aprendizado a respeito do uso do equipa-
material e imaterial cujas formas devem ser mento permite a constituição da linguagem
reinventadas por todos aqueles grupos excluí- do cinema, mas não explica o aprendizado
dos tradicionalmente das instituições culturais sobre a linguagem do cinema. Neste senti-
– por classe, gênero, raça ou orientação sexual do, podemos estabelecer uma relação direta
– comprometidos com a tarefa de imaginar as entre o caráter autodidata e a intuição. A in-
formas de participação adequadas para sus- tuição pode ser compreendida como processo
tentar uma cultura comum e redistribuir o va- pelo qual os sujeitos encontram, muitas vezes
lor cultural (LUNA, 1997). de forma involuntária, a solução para um pro-
blema apresentado. Josafá nos dá pista do re-
Os teóricos dos estudos culturais, fazendo es- conhecimento deste “saber intuitivo”, que ele
pecial referência à semiótica, “argumentam define como um termo específico: “instinto”.
que a linguagem é o principal mecanismo pelo
qual a cultura produz e reproduz os signifi- Os primeiros cinco filmes que eu fiz eu fiz sem
cados sociais” (TURNER, 1997). Linguagem é teorização nenhuma. Fiz só pelo instinto, né?!
aquela que vai além da língua verbal ou escri- [...] Já a partir do sexto já tivemos algumas
ta. Mais do que isso, a cultura traz consigo um orientações [...] e aí eu comecei então a ver uma
conjunto de valores do mundo físico e social. certa melhora através desse cursos [...] Eu tinha
que fazer. Eu não sabia fazer mas fiz sem saber
O cinema também possui um conjunto de códi- fazer, né?!
gos e convenções edificados ao longo da histó-
ria para que seja construído o sentido por par- O saber intuitivo e informal permitiu que Josa-
te do espectador, através de um acordo tácito fá pudesse criar um método muito específico
que denota e permite a conotação do mundo. de trabalho, que parte da ideia de um título de
filme para o argumento básico. O mesmo argu-
mento vai sendo construído ao longo dos dias
de gravação. Ele diz: “Eu começo a fazer uma
cena aqui e, de repente, ‘vamo lá, vamo abordá
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esse assunto aqui mais. A gente pode acrescen- sobreviver em um mundo dominado por po-
tar mais um tema nessa conversa.’ Então, eu derosos, universo próximo ao das histórias do
nunca começo o filme com o roteiro pronto.” realizador forquilhense.

Este saber intuitivo, ao qual Josafá se refere Em síntese...


como “instinto”, está articulado diretamente à
“atividade criadora”. A atividade criadora está As estratégias de produção dos filmes de Josa-
presente em todos os aspectos da vida cultu- fá não obedecem a um projeto estético, mas a
ral, possibilitando a criação artística, científi- um discurso político de inserção da comunida-
ca, técnica, etc. De acordo com Casas-Rodrí- de nos filmes, e de filmes que são feitos para
guez, “a atividade criativa é o que faz dele um esta comunidade, em uma via de mão dupla.
ser projetado para o futuro, um ser que cria e Os arranjos de realização demonstram que a
transforma o seu presente” (CASAS-RODRÍ- produção popular de Josafá, embora limitada
GUEZ, 2013, p. 23 – Tradução minha). materialmente, é compensada pela criativi-
dade fora dos parâmetros oficiais da invenção
De onde vem a motivação para a atividade artística.
criadora? A questão foi posta ao próprio rea-
lizador forquilhense: A linguagem do cinema clássico narrativo está
presente na televisão e povoa o imaginário de
Eu acho que a criatividade nossa [...] vem da todos. Servir-se dela faz parte da contempora-
necessidade de se mudar a realidade em que neidade, momento em que se observa a proli-
vivemos, entendeu? [...] uma necessidade de feração dos cineastas populares, alargando,
mudança. A gente vive assim em uma socieda- deslocando e eliminando as bordas. Afinal, o
de tão desigual e nós somos personagens dessa cinema popular, como conceitualmente aqui
desigualdade [...]. Então, o nosso cinema aqui a discutido, é sempre um cinema político en-
gente busca [...] expor a nossa voz diante desses quanto um cinema à margem dos recursos
problemas sociais que afetam o país, entendeu? oficiais e da estrutura dominante.

O cérebro humano é capaz de reproduzir e Este artigo apresenta em linhas muito resumi-
conservar experiências já vividas anterior- das algumas pistas que podem vir a ser mel-
mente. O mesmo cérebro torna possível criar hor desenvolvidas ao longo do doutorado. A
a partir das mesmas experiências vividas história de militância social de Josafá aparece
gerando novas ideias e relações. Neste senti- como leitmotiv de aspectos relativos à moti-
do, desconhecer o processo fílmico encontra vação, realização de filmes populares, apren-
na intuição uma forte aliada para a criação dizagem do uso de equipamentos no desenvol-
dos filmes. De acordo com Martha María Ca- vimento de uma linguagem cinematográfica,
sas-Rodríguez, intuição e criatividade.

A intuição é um processo mental que forma


parte da atividade criadora, própria de todo o
ser humano, e tanto a psicologia como a filoso-
fia a descreveram e conceituaram. Porém, têm
deixado de investigar os processos de formação
e de desenvolvimento do “intuitivo” (CASAS-RO-
DRÍGUEZ, 2013, p. 24 – Tradução minha).

Uma hipótese a ser considerada sobre o


aprendizado da linguagem do cinema remon-
ta aos filmes, novelas e seriados americanos
que marcaram Josafá. Ele encontrou inspi-
ração para filmar em clássico como “Casablan-
ca” (Michael Curtiz, 1942), que assistiu mais de
50 vezes, e na produção brasileira “O auto da
compadecida” (Guel Arraes, 1999).

A produção, baseada em livros de Ariano


Suassuna, também trata do universo do ho-
mem do sertão, bem como de estratégias para
- 71 -

Referências bibliográficas · · Identidade e pertencimentos: reflexões


sobre a filmografia de Afonso Brazza. In Re-
· CASAS-RODRÍGUEZ, Martha María. Lo intui- vista de Ciências Sociais – Órgão oficial do De-
tivo como aprendizaje para el desarrollo de la partamento de Ciências Sociais e do Programa
actividad creadora en los estudiantes. In Hu- de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de
manidades Médicas. V. 13. Nº 1. 2013, p. 22-37. Humanidades da Universidade Federal do
Ceará. V. 41. Nº 1. Fortaleza: 2010, p. 09-16.
· FERREIRA, Jerusa. Pires. Heterônimos e cul-
tura das bordas: Rubens Luchetti. In Revista · TURNER, Graeme. Cinema como prática so-
USP. Nº 4. São Paulo: dez.-jan.-fev./1989-1990, cial. São Paulo: Summus Editorial, 1997.
p. 169-174.
Referência eletrônica
· HALL, Stuart. A identidade cultural na
pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2007. · http://cinecordel.blogspot.com.br
/p/blog-page.html
· LYRA, Bernardette. Cinema periférico de
bordas. In Comunicação, Mídia e Consumo. V. Paulo Passos de Oliveira
6. Nº 15. São Paulo: mar/2009, p. 31-47.
Doutorando em Arte e Cultura Visual na Fa-
· LUNA, Sergio. La crítica de la cultura después culdade de Artes Visuais (FAV) da Universida-
de la cultura. In: Estudios Visuales 7. Centro de de Federal de Goiás (UFG). Mestre em Comu-
Documentación y Estudios Avanzados de Arte nicação e Cultura pela Escola de Comunicação
Contemporáneo. Murcia: Ene/2010, p. 100-113. (ECO) da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (UFRJ). Tecnólogo em Cinema e Bacharel
· MARTINS, Alice Fátima. Catadores de suca- em Comunicação Social/Jornalismo.
ta da indústria cultural. Goiânia: Editora da
UFG, 2013.

· · Cinéfilos e fazedores de cinema a contra-


pelo. Revista Z Cultural – Revista Virtual do
Programa Avançado de Cultura Contemporâ-
nea – Ano 8 – Edição 02 – 2011 – ISSN 1980-
9921, acessada em 07/09/2015. Em http://
revistazcultural.pacc.ufrj.br/cinefilos-e-faze-
dores-de-cinema-a-contrapelo-de-alice-fati-
ma-martins-2/
- 73 -

NARRATIVAS AUDIOVISUAIS: DISPOSITIVOS MÓVEIS E


IMAGENS TÉCNICAS EM AMBIENTE ESCOLAR

Marcelo Henrique da Costa - UEG - UFG

Resumo por ellos mismos. La estrategia metodológica


se apoya en dos ejes: la experimentación con
O presente artigo problematiza o uso de dis- los dispositivos móviles y la experiencia car-
positivos móveis em ambiente escolar e apre- tográfica. La idea de promover y mejorar la
senta um relato de experiência a partir de um producción audiovisual con terminales de te-
projeto de extensão, chamado Olhares Móveis, lefonía móvil proviene de la observación del
desenvolvido com adolescentes e jovens de entorno contemporáneo en el que estos dispo-
uma escola pública na cidade de Goiânia, Bra- sitivos se han insertado en la forma ordinaria
sil. As oficinas de realização audiovisual com la vida cotidiana de los adolescentes y jóvenes.
aparelhos de telefone celular foram execu- El proyecto se hizo cargo de la propuesta para
tadas de modo que possibilitassem aos parti- instigar reflexiones sobre el mundo digital y
cipantes o desenvolvimento do pensamento las nuevas tecnologías, ofreciendo activida-
crítico acerca das imagens e, sobretudo, sobre des prácticas en las que los estudiantes pudie-
as imagens produzidas por eles mesmos. A ran experimentar y experimentar el proceso
estratégia metodológica foi apoiada por dois de producción y la construcción del significa-
eixos: a experimentação com os dispositivos do y la importancia de las narrativas produci-
móveis e a experiência cartográfica. A ideia das por ellos mismos.
de fomentar e valorizar a produção audio-
visual com celular veio da observação do ce- Palavras-chave:
nário contemporâneo, em que esses dispositi-
vos têm sido inseridos de maneira corriqueira Dispositivos móveis, escola, imagens técnicas,
no cotidiano de adolescentes e jovens. O proje- narrativas audiovisuais
to encampou a proposta de instigar reflexões
sobre o universo digital e as novas tecnologias, Apresentação
proporcionando atividades práticas nas quais
os alunos pudessem experimentar e expe- O presente estudo se apresenta como um re-
rienciar o processo de produção e construção lato de experiência com base em um recorte
de sentido e significação a partir das narrati- de minha pesquisa de doutoramento, que está
vas produzidas por eles mesmos. em andamento, na qual foi desenvolvido como
atividade de campo um projeto de extensão
Resumen intitulado Olhares Móveis.

En este artículo se discute el uso de dispositi- Na ação extensionista foram executadas ofi-
vos móviles en el entorno escolar y presenta cinas de realização audiovisual utilizando
un relato de experiencia de un proyecto de dispositivos móveis com adolescentes, alunos
extensión, llamado Miradas Muebles, desa- do Colégio Estadual Pedro Gomes no bairro de
rrollado con los jóvenes en una escuela públi- Campinas, cidade de Goiânia, estado de Goiás,
ca en la ciudad de Goiânia, Brasil. Los talleres Brasil. O projeto encampou a proposta de insti-
audiovisuales con terminales de telefonía gar reflexões sobre o universo digital e os “no-
móvil se llevaron a cabo de manera que los vos” dispositivos digitais de captação e edição
participantes permitirían el desarrollo de un de imagens e sons. A ação proporcionou ativi-
pensamiento crítico acerca de las imágenes dades práticas por meio das quais os alunos pu-
y, especialmente, en las imágenes producidas deram experimentar e experienciar o processo
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de produção e construção de sentido e signifi- piciam “uma reflexão sobre os modos de na-
cação por meio do manuseio dos elementos da rrar o presente”3, dando sentido aos aconteci-
linguagem cinematográfica, utilizando como mentos mais marcantes da vida de seu autor.
dispositivo tecnológico seus aparelhos de tele-
fone celular. O tipo de narrativa escolhida para a pesquisa
foi a audiovisual. Entendo por narrativa audio-
As atividades propostas pela ação de extensão visual o tipo de produção que se vale das articu-
possibilitaram aos participantes o desenvolvi- lações possíveis entre a imagem em movimen-
mento do pensamento crítico acerca das ima- to e/ou fixa e os sons.
gens e, sobretudo, sobre as imagens produzi-
das por eles mesmos. As narrativas audiovisuais podem construir
discursos que criam, reforçam ou modificam
Com base nessa experiência, o presente artigo características identitárias, justamente pelo
irá discutir as possibilidades de subversão do fato de a identidade de um grupo social ser
suporte por meio da prática de produção de algo mutável, que está sempre em processo,
narrativas audiovisuais em ambiente escolar, no qual “as identidades estão sujeitas a uma
procurando estabelecer conexões acerca do historização radical, estando constantemente
contexto de produção de imagens técnicas em processo de mudança e transformação”4.
com intuito pedagógico, a emergência dessas
imagens em uma das perspectivas de aborda- Dentre as ferramentas disponíveis para pro-
gem em ambiente escolar, o nível de conheci- dução de narrativas audiovisuais, existem os
mento sobre o funcionamento dos dispositivos aparelhos de telefone celular, que tiveram a
tecnológicos produtores de imagens e sons e incorporação de câmeras, recursos para aces-
as possibilidades de subversão, contrariando a so à internet e plataformas de comunicação
programação previamente imposta pelo apa- sem fio e operam com funcionalidades semel-
relho. hantes às de um computador. Esses aparelhos
são capazes de produzir, receber e transmitir
Narrativas, dispositivos móveis e vídeos, e sua popularização e expansão agres-
cartografias sivas têm reconfigurado os espaços midiáticos
tradicionais. Para um aparelho que concentra
Entendo como narrativa as “manifestações em si ferramentas de produção, recepção e
orais, escritas, sonoras e visuais que se organi- transmissão audiovisual, os limites e as dife-
zam a partir de uma sucessão de episódios ou renças existentes a outros suportes, como a
ocorrências de interesse humano que integram TV, a internet e o cinema, acabam sendo bo-
uma mesma ação”1, de modo que os sujeitos-au- rrados5.
tores possam se expressar, narrando e contan-
do “algo sobre o mundo, sobre a existência, so- As cenas produzidas por aparelhos de te-
bre o outro ou sobre si mesmo”2. lefone celular a partir da trivialidade e do
cotidiano acabam por se tornar inéditas.
A narrativa, por não se acomodar em modelos Para Lucena, “é esta poética que buscamos
preestabelecidos, possibilita maior liberdade quando falamos de vídeos produzidos por
criativa e o surgimento de novas estéticas. É celular, cenas que não são maquiadas e que
uma maneira de os indivíduos se expressa- podem ser transferidas para outros aparel-
rem sobre sua vida, suas histórias domésticas, hos: uma poética do banal ou do ‘estive aqui
memórias, intimidade e subjetividades. Essas e me lembrei de você’”.6 De sua parte, Lemos
micronarrativas pessoais, que se opõem aos afirma que esse fenômeno naturalizou o
modelos tradicionais, possibilitam a seus au- processo de captação de imagens na vida
tores a reflexão sobre sua visão de mundo, das pessoas ou de uma liberação do polo de
reorganizam sua experiência e propiciam um emissão7, justamente pelo fato de o aparelho
olhar crítico sobre o tema apresentado. Em um celular propiciar ao seu usuário o acesso às
contexto mais amplo, as micronarrativas pro- ferramentas necessárias para realizar as fa-

1 - MARTINS, 2009, p. 33.


2 - MARTINS, 2009, p. 33.
3 - PILLAR, 2013, p. 313.
4 - HALL, 2000, p. 108.
5 - LUCENA, 2009.
6 - LUCENA, 2009.
7- LEMOS, 2003.
- 75 -

ses de produção do vídeo: captação, edição e “georreferencialidades” poderá dizer muito


distribuição. mais sobre elas mesmas, sobre seus autores
e sobre as identidades nelas impregnadas ao
Desse modo, considerando as possibilidades serem acessadas de forma cartográfica.
disponíveis para o uso da produção de na-
rrativas audiovisuais com mídias móveis, na A metodologia cartográfica proposta foi a de,
educação visual e como meio de expressão a partir de fotografias e visitas aos espaços
das subjetividades, esse recurso pode colabo- do bairro, criar um mapa georreferenciado,
rar com o processo educativo e de formação em plataforma digital, indicando as localida-
visual, de modo que essas narrativas se tor- des de referência de cada narrativa. Esse tipo
nem fontes de expressão identitária, que vão de plataforma foi selecionado por ser “mais
representar as formas de ver, perceber e re- atraente. Ele tem um maior poder de comu-
fletir sobre as práticas culturais de seus au- nicação, posto que permite melhorar a com-
tores, subvertendo as funções anteriormente preensão da mensagem cartográfica. Vale
programadas do aparelho, como diz Flusser8, dizer, a interatividade dá maior controle do
sobre a emergência das imagens técnicas e processo ao usuário e, portanto, uma melhor
seus dispositivos produtores. participação”11. Soma-se a isso o fato de ser
democrática e acessível.
“O trabalho pedagógico com imagens é também
proposta para refutar a dicotomia autocrática, Desse modo, o uso da cartografia como es-
de dominação-dependência, com a presença tratégia metodológica de aproximação dos
e promoção de ‘posições’ supremas e únicas, conteúdos com as realidades do bairro, bem
que impedem a atuação das demais”9. Em con- como com as possibilidades e trânsitos, gera a
sonância com o pensamento dos autores, es- expectativa de que a experiência cartográfica
tabelecer um diálogo aberto com estudantes, não só represente o território, mas o recrie, já
adolescentes e jovens poderá possibilitar o ma- que “todo mapa é uma reterritorialização e se
nuseio da imagem, como matéria-prima, que atualiza a partir da interação com cada sujei-
há muito já lhes é familiar. to”12.

Ressaltar e valorizar os aspectos locais e das Ideias Movimentadas: travessia importante


localidades do bairro de Campinas também para a construção de novos caminhos
foram fatores importantes para o projeto. Por
isso a metodologia propôs uma experiência Em 2013 coordenei no curso de Cinema e
cartográfica, de modo que, aos estudantes, Audiovisual da Universidade Estadual de
suas histórias e narrativas estivessem vincu- Goiás – UEG – o projeto de extensão Ideias
ladas ao bairro. Refere Amaral: Movimentadas. Nesse projeto foram desen-
volvidas oficinas de realização audiovisual
Diálogos cada vez mais intensos vêm con- com aparelho celular com crianças atendi-
figurando uma nova cartografia cognitiva das por uma instituição chamada Polivalente
caracterizada por colaborações entre di- São José. Essas crianças eram atendidas pelo
ferentes territórios e domínios, colocando Programa de Erradicação do Trabalho Infan-
em evidência as possibilidades de compar- til – PETI –do governo federal brasileiro. Na
tilhamento de estratégias pautadas pela grande maioria, encontravam-se em situação
complementaridade, interrelacionamento de vulnerabilidade social, eram pertencentes
e reciprocidade entre campos: a história a famílias de baixa renda e participavam de
da arte, a estética, a teoria cinematográfi- atividades complementares em contraturno
ca, os estudos culturais, a teoria dos meios, escolar como uma obrigatoriedade para sua
a arte/educação, a cultura visual, os estu- permanência no PETI. As famílias recebiam
dos de gênero, entre outros.10 uma bolsa em dinheiro como contrapartida do
social do governo federal brasileiro.
Por isso, pensar nessas histórias contidas nas
narrativas audiovisuais linkadas em suas Foram produzidos dois vídeos, sendo uma fi-

8 - FLUSSER, 2008.
9 - GUIMARÃES; FERNANDES, 2009.
10 - AMARAL, 2012, p.
11 - JOLIVEAU, 2008, p. 52.
12-AMARAL, 2012.
- 76 -

cção e um videoclipe, com música e letra com- diálogo com os gestores, estudantes e profes-
postas pelos participantes do projeto, ambos sores e que considerasse a disponibilidade e o
inspirados no cotidiano e realidade social em interesse da escola pela sua realização.
que estavam inseridos. Além dos produtos au-
diovisuais, as duas monitoras do projeto des- Os riscos por essa opção foram assumidos
envolveram seus trabalhos de conclusão de como parte do processo. Sabia que estar por
curso a partir da experiência extensionista. um tempo mais longo, com um cronograma
de atividades mais extenso, poderia provocar
O Ideias Movimentadas funcionou como pla- mais situações que não estavam previstas, o
taforma para a elaboração do meu projeto que, de fato, acabou ocorrendo. Muitas intem-
de doutorado, por isso é tão importante fazer péries atropelaram o processo durante o se-
menção a sua realização. mestre, tais como: suspensão de aulas pela Se-
cretaria Estadual de Educação, mudanças no
Olhares Móveis: construção de calendário escolar, a inserção de eventos não
novos mapas e narrativas previstos, limitações institucionais, migração
de alunos na disciplina – entrando e saindo –
O contexto de execução do Projeto Olhares até a configuração final do grupo etc.
Móveis foi o educacional, pensando que a
produção de narrativas audiovisuais e a expe- Em alguns momentos foi difícil conciliar todas
riência com o lugar, no caso o Bairro de Cam- essas variáveis que interferiram na execução
pinas, poderiam propiciar experimentações e das atividades da disciplina, sobretudo por
aprendizagens a partir do processo coletivo de conta da preocupação e do compromisso em
realização audiovisual. concluir bem as atividades de campo da pes-
quisa para o projeto de doutoramento.
Quando cheguei à escola, a proposta do pro-
jeto foi bem-recebida. Contudo, por se tratar Um fator positivo que salvaguardou essa es-
de uma instituição de tempo integral e com colha foi o tempo para maturação das ativi-
atendimento exclusivo para turmas do ensino dades. Essas ações exigiam um tempo maior
médio, a proposição foi de adequá-lo a uma dis- para amadurecimento e consequente bom
ciplina eletiva que seria ministrada ao longo de andamento dos processos de produção das
todo o segundo semestre de 2015, nas tardes narrativas. Esse aspecto foi muito importante
de quinta-feira. Em função dessa nova confi- para o grupo, na medida em que os estudantes
guração, fui acompanhado por uma professora iam assimilando e assumindo suas narrativas,
tutora da escola ao longo do semestre, que foi situação que seria mais difícil de ser concreti-
responsável por mediar todas as situações que zada se as atividades tivessem sido realizadas
envolviam o bom andamento da disciplina. de forma condensada.

Inicialmente o projeto foi pensado para estudan- Foram realizados dezoito encontros, que to-
tes moradores do Bairro de Campinas, uma vez talizaram 36h/a. Neles foram distribuídas
que a expectativa era valer-se da experiência atividades que propiciassem contato com as
cotidiana com o bairro para que eles pudessem subjetividades individuais de cada estudante
impregnar as narrativas com elementos iden- e também com a escola e o bairro de Campi-
titários do local. Contudo, no primeiro encontro nas. Como estratégias, foram utilizados re-
com os alunos percebi que quase todos eram cursos lúdicos, da linguagem audiovisual e
moradores de bairros distantes de Campinas. da cartografia.
Dos 26 inscritos, somente três eram moradores
do bairro e/ou imediações. Essa nova realidade As atividades do Olhares Móveis foram orga-
trazida pelo campo de pesquisa acabou por rea- nizadas por meio de dispositivos que facilita-
dequar alguns pontos de interesse da pesquisa, ram a realização das tarefas. Ao todo foram
como a discussão sobre identidade e pertenci- propostos sete dispositivos. Segue-se, portan-
mento associada ao lugar – o bairro de Campi- to, a descrição de cada dispositivo, cujo detal-
nas, por exemplo. hamento inclui o título, a finalidade, o método
de execução, os recursos necessários e um
Uma preocupação inicial no tocante à escola relato da experiência gerada em cada etapa.
era o respeito à realidade local. Minha intenção
era de que o projeto não parecesse um corpo
estranho na rotina escolar, de que em alguma
medida pudesse estar integrado promovendo
- 77 -

Selfie da estudante Karen Soares e texto manuscrito de autoapresentação.

Dispositivo 1: Eu na narrativa ou para os usos já programados e naturalizados


Autorretrato audiovisual pelo aparelho. A estudante Karen Soares se
destacou por expor de maneira intensa suas
O quê?: Produzir um vídeo de autoapresen- opiniões e aspectos de sua subjetividade.
tação. Esta aluna, de modo particular, apresentou
Por quê?: O dispositivo visa estimular o estu- um comportamento diferente ao final do
dante a fazer uso da articulação de imagens projeto. Segundo a Coordenadora das Disci-
e sons a fim de construir sentido narrativo plinas Eletivas, a pedido da estudante seus
sobre si mesmo. Usando o celular como ferra- pais já haviam solicitado sua transferência
menta para captação/edição das narrativas, para outra unidade escolar. Porém, ao final
espera-se que o aparelho técnológico seja do semestre Karen reconsiderou seu pedido
utilizado para atender às necessidades cria- de desligamento, alegando ter estabelecido
tivas do autor. um vínculo mais afetivo com a escola.

Como primeira atividade, o dispositivo pre- Dispositivo 2: Entrevista exploratória


tendia mediar a construção de uma narrativa
que de alguma forma permeasse as subjeti- O quê?: Gravar entrevistas com membros da
vidades de cada estudante, apresentando comunidade escolar utilizando a seguinte
aspectos pessoais, o lugar que ocupam no pergunta: O que você sabe sobre Campinas?
mundo e também a familiaridade com a lin- Por quê?: O objetivo desse dispositivo é pro-
guagem audiovisual, de modo que começas- mover um levantamento de informações (his-
sem a perceber o aparelho celular como uma tóricas, sociais, mitológicas etc.) do bairro de
ferramenta a serviço das ideias e possibili- Campinas e propiciar um novo tipo de experi-
dades criativas, inclusive para a construção mentação em produção audiovisual com o uso
de outros tipos de narrativas e não somente do celular.

Frames do Autorretrato Audiovisual da estudante Karen Soares.


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Frames do vídeo “Sobre Campinas eu sei que”

Inicialmente os estudantes ficaram um pouco diante os elementos básicos da linguagem ci-


receosos com a proposta, uma vez que exigia nematográfica (enquadramento, composição,
um tipo de abordagem diferente aos seus pa- luz, som), propiciando uma experiência práti-
res na escola. Embora o aparelho de telefone ca de construção narrativa.
celular seja um objeto de intenso uso cotidiano,
a proposta de uso não lhes era familiar. Com in- Dispositivo 5: Fotonarrativas
tensidades de participação diferentes, a turma Audiovisuais
foi organizada em duplas, e a tarefa a ser cum-
prida seria a realização de pequenas entrevis- O quê?: Produzir fotonarrativa por meio da se-
tas com a duração de um minuto com o tema leção e edição de fotografias.
proposto pelo dispositivo. As melhores entre- Por quê?: Dar novos significados a imagens
vistas foram agrupadas em um único vídeo. preexistentes é o principal objetivo desse dis-
positivo. Espera-se que os estudantes criem
Dispositivo 3: Máscaras narrativas ficcionais a partir de fotos docu-
mentais, experimentando as possibilidades
O quê?: Produzir novos sentidos para as ima- de construção de sentido narrativo por meio
gens com base na reconfiguração dos enqua- da edição de imagens.
dramentos com o uso de máscaras.
Por quê?: Espera-se com o dispositivo aguçar As fotonarrativas audiovisuais partiram das
os estudantes acerca das possibilidades cria- fotografias de Hélio de Oliveira. Hélio foi fo-
tivas e de construção de sentidos mediante tojornalista do jornal O Popular, maior perió-
as várias possibilidades de se enquadrar uma dico do estado de Goiás, e também fotógrafo
mesma cena. oficial do Gabinete do Governador do Estado,
tendo acompanhado chefes do poder execu-
Nesse dispositivo os estudantes selecionaram tivo estadual por diversos mandados. Cons-
fotografias disponibilizadas pelo professor, truiu ao longo de sua carreira um extenso
produziram réguas em forma de L e foram acervo de imagens de Goiânia. É um dos mais
estimulados a buscar na imagem selecionada tradicionais e importantes nomes da fotogra-
novos enquadramentos, de modo a pensar em fia em Goiás.
possíveis narrativas visuais a partir desses no-
vos pontos de vista lançados sobre a imagem. Com base nas fotografias do bairro de Campi-
nas disponibilizadas por mim, os estudantes
Dispositivo 4: Minuto Lumière13 puderam ser agrupar por interesse temático,
tendo como ponto de partida as imagens se-
O quê?: Produzir vídeo inspirado nos primeiros lecionadas. As fotonarrativas surgiram tendo
filmes feitos pelos irmãos Lumière. como motivação as fotografias de Hélio. As
Por quê?: A aplicação desse dispositivo visa fotos foram recortadas, reenquadradas, cola-
estimular a percepção dos estudantes me- das, reconfiguradas para dar vida às histórias

Frames das fotonarrativas audiovisuais

13 - Dispositivo elaborado pelo Projeto Inventar com a Diferença, do Curso de Licenciatura em Audiovisual da
Universidade Federal Fluminense, com adaptações do autor.
- 79 -

Frames das fotonarrativas audiovisuais

ficcionais produzidas por eles. Demos o nome a essa atividade de Reconhe-


cimento Cartográfico. Em virtude da configu-
Dispositivo 6: Café de histórias ração da turma, com poucos estudantes oriun-
dos do bairro e imediações, o reconhecimento
O quê?: Realizar série de entrevistas com mo- propiciou o contato de boa parte da turma com
radores do bairro onde a escola se encontra. espaços circunvizinhos à escola Nessa ativi-
Por quê?: Esse dispositivo pretende levantar dade puderam comparar as modificações na
histórias sobre o bairro, aproximar a comuni- paisagem urbana ao confrontarem, por exem-
dade da escola, criar um conjunto de arquivos plo, as fotos históricas de Hélio de Oliveira e as
que registrem a história do bairro usando fon- produzidas por eles.
tes não oficiais, buscar possíveis fabulações
sobre esses personagens, lendas e histórias Durante o reconhecimento cartográfico os
fantásticas. estudantes foram estimulados a produzirem
registros fotográficos, audiovisuais e sonoros
Dispositivo 7: Capturando imagens das paisagens urbanas.
e mapeando rotas Nos encontros seguintes os estudantes foram
convidados a recorrer à memória e produzir
O quê?: Produzir mapa mental do bairro de um mapa mental que de alguma forma repre-
Campinas, a partir dos locais identificados nas sentasse a experiência no espaço urbano. Os
fotografias selecionadas no dispositivo 5 (Fo- mapas foram produzidos individualmente, e
tonarrativas) e nas falas dos entrevistados no os chamamos de “mapas de cada um”.
dispositivo 6 (Café de histórias).
Por quê?: Criar uma relação mais próxima Na semana seguinte os mapas individuais fo-
com os espaços e localidades do bairro onde a ram socializados entre todos, e o convite foi
escola está situada e promover uma experiên- para a desconstrução dos “mapas de cada um”
cia cartográfica lúdica são os principais in- e a construção de um “mapa de todo mundo”. A
tentos do dispositivo. O deslocamento físico e reação primeira foi de estranhamento à pro-
a experiência de estar nos lugares escolhidos posta, mas logo com tesoura, cola, papel e giz
por meio das fotos poderão estabelecer novos de cera em mãos o trabalho coletivo começou. A
pontos de contato, afeto e sentido entre os es- experiência da desconstrução de imagens para
tudantes e esses espaços. a produção de outras novas, com novos sentidos
e significações, visuais, simbólicas e afetivas,
Foi incluída posteriormente nesse dispositivo foi alcançada com a finalização de um grande
uma visita a pontos do bairro de Campinas. mapa com cerca de três metros de comprimento.

Produção dos mapas mentais


- 80 -

Produção do mapa coletivo

O “mapa de todo mundo” foi digitalizado e in- em seus objetivos em alguns alvos, que no
cluído em um sítio na internet. Nesse mapa meu entendimento foram atingidos de forma
foram georrefenciados pontos que dão acesso satisfatória, mas acertou também em tantos
às narrativas produzidas pelos estudantes. As outros que, inicialmente, não estavam no ho-
narrativas estão vinculadas tematicamente rizonte da visão. Com base nos depoimentos
aos pontos geográficos. Como a produção do de estudantes e professores que estavam en-
mapa foi um exercício de memória e de expe- volvidos com a realização do projeto, alguns
rimentação afetiva com os espaços do bairro, pontos importantes foram apontados: melho-
o mapa não possui uma correlação direta com ra no desempenho escolar de outras discipli-
o espaço geográfico real, mas apresenta uma nas formais; reconsideração do colegiado de
outra cartografia: mais afetiva, lúdica e sim- professores de decisão tomada para expulsão
bólica. Sua construção a muitas mãos o deixou de aluno; desistência de transferência da es-
singularizado com a experiência do grupo cola – por desejo do estudante; ampliação da
com o bairro. percepção crítica acerca das imagens e de sua
produção; socialização dos estudantes no gru-
Dentre os sete dispositivos aplicados ao longo po escolar etc.
do projeto de extensão, cinco deles tiveram
resposta positiva. O Dispositivo 4, Minuto Estes apontamentos e alguns outros foram
Lumière, e o Dispositivo 6, Café de Histórias, detectados como resultados indiretos da exe-
não obtiveram êxito. No Minuto Lumière, que cução do Olhares Móveis na comunidade esco-
previa uma produção audiovisual, a atividade lar. Pensar a subversão dos dispositivos técni-
foi pedida para ser feita em casa e seria exi- cos, como sugere Flusser, a partir da criação
bida no encontro seguinte. Após finalizado o de novas aplicabilidades não programadas e
projeto, avalio que a atividade poderia ter tido problematizações que levem os operadores
uma condução diferente. Penso que se tives- a refletirem sobre o uso desses dispositivos e
se sido realizada durante um dos encontros as narrativas produzidas por um autor, mas
com o apoio do professor teria logrado maior mediadas por esses aparatos tecnológicos,
êxito. Quanto ao Café de Histórias, que tinha podem oportunizar possibilidade de trans-
como premissa o levantamento de moradores formação pessoal e social que por vezes não é
do bairro de Campinas para uma sessão de possível indicar no início do percurso.
contação de histórias sobre o bairro, o fato de
apenas três estudantes serem moradores de No campo das subjetividades, em que o corpus
Campinas foi um fator que dificultou a exe- de investigação é a matéria humana, as meto-
cução do dispositivo. dologias e intenções acabam por ser semea-
das com uma boa dose de incerteza sobre que
Todos os resultados obtidos com a execução frutos serão colhidos.
dos dispositivos podem ser visualizados no sí- As possibilidades de intervenção na realidade
tio www.olharesmoveis.ueg.br. escolar e no desempenho dos estudantes pas-
sam inevitavelmente pela subjetividade indi-
Para além dos dispositivos e da vidual do sujeito e pela forma como cada um é
tecnicidade das imagens, existem afetado pela proposta pedagógica. Entre os ca-
os seres humanos minhos e descaminhos percorridos no percur-
so do Olhares Móveis, as formas como o projeto
O projeto de extensão Olhares Móveis mirou interviu nas vidas de estudantes, professores e
- 81 -

pesquisador certamente não os deixaram in- · LUCENA, Tiago Franklin Rodrigues. M-ví-
cólumes à experiência. Penso que a educação deos: audiovisual do/para celular. 2009. Dis-
precisa tocar as pessoas e de alguma forma as ponível em: <http://migre.me/uKN8Q>. Acesso
ajudar a entender melhor o seu lugar no mun- em: 4 jul. 2016.
do. Isso também é aprendizado. Na condição de
professor-investigador posso dizer que apren- · MARTINS, Raimundo. Narrativas visuais:
di muito com essa experiência. imagens, visualidades e experiência educa-
tiva. VIS – Revista do Programa de Pós-Gra-
Referências duação em Arte. Brasília: Editora Brasil, v. 8,
n.1, jan.-jun. 2009.
· AMARAL, Lílian. Táticas para cartografar e
habitar o espaço da cidade: práticas perfor- · OLIVEIRA, Hélio. Eu vi Goiânia crescer. v I.
mativas: Observatório Bom Retiro. In: CON- Goiânia: Ed. do Autor, 2008.
FAEB, 22, 2012, São Paulo: Unesp, 2012.
· OLIVEIRA, Hélio. Eu vi Goiânia crescer. v. II
· GUIMARÃES. Leda; FERNANDES. Wolney. Goiânia: Ed. do Autor, 2012.
Narrativas visuais como experimentações es-
téticas. In: RODRIGUES, Edvânia Braz Teixeira; · TITO, Keith Valéria. Memória e identidade
ASSIS, Henrique Lima (Org.). O ensino de artes de um bairro: campinas sob as lentes de Hé-
visuais: desafios e possibilidades contemporâ- lio de Oliveira. 2008. Dissertação (Mestrado)
neas. Goiânia: Seduc-GO, 2009. p. 39-44. – Programa de Pesquisa e Pós-Graduação
em História, Universidade Federal de Goiás,
· FLUSSER, Vilém. O universo das imagens téc- Goiânia, 2008.
nicas: elogio da superficialidade. São Paulo:
Annablume, 2008. Marcelo Henrique da Costa

· HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? Professor do Curso de Graduação em Cine-


In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e ma e Audiovisual e Diretor de Comunicação
diferença. Petrópolis: Vozes, 2000. Institucional da Universidade Estadual de
Goiás, publicitário, mestre e doutorando em
· JOLIVEAU, Thierry. O lugar dos mapas nas Arte e Cultura Visual pela Faculdade de Artes
abordagens participativas. In: ACSELRAD, Visuais da Universidade Federal de Goiás –
Henri. Cartografias sociais e território. Rio de Brasil. Interesse de pesquisa em: Audiovisual,
Janeiro: Instituto de Pesquisa e Planejamento cinema, educação, produção audiovisual com
Urbano e Regional, 2008. mídias móveis.

· LEMOS, André. Cibercultura: alguns pontos


para compreender a nossa época. In: LEMOS,
André; CUNHA, Paulo (Org.). Olhares sobre a
cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003.
- 83 -

UM CINEMA ENTRE AS RUÍNAS E O FUTURO

Alice Fátima Martins - UFG

Resumo people may invent their own ways of telling


stories, linking past with future. The power
Neste texto são propostas algumas reflexões of his work is not technical quality of produc-
com base no trabalho desenvolvido por Seu tion, but just the intensity of the experience
Osorinho (Serranópolis/Goiás) que, com mais in all images and sounds. Inside experience
de 70 anos, filma suas histórias, caminhos, and memories, these narratives are looking
paisagens, as gentes com quem convive. Filma for clues to suspect futures and to draw them
as árvores que serão derrubadas, os animais with dancing lights on the screen. Mr Osorin-
ameaçados de extinção, as cachoeiras cujas ho takes with him a short recorder and a ca-
águas estão poluídas. Ele pretende que, no mera he has found in somebody’s trash. Video
futuro, os que haverão de vir possam ter uma makers and filmmakers who love high tech-
ideia de como era tudo por ali. E inventem, eles nologies could laugh because of Mr. Osorinho’s
também, outros modos de contar suas próprias old equipment. However, this, in his hands, is
histórias, estabelecendo elos entre o que foi e tool of great importance.
o que será. A potência de seu trabalho não está
na qualidade técnica da produção, mas na in- Key words: poor cinema; memory; experience.
tensidade da experiência que transpira nas
imagens e sons organizados em narrativas. Na seara das discussões sobre contextos hi-
Estas buscam, na experiência e na memória, pervisuais, trago à pauta um cenário em que
pistas para suspeitar devires, e pintá-los com se estabelecem trânsitos entre imagens pro-
luzes dançantes sobre telas e écrans. Seu duzidas há milênios e imagens realizadas por
Osorinho usa um pequeno gravador e uma meio de aparatos da tecnologia digital, entre
câmera encontrada dos descartes de alguém. desenhos encravados nas rochas e as imagens
O equipamento, pela obsolescência, poderia técnicas, aquelas produzidas por aparelhos,
provocar risos entre vídeomakers afeitos às nos termos propostos por Flusser (2008).
novidades tecnológicas. Mas, em suas mãos, é
ressuscitado, tornando-se ferramenta de pri- Dentre os sítios arqueológicos brasileiros, em
meira grandeza. sua maioria carentes de políticas consolida-
das voltadas à pesquisa e preservação, encon-
Palavras-chave: cinema pobre; memória; ex- tram-se os conjuntos de grutas localizados nos
periência. arredores da pequena cidade de Serranópolis,
no sudoeste goiano. Integra um desses con-
Abstract juntos o desenho da arara adotado como sím-
bolo do Estado de Goiás.
In this paper, I analyze some points about Mr.
Osorinho work, in Serranópolis, Goiás, a more As marcas desenhadas sobre rochas há cer-
than 70 years old man, who makes videos ca de onze mil anos são mensageiras de no-
about histories, landscapes and people of his tícias sobre várias gerações de habitantes
relations. He makes films telling about trees que ocuparam aqueles territórios em tempos
that will be felled, endangered animals, and imemoriais. Que objetivos teriam levado as
waterfalls with polluted waters. He hope his diferentes comunidades a empreender esses
images, in the future, will inform people about mosaicos? Quais os sentidos engendrados nos
how they have lived, there. He also wants conjuntos imagéticos? Como foram produzi-
- 84 -

dos? Estas são questões a respeito das quais teimem em se voltar para recolher os mortos
apenas se produzem conjecturas, no esforço deixados para trás, ou para consertar o que foi
por respostas, a despeito dos rigores observa- destruído. O anjo da história, para Benjamin,
dos nas investigações arqueológicas e antro-
pológicas desenvolvidas a respeito. Talvez o gostaria de deter-se para acordar os mortos e jun-
mais surpreendente seja o fato de que tenham tar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do
atravessado ciclos temporais tão extensos, paraíso e prende-se em suas asas com tanta força
adversidades múltiplas, chegando até o sé- que ele não pode mais fechá-las. Essa tempes-
culo XXI portadoras de uma vitalidade ainda tade o impele irresistivelmente para o futuro, ao
capaz de provocar os visitantes com sentidos e qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de
narrativas imponderáveis. ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que
chamamos progresso. (BENJAMIN, 1987, p. 232)
Contudo, as circunstâncias ambientas, econô-
micas e sociais que os cercam atualmente não Em Serranópolis, entre as ruínas do passado e
parecem muito favoráveis à sua preservação. as maquinarias que prometem o futuro inevi-
Testemunhas de um passado tão longínquo, tável, dada a força da tempestade do progres-
deparam-se, atualmente, com ventos que so- so, transita um homem de pequena estatura,
pram vigorosamente em direção ao futuro, ou com mais de sete décadas vividas, portando
futuros, cujos projetos não se deixam seduzir uma câmera desgastada entre as mãos e
ou comover por seus enigmas. O futuro, esse um gravadorzinho no bolso. Os conhecidos
futuro pautado pela noção de progresso ins- acenam: Oh, Osorinho! enquanto ele passa. É
taurada na modernidade, move-se em direção ele que a cineasta Cássia Queiroz chamou de
a desafios tais como a produção intensiva de Osorinho, o poeta da imagem, documentário
grãos justificada pelas necessidades de ali- de curta metragem, realizado em 2010.
mentação a uma população humana em linha
numérica sempre crescente. Mas, sobretudo, Vem de muitos anos a disposição de Seu Oso-
para atender à lógica econômica capitalista rinho para registrar as pessoas de sua comu-
em torno das relações de lucro, mais valia, e nidade, as paisagens por onde percorre de
suas (ir)racionalidades. bicicleta, montado a cavalo ou a pé, os sítios
onde viveu, e onde viveram seus familiares.
Um tal progresso se constrói sobre as ruínas do Bom conhecedor que é da sua região, obser-
passado, justificado pela promessa de conquista va os ciclos de plantas e animais, as trans-
do futuro. O passado comparece como entrave, formações dos horizontes, as sonoridades de
atraso, condenação e aprisionamento à obsoles- cada lugar. Observa os ciclos da comunidade,
cência. Nesse cenário, o cenário que abriga as lembra aqueles que já tenham partido, não
grutas de Serranópolis e seus arredores sobre- perde de vista os mais velhos, dispondo-se
vivem, mesmo que precariamente, tão somente a buscar suas histórias para reconta-las aos
por uma questão geográfica: localizam-se em mais novos. Assim, vai constituindo um pai-
regiões desfavoráveis ao plantio da lavoura in- nel cada vez mais extenso de registros em
tensiva, ou à criação de gado. Áreas rochosas audiovisual com esses elementos, dialogan-
de acesso não muito fácil resguardam-nas, en- do com eles, reconstituindo suas narrativas.
quanto a vegetação nativa em torno vai sendo Do mesmo modo, registra eventos da cidade,
substituída por plantações de soja a perder de festas, celebrações, histórias singulares, jo-
vista, pontuadas por enormes armazéns metá- gos de futebol... Desse modo, estabelece redes
licos destinados à guarda de grãos, administra- de conexões intracomunitária, numa cidade
dos por empresas que beneficiam a população onde não há salas de cinema, e apenas uma
local, absorvendo mão-de-obra. reduzida parcela da população tem acesso à
rede mundial de computadores em suas resi-
O futuro, portanto, promete emprego, desen- dências ou ambientes de trabalho.
volvimento tecnológico, investimento econô-
mico, e grãos para exportação. Nesse futuro A seu modo, Seu Osorinho narra seu próprio
não há espaço para grutas com desenhos en- tempo, em diálogo com os processos de trans-
velhecidos, meio borrados, que ninguém sabe formação de seu meio. Para tanto, faz uso
o que significam, ao certo. das ferramentas propiciadas pelo progres-
so, o mesmo responsável pelo acelerado das
Os ventos mensageiros do progresso anun- transformações rumo ao futuro. Inicialmente,
ciado por esse futuro, sobretudo, não nego- fazia imagens fotográficas com uma câmera
ciam facilmente com anjos benjaminianos que compacta, foco fixo, analógica. Logo conse-
- 85 -

guiu uma câmera para filmar com fitas VHS. cenas filmados, e as respectivas datas.
Usada, a câmera, considerada ultrapassada
por seu primeiro proprietário, ela ganhou vida Contudo, é importante frisar que a imponde-
nova nos processos de descoberta por parte rabilidade dos arquivos digitais lhe escapa às
dele. Passou a filmar seus percursos entre o mãos. Muitos vídeos perdem-se de seus domí-
campo e a cidade. Animais, plantas, camin- nios, ao mesmo tempo em que o rapaz da casa
hos... começou a gravar histórias das pessoas. de serviços de informática também se desfaz
Inventou um modo de inserir trilha sonora dos arquivos deixados em seu computador,
própria às suas peças, inserindo um peque- para liberar memória. Assim, pouco tempo de-
no gravador no bolso. Segundo seu relato, ao pois, os vídeos podem ser encontrados apenas
filmar um pé de ipê cheio de flores amarelas, nos DVDs, distribuídos entre as pessoas inte-
sentiu falta do som de pássaros. Providenciou ressadas, ou guardados sem muita sistemati-
uma fita k7 na qual gravou alguns cantos da zação entre os pertences de Seu Osorinho.
região. Assim, pôde filmar o pé de ipê com o
som ambiente adequado. Neste quadro, nem o domínio dos rituais tec-
nológicos, nem a gestão de arquivos faz par-
Em 2010, Cássia Queiroz realizou o filme de te do seu métier, porquanto ele não seja um
curta metragem em que acompanha seu Oso- arquivista, mas, e sobretudo, um narrador
rinho na produção de suas imagens. Essa inter- (BENJAMIN, 1987). O domínio técnico das
locução também imprimiu novos elementos aos programações que fazem os aparatos tecnoló-
modos como ele passou a fazer seus registros. gicos funcionarem, suas estruturas materiais,
Atento à mídia de que dispunha, tem ampliado, a administração de arquivos, tudo isso deve
continuamente, o domínio de seus recursos. estar a serviço de sua narração, e não o con-
trário. As informações com que opera, antes
Das fitas em VHS, passou a trabalhar com uma de serem gravadas nos sistemas binários dos
câmera menor, digital. Se a preservação física semicondutores de silício, têm registro em sua
das fitas oferecia dificuldades, tendo em conta própria memória. Esta, sim, é capaz de reunir
a facilidade de deterioração do material, o ge- fragmentos, estabelecer conexões, atualizar
renciamento dos arquivos digitais apresentou sentidos, investir na construção de pontes en-
novos e crescentes desafios. Após cada sessão tre o que já passou e o que virá, entre os desen-
ou conjunto de filmagens, Seu Osorinho vai à hos na pedra e imagens com luzes dançantes.
única lan house da cidade, cujo funcionário
transfere os arquivos do cartão da pequena Não se trata exatamente de um jogador contra
filmadora para o computador, e em seguida o aparelho, conforme propõe Flusser (2008).
faz cópias em mídias do tipo DVD. Mas de um narrador que, sem se sujeitar aos
rituais do aparelho, reconhece, nele, um papel
A lan house está localizada nas cercanias de instrumental para seu projeto, o de recontar
alguns templos religiosos. De alguma forma, histórias de seu tempo e lugar, reconfiguran-
funciona também como um deles. A ela con- do memórias de si e dos demais.
corre a maior parte da população, buscando
pelo rapaz que disponibiliza sua familiaridade A noção de memória é cara a este conjunto de
com equipamentos e suas programações para reflexões, em suas diversas naturezas. As fi-
resolver problemas de toda sorte: pagamentos guras cravadas nas pedras latejam memórias
de faturas, busca por informações, envio de com cerca de 11000 anos (ORTEGA, 2009); o
mensagens, verificação de pendências diver- silício de que são feitos os circuitos integrados
sas. Cada qual posta-se à sua frente, e aguarda, dos cartões de memória com vídeos abrigam
pacientemente, enquanto ele aciona teclas, al- arquivos que migram entre mídias, sempre
terna imagens, digita senhas, imprime boletos. sob o risco de se perderem; Seu Osorinho es-
Aconselha também: um produto está muito tende o âmbito das experiências vividas e
caro, alguém está pagando juros altos em razão relatadas, configurando complexos mapas de
da prestação, outro não deveria ter contraído memória marcados por sua subjetividade e as
dívida para pagar em sistema de consignação. relações comunitárias. As imagens audiovi-
Atua quase como um oráculo. Seu Osorinho suais tomam parte desse processo, em fluxos
também aguarda, pacientemente, enquanto o contínuos, girando informações, portando no-
rapaz trabalha com seus arquivos, alternando o tícias, conformando narrativas.
atendimento a outras pessoas da comunidade.
E é o próprio Seu Osorinho quem identifica os Serranópolis não tem sala de cinema. Mas um
DVDs depois de gravados, anotando eventos ou antigo galpão destinado à guarda de grãos foi
- 86 -

transformado no Armazém de Cultura, a partir e preservá-los, ele investe esperança nessas


de um projeto da Secretaria de Cultura e Turis- imagens. Por meio delas, ele pretende que, no
mo do Município. O Armazém está organizado futuro, aqueles que venham a habitar aqueles
em três espaços. No primeiro, funciona um espaços possam ter notícias de como tenha
museu; no segundo, uma sala de exposição e sido viver ali. E inventem, eles também, outros
venda de artesanatos produzidos pela comu- modos de contar suas próprias histórias, esta-
nidade; no terceiro, um auditório onde se rea- belecendo elos entre o que foi e o que será.
lizam eventos culturais, festas, e também se
fazem projeções de filmes. Ali, em várias oca- É bem possível que as imagens produzidas
siões, os filmes de Seu Osorinho são mostrados por Seu Osorinho não alcancem habitantes de
à comunidade, que comparece para relembrar tempos tão distantes, no futuro, quanto os que
os eventos, as celebrações, recontar histórias os desenhos rupestres alcançaram. E caso al-
das pessoas. É recorrente a constatação de que cancem, também é possível que seus sentidos
muitos dos que aparecem nas gravações mais sejam tão misteriosos quanto esses mosaicos
antigas já não estão vivos. Rever os vídeos tam- encravados nas grutas nos arredores de Se-
bém funciona como motivação para lembrar. rranópolis parecem aos seus visitantes.

A proposta do Armazém de Cultura faz frente Do mesmo modo que esses desenhos, a po-
à natureza mais acelerada e competitiva das tência do trabalho de Seu Osorinho não está
atividades de agricultura intensiva, e seus ar- na qualidade técnica da produção, mas na
mazéns de guarda e beneficiamento de grãos, intensidade da experiência que transpira nas
que ocupam a geografia da região. A geogra- imagens e sons em narrativas. Esta aponta
fia do progresso. Ali, no Armazém da Cultura, para o seu lugar no mundo e suas perguntas.
se podem deflagrar processos mais atentos Suas narrativas buscam, na experiência e na
aos tempos da comunidade, e se podem res- memória, pistas para suspeitar devires, e pin-
taurar pontes, relações, fios da história. Os ví- tá-los com luzes dançantes sobre telas, com-
deos de Seu Osorinho são sempre bem-vindos partilhando com os seus, em comunidade.
nesse espaço, tanto quando ele os produz, no
registro dos eventos ou dos relatos das pes- Referências
soas, quanto para serem projetados.
· BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e
Numa programação de que tomam parte a Se- política. Obras escolhidas. Vol. 1. São Paulo:
cretaria de Cultura e Turismo, o Armazém de Brasiliense, 1987.
Cultura, e a ACOTES (Associação de Condutores
de Turismo de Expedição de Serranópolis), pe- · FLUSSER, Vilém. O universo das imagens téc-
riodicamente se realiza a Expedição Turística nicas: elogio da superficialidade. São Paulo:
Osorinho, quando grupos de pessoas de Serra- Annablume, 2008.
nópolis e também de fora visitam os arredo-
res da cidade, seguindo trilhas diversas, que · ORTEGA, Daniela Dias. A “pré-história” em
incluem fazendas antigas, cachoeiras, grutas, Serranópolis: como viviam os grupos humanos
sítios arqueológicos. Seu Osorinho é persona- no cerrado. Anais do II Congresso Internacio-
gem central na programação e realização das nal de História da UFG. Jataí: UFG. 2009.
atividades, gravando todas as etapas da expe-
dição, contando histórias dos lugares. Even- · OSORINHO, O Poeta da Imagem. Direção: Cás-
tualmente, ele troca a pequena câmera por sua sia Queiroz. Documentário. Vídeo. Arquivo di-
antiga sanfona, acompanhado, muitas vezes, gital. Colorido. Duração: 16 min. Brasil. 2010.
por outros músicos da região. Nesses momen-
tos, sempre há algum candidato a manusear a Alice Fátima Martins
câmera e fazer registros de sua performance.
Professora e pesquisadora no Programa de
Reclamando quase nada para produzir tais Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual, e
narrativas, Seu Osorinho busca, na própria no curso de Licenciatura em Artes Visuais, da
experiência, elementos com que conta suas Faculdade de Artes Visuais (FAV/UFG). Edi-
histórias, inserido nas dinâmicas culturais tora da Revista Visualidades, Desenvolve o
de sua comunidade, integrando as imagens projeto de pesquisa “Outros fazedores de cine-
em som-movimento aos seus recursos. Em- ma”, com financiamento da FAPEG e do CNPq,
bora não domine plenamente os processos como Bolsista de Produtividade PQ1.
técnicos e tecnológicos para gerar arquivos
- 87 -

NARRATIVA FÍLMICA INFANTE E EXPERIÊNCIA EDUCATIVA:


¿QUE CAMPOS DE SENTIDOS SÃO PRODUZIDOS NESTE DIÁLOGO?

Vivien Kelling Cardonetti - UFSM


Marilda Oliveira de Oliveira - UFSM

Resumo: de afetar e nos produzir em meio à vida. As na-


rrativas fílmicas, especialmente àquelas que
Este artigo é parte de uma pesquisa de dou- têm protagonistas infantis, passaram a ser
torado em Educação e Artes na Universidade disparadoras de questões de pesquisa, tendo
Federal de Santa Maria (UFSM) e propõe pro- a potência de nos arremessar a uma paisagem
duzir diferentes fluxos de pensamentos a par- problematizadora. Não a narrativa em si, mas
tir de três encontros fílmicos em que a criança a relação que se estabeleceu com a narrativa e
se faz presente. As problematizações susci- com as implicações do cenário circunstancial
tadas a partir do cruzamento das narrativas de cada encontro.
infantes nos filmes ‘Los colores de las flores’
(2011), A Invenção de Hugo Cabret’ (2011) e A partir da experiência em assistir ao cur-
‘O Balão Branco’ (1995), potencializaram o es- ta-metragem ‘Los colores de las flores’ (com
boço de outras possibilidades de atuar, simu- os acadêmicos do Curso de Graduação à Dis-
lando diferentes modos de ser e desenhando tância de Educação Especial – EAD – da Uni-
singulares formas de pensar a experiência versidade Federal de Santa Maria - UFSM), ao
educativa. Alguns questionamentos estive- longa-metragem ‘A Invenção de Hugo Cabret’
ram presentes neste percurso: o que as narra- (junto aos acadêmicos e supervisoras do Pro-
tivas infantes impeliam a pensar? Que aproxi- grama Institucional de Bolsa de Iniciação à
mações e estranhamentos provocaram? Que Docência – PIBID – das Artes Visuais da UFSM)
conexões foram possíveis de serem realizadas e ao filme ‘O Balão Branco’ (com os acadêmi-
entre a infância e a experiência educativa? cos da Graduação em Artes Visuais da UFSM,
Dessa forma, buscando atender aos anseios nas disciplinas de Estágio Supervisionado III
desta investigação, optou-se pela perspecti- e IV), foi possível tecer problematizações em
va narrativa, com o intuito de produzir o en- relação às narrativas produzidas pelos per-
trelaçamento das falas dos personagens e de sonagens infantis nos filmes e a experiência
contribuir para que inusitadas tessituras fos- educativa, possibilitando a produção de dife-
sem invencionadas. Alguns autores como De- rentes disposições e tessituras.
leuze (1976, 1990, 2006, 2010), Kohan (2004,
2007, 2009), Larrosa (2002, 2006) e Lins Alguns questionamentos nos acompanharam
(2009) foram convidados a dialogar com o tex- neste percurso: o que as narrativas fílmicas dos
to, com a intenção de problematizar e de fazer personagens infantis nos impeliam a pensar?
movimentar as narrativas fílmicas infantis, Que aproximações e estranhamentos essas
potencializando-as de tal maneira que outras narrativas provocaram? Que diálogos foram
construções de sentidos passaram a ser pro- possíveis de serem realizados entre as narrati-
duzidas em relação à experiência educativa. vas dos infantes e a experiência educativa?

Palavras-chave: encontro fílmico, narrativa Autores como Deleuze (1976, 1990, 2006,
infante, experiência educativa. 2010), Kohan (2004, 2007, 2009), Larrosa
(2002, 2006) e Lins (2009) foram convidados a
O foco, nesta escrita, deteve-se em explorar dialogar com o texto, com a intenção de proble-
como o encontro com as narrativas fílmicas matizar e de fazer movimentar as narrativas
pode potencializar o pensar da experiência infantis, potencializando-as de tal maneira que
educativa e o quanto isso tem a possibilidade outros sentidos passaram a ser produzidos.
- 88 -

Um breve sobrevoo samentos incitados a partir dos encontros vi-


venciados, possibilitaram pensar outros des-
Quando estudamos as narrativas de outros, dobramentos, distanciando-se daquilo que era
passamos a transitar em mundos que descon- cognoscível, estável e imutável.
hecemos, pois se entrelaçam pensamentos e
impressões diferenciadas. Essa multiplicida- Ao sermos atravessadas pelas narrativas
de contribui para que novas composições se- fílmicas dos infantes
jam acionadas, possibilitando outros arranjos.
Neste texto, a intenção de aproximar a criança
A importância das narrativas está naquilo que não está em infantilizar-se ou rememorar fa-
elas nos provocam e evocam a pensar e nas tos da infância, mas em compor um espaço de
conexões que elas nos desafiam a realizar. incidência inventiva com a potência infante,
Por isso poderíamos dizer que, ao optarmos explorando mais atentamente o que a aliança
por uma investigação de caráter narrativo em entre infância e experiência educativa podem
uma pesquisa, também estamos levando em nos instigar a pensar.
consideração elementos como cruzamento e
compartilhamento, pois tanto os colaborado- As implicações fecundas produzidas com as
res como o investigador estão envolvidos nes- narrativas infantis nos filmes ‘Los colores de
te processo. las flores’ (2011), ‘A invenção de Hugo Cabret’
(2011) e ‘O Balão Branco’ (1995), oferecem
Na perspectiva narrativa não somente se re- a cada visitação uma pluralidade de senti-
cria a experiência, mas também se incorpora dos. São narrativas potentes que inquietam
o olhar do outro. Neste cruzamento de olha- as convicções e interpretações corriqueiras,
res, granjeado através de ressonâncias pro- impelindo a questionar: tudo que está con-
pagadas e de problematizações suscitadas a dicionado em relação à visão da infância – a
construção coletiva vai acontecendo durante temporalidade cronológica e hierárquica, o
o processo de investigação. As narrativas pas- ingresso gradual ao saber, a inexperiência, o
sam a ser polifônicas, pois nelas operam di- amadurecimento progressivo - pode ser colo-
ferentes vozes, fazendo-nos compreender as cado em ‘xeque’? Mesmo que tenhamos sido
diversas formas de narrar-se, questionar-se e esculpidos nesta lógica, é possível pensar uma
enredar-se. criança a partir de outra perspectiva? Caso
isso seja factível, o que uma criança potência
Foi pensando nessas questões que resolve- pode nos impulsionar a pensar? Que relações
mos nos aproximar da perspectiva narrativa, podem ser produzidas ao nos movimentar-
com o intuito de atender aos anseios desta mos em um devir-criança? Que construções
pesquisa. Pois acreditávamos que ela possibi- de sentido podem ser invencionadas no jogo
litaria que se organizasse a experiência como de compartilhamentos entre infância e expe-
foco de investigação, promovendo o encontro riência educativa?
com uma multiplicidade de vozes. Durante a
investigação, passamos a estar vigilantes às Estes são alguns tópicos que iremos proble-
ressonâncias que as narrativas fílmicas dos matizar neste artigo. A intenção é abrir a dis-
infantes produziram nos acadêmicos e tam- cussão para elementos que envolvem essas
bém em nós. Procuramos pensar e problema- questões excitantes: experiência educativa e
tizar sobre o que aprendemos nesse processo, potência infante.
sobre como fomos movimentando-nos nesse
tangenciar de narrativas próprias e alheias. O alcance intempestivo que povoa
a infância
A ideia de narrativas que ressoam e fazem res-
soar pareceu ser relevante para esta pesquisa, As peculiaridades assinaladas pelos dois tipos
pois as narrativas dos infantes nos três filmes de temporalidade - a da história e a do devir
selecionados repercutiram, propiciando que - contribuem para que se pense a infância. A
pontes entre as experiências pudessem ser história é uma sequência de fatos dispostos de
compostas e que outras narrativas fossem in- forma linear e cronológica. Os acontecimentos
vencionadas. inconvenientes passam a não ter lugar e a ser
repelidos, pois poderiam comprometer a linha
As relações com as narrativas de Diego, Hugo, organizada do tempo. A infância, neste viés,
Isabelle e Razieh, nos três filmes trabalhados, é vista como uma etapa da vida demarcada
tiveram a potência de afetar, pois os atraves- e assinalada pelas fases do desenvolvimento
- 89 -

humano, fazendo parte de um tempo conti- afetação com uma criança, que está muito além
nuado e progressivo. Esta infância arrasta de qualquer sujeito criança, “que não é uma re-
para a homogeneização e é colocada sempre cordação, mas um bloco, um fragmento anôni-
em posição de ser interpretada. mo infinito, um devir sempre contemporâneo”
(DELEUZE, 2006, p. 129).
“O devir não é história” (DELEUZE, 2010, p.
215), pois abre a possibilidade para o descon- Um devir-criança, nessa forma, diz respeito
tínuo e o intempestivo, instigando o apareci- à aliança, à proximidade e atração de forças
mento da criação de algo novo e inesperado. moleculares que se reportam ao infantil, dife-
Devir não é requerer uma condição já cripto- rentemente da filiação que nos induz a uma
grafada, tampouco é conseguir chegar a uma criança em particular, a uma representação
posição predestinada, devir é um processo molar. Isso nos faz pensar que um devir-criança
contínuo e inventivo. é impessoal, pois não se fixa a nenhuma pessoa
em particular. Está para um tempo crônico, não
Uma infância, nesta perspectiva, é pensada progressivo e devém, ele próprio, criança.
mais como um estado ou uma dimensão, es-
tando vinculada a uma temporalidade que leva A partir dos estudos de Deleuze e Guattari,
em consideração as fissuras e os rompimentos Walter Kohan (2004, p. 64) coloca que “de-
da história. Nela, são cruzados as experiên- vir-criança é o encontro entre um adulto e
cias e os acontecimentos e, por isso, deixa-se uma criança – o artigo indefinido não marca
irromper pela multiplicidade e pela diferença. ausência de determinação, mas a singulari-
Distante de um tempo cronológico, em que dade de um encontro não particular nem uni-
passado, presente e futuro estão linearmente versal – como expressão minoritária do ser
e progressivamente organizados, ganha lu- humano, paralela a outros devires”. O que está
gar outra temporalidade: a do acontecimento. em jogo é a intensidade de uma criança-mun-
O acontecimento é um entre-tempo que leva do que de forma alguma se confunde com
em consideração os intervalos e as rupturas. A uma generalidade e totalidade, mas uma sin-
partir do disparo de sensações e afetações há o gularidade no mais elevado grau, uma potên-
estiramento, impulsionando para além do tem- cia intensiva, uma força viva.
po-espaço em que foi produzido.
As narrativas infantes dos três encontros fíl-
Uma experiência infante, neste sentido, deixa micos nos desafiam a pensar nas crianças de
de se movimentar de forma fixa, controlada, maneira não linear, pois elas convidam a mo-
sequencial e expectável, e passa a se ins- vimentos imprevisíveis, paradas repentinas,
crever em uma temporalidade que propele silêncios constrangedores e criações ainda
abertura, interrupção e invenção contínua. O não imaginadas. Descortina-se nestas ima-
acontecimento intercepta e revoluciona a his- gens uma infinidade de alternativas possí-
tória, trazendo à tona a invenção de uma nova veis, que expandem as perspectivas de um
história, mesmo que provisória. O que está panorama existencial.
em jogo é a potência intensiva que se formou,
a resistência que se produziu e a invenção Dessa forma, iremos a partir de agora explo-
que se conquistou de algo inédito. Passa-se a rar alguns pontos de força que teceram esses
compreender porque o devir é sempre minori- encontros e que dispararam o pensar da expe-
tário, pois “uma minoria não tem modelo, é um riência educativa, denominados da seguinte
devir, um processo” (DELEUZE, 2010, p. 219). forma: ‘Contemplação de distintas moradas’,
A partir desta colocação podemos pensar que ‘Pensamento inaugurador’, ‘Relação inusitada
o devir-minoritário é uma potência de resis- com os ‘cacos de sentido’’, ‘Condição de incom-
tência que não se espelha em exemplares, pa- pletude e de lacunosidade’ e ‘Olhar indiscipli-
drões e imitações. É na variação contínua que nado’. Procuramos explorar cada um desses
passa a ser estabelecido, estando sempre em pontos ou campos de força separadamente,
processo, em vias de se produzir. buscando dialogar com as narrativas dos per-
sonagens infantes dos três filmes seleciona-
É nesse sentido que, ao trazer o universo infantil dos, com os conceitos dos teóricos convidados
para a discussão, a intenção não está em ser ou e também com a produção do nosso próprio
fazer como uma criança, mas pensar uma infân- pensamento.
cia minoritária como potência que interrompe a
história e como força vital que resiste e reinven-
ta. O que está em jogo é uma relação intensiva de
- 90 -

Contemplação de distintas moradas que Razieh, seu irmão e o vendedor de balões


passem a olvidar, mesmo que momentanea-
Cada vez que passávamos por aqui dizia aos mente, a problemática que os vinculou. As
meus pais que queria ver durante um bocadin- crianças, do filme ‘O Balão Branco’ (1995), ofe-
ho, mas não me deixavam. Uma vez, antes de recem-nos alguns indícios de como é possível
começarem as aulas, vi um homem a olhar e esquecer as tensões do dia a dia e ter alegria
carregava a sua filha nos seus ombros, de tal em meio às dificuldades e desafios. Elas nos
forma que pedi ao meu pai que fizesse o mesmo, incitam a pensar numa experiência educativa
mas ele disse que este não era um lugar para prazerosa, na possibilidade de fazer os nossos
meninas. Deu meia volta e me disse que o se- momentos menos pesados, menos sofridos,
guisse. Hoje, ao passar, vi que a minha mãe ia à mais leves, mais alegres.
frente e parei para ver (Narrativa de Razieh no
filme ‘O Balão Branco’). As crianças também nos instigam a pensar
na potência de viver o hoje, sem a inquietação
O desassossego e a inquietude evidenciados com o amanhã. A não preocupação com as
por Razieh, durante o percurso, colocam em consequências permite que as crianças vivam
questão os lugares que prescrevemos para a intensamente o momento, sem contenções
infância, fazendo-nos pensar na presunção e apreensões futuras. Talvez isso se deva ao
que temos em estabelecer que a criança ocu- não conhecimento das possíveis implicações e
pe somente os espaços molares, constrangen- resultados de uma situação, fazendo com que
do-as a ter sua morada em temporalidades elas se entreguem mais ao que cada circuns-
progressivas e a movimentar-se de forma que tância pode oferecer. Deixam-se arrebatar
contemple os pontos já fixados anteriormente pelos signos improváveis que, possivelmente,
pelo adulto. A personagem Razieh traz para a para nós adultos não seriam nem considera-
discussão a possibilidade de haver uma infân- dos, devido às experiências anteriores e às
cia que “habita outra temporalidade, outras aflições antecipadas que impomos aos signos.
linhas: a infância minoritária. Essa é a infância Nenhuma experiência é a mesma para todos:
como experiência, como acontecimento, como o que foi negativo ou positivo para alguém não
ruptura da história, como revolução, como re- necessariamente será para o outro. Nossas es-
sistência e como criação” (KOHAN, 2007, p. 94). colhas e percursos não precisam ser os mes-
mos, tampouco ser trilhados da mesma forma.
O desejo de ter o peixe do aquário, a relação Existe uma infinidade de vias não visualiza-
com os encantadores de serpentes, a procura do das e que ainda não foram inventadas.
dinheiro, a experiência com a vara do vendedor
de balões e com a goma de mascar, a presença A partir do contexto social em que vive, Ra-
dos doces nos bolsos do vestido e o contato com zieh nos faz também perceber o quanto ainda
o balão branco apresentam-nos uma forma está enredada por forças que ditam modelos
autêntica das crianças se conectarem com as de infância aos quais deve se adequar e deve
coisas, com as pessoas e com as situações. Elas seguir. Seu esforço em escapar de padrões
estão sempre a nos abismar. Por mais que alme- pré-definidos é demonstrado nos pequenos
jemos ter a pretensão de colocá-las em determi- gestos e olhares, nas tímidas fugas, na con-
nadas posições e lugares, elas estão sempre a versa acanhada com um estranho e na insis-
esquivar-se. Por mais que venhamos a ditar sig- tência em encontrar algumas respostas aos
nificados e utilidades às coisas, outras funções questionamentos não respondidos.
são oferecidas pelas crianças.
Parece paradoxal, mas povoamos muitas
Os infantes apresentam um olhar do cotidiano infâncias que, por vezes, atravessam-se, en-
que pode ser desdobrado e estendido em múl- leiam-se e se misturam umas nas outras. A
tiplos sentidos. Isso é possível quando o olhar disputa de forças é intensa, em algumas oca-
não é linear, quando leva em consideração a siões teremos a impressão de não conseguir
ótica das possíveis escolhas, estando à mercê escapar desse cenário que nos direciona e
da vida em sua pluralidade e em sua força constrange. Em outras, iremos nos surpreen-
de variação. É a polifonia de seu mundo que der ao perceber o quanto “os devires são reais
os instiga a inventar outras possibilidades no na medida em que estão em nós. Eles consti-
mundo em que vivem. tuem uma certa maneira de nos escrevermos
a nós mesmos” (SCHÉRER, 2011, p. 74), de in-
Os singelos sorrisos e o prazer intenso ao mas- ventarmos outros de nós mesmos.
car a goma em meio às aflições fazem com
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Pensamento inaugurador de pensar como se fosse a primeira vez. Não


com a intenção de partir do ‘zero’, pois não há
As narrativas das crianças, nos filmes selecio- como desconsiderar o que já foi pensado, mas
nados, instigam a pensar em uma infância a de pensar como um movimento inaugurador.
partir do que ela possui e não do que lhe ca- Talvez seja a situação de ‘desaprender’ o que
rece ou do que lhe falta. Em uma infância que já se sabe, de desapegar de verdades fixas
faculta a chance do nascimento, do encontro e limitadoras e se abrir ao que não se sabe,
com novos começos, da criação de trajetos dis- a algo que não está previsto. Essa abertura
tintos do habitualmente já percorrido e, tam- oportuniza a possibilidade das certezas se mo-
bém, da oportunidade de pensar diferente- dificarem e nascerem diferentes do que eram,
mente daquilo que já foi pensado ou pensar o viabilizando que inusitados saberes possam
que ainda não foi pensado. É uma visão assen- vir ao mundo e que as experiências se dife-
tada na afirmação, na potência e na invenção, renciem a cada vez.
abrindo-se a possibilidade de um singular
ponto de partida. Relação inusitada com os ‘cacos
de sentido’
Diego, no filme ‘Los colores de las flores’
(2011), faz despontar no horizonte a possibi- Quando coagido a retirar de seu bolso inúmeros
lidade de uma genuína afirmação de um in- objetos, Hugo, no filme ‘A invenção de Hugo Ca-
sólito início, quando inventa um conceito que bret’ (2011), passa a expor uma coleção singu-
parecia ser impensado. lar de peças que encontrou ou furtou em suas
andanças na estação de trem. A ação de Hugo
Las flores son de color pajarito. Y hay muchos em dar atenção e ser capturado por coisas di-
colores de flores... Por eso hay tantos pajaritos, minutas e por aquilo que parece não ter mais
porque hay un pajarito para que cada flor tenga serventia faz macular o que foi sacralizado pelo
su color. También hay flores color abeja y color tempo, interrompendo com os sentidos instituí-
vaquita del campo (Narrativa de Diego no cur- dos e inventando uma relação inusitada com ‘as
ta-metragem ‘Los colores de las flores’). sobras’, talvez incoerente e sem unicidade aos
olhos dos outros.
Kohan (2009, p. 12) assinala que “somos nas-
cidos a cada vez que percebemos que o mundo Impelido pelas contingências do momento,
pode nascer novamente e ser outro, completa- Hugo compõe os elementos conforme a im-
mente distinto daquele que está sendo”. Este portância que dá às coisas e à sua manipu-
nascimento se faz presente em nossas vidas lação particular. À vista disso, os destroços
quando nos aventuramos a pensar pela pri- do cotidiano são recompostos de outra forma
meira vez, quando decidimos deixar as pres- e passam a produzir outros sentidos. Novas
suposições, as certezas e os caminhos conhe- forças são recrutadas para esses ‘restos’,
cidos para nos abrirmos a um novo pensar, a potencializando-os de tal forma que outras
um inusitado começo. Nesta perspectiva “a funções são designadas para os mesmos.
origem tem a ver, sim, é com o novo enquan- Hugo rompe com as forças preestabelecidas
to intemporal, enquanto êxtase do tempo, impostas às coisas, às pessoas e às situações,
enquanto instante ou eternidade, ou caso se violando a ordem dos itens encontrados e
queira, enquanto instante eterno ou eternida- passando a reconfigurá-los de forma inusi-
de instantânea” (LARROSA, 2002, p. 122). tada. “Pelo olhar que escapa, pelo movimen-
to rítmico que pula e para, pelas sensações,
O menino Diogo nos incita e nos coloca na con- pelas vertigens, pelo tempo, pelas formações
dição de deixar para trás o que já se pensou e pelas deformações dos olhares, das ideias,
para pensar de forma inaugural. É essa sen- dos movimentos, dos desejos” (LEITE, 2013b,
sação de insatisfação que permite abandonar p. 60), uma criança reinventa materiais, es-
o que não mais agrada, que autoriza a não re- paços e possibilidades de vida.
cair na mesmice e que possibilita a abertura
para as coisas inusitadas. Exigir que os objetos de Hugo fossem aban-
donados ou organizados nos seus respecti-
Diego, no curta espanhol, poderia ter optado vos grupos de origem significaria extermi-
pelo caminho mais garantido de êxito, copian- nar a sua obra repleta de ‘cacos de sentido’.
do do Google (assim como o colega fez) o con- A obra da vida não é produzida com um ro-
ceito que a professora havia solicitado. Mas teiro pré-definido, em que é imposto o que
não, preferiu se colocar em risco, na condição devemos ou não visualizar, capturar ou des-
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prezar. A obra é realizada no percurso, com sentido previsto”. Quando nos fechamos para o
surpresas e apreensões inesperadas. Quem mundo, presos a verdades, convicções e mode-
sabe venhamos a nos surpreender com aqui- los, nossos anéis passam a ficar impossibilita-
lo que nos parecia não servir mais? Aquelas dos de fazer elos, composições e diálogos. São
asas quebradas do cavalo alado do sobrinho... os “anéis quebrados” (DELEUZE, 2010, p. 37),
Recolhidas ao chão... Quem sabe não são elas entreabertos e que não fecham em si mesmos,
que nos fazem voar? que instigam a aliança, a conexão e a visita de
algo que não aguardávamos. “A infância revela
Condição de incompletude e de para nós o que somos e o que a todo custo tenta-
lacunosidade mos esconder: seres incompletos e inacabados”
(LEITE, 2013a, p. 218), sempre em devir.
Os infantes Diego, Hugo e Razieh experien-
ciam situações imprevisíveis, bifurcantes e É neste campo intensivo do devir-criança que
desviantes nas imagens fílmicas pesquisadas. talvez se possa pensar a experiência educa-
Em virtude da atenção às possibilidades do tiva como algo que irrompe, que escapa em
trajeto, passam a ter encontros e, por vezes, muitas situações e que se encontra em proces-
são afetados por eles. Isso acontece pela con- so constante de reinvenção. A partir disso, po-
dição de incompletude em que eles se colo- deríamos nos perguntar: o que se pode apren-
cam, de lacunosidade. der com a incompletude que as crianças dos
filmes disparam? Como fazer da experiência
Ao pensar na infância, o estado de incomple- educativa um cenário de reticências e não de
tude ou de inacabamento pode oferecer uma pontos finais?
discussão que se encaminha para distintos
pontos de vista. O primeiro está relacionado à Olhar indisciplinado
noção de alguém que ainda não está pronto o
suficiente para a vida, que se encontra em es- O encontro de um adulto e uma potência infan-
tado de imperfeição. Esta visão de desigual- te nos instiga a pensar em inúmeros espaços
dade carrega modos de ser e estar no mundo, de incidência inventiva. Neste último campo
e faz com que o infante seja visualizado como de força proposto, chamamos a atenção ao
alguém que necessita de cuidados, milime- olhar ainda não disciplinado de uma criança,
tricamente controlados para que ele possa que nos oferece uma percepção não compro-
atingir a sua completude e perfeição. Nesse metida com hábitos e vícios. Um infante nos
panorama, a infância não é vista como possi- brinda com uma visão inédita, como se fosse
bilidade de abertura e de imprevisibilidade, pela primeira vez, convidando-nos a olhar
pois está vinculada a padrões a serem con- sem opiniões pré-concebidas, sem conclusões
quistados e contemplados. definitivas e sem julgamentos. É o olhar insu-
bordinado e desavisado da criança que nos faz
O segundo ponto de vista impulsiona a pensar surpreender com as inúmeras possibilidades
uma criança como afirmação e não como ne- que ela traz para a discussão.
gação, como potência e não como incapacida-
de, como abertura e não como fechamento. É Para que possamos nos deixar impregnar por
essa perspectiva de inacabamento que talvez aquilo que uma criança pode disparar, Larro-
tenha incitado Diego a utilizar elementos não sa sugere que olhemos “para a infância com
corriqueiros para compor e produzir outro olhos limpos e assombrados, e não só como
conceito para as cores das flores; quem sabe, uma projeção de nossos estereótipos políticos,
é o que tenha provocado Razieh a esquecer, psicológicos, morais ou emocionais” (2006, p.
momentaneamente, seu objetivo principal e se 72). Desinvestir de qualquer clichê estereoti-
deixar contagiar pela beleza dos encantadores pado demanda abandonar a visão tradicional
de serpentes; e, quiçá, tenha contribuído para de uma infância expectável, que remete à ino-
que Hugo se aproximasse de Isabelle, para que cência, à ingenuidade e à proteção.
juntos pudessem viver uma grande aventura.
É instigante pensar o ineditismo da experiên-
As crianças dos filmes sugerem possibilidades cia infante, pois seu olhar se encontra esco-
de abertura para o mundo, em que a finitude e rregadio e fugidio para distintas relações e
a plenitude não têm guarida. Leite (2013a, p. alternativas, visualizando, a todo instante, a
218) pondera que “a infância pela criança nos polifonia presente no cotidiano. Na maioria
apresenta um mundo de reticências, um mun- das vezes, as crianças pensam pelo avesso,
do pontilhado de possibilidades pelo ritmo cor- de forma contrária ao que nós, adultos, co-
tado, sem sentido fixo, sem sentido dado, sem
- 93 -

mumente pensaríamos, pois, suas alianças al- Afinal: algumas possibilidades...


cançam planos que para nós são inacessíveis,
por conta da linearidade em que nos posicio- Sejam prudentes! Não exibam demasia-
namos algumas vezes. damente essa alegria em estado puro, pois
há muita gente para quem a infantilidade
Ao relacionar com a experiência educativa, – que diz um Sim incondicional à Vida – é
verificamos o quanto ainda estamos distantes insuportável! (CORAZZA, 2013, p. 20).
desse olhar indisciplinado e inaugurador com
que uma criança nos brinda, pois, quando essa As situações que experienciamos junto aos
potência timidamente desponta, logo fazemos filmes, aos cenários que visitamos e aos per-
de tudo para podá-la. A fim de nos manter em sonagens infantes com quem contracena-
uma zona de conforto e de facilitar os percur- mos passaram a compor-nos, transpondo as
sos dos nossos estudantes, passamos a limitar fronteiras temporais e espaciais vivenciadas.
trajetos, induzir escolhas e antecipar pontos A potência deflagradora dessas narrativas
previamente estipulados. Estamos acostuma- passou a nos capturar e habitar em nós, ins-
dos a ver somente aquilo que já visualizamos tigando-nos a pensar na nossa experiência
anteriormente, naquilo em que projetamos o educativa e a rever as nossas convicções pre-
nosso conhecimento presunçoso e o nosso po- definidas e conformadoras, passando a pro-
der. Portar um olhar infantil livre, desapegado blematizá-las.
e sem o compromisso de sempre reconhecer e
interpretar talvez seja o nosso desafio maior. É neste panorama acontecimental, em que as
rupturas e os intervalos são levados em con-
Os personagens infantes nos três filmes colo- sideração, em que a força intensiva do tempo
cam a própria criança em um devir-infante, prepondera, em que o pensamento é fulmi-
instigando-nos a pensar uma criança escorre- nantemente violentado, em que a invenção de
gadia, que escapa, que se esquiva e que sempre outras possibilidades desponta, é que temos
nos surpreende. Provoca-nos a pensar, também, invencionado outras narrativas e nos permiti-
em uma criança que se distrai e se deixa afetar do devir outras. O cinema, ao nos instigar e nos
facilmente por aquilo que a captura e faz sen- colocar em posição de fabular junto com os per-
tido, não se fixando em algo por muito tempo e sonagens, permite que venhamos a expandir
tampouco criando raízes profundas. os horizontes da nossa paisagem existencial,
passando a acreditar que mundos inimaginá-
Deleuze afirma que “a criança joga, retira-se veis são possíveis.
do jogo e a ele volta” (1976, p. 20), ela se en-
contra em variação contínua, afetando e sen- É neste sentido que, ao sermos atravessadas
do afetada no jogo da vida. Quando volta, não é pelas narrativas das crianças nos filmes ‘Los
mais a mesma, pois, ao repetir, diferencia-se. colores de las flores’ (2011), A Invenção de
A repetição se manifesta como uma potência Hugo Cabret’ (2011) e ‘O Balão Branco’ (1995),
afirmativa que reporta à diferença e ao devir, fomos capturadas e afetadas pelas imagens
uma vez que de uma repetição pode brotar infantis que se movimentaram e se impuse-
uma diferença. ram de forma inusitada, distintas das posições
costumeiramente prescritas. Os devires crian-
Lins destaca que “o devir, como a repetição, é ceiros disparados pelas narrativas infantes
diferença no mesmo (...). É um devir no ser, e nos três filmes, fazem-nos pensar nas expe-
não um devir do ser. É sempre no interior do riências limiares e fronteiriças que atuam no
mesmo que se operam as mudanças” (2009, ‘entre’, nas adjacências e nas fendas. Insti-
p. 4, grifo do autor). A criança, ao repetir, di- gam-nos também a pensar nesta incessante
fere dela mesma, sem por isso devir outra coi- involução inventiva que está a se movimentar
sa que ela mesma. É a diferença pura, é esse e se alterar ‘em meio’ de um trajeto, rompendo
movimento ininterrupto que nos faz estar em com os pontos pré-fixados, com as segmen-
permanente devir, cada um a seu modo, em tações e com as estratificações.
sua singularidade.
Essa experiência com os ‘pequeninos’ nos in-
O devir é uma experiência revolucionária, pois citou a fazer insólitos diálogos com a própria
manifesta-se na disposição em abdicar de uma vida e a produzir outros campos de sentido
circunstância fixada ou infligida, demandando com a experiência docente. Provocou-nos,
uma energia que impressiona, uma potência também, a pensar que a incidência inventiva
inventiva, uma paixão pelo inexplorado. da potência infante pode contribuir na compo-
- 94 -

sição de outras narrativas e na tessitura de um mentos.blogspot.com.br/2009/09/kohan-in-


novo cenário na experiência educativa. fancia-e filosofia.html> Acesso em: 02 maio
2014.
Neste jogo de compartilhamentos entre infân-
cia e experiência educativa é que os limites · LARROSA, Jorge. Nietzsche e a educação.
são borrados e as fronteiras são cruzadas e Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
contaminadas, fazendo-nos pensar uma in-
fância/experiência educativa assentada na · · As crianças e as fronteiras: várias notas
afirmação, na potência e na invenção. a propósito de três filmes de Angeloupoulos
e uma coda sobre três filmes iranianos. In:
Quiçá possamos tecer uma experiência edu- TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro; LARRO-
cativa em que não precisemos ter receio de SA, Jorge; LOPES, José de Sousa Miguel. (Org.).
exibir a nossa ‘alegria em estado puro’, em que A infância vai ao cinema. Belo Horizonte: Au-
nossas ações que dizem ‘um Sim incondicional têntica, 2006, p. 51-73.
à Vida’ não incomodem tanto os outros e em
que o estado infante afirmativo e inventivo da · LEITE, César Donizetti Pereira. Educação e
própria condição humana não venha a ser tão infância e cinema: ensaios e devires em mon-
insuportável assim. tagens com crianças e professores. Conexões:
Deleuze e política e resistência e... Organiza-
Referências dores Sílvio Gallo, Marcus Novaes, Laisa Blan-
cy de Oliveira Guarienti. 1. Ed. Petrópolis, RJ:
· BARROS, Manoel de. Exercícios de ser criança. De Petrus et Allii; Campinas, SP: ALB; Brasília,
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· Memórias inventadas: infância. São Pau- · · Infância, brinquedo e linguagens: entre


lo: Planeta, 2003. recortes e montagens. Revista Sul-Americana
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· CORAZZA, Sandra Mara. O que se transcria t/2013b, p. 45-63.
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· DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio pensamento. Rio de Janeiro: Forense Univer-
de Janeiro: Semeion, 1976. sitária, 2009. p. 1-18.

· · Cinema 2 - A imagem-tempo. São Paulo: · SCHÉRER, René. Devir-criança: devir maior


Brasiliense, 1990. ou devir-menor. Conversa com René Sché-
rer. A mesa-redonda que aqui se transcreve
· · Crítica e Clínica. 2ª reimpressão. São Pau- teve lugar na Universidade Nova de Lisboa,
lo: Editora 34, 2006. a 17 de Março de 2011. Disponível em: <ht-
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· · Conversações. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, C3%A7a%3A+devir-maior+ou+devirmenor+-
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· DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos.
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· · Infância, estrangeiridade e ignorância:


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te: Autêntica, 2007.

· · Infância e filosofia. Publicado em 2009.


Disponível em <http://clicpensandopensa-
- 95 -

Vivien Kelling Cardonetti - UFSM Marilda Oliveira de Oliveira - UFSM

Pós-Doutoranda (2015-2016) junto ao Progra- Professora Associada III do Departamento


ma de Pós-Graduação em Educação (PPGE), na de Metodologia do Ensino, Centro de Edu-
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). cação, Universidade Federal de Santa Ma-
Doutora em Educação (2014) pelo PPGE, ria (UFSM/RS). Professora do Programa de
na Linha de Pesquisa Educação e Artes, na Pós-Graduação em Educação, PPGE, Centro
UFSM. Professora Substituta do Departamen- de Educação, UFSM/RS. Doutora em História
to de Metodologia do Ensino (MEN) do Centro da Arte (1995) e Mestre em Antropologia So-
de Educação (CE), na UFSM. É membro pes- cial (1990), ambos pela Universidad de Bar-
quisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em celona, Espanha. Coordenadora do Grupo de
Arte, Educação e Cultura (GEPAEC) vinculado Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cul-
ao CNPq. Endereço Profissional: Av. Roraima, tura (GEPAEC), diretório do CNPq. Endereço
nº 1000 – Prédio 16 – Centro de Educação Profissional: Av. Roraima, nº 1000 – Prédio
- Campus UFSM. CEP 97105-900 - Camobi - 16 – Centro de Educação – Campus UFSM.
Santa Maria – RS. CEP 97105-900 – Camobi – Santa Maria – RS.
E-mail: vicardonetti@gmail.com E-mail: marildaoliveira27@gmail.com
- 97 -

DANDO PINTA: JUVENTUDE TRANSVIADA NAS


PERIFERIAS DO RIO DE JANEIRO

Rodrigo Torres do Nascimento - UERJ


Aldo Victorio Filho - UERJ

Introdução suas próprias. A cada novo vídeo postado ou


apresentação em programas de televisão,
O grupo de funk Bonde das Bonecas, oriun- mais curtidas, comentários e compartilha-
do de Cinco Bocas, uma favela da Zona Norte mentos apareciam em suas redes e cada vez
do Rio, possui além de um repertório musical, mais o grupo aumentava a sua fama, não só
um acervo imenso de imagens e videoclipes de pela juventude LGBT, mas meio a qualquer
suas performances publicados na internet, que pessoa que tem acesso aos atuais veículos de
com apenas dois meses de sua divulgação re- informação.
ceberam mais de três milhões de visualizações.
Essa produção de videoclipes e a sua “virali- Essas imagens e videoclipes de suas perfor-
zação1” na internet as tornaram um mito em mances publicados pelo Bonde das Bonecas
meio a significativa fração da juventude, que nas redes sociais se relacionam com cons-
hoje não deixa de assistir e reassistir seus ví- truções e desconstruções identitárias, já que
deos, imitam suas coreografias e veem no gru- quebram qualquer normatividade que se tem
po um exemplo de que, apesar do preconceito sobre gênero ou sexualidade. O jogo dos trân-
que a juventude negra, pobre e sobretudo LGBT sitos identitários, cujo elemento central aqui é
é alvo, é possível ter liberdade de expressar o corpo desses jovens, é compreendido como
aquilo que se tem desejo, afinidade e autoria. território de embate no qual as imagens im-
postas como ideias pela sociedade se chocam
Atualmente, as redes virtuais se tornaram um com as imagens de uma juventude insurgente
inquestionável e poderoso veículo de divul- e sua estética negada e rejeitada ate então.
gação de trabalhos artísticos, principalmente
no meio musical do funk. Funkeiros e funkei- Visualidades inoportunas, transgêneras, ra-
ras passaram a ganhar notoriedade através ciais, panraciais e transculturais, emergem
de seus vídeos publicados no You Tube e/ou ampliando a afirmação da diferença. Visua-
Facebook. Com o Bonde das Bonecas, não foi lidades cruciais à compreensão das questões
diferente, o que geralmente é visto como uma atuais de identidade e ao fortalecimento da
brincadeira entre os jovens, se tornou uma luta contra toda forma de discriminação. A
maneira de ser conhecido e respeitado não só criação dessas imagens, canções e perfor-
no meio virtual mas na comunidade onde vi- mances são sob vários aspectos operações
vem e em outros espaços nos quais não transi- poéticas que tendo os corpos e desejos como
tam pessoalmente porem suas performances substância, realizam acontecimentos genui-
alcançam. namente artísticos, a despeito da concepção,
certamente euro referenciada e tributária à
O grupo que é constituído apenas por meni- erudição e gosto burguês, legitimado como
nos, gays e efeminados, passou a encenar arte. Já sabemos há algumas décadas, ou sé-
passos de funk antes coreografados por me- culos, a força do incômodo, do estranho, do
ninas, regravar músicas e também escrever anormal, (FOUCAULT, 2010) etc. na reconfigu-

1 - Viralização é um termo que surgiu com o crescimento do número de usuários das redes sociais e blogs. A palavra é utilizada para
designar os conteúdos que acabam ganhando repercussão (muitas vezes inesperada) na web. O termo é relacionado a doença, já que
as pessoas chegam a compartilhar o conteúdo quase que inconscientemente, criando uma “epidemia” de internautas falando sobre o
mesmo assunto.
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Figura 1 / Meme2 retirado do Facebook do Bonde

ração do que se tinha como confortável, belo, estão indivíduos que sofrem descriminação
estável, adequado, etc. Contudo, a dissipação sexual, racial, social e de gênero, e agora, como
desse “incômodo” por meio da elucidação das nunca, lutam para assumir sua autopoiesis3,
imagens e consideração do imaginário nas suas escolhas e verdades na família, na es-
criações estéticas é o que as visualidades cola, na internet e em outros espaços sociais.
emergentes demandam e possibilitam. Em outros termos, lutam para assumir suas
existências sem restrições ou condições. Essa
Com sua grande e intensa produção artística, o redefinição do que se originou como agressão
Bonde das Bonecas contribuiu para fortalecer faz com que essa juventude transviada4 cada
uma significativa quantidade de jovens que vez mais se afirme.
se veem representados não só pelo grupo mas
por vários modos simultaneamente emergen- Cultura Funk
tes de viver com liberdade o que se é, o que se
acredita ser e ou o que se deseja ser. Jovens que Sendo o Bonde das Bonecas um grupo de funk,
ressignificam termos originalmente ofensivos essa pesquisa irá pautar, mesmo que brevemen-
e agressivos como “bicha”, “viado”, “trava”, “sa- te, esse estilo musical partindo da perspectiva
patão”. Dentre a geração que acolhe o Bonde e que busca encontrar as referências LGBT den-
o toma como símbolo de identificação afetiva tro desse universo. O funk no Rio de Janeiro é

2 - O termo Meme de Internet é usado para descrever um conceito de imagem, vídeo e/ou relacionados ao humor, que se espalha via
Internet. O termo é uma referência ao conceito de memes, que se refere a uma teoria ampla de informações culturais criada por Richard
Dawkins em 1976.
3 - Termo cunhado na década de 1970 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capa-
cidade dos seres vivos de produzirem a si próprios.
4- O termo faz referencia a essa nova maneira de pensar a palavra “viado” dentro da juventude LGBT, o que antes era uma agressão, se
transformou em um elogio para esses jovens.
- 99 -

Figura 2 / Tati Quebra-Barraco em show

oriundo das favelas e teve seu início nos anos de da mulher. Tati Quebra-Barraco (2004) chega
1970, quando começaram a surgir os bailes da com “Sou cachorra, sou gatinha, não adianta
pesada, black, soul, shaft ou funk. Entre as dé- se esquivar / vou soltar a minha fera, eu boto o
cadas de 80 e 90, tínhamos uma predominância bicho pra pegar”, quebra a imagem de “passiva”
de produções funk masculinas e com um viés de da mulher dentro do funk carioca e se coloca
guerra. Montagens5 de brigas de galeras, “proi- como personagem principal em suas músicas,
bidões6” de facções, movimento pela paz nos como mulher “ativa” que “está podendo pagar
bailes e orgulho de morar nas favelas. Apenas hotel pros homens, isso é que é mais importan-
na virada dos anos 2000, começou a emergir o te” (Tati Quebra-Barraco, 2004).
protagonismo feminino dentro desse universo.
Tati conseguiu então, através de suas músicas,
Como parte da tematização e performances abrir espaço para que outras cantoras e grupos
erótico-sexual dessa nova temática podemos compostos apenas por mulheres surgissem
observar a elaboração de um discurso masculi- dentro desse universo que antes era ocupado
no que procura classificar o corpo das mulheres apenas por homens. A Gaiola das Popozudas
(popozuda, filé, etc) e seus comportamentos se- é um exemplo disso, o grupo, criado nos anos
xuais (preparadas, tchutchucas, cachorras, da- 2000, é formado apenas por mulheres, e teve
nadas). (MATTOS, 2006, p. 42) até 2012 Valesca Popozuda como sua cantora.
Em seu repertório, encontramos músicas que
Com o repertório da “guerra dos sexos” (Mat- valorizavam a imagem da mulher dentro do
tos, 2006) muitos MCs e DJs colocam em suas funk e exaltam a sua liberdade sexual.
músicas um viés machista, transformando a
mulher em um objeto sexual, “interesseiras”. E aí, seu otário / Só porque não conseguiu foder
Os clipes e apresentações nos Bailes Funk comigo / Agora tu quer ficar me difamando, né?
reforçam ainda mais essas ideias, colocando / Então se liga no papo / No papo que eu mando /
mulheres como figuras decorativas com rou- Eu vou te dar um papo / Vê se para de gracinha /
pas mínimas e danças lascivas se contrapondo Eu dou pra quem quiser / Que a porra da boceta
a figura do homem que é sempre valorizada é minha! (Gaiola das Popozudas, 2006)
em relação a figura da mulher.
Na cama faço de tudo / Sou eu que te dou prazer
Nessa dicotomia, surge uma cantora que se / Sou profissional do sexo / E vou te mostrar por
propõe a criar um embate a essa objetificação que / Minha buceta é o poder / Minha buceta é o

5- É um termo utilizado dentro do universo do funk para se referir a músicas que são junções de duas ou mais músicas.
6 - São versões de músicas com letras de facções do crime e/ou com conteúdo pornográfico. Este repertório é comercializado de forma
clandestina e em bailes de favelas por serem espaços e atividades de mercado ilegais/informais.
- 100 -

poder. (Gaiola das Popozudas, 2010) que textos, estão abrindo espaço para novos
Nesse contexto as figuras LGBT, lésbicas, gays, grupos se inserirem nesse universo que ate
bissexuais, pessoas trans e travestis sempre então não tinham abertura para se emancipar
foram vistas também como “passivas”, ou seja, da imagem de meramente “passivos”.
inferiores e submissas à vontade e comando
do outro afinal, no entendimento de muitos,
o homem gay é aquele que abre mão de sua
masculinidade para viver como uma mulher,
compreendido o gênero feminino, por sua vez,
também inferior ao homem heterossexual, in-
dependente de sua identidade de gênero, pois
pensar que identidade de gênero e orientação
sexual são a mesma coisa também compõe o
preconceito. No funk isso não é diferente e
é colocado como algo engraçado, grotesco e
ofensivo. Chamar alguém de gay dentro do
universo do funk carioca foi por muito tem-
po, e até hoje, na maioria dos espaços, ainda é
uma desqualificação ofensiva.

Dentro desse panorama hierarquizado, surgiu


Lacraia, uma travesti e dançarina que compôs
dupla com o MC Serginho. Embora compuses-
se o grupo “Serginho e Lacraia”, ela era ape-
nas sua dançarina e ele, o cantor, integrante
principal do grupo. Exemplo disso é a música
“Vai Lacraia”, em que ela, apesar de ser a per-
sonagem principal retratada na música, era
meramente a dançarina, e quem tinha a voz
era Serginho.

Porem com o inegável fortalecimento das mul-


heres dentro do funk na virada dos anos 2000
durante a “Guerra dos Sexos” (MATTOS, 2006),
Lacraia conseguiu aos poucos ganhar visibilida- Em sua última música
Figura 3 /lançada
Lacraia “Vai Veado”, o
de, chegando a cantar e compor músicas, uma bonde substitui o teor ofensivo que a palavra
delas, a mais conhecida, foi uma composição “veado” tem e a coloca como elogio e orgulho
junto com MC Serginho e Tati Quebra-Barraco. para o grupo.

Tati Quebra-Barraco: Não gosto de piru peque- Dançando tu vai veado / Rebolando ate embaixo
no! / MC Serginho: Então vai! Eu gosto é de xe- / No quadradão é um esculacho / Dançando tu
reca grande! / Lacraia: Sou mais o meu cuzinho vai de quatro / Vai de cabeça para baixo / No
de pombo! / Quando a gente chega / Sempre tem espaguete do veado / Vai Veado, Vai Veado, Vai
um que grita / Faz o maior escândalo só porque Veado / Veado, Veado, Veado, Veado, Veado.
somos bibas / Eles são revoltados, só querem (Bonde das Bonecas, 2015)
nós xingar / Quando estão no sufoco eles vem
nos procurar. (MC Serginho & Lacraia feat. Tati Durante muito tempo não havia representa-
Quebra-Barraco, 2006) tividade das “minorias” sexuais e de gênero
dentro do funk principalmente enquanto
O Bonde das Bonecas é o primeiro grupo de personagens principais em grupos e músicas,
funk carioca formado apenas por LGBTs que mas tudo isso vem mudando, e não é só com
se tornou conhecido. Analisar então sua pro- o Bonde das Bonecas que percebemos essa
dução fotográfica e cinematográfica é impor- mudança. As cantoras e compositoras Carol
tante nessa pesquisa, pois através dela o bon- Vieira, a MC Xuxu; Camilla Monforte, a MC
de vem empoderando6 e criando um espaço de Trans; e Julyanna Barbosa, a Mulher Banana
“minorias” sexuais e de gênero dentro do uni- levam também para o público músicas que co-
verso do funk carioca. Suas visualidades cor- locam em pauta os seus dilemas particulares
porais trangêneras no meio virtual, mais do enquanto mulheres trans e travestis.
- 101 -

Figura 4 / Bonde das Bonecas em apresentação em programa da Rede Record

Embates Visuais No contexto virtual as visualidades se acirram


em vários momentos, já que a “liberdade” den-
O embate de visualidades divergentes e empo- tro da rede é catártica e faz com que a juven-
deradas com o público das redes sociais. Esse tude não se limite na manifestação de seus
embate se torna importante já que exemplifi- desejos e vontades. Ela, na maioria das vezes,
ca o preconceito, a homofobia e a transfobia interage nas redes sociais sem medo de repre-
que as “minorias” sexuais e de gênero sofrem sálias. Isso faz com que, ao mesmo tempo, a in-
ao não se privarem de assumir sua existência ternet seja algo libertador e acabe se tornando
em lugar de personagem principal, seja can- em certos momentos um lugar onde o precon-
tando em um vídeo ou posando para uma foto. ceito, o machismo, a homofobia e a transforbia
sejam “liberados”, a falta de respeito é muito
Na figura 6, pode-se perceber que, o número frequente devido a raridade de punições a
de pessoas que “não curtiram” o vídeo do Bonde quem o comente, sintomas a serem considera-
das Bonecas é superior ao número de pessoas dos nos estudos e ações libertárias.
que “curtiram” o vídeo. Mesmo esse número não
sendo exatamente apurado, haja vista que nem O Bonde das Bonecas é um dos muitos íco-
todas as mais de 3 milhões de pessoas que as- nes que as chamadas novas tecnologias de
sistiram a performance do bonde participaram circulação de informações propiciam. Nossa
dessa “pesquisa” feita pelo You Tube, é um dado época é marcada por muitos fenômenos sur-
a ser apreciado nessa pesquisa, já que demos- preendentes, mas, ainda vê repetir a mesma
tra que uma possível maioria das pessoas que fórmula humana de criar a partir da mime-
assistiram ao trabalho dos jovens funkeiros ses, ou seja cada aparente criação traz em si
não gosta desse tipo de performance. a participação de múltiplas cópias e reconfi-
gurações (WULF, 2013). Podemos perceber
As chamadas “minorias” sexuais são, hoje, muito na rede, o fôlego que uma aparente criação
mais visíveis do que antes, e, por consequência, original oferece a tantos outros fins e mes-
torna-se mais acirrada a luta entre elas e os gru- mo à criação de novas imagens. Imagens
pos conservadores. [...] as fronteiras vêm sendo que surgem para fortalecer certas posições
constantemente atravessadas e que o lugar so- e certos postulados, seja nas artes visuais,
cial no qual alguns sujeitos vivem é exatamente na arte da performance, na música, em toda
a fronteira. (LOURO, 2001, p. 541) manifestação humana individual nas quais
- 102 -

Figura 6 / Print Screen de vídeo publicado no You Tube com “interações7” do público

se rebatem coletivos desde de a mais remota Referências Bibliográficas


ancestralidade. Na época da virtualidade ra-
dical, não é diferente. · FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo:
Wmf Martins Fontes, 2010.
A valorização da diferença é cada vez mais
exigida e portanto, está cada vez mais em · LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer: uma po-
voga no cenário virtual e entre espaços em lítica pós-identitária para a educação. Floria-
que a juventude predomina. Muitos grupos de nópolis: Revista de Estudos Feministas, 2001.
“minorias” tem encontrado meios de se conec- (Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/
tar e se autovalorizar por meio de suas per- v9n2/8639.pdf)
formances publicadas em formato de vídeos
e fotos. A “viralização” de personagens que · MATTOS, Carla dos Santos. No ritmo neuróti-
valorizem a sua diferença, dentro de uma es- co: cultura funk e performances ‘proibidas’ em
tética não hegemônica, se torna cada vez mais contexto de violência no Rio de Janeiro. Rio de
perceptível com o passar do tempo e a inten- Janeiro: Dissertação de Mestrado em Ciências
sificação da produção e transito de imagens e Sociais, PPCIS/UERJ, 2006.
visualidades.
· WULF, Christoph. Homus Pictor. São Paulo:
Hedra, 2013.

7 - Ideia de dar às pessoas o poder, a liberdade e a informação que lhes permitem tomar decisões e participar ativamente da sociedade
de maneira geral.
8 - No You Tube as interações do público são “medidas” através de dois botões, o “curtir” e o “não curtir”.
9- Termo no inglês que é a junção do substantivo self (em inglês “eu”, “a própria pessoa”) e o sufixo ie — ou selfy é um tipo de fotografia de
autorretrato.
- 103 -

Rodrigo Torres do Nascimento

Graduado em Artes Visuais pelo Instituto de Ar-


tes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) e especialista em Gênero e Sexualidade
pelo Instituto de Medicina Social da Uerj em
parceria com o Centro Latino-Americano em Se-
xualidade e Direitos Humanos. Atua no Labora-
tório de Ensino da Arte da Uerj e é mestrando do
Programa de Pós-graduação em Artes da Uerj.

Aldo Victorio Filho

Graduado em Gravura pela Escola de Belas Ar-


tes UFRJ e Licenciado em Educação Artística.
Mestre e Doutor em Educação pela Universi-
dade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Pro-
fessor Adjunto da UERJ, Coordenador do cur-
so de Licenciatura em Artes Visuais e Docente
do Programa de pós-graduação em Artes - PP-
GARTES e do Programa de pós-graduação em
Educação - PROPED ambos da UERJ.
- 105 -

NAS REDES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS COM IMAGENS,


COTIDIANOS E AFETOS

Teresinha M. C. Vilela - UERJ


Aldo Victorio Filho (Orientador) - UERJ

Resumo: - Educación de Jóvenes y Adultos (EJA). En el


curso de las preocupaciones de proceso se han
A partir de um olhar mais “atento” às produções, exacerbado y compartido con las producciones
artefatos e imagens, iniciamos alguns entre- audiovisuales en colaboración con el Laborato-
laçamentos, que aconteceram e ganharam rio de Recursos Audiovisuales de la Universi-
consistência e maior densidade de sentidos no dad del Estado de Rio de Janeiro, la Facultad de
decorrer do percurso investigativo. Percurso Educación de la Baixada Fluminense (LABO-
que buscou conhecer os interesses dos estu- RAV-UERJ / FEBF). Por lo tanto, nos acercamos
dantes, suas visualidades em torno das artes a las redes teóricas, estudios culturales, estu-
visuais e da cultura visual. Os colaboradores dios visuales, estudios de todos los días y las
são estudantes de uma Escola Pública, da Edu- redes metodológicas, como la investigación ba-
cação Básica - Educação de Jovens e Adultos sada en las artes (PBA). Los intereses de los es-
(EJA). Com o decorrer do processo os interes- tudiantes en la cara del skate, el sonido de rap
ses foram potencializados e compartilhados y los colores de grafito con el (re) conocimiento
com produções audiovisuais em parceria com o del poder político, cultural y social de sus pro-
Laboratório de Recursos Audiovisuais da Uni- ducciones estéticas, por lo general bellezas de
versidade do Estado do Rio de Janeiro, da Fa- gran alcance que se hacen invisibles.
culdade de Educação da Baixada Fluminense
(LABORAV-UERJ/FEBF). Para tanto, nos apro- Palabras clave: Imágenes; Cotidiano; Audio-
ximamos das redes teóricas, com os estudos visual
culturais, estudos visuais, estudos dos cotidia-
nos e das redes metodológicas, como as Pesqui- No Brasil, a Educação de Jovens e Adultos
sas Baseadas nas Artes (PBA). Os interesses dos (EJA) passou a ser considerada como uma Mo-
estudantes nos levaram as viradas do skate, ao dalidade de ensino e a integrar a Educação
som do rap e as cores do grafite com o (re) con- Básica, como etapa do Ensino Fundamental,
hecimento do poder político, cultural e social de de acordo com a Lei n. 11.741/2008 e o Pa-
suas produções estéticas, geralmente belezas recer (CNE/CEB n. 11/2010). A falta de po-
potentes que ficam invisibilizadas. líticas públicas voltadas para a recuperação
de escolaridade retardou o início ou o retorno
Palavras-chave: Imagens; Cotidianos; Au- dos adultos à Educação Formal, pois, somen-
diovisual te a partir de 1947, iniciaram as campanhas
governamentais específicas para a escolari-
Resumen: zação de adultos.

Desde un aspecto más ‘atento’ a producciones, Uma modalidade voltada para o atendimento
artefactos e imágenes, comenzamos algu- escolar dos que por razões diversas não fre-
nos giros que sucedieron y ganó consistencia quentaram a escola no período etário padrão
y mayor densidad de significado durante el e, portanto, não obtiveram as certificações ne-
recorrido investigativo. Camino que buscaba cessárias ao ingresso no mercado de trabalho
conocer los intereses de los estudiantes, sus em melhores colocações, à formação técnica
visualidades en torno a las artes visuales y la ou acadêmica, a Educação de Jovens e Adultos,
cultura visual. Los empleados son estudiantes embora sendo um investimento de significati-
de una escuela pública, la educación básica vo aspecto social, ainda traz muitos estigmas,
- 106 -

sendo sempre associada à defasagem série/ alguns grupos, que se identificam com o skate
idade por reprovações, evasões e demais dívi- com o hip hop: os grafiteiros, rappers. O hip hop
das dos estudantes e não associada aos fatores surge (ALVES, 2009) em meados das décadas
efetivamente determinantes das exclusões de de 1960-1970, nos bairros de Nova Iorque. Em
muitas pessoas dos processos e ritmos escola- meses o hip hop se difundiu pela Europa, prin-
res padrão. cipalmente na Holanda e na Inglaterra.

Na Educação de Jovens e Adultos da IV e V etapas Neste mesmo período, na Inglaterra acon-


correspondem às Séries Finais do Ensino Fun- tece a ascensão dos estudos culturais com
damental. Os estudantes que colaboraram com pesquisas realizadas no Centro de Estudos
a investigação, fizeram parte dessas etapas, isto Culturais Contemporâneos, na Universidade
é, terminaram o Ensino Fundamental na Escola de Birmingham, em 1964 (HALL, 1997; MAR-
Municipal Expedicionário Aquino de Araújo e TINS, 2007), possibilitando ampliar a análise
cursam o Ensino Médio em outras escolas. textual (visual e verbal). A partir desses estu-
Uma inquietação que surgiu desde os primei- dos, Stuart Hall colaborou para as pesquisas,
ros passos da pesquisa foi como conhecer os fazendo parte como um dos diretores do Cen-
interesses dos estudantes se não “vemos” o tro de Estudos Culturais Contemporâneos.
que esses sujeitos produzem nos seus cotidia-
nos. Assim, a partir de um olhar mais “atento” Ao aproximarmos dos estudos culturais e dos
às suas produções, com seus artefatos e ima- trabalhos de Stuart Hall encontramos alguns
gens, iniciamos alguns entrelaçamentos, que pontos comuns com o projeto desenvolvido
aconteceram e foram ganhando consistência pelo autor e a nossa escola. Stuart Hall deixou
e maior densidade de sentidos no decorrer do a Jamaica, local em que nasceu, para estudar
percurso investigativo. Aludimos à rede de em Oxford, na Inglaterra. Em Brixton foi pro-
relações composta por interesses, cotidianos, fessor de uma escola secundária, em 1957,
subjetividades e afetos de estudantes, de pro- onde “desenvolve um projeto pedagógico que
fessores, dos pesquisadores e aos aconteci- busca levar em consideração a realidade” das
mentos vivenciados durante o percurso. práticas culturais dos estudantes dos “meios
populares”. (MATTELART; NEVEU, 2004, p.58).
Antes de iniciar oficialmente a pesquisa, no se-
gundo semestre de 2012, uma atividade com Os estudos culturais surgem “de uma recusa
questionário foi realizada na Escola Municipal do legitimismo, das hierarquias acadêmicas
Expedicionário Aquino de Araújo, situada no dos objetos nobres e ignóbeis”, segundo Matte-
Bairro da Vila São Luís, em Duque de Caxias no lart e Neveu (2004, p.72). Desta forma, o foco
estado do Rio de Janeiro, Brasil. Esse questio- então são os cotidianos dos grupos, as “vidas
nário foi proposto para os estudantes das seis comuns”, em que os pesquisadores não bus-
turmas, nas quais trabalhava como professora cam mapear as culturas, mas problematizar a
de artes, sendo duas turmas do horário diurno cultura como objeto de pesquisa.
e quatro turmas do horário noturno.
Com a “virada cultural” (HALL, 1997) inicia
Em resposta a este questionário aplicado nas uma mudança em relação à linguagem, às
turmas, um dos estudantes da Educação de práticas de representação, em que os objetos
Jovens e Adultos, Mauricio Cardoso, da V Etapa existem também fora do sistema de signifi-
informou que o que mais gostava de fazer era cação. A “virada cultural” influenciou na déca-
“Andar de SKATE” e na pergunta referente à da de 1990 a “virada visual” contribuindo para
prática de esporte respondeu “ando de SKATE”. o avanço dos métodos visuais na pesquisa
As respostas dos estudantes ao questionário (HERNÁNDEZ, 2013).
colaboraram diretamente com a pesquisa e, de
certa forma, lhe ofereceram um eixo condutor. As Pesquisas Baseadas nas Artes (PBA) ofere-
Assim, posteriormente ao assumir o SKATE cem, entre suas perspectivas, a a/r/tografia,
como fio condutor reorganizou o caminho que em cuja designação a sigla A/R/T corresponde-
até então havia sido percorrido, colaborando ria a Artist (artista), “Researcher (pesquisador),
com os movimentos e as redes que surgiram, Teacher (professor) e graph (grafia: escrita/re-
com a “Virada do Skate” - Virada Cultural, Vira- presentação)” (DIAS, 2013, p. 25). Compreende-
da Visual, e Virada Metodológica. mos que, conforme os pressupostos metodoló-
gicos aos quais recorremos, não bastaria fazer
Durante nossa investigação interesses comuns um documentário, acrescentar ou anexar ao
dos estudantes convergiram para aproximar texto e entender o resultado como aplicação
- 107 -

da a/r/tografia. As próprias barras da palavra com o Laboratório de Recursos Audiovisuais


sugerem outra lógica, considerando a multipli- da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
cidade, hibridização, fusão entre artista, pes- da Faculdade de Educação da Baixada Flumi-
quisador e professor. nense (LABORAV-UERJ/FEBF), cuja gravação
aconteceu em novembro de 2014, quando a
Irwin (2013) lembra que os avanços tecnoló- equipe filmava um documentário para uma
gicos contribuíram para as investigações a/r/ pesquisa de Luciane Brasil (2015), estudan-
tográficas, tornadas possíveis, entre outros te do Programa de Pós-graduação em Edu-
recursos, pelos equipamentos de gravação au- cação, Cultura e Comunicação em Periferias
diovisual. Recursos utilizados em outras me- Urbanas (UERJ/FEBF), no Meeting of Favelas1
todologias, mas, talvez, sob forma diferente da (MOF) orientada pela Profa. Alita Sá Rego.
relação entre pesquisador e pesquisa.
Diante dos acontecimentos redes foram se
Em meio às oportunidades que o cotidiano formando oportunizadas2 pela Pós-graduação
nos aporta, em 2014 surgiu a possibilidade de em Artes pela Universidade do Estado do
produzir um minidocumentário em parceria Rio de Janeiro (PPGArtes/UERJ) que contri-

1 - Entrevista com Vinícius disponível em: <http://lurdinha.org/site/?p=1952>. Acesso: 12 ago. 2014.


2 -Pelo orientador: Prof. Aldo Victorio Filho.
- 108 -

buíram para acompanhar, mais diretamen- trou-se o “instante” da relação dos estudantes
te alguns interesses, de quatro estudantes com a escola.
da Educação de Jovens e Adultos da Escola
Municipal Expedicionário Aquino de Araújo. O Vídeo 4 foi filmado na Escola Municipal Expe-
Mauricio Cardoso, da turma (906/2012), que dicionário Aquino de Araújo, em comemoração
escreveu S.K.A.T.E. com letras maiúsculas, aos 70 anos da escola, festejado em novembro
como citado anteriormente. Thiago Marques, de 2015. A partir do interesse dos estudantes,
que foi da turma (909/2013), interessado em com o grafite, conseguimos uma exposição do
desenho, grafite e rap. Anthony Ferreira da grupo “Posse 471” e uma oficina que resultou
turma (907/2014) e Raphael Silva da turma no grafite com integrantes do MOF, “instantes”
(709/2014) com skate e grafite. registrados também em vídeo.

Para a gravação do Vídeo 1 não foi feito um O Vídeo 5 foi gravado8 no Centro Cultural Os-
roteiro prévio, apenas solicitado aos estudan- car Niemeyer, em 15 de dezembro9, na Praça
tes que falassem acerca de sua relação com o do Pacificador, em Duque de Caxias. Os estu-
MOF, de suas produções e da escola. A edição dantes têm projetos, com os “Roles com Skates”
deste vídeo aconteceu no LABORAV-UERJ/ pelas cidades entre outros projetos em parce-
FEBF entre março e junho de 2015, com a par- ria com o (LABORAV - UERJ/FEBF).
ticipação direta do bolsista3 Mauricio Vieira.
O resultado desse material está disponível na Nos textos as cores das reproduções começa-
internet (link4). ram a ficar em tons de cinza ou em preto e
branco, deixando para os vídeos a cor. Uma
Antes de qualquer apresentação pública do escolha talvez, para que imagem/escrita se
Vídeo 1 - MoF 2014 Cultura e Imagem Fora entrecruzem mais, ampliando relações, sen-
das Paredes da Escola, com os estudantes, tidos, tons...
Mauricio, Thiago, Anthony e Raphael, foram
convidados para assistirem juntos, o Vídeo 1, Diante de tantas “viradas” com as “viradas do
no LABORAV, resultando no Vídeo 2 com suas skate”, em 2015 nos encontros que acontecem
reações e comentários ao se verem. no LABORAV, tive a oportunidade de reencon-
trar um estudante, da Escola Municipal Expe-
A partir deste encontro, em junho de 2015, dicionário Aquino de Araújo, do Ensino Funda-
surgiu o interesse dos estudantes em partici- mental do ano de 2000, Josué Gomes, skatista,
parem diretamente das gravações e edições. que será um dos entrevistados do documen-
Os protagonistas então assumiram as câmeras tário que os estudantes pretendem fazer so-
e fizeram gravações e edições surgindo assim, bre o skate em Duque de Caxias, a partir da
o Vídeo 3, o Vídeo 4, Vídeo 5, as chamadas5. proposta do documentário e do interesse de
Josué Gomes, ele também passou a participar
O vídeo6 3 aconteceu em setembro de 2015 foi dos projetos no (LABORAV/UERJ/FEBF), desta
filmado na rampa de skate7 próxima à entra- imagem/escrita e das Redes de Imagens, Coti-
da da Escola Municipal Expedicionário Aqui- dianos e Afetos...
no de Araújo e com o retorno à escola, regis-

3 - A Profa. Alita Sá Rego (UERJ/FEBF) disponibilizou o bolsista do Programa de Apoio Técnico às Atividades de Ensino, Pesquisa e Ex-
tensão (PROATEC), Mauricio Vieira para acompanhar diretamente o projeto e os desdobramentos da pesquisa desde março de 2015. Uma
parceria que mantemos com a Escola Municipal Expedicionário Aquino de Araújo e UERJ/FEBF. Temos o privilégio de ambos os espaços
estarem situados na mesma Rua General Manoel Rabelo, na Vila São Luís aproximando escola, comunidade e Academia.
4 - O documentário está disponível no Canal Laborav. E em:<https://l.facebook.com/l/4AQGMtSBEAQEJMjjY1vumYtd4xzgvG3PuVRPHy-
BRuJh4E2g/https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DJdmRNjYygMs>. Publicado em: 24 de setembro de 2015. E em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=JdmRNjYygMs&index=3&list=PLJFoo-qS-VcfDLQabXNPeDw-JunfhGZXo>.
5- Disponível no Canal Laborav. E em: <https://www.facebook.com/mauricio.silva.54379/videos/737145699723871/>
6 - O vídeo 1 disponível no Canal Laborav. E em: < https://www.youtube.com/watch?v=WaCuJAwR8M8>.
MoF 2014 Cultura e Imagem Fora das Paredes da Escola
7 - No mês de abril de 2016, a rampa foi destruída para uma obra na praça, sem previsão de outra rampa no novo projeto.
8 - Vídeo 5 disponível no Canal Laborav. E em:https://www.youtube.com/watch?v=KG8VQa4vmKU
9 -O vídeo foi gravado no dia de nascimento do Oscar Niemeyer, arquiteto brasileiro, em 15 de dezembro de 1907. Oscar Niemeyer (1907-

2012).
- 109 -

Referências Teresinha Maria de Castro Vilela

· ALVES, A. O Rap é uma guerra e eu sou Graduada em Educação Artística (UERJ), mes-
gladiador: um estudo etnográfico sobre as tre em Artes Visuais (UFPB/UFPE), doutoran-
práticas sociais dos jovens hoppers e suas da em Artes (PPGARTES/UERJ). Professora
representações sobre a violência e a crimina- de Artes da Escola Básica - SME/Duque de
lidade. Recife. Tese (Doutorado em Antropolo- Caxias-RJ.
gia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
CFCH, Universidade Federal de Pernambuco, Aldo Victorio Filho
Recife, 2009.
Graduado em Gravura pela Escola de Belas
· BRASIL. Ministério da Cultura. Portal MEC. Artes UFRJ e Licenciado em Educação Artís-
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/in- tica. Mestre e Doutor em Educação pela Uni-
dex.php?option=com_content&id=12992:di- versidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
retrizes-para-a-educacao-basica>. Acesso em: Professor Adjunto, Coordenador do curso de
05 abr. 2014. Licenciatura em Artes Visuais do Instituto
de Artes da UERJ; docente do Programa de
· BRASIL, Luciane. Meeting of Favela: do latex pós-graduação em Artes - PPGARTES e do
às cores digitais na favela da Vila Operária. Programa de pós-graduação em Educação -
In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL - AS REDES PROPED ambos da UERJ
EDUCATIVAS E AS TECNOLOGIAS: MOVIMEN-
TOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO, 8. Anais... Rio de
Janeiro, 2015. Disponível em: <http://www.
seminarioredes.com.br/adm/diagramados/
TR224.pdf>. Acesso: 09 out. 2015.

· DIAS, Belidson. A/r/tografia como Metodolo-


gia e Pedagogia em Artes: uma introdução. In:
DIAS, Belidson; IRWIN, Rita L (Org.). Pesquisa
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Santa Maria: Editora UFSM, 2013. p. 21-26.

· HALL, Stuart. A Centralidade da cultura: notas


sobre as revoluções culturais do nosso tempo.
Porto Alegre. Cultura, Mídia e educação. Edu-
cação Realidade. Porto Alegre, 1997.p.15 - 45.

· IRWIN, Rita L. Comunidades de prática a/r/


tográfica. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita L
(Org.). Pesquisa Educacional Baseada em
Arte: a/r/tografia. Santa Maria: Editora UFSM,
2013. p. 155-167.

· MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Intro-


dução aos Estudos Culturais. São Paulo: Pará-
bola, 2004.

· MARTINS, Raimundo. A cultura visual e a


construção social da arte, da imagem e das
práticas do ver. In: OLIVEIRA, M. (Org.). Arte,
Educação e Cultura. Santa Maria: Editora
UFSM, 2007.
3.
DISCUSIONES
EPISTEMOLÓGICAS
Y PEDAGÓGICAS
SOBRE EL ARTE
Y LA CULTURA
VISUAL
- 113 -

O DISCURSO DA CULTURA VISUAL NO BRASIL (2005-2015)

Erinaldo Alves do Nascimento - UFPB


Maria Emilia Sardelich - UFPB

Resumo crecimiento significativo en la investigación,


especialmente en las artes y comunicación.
Este trabalho apresenta os resultados par- Se destaca la UFG como un centro de produc-
ciais da pesquisa “discurso da cultura visual ción del discurso en este campo. Mientras se
no Brasil”, desenvolvida pelo GPEAV-UFPB. mantiene una cohesión discursiva, se observa
Analisa como vem se construindo esse discur- el uso de diferentes nomenclaturas y una es-
so, entre 2005 a 2015, divulgado em textos tructuración diversificada de conceptos de las
acadêmicos, elaborados na pós-graduação, artes visuales.
nos anais da ANPAP e na Coleção Educação
da Cultura Visual (MARTINS; TOURINHO, Palavras-chave: Discurso – Educación de la
2015, 2014, 2013, 2012, 2011, 2010 e 2009). Cultura Visual – Visualidades
A análise dos discurso baseia-se no “como e
porque se pensa a Cultura Visual”, associada a Introdução
uma “cartografia” das fontes mencionadas. Os
resultados apontam para um crescimento sig- A Cultura Visual é um campo de estudo que,
nificativo de pesquisas na pós-graduação de desde 1980, vem atraindo pesquisadores da
artes e comunicação. Destaca-se a região Cen- Inglaterra, dos Estados Unidos e de outros
tro-Oeste, especialmente a UFG, como um polo países. Abrange as fronteiras das Artes e das
de produção de discursos. Apesar da coesão Ciências Humanas. A produção acadêmica
discursiva, há a utilização de nomenclaturas sobre a Cultura Visual é extensa e, no Brasil,
diferentes e diversas apropriações de concei- a Coleção Educação da Cultura Visual, da Uni-
tos sobre as visualidades. versidade Federal de Santa Maria (UFSM), or-
ganizada por Martins; Tourinho (2015, 2013,
Palavras-chave: Discurso – Educação da Cul- 2012, 2011, 2010, 2009), reúne vários pesqui-
tura Visual – Visualidades sadores brasileiros e de outros países.

Resumen Em 2005, a Associação Nacional de Pesquisa-


dores em Artes Plásticas (ANPAP) dedicou seu
Este artículo presenta los resultados parcia- Encontro ao tema da Cultura Visual e Desafios
les de la investigación “Discurso de la cultura da Pesquisa em Arte. Em encontros posterio-
visual en Brasil”, desarrollada por el GPEAV res, outras pesquisas foram divulgadas, tendo
UFPB. Analiza la construcción de este dis- como referência a cultura visual ou as visua-
curso, desde 2005 hasta 2015, publicado en lidades, quer seja com o enfoque educacional
textos académicos escritos, en los programas ou artístico.
de posgrado, así como algunas obras en los
anales de las reuniones de la ANPAP y otros Apesar da acelerada produção acadêmica
publicados en Educación de la Cultura Visual, sobre Cultura Visual no País, ainda faltam
organizado por Martins y Tourinho (2015, estudos que realizem um “balanço” ou “ma-
2014, 2013, 2012, 2011, 2010 y 2009). El peamento” sobre o discurso sistematizado e
análisis del discurso se basa en el “cómo y por produzido. De que modo vem sendo construí-
qué se piensa la cultura visual”, identificado do esse campo de estudo no Brasil? Quais as-
en uno “mapeo” en las fuentes anteriores men- pectos contextuais mobilizam a emergência
cionadas. Los resultados muestran que hay un da Cultura Visual na Educação e no Ensino da
Arte no Brasil? Quais as áreas do conhecimen-
- 114 -

to, categorizadas pela Coordenação de Aper- Análise do discurso da cultura


feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Ca- visual no Brasil
pes), que se interessam por esse campo? Quais
os polos de produção acadêmica? É possível O termo discurso é proveniente do latim, do
reconhecer opções conceituais e abordagens substantivo discursus e do verbo discurrere.
metodológicas entre os pesquisadores brasi- Significa um movimento “para atrás e para
leiros e estrangeiros? Quais as concepções de adiante”, “um ir aqui e além” ou “um andar em
cultura visual e de visualidade que circulam uma direção ou desde um ponto inicial”. O ter-
nesses trabalhos? Seria possível reconhecer mo discurso remete à noção de percurso, de
opções conceituais, abordagens metodológicas trajeto, de um traçado e trançado de idas e
comuns entre os polos de produção acadêmi- vindas de palavras, de imagens, de ações e de
ca? Quais as contribuições e pertinência destas sentidos.
publicações para a área da Educação e Ensino
de Arte? É possível reconhecer proposições da A análise centra-se no “como e porque se pensa
Cultura Visual para a mediação pedagógica a Cultura Visual”. Questiona a maneira como
na Escola Básica no Brasil? Que terminologias esse discurso vem sendo sistematizado no Bra-
adotam para denominar este campo? sil. Neste aspecto, o discurso é visto como um
pensamento que se efetiva como prática social.
É a partir desses questionamentos que o Gru-
po de Pesquisa em Ensino das Artes Visuais A análise do discurso sistematizado nos textos
(GPEAV), do Departamento de Artes Visuais acadêmicos mencionados será norteada pelas
(DAV), em parceria com o Departamento Meto- seguintes questões:
dologia da Educação (DME), da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), vem desenvolven- • Qual(is) nomenclatura(s) emprega (cultura vi-
do pesquisas para traçar uma cartografia da sual, educação cultura visual, etc...)?
produção acadêmica brasileira e do discurso • Se emprega mais de uma nomenclatura,
da Cultura Visual, entre 2005 a 2015. qual(is) é(são) a(s) diferença(s)?
• Como caracteriza o campo da Educação da
Aspectos metodológicos Cultura Visual?
• Quais aspectos contextuais justificam / mo-
O período de 2005 é a data inicial para o “le- bilizam / legitimam a emergência da Edu-
vantamento” da produção acadêmica sobre cação da Cultura Visual?
a Cultura Visual, porque foi, nesse ano, o pri- • Qual o foco (objeto de estudo) indicado pelo
meiro Encontro da ANPAP dedicado ao tema. autor para o campo da Educação da Cultura
A produção discursiva sobre a Cultura Visual, Visual?
no período determinado, é necessária para • Quais suas referências teóricas e/ou áreas de
sistematizar um conjunto de informações e conhecimento e/ou outros autores?
resultados alcançados. Essa sistematização • Qual o entendimento do autor sobre a Edu-
permitirá indicar diferentes abordagens teó- cação da Cultura Visual?
ricas, além de identificar duplicações e ou • Qual a concepção de visualidade?
possíveis contradições, caso haja, sinalizando • Quais as recomendações dadas para desen-
lacunas e tendências. A cartografia dessa pro- volver projetos/experiências em Educação da
dução acadêmica contribui com a organização Cultura Visual?
de uma sistematização no campo das pesqui-
sas educacionais sobre a Cultura Visual, dan- Diante do exposto, não é pretensão desta
do visibilidade sobre o que e onde se discute; o pesquisa analisar como o saber está sendo
que se questiona e as posições assumidas no apreendido pelos sujeitos leitores, mas como o
debate; quais pesquisas foram realizadas, a conhecimento ou o discurso da Cultura Visual,
partir de quais questões e seus achados. no Brasil, está sistematizado em textos escri-
tos no âmbito acadêmico.
A pesquisa exploratória, de caráter bibliográ-
fico, se constitui em um levantamento e aná- EDUCAÇÃO DA CULTURA VISUAL
lise do discurso sobre o tema (Ferreira, 2002). NO BRASIL
Organiza-se, nesse momento, em torno de três
fontes de consulta: Banco de Teses da CAPES; A partir do estudo de Dikovitskaya (2005),
Anais dos Encontros da Associação Nacional realizaremos um levantamento bibliográfi-
de Pesquisadores de Artes Plásticas (ANPAP) e co das publicações no Brasil em que o termo
Coleção Educação da Cultura Visual, da UFSM. Cultura Visual está presente. Uma das primei-
- 115 -

ras publicações é a da Revista Cultura Visual, Ainda em 2003, a CAPES autoriza o Mestrado do
editada semestralmente pelo Programa de Programa de Pós-graduação em Cultura Visual,
Pós Graduação em Artes Visuais, da Univer- da Universidade Federal de Goiás (UFG). Em
sidade Federal da Bahia (UFPB), desde 1997. 2010, esse Programa tem o doutorado aprova-
Sua missão é difundir a reflexão acerca das do, passando a ser denominado como Programa
Artes Visuais e do Design, nos âmbitos teórico de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual. O
e prático, contemplando estudos em História, programa organiza anualmente o Seminário
Teoria e Crítica da Arte e do Design, bem como Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual,
em Poéticas Artísticas. publica a Revista Visualidades, de periodicidade
semestral, a Coleção Desenrêdos, de periodici-
Encontramos, em 1998, a tradução de um arti- dade variável, tendo publicado quatro volumes
go do professor de História da Arte, da Univer- entre os anos de 2007 e 2014, além de manter o
sidade de Rochester, Estados Unidos, Douglas Grupo de Pesquisa em Educação e Visualidades,
Crimp, intitulado Estudos Culturais, Cultura organizando vários colóquios sobre a temática.
Visual, na Revista da USP. Crimp entende que
o campo dos Estudos Culturais colabora como Em 2005, a Associação Nacional de Pesqui-
intervenção e transformação cultural. Em suas sadores em Artes Plásticas (ANPAP), dedicou
análises, Crimp reconhece os efeitos da repre- seu Encontro ao tema da Cultura Visual e De-
sentação da Síndrome da Imunodeficiência safios da Pesquisa em Arte. A partir de 2009,
Adquirida (AIDS) e como afetam a vida dos por- as publicações intensificam-se com a edição
tadores. Sinaliza que a Cultura Visual pode ser da Coleção Educação da Cultura Visual, da
compreendida como “o objeto do estudo nos es- Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
tudos visuais, como uma área mais estreita dos organizada pelos professores Irene Tourinho
estudos culturais” (CRIMP, 1998, p. 80). e Raimundo Martins, da UFG. Paralelamente,
pesquisadores de diversas universidade re-
Segue a publicação do livro Cultura Visual, fletem sobre a temática, publicando em diver-
mudança educativa e projeto de trabalho, de sos tipos de publicações.
Fernando Hernández (2000). Evidencia que
as narrativas das experiências curriculares CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS
em Arte são construções históricas que fun-
cionam como discurso que enquadram como Em dezembro de 2015, localizamos 81 tra-
se deve ver, falar ou fazer em torno das obras balhos no Banco de Teses da Coordenação de
artísticas e representações visuais das dife- Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
rentes culturas, como também dotam de po- rior (CAPES), a partir do descritor cultura vi-
der a quem estabelece esses discursos. Consi- sual. Destacamos que os trabalhos localizados
dera que, ao invés de perguntar sobre o que se no Banco de Teses da CAPES referem-se, ape-
vê na imagem e a história que a obra conta, os nas, aos anos de 2011 e 2012.
docentes poderiam questionar o que vemos de
nós nessa representação visual, como contri- Em relação à pós-graduação, 70 trabalhos fo-
bui para a construção identitária, para o nosso ram produzidos em Programas de Mestrado
modo de ver e nos ver no mundo. Acadêmico, 10 em Programas de Doutorado
e um em Mestrado Profissional. Esses Progra-
Em 2003, o artigo Fontes visuais, Cultura Vi- mas de Pós-Graduação estão localizados nas
sual, História visual: balanço provisório, pro- seguintes áreas de conhecimento, de acordo
postas cautelares, de Ulpiano Toledo Bezerra com a categorização da CAPES: Artes - 33 tra-
de Meneses, sinaliza o interesse dos historia- balhos; Comunicação - 23; Comunicação Vi-
dores pelas fontes visuais (iconografia, ico- sual - nove; Educação - seis; História - quatro;
nologia) e a visualidade como uma dimensão um trabalho nas áreas de Arquitetura e Urba-
importante da vida e dos processos sociais. nismo, Desenho Industrial, Ensino de Ciências
Analisa as contribuições trazidas para o es- e Matemática, Geografia, Letras e Psicologia.
tudo dos registros e dos regimes visuais pela
História da Arte, Antropologia Visual, Socio- Em relação aos polos de produção de conheci-
logia Visual e Estudos de Cultura Visual. Con- mento, na área de Artes, dos 33 trabalhos lo-
cebe a História Visual como um conjunto de calizados: 26 foram produzidos no Programa
recursos operacionais para ampliar a consis- de Mestrado Acadêmico em Arte e Cultura Vi-
tência da pesquisa histórica em todos os seus sual, da Universidade Federal de Goiás (UFG),
domínios (MENESES, 2003). em Goiânia (GO); dois no Programa de Mestra-
do Acadêmico em Artes Cênicas, da Universi-
- 116 -

dade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador Universidade do Estado de Santa Catarina


(BA); dois no Programa de Mestrado Acadê- (UDESC), em Florianópolis (SC).
mico em Artes, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), no Rio de Janeiro (RJ); As demais áreas do conhecimento com um
um no Programa de Mestrado Acadêmico em único trabalho, referem-se aos seguintes
Artes, da Universidade Estadual Paulista Júlio Programas de Pós Graduação: Programa em
de Mesquita Filho (UNESP), em São Paulo (SP). Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de
São Paulo (USP), em São Paulo (SP); Programa
Na área de conhecimento Comunicação, dos de Doutorado em Design, da Pontifícia Univer-
23 trabalhos localizados, 22 foram Produzidos sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO),
em Programas de Comunicação e um em Pro- no Rio de Janeiro (RJ); Programa de Mestrado
grama de Comunicação Social. Destacam-se Profissional em Ensino Científico e Tecnoló-
como polos de produção de conhecimento gico, da Universidade Regional Integrada do
na área de Comunicação: 20 no Programa de Alto Uruguai e das Missões (URI), em Erechim
Mestrado Acadêmico em Comunicação, da (RS); Programa de Doutorado em Geografia,
Faculdade Cásper Líbero (FCL), em São Paulo da Universidade de São Paulo (USP), em São
(SP); um no Programa de Mestrado Acadêmi- Paulo (SP); Programa de Doutorado em Es-
co em Comunicação, da Universidade Paulista tudos Linguísticos e Literários em Inglês, da
(UNIP), em São Paulo (SP); um Programa de Universidade de São Paulo (USP), em São Pau-
Mestrado Acadêmico em Comunicação, da lo (SP); Programa de Mestrado Acadêmico em
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Psicologia, da Universidade Federal do Rio de
em Recife (PE). Em Comunicação Social, com Janeiro (UFRJ), no Rio de Janeiro (RJ).
um trabalho o Programa de Mestrado Acadê-
mico em Comunicação Social, da Universida- Podemos concluir que, a partir desse levan-
de Metodista de São Paulo (METODISTA), em tamento, o discurso sobre a Cultura Visual no
São Bernardo do Campo (SP). Brasil vem se construindo na intersecção das
áreas de Artes, Comunicação, Comunicação
Na área de conhecimento Educação, dos seis Visual, Educação e História. Por atuarmos nas
trabalhos, quatro foram desenvolvidos em áreas de Artes e Educação, o foco da análise do
Programas de Mestrado e dois em Programas discurso sobre a Cultura Visual será sobre es-
de Doutorado. Destacam-se como polos de sas áreas.
produção desse conhecimento: dois trabal-
hos no Programa de Mestrado Acadêmico em Neste momento, ainda inicial para a dimensão
Educação, da Universidade Federal de Santa da investigação pretendida, podemos consi-
Maria (UFSM); um no Programa de Mestrado derar que a produção acadêmica brasileira na
Acadêmico em Educação, da Universidade área de Cultura Visual é marcante e significati-
Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre va. Configura-se no campo de conhecimento das
(UFRGS); um no Programa de Mestrado Aca- Artes, seguida pela área de Comunicação, sen-
dêmico em Educação, da Universidade Fede- do a UFG, na região centro-oeste do País, o polo
ral de Minas Geris (UFMG), em Belo Horizonte que se destaca nessa produção, deslocando uma
(MG). Os dois trabalhos de Doutorado foram certa tradição das Universidades das regiões
desenvolvidos no Programa de Doutorado sudeste e sul predominarem na produção do
em Educação da Universidade Federal do Rio conhecimento no Brasil. Na área da Educação,
Grande do Sul, em Porto Alegre (UFRGS). destaca-se a região sul, com os Programas da
UFRGS e a UFSM.
Na área de Conhecimento História, dos qua-
tro trabalhos, três são de nível Doutorado e
um de Mestrado. Os polos de produção desse
conhecimento são: um trabalho no Programa
de Doutorado em História, da Universida-
de Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo
Horizonte (MG); um no Programa de Doutora-
do em História, da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP); um no Programa de
Doutorado em História, da Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
em Porto Alegre (RS); um trabalho do Progra-
ma de Mestrado Acadêmico em História, da
- 117 -

Referências Maria Emília Sardelich

· CRIMP, Douglas. Estudos culturais, cultura Doutora em Educação, professora adjunta,


visual. Revista USP, São Paulo, n.40, p. 78-85, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Cen-
dez./fev. 1998. tro de Educação (CE), Departamento Metodo-
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· DIKOVITSKAYA, Margaret. Visual Culture: cursos de Licenciatura, modalidades presen-
The Study of the Visual after the Cultural Turn. cial e a distância. Integra o Grupo de Pesquisa
Cambridge (MA): The MIT Press, 2005. em Ensino das Artes Visuais (GPEAV/UFPB).
Professora Colaboradora do Programa de
· FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pes- Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV/
quisas denominadas estado da arte. Educação UFPB/UFPE).
& Sociedade, n. 79, p. 257-272, ago.2002.
Erinaldo Alves do Nascimento
· HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mu-
dança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto Doutor em Artes - ECA-USP; Mestre em Bi-
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. blioteconomia – UFPB; Graduado em Edu-
cação Artística - UFRN. Professor do De-
· MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.). partamento de Artes Visuais – UFPB - do
Narrativas de Ensino e Pesquisa na Educação Mestrado em Artes Visuais da UFPB/UFPE.
da Cultura Visual. Santa Maria: Ed. da UFSM, Autor do livro “Ensino do desenho: do artí-
2009. fice/artista ao desenhista auto-expressivo”
(2010), de artigos e capítulos de livros. Inte-
· MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.). gra o Grupo de Pesquisa em Ensino das Artes
Cultura Visual e Infância. Santa Maria: Ed. da Visuais – UFPB, e o Grupo de Pesquisa em
UFSM, 2010. Educação e Visualidade - UFG.

· MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.).


Educação da Cultura Visual: conceitos e con-
textos. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2011.

· MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.).


Culturas das Imagens. Santa Maria: Ed. da
UFSM, 2012.

· MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.).


Processos e Práticas na Pesquisa em Cultura
Visual & Educação. Santa Maria: Ed. da UFSM,
2013.

· MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.).


Pedagogias Culturais. Santa Maria: Ed. da
UFSM, 2014.

· MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.).


Educação da Cultura Visual: aprender….pes-
quisar….ensinar… Santa Maria: Ed. da UFSM,
2015.

· MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes vi-


suais, cultura visual, História visual. Balanço
provisório, propostas cautelares. Revista Bra-
sileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 11-
36, 2003.
- 119 -

OS MATERIAIS VISUAIS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Susana Rangel Vieira da Cunha - UFRGS

Resumo: produções artísticas até o início do século XIX


foram também produtoras de mundos, insti-
Este artigo tem a intenção de realizar um le- tuidoras de determinadas realidades, demar-
vantamento analítico sobre os materiais vi- cadoras dos grupos sociais, formuladoras dos
suais presentes nas dissertações e teses pro- corpos, (in)visibilizadoras das terras e povos
duzidas pela linha de pesquisa Estudos sobre conquistados. E, se nas últimas décadas do sé-
Infâncias da Faculdade de Educação (UFRGS) culo XX, houve a intensificação na produção
no período de 2008 a 2012. Ancorada em au- e circulação de imagens, é porque somos uma
tores que discutem a visualidade e as imagens civilização que há milênios cultua e acredita no
na contemporaneidade, examino os materiais poder de verdade das imagens (CUNHA, 2005).
visuais que compõem os artefatos acadêmicos
e as funções que eles desempenham na pes- É interessante observar que ao mesmo tempo
quisa e nos artefatos acadêmicos. em que a arte começou a se desprender das
representações realistas, cubistas e dadaístas,
Imagem (não) é conhecimento no início do século XX, começaram a combi-
nar imagens, palavras e textos, incorporan-
Analfabetos visuais, cegos, distraídos, admira- do em suas obras fragmentos de jornais e de
dos ou arrebatados pelo universo visual, temos materiais escritos do cotidiano. Também nes-
dificuldades em manufaturar, criar, compor, se mesmo período os franceses Jules Chéret,
manusear imagens e expressar pensamentos, Alphonse Mucha e Toulouse-Lautrec criaram
emoções, conceitos utilizando a linguagem vi- o cartaz publicitário, mesclando imagens e in-
sual. São inúmeras as causas para a pouca ex- formações escritas. Pode-se dizer que os afi-
periência que temos em utilizar imagens como ches franceses e os experimentos cubistas e
meio para veicular ideias, mas uma delas é o dadaístas como o livro visual Une semaine de
entendimento de que a forma mais adequada bonté, do artista Marx Ernst, foram os precur-
para expressar pensamentos e argumentações sores dessa linguagem híbrida explorada mais
teóricas é a palavra, escrita ou falada. Nota-se adiante na produção artística e publicitária.
que há uma hierarquização entre as duas lin- Posteriormente, a partir dos anos 50, a Pop Art
guagens: a escrita porta o “conhecimento, o recuperou em suas composições a linguagem
saber e a verdade”, e as imagens, muitas vezes, miscigenada e explorou exaustivamente essa
servem para expressar sentimentos e, quando combinação, assim como a literatura infantil, a
muito, como “prova” de um acontecimento, um publicidade, as revistas e os jornais.
registro que “ilustra”, “comprova” e enaltece a
veracidade do que é escrito. Nos artefatos acadêmicos - relatórios de está-
gio, pesquisa, monografias, TCCs, dissertações
A respeito de como são consideradas as duas e teses no campo da Educação, a imagem, em
formas de expressão, Mirzoeff (1999, p. 24) geral a fotografia, quando utilizada, é descri-
afirma que “[...] a cultura ocidental tem privi- ta nas legendas e/ou “explicada” no corpo do
legiado o mundo verbal de forma sistemática, texto e raramente as imagens têm o papel de
considerando-o a mais alta forma de prática formular conhecimentos. Sua função mais
intelectual e qualificando as representações usual é de registro ou de confirmar aquilo que
visuais como ilustrações de ideias de segunda foi expresso verbalmente.
ordem” (tradução da autora). No entanto, as
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Este artigo tem como objetivo examinar dis- 2006, p. 83). Assim, a “realidade” reapresen-
sertações e teses que utilizaram materiais vi- tada e visibilizada nos artefatos acadêmicos
suais como metodologia de pesquisa e/ou nos passa a instituir conhecimentos e visões sobre
artefatos acadêmicos. O levantamento tem crianças, infâncias, seus modos de ser e viver.
como referência as investigações produzidas
no Programa de Pós-Graduação da Universi- Para Pereira (2009, p. 260), os pesquisadores
dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) também estão imersos na cultura das imagens
em um programa de pós-graduação em Edu- e nas tecnologias que as produzem, para a au-
cação entre 2008-2012, naem uma Linha de tora, o pesquisador “toma de empréstimo seus
linha de pesquisa Estudos sobre Infânciasque signos e reorganiza, com isso, seus próprios
objetiva examinar as infâncias e sua educação códigos de apreensão e compreensão dos
na multiplicidade e heterogeneidade de es- fenômenos. Não há dúvidas de que com a aju-
paços e contextos. As investigações seleciona- da dos aparelhos o pesquisador experimenta
das foram aquelas realizadas com crianças , a perspectivas de visada que, sem eles, jamais
maioria em contextos escolares, emem trabal- teria”. Muitas vezes, observa-se abundância
hos nos quais as autoras buscaram “criar” me- de registros imagéticos nas pesquisas; no en-
todologias de pesquisa utilizando materiais tanto, eles são utilizados, em sua maioria, da
visuais e/ou utilizaram os materiais visuais captura à apresentação, como significantes
como coprodutores das narrativas nos arte- e não como possibilidade de produzir signi-
fatos acadêmicos. , não apenas como “figuras” ficações. Fachadas de escolas, salas, pátios,
que ilustram os textos, mas como produções brinquedos, crianças sentadas em suas me-
discursivas. Assim, as análises se atêm a dois sas são cenas comuns nas pesquisas em Edu-
aspectos: como as pesquisadoras lançaram cação. No entanto, elas pouco nos dizem sobre
mão dos materiais visuais para produzir suas aqueles lugares, aqueles sujeitos e aquele fo-
pesquisas e como eles foram apresentados tógrafo-pesquisador. Segundo categorização
nos artefatos acadêmicos. de Wolf (2005, p. 38), são imagens transparen-
tes, imagens em que “não vemos a imagem, só
Materiais visuais na pesquisa com crianças a própria coisa representada”.

No Brasil, nas últimas duas décadas, as pes- Os trabalhos aqui examinados foram produzi-
quisas educacionais, de um modo geral, talvez das oito teses e 27 dissertações, orientadas
por influência da Etnografia, Antropologia Vi- por quatro professores de diferentes aborda-
sual, Estudos Culturais, Midiáticos, de Gênero gens teóricas. Dos 35 trabalhos, 20 utilizaram
e da Cultura Visual, Semiótica e mais recente- e apresentaram materiais visuais, sendo que
mente a Pesquisa Baseada nas Artes (EISNER, 12 (dez dissertações e duas teses) evidencia-
1998; HERNÀNDEZ, 2008) e a A/r/tografia ram uma utilização diferenciada dos mate-
(IRWIN, 2008; DIAS, 2006, 2009), têm se va- riais visuais na produção das pesquisas, como
lido de materiais visuais em vários momentos metodologia, e experimentaram soluções au-
das investigações. Hoje, é considerável o nú- torais na apresentação do artefato acadêmico.
mero de trabalhos acadêmicos em Educação,
principalmente na Sociologia da Infância, que Para empreender as análises, foram lidos os
utiliza imagens, em especial as fotográficas, 12 trabalhos, com especial atenção às seções
como metodologia de pesquisa e como forma metodológicas e referências bibliográficas,
de visibilizar as pesquisas. sendo também examinado o modo como as
imagens se apresentam nos artefatos acadê-
Em geral, a pesquisa com crianças utiliza re- micos. Depois de lidos e (re)vistos, os trabalhos
gistros fotográficos e ou em vídeo, em que a foram agrupados por semelhanças metodoló-
fotografia tem papel de auxiliar as pesquisa- gicas e pelas formas de apresentação. Assim,
doras a “verem” o que não foi possível ser visto dois focos foram eleitos: o primeiro é sobre
em campo, servindo também para mostrar os como os materiais visuais foram utilizados e
acontecimentos das pesquisas. Essa tentati- produzidos no desenvolvimento da pesquisa;
va de buscar imagens que mostrem de forma o segundo centrou-se no artefato acadêmico e
mais fidedigna os acontecimentos pode nos nos materiais visuais que o compõem.
levar a priorizar a “presença” do que vemos e
não as ausências. Aliada ao registro da pre- Para examinar como os materiais visuais fo-
sença, “a fotografia é um regime discursivo ram utilizados nos artefatos acadêmicos, bus-
que nos predispõe a aceitar que a imagem caram-se as contribuições de Barthes (1990),
fotográfica é fielmente real” (FISCHMAN, Rose (2001), Virilio (2002), Sontag (2007), Wolf
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(2005) e Rancière (2012) sobre as funções espaços escolares, materiais presentes nas
das imagens e as relações entre texto/ima- escolas, entre outros.
gem. Junto a esses autores, somam-se as ca-
tegorias elaboradas por Domènecch (2001) Em geral, a captura da imagem fotográfica se
sobre as imagens – informativas, reflexivas e deu nos acontecimentos, sem haver uma ela-
emocionais –, que serviram para agrupar por boração estética pré-definida e muitas vezes
semelhanças os modos pelos quais as pesqui- em condições adversas, como a pouca lumino-
sadoras utilizaram as imagens nos artefatos sidade do ambiente, movimentação rápida das
acadêmicos. Depois de muito manusear o ma- crianças, cenas acontecendo simultaneamen-
terial empírico e de dialogar com os referidos te, entre outros acontecimentos.
autores, foram reinventadas outras “catego-
rias”: imagem-exemplo, aquelas que têm a in- Sontag (2007, p. 138) afirma que “é preciso que
tenção de visibilizar, exemplificar e ou com- haja imagens para que algo se torne real”. Pre-
provar os acontecimentos da pesquisa, sendo cisamos dar existência e consistência aos epi-
acompanhadas de textos descritivos e/ou le- sódios da pesquisa, porém eles sempre serão
gendas; imagem-poética, que também são re- versões do registrado. Mesmo que as pesqui-
gistros da pesquisa, mas não têm a intenção sadoras pretendessem dar a ver um “real”, esse
de transcrever os acontecimentos, não são “real” foi a versão fragmentada da pesquisa-
acompanhadas de explicações textuais e dora-fotógrafa, ou seja, o instante capturado
produzem outra narrativa que a escrita não e mostrado ao leitor é sempre uma “interpre-
consegue expressar; imagem-convocatória, tação” do vivenciado. Outra pesquisadora, que
relacionada ou não com o texto, seria aque- não estava interessada em registros objetivos,
la que Virilio (2002, p. 31) categoriza como mas sim em registrar suas impressões, explica
imagem fática, que força o olhar e prende a seu processo de captura das imagens: “As foto-
atenção; imagem-deslizante são aquelas que grafias, portanto, foram produzidas e escolhi-
se desprendem do texto escrito e dos regis- das através de um vagar, com o duplo sentido
tros da pesquisa, às vezes sendo compostas da palavra, de demora e de passeio, não eram
por diferentes materiais visuais e possibili- mais apenas um reflexo daquilo que eu olhava
tando recriar visualmente outros conceitos. ou prova do que ali acontecia e sim uma inter-
A intenção, ao estabelecer essas “categorias”, pretação” (PETRY, 2009, p. 123).
foi elaborar um esboço analítico para enten-
der as funções das imagens e como estamos Ao compor os artefatos acadêmicos, posterior-
nos valendo dos materiais visuais naquilo mente, nota-se que a maioria das pesquisado-
que será visibilizado aos diferentes públicos. ras se preocupou em retrabalhar as fotogra-
fias, recompondo-as, combinado-as umas com
Fotografia além do registro outras e também com outros materiais. Muitas
composições imagéticas e narrativas não obe-
Na pesquisa em Educação um recurso reco- deceram a sequência cronológica dos aconte-
rrente é registrar e apresentar por meio da cimentos, sendo reorganizadas com o intuito
fotografia os acontecimentos da pesquisa. As- de dar um outro sentido ao visto. Também é
sim, não seria uma surpresa constatar que nos perceptível o cuidado com a diagramação e
12 trabalhos a fotografia está presente. Dos em como as fotografias poderiam dialogar
materiais visuais, a fotografia e o vídeo são os com o texto; assim, entre a captura do aconte-
meios que conferem às cenas apresentadas o cimento e a sua visibilização no artefato, hou-
estatuto de verossimilhança. ve interpretação e recriação.

Nas pesquisas examinadas, a utilização das Ambas as pesquisadoras utilizaram as fo-


fotografias foi variada no que diz respeito tografias para ampliar as impressões que
tanto nas formas como foram produzidas haviam sido apreendidas em campo. Outra
quanto nos modos de visibilizá-las no artefato pesquisa que se debruçou sobre as vivências
acadêmico. A imagem fotográfica na maioria dos bebês nos diferentes espaços da escola
dos trabalhos assumiu diferentes funções: do- infantil utilizou a fotografia e o vídeo para en-
cumentar os diferentes episódios da pesquisa trecruzar com as anotações do diário de cam-
de campo, utilizá-la para entender com maior po (GOBBATTO, 2011). De forma semelhante, o
profundidade e narrar visualmente, às vezes estudo dedicado às interações dos bebês e das
de forma poética, o visto e o vivido na pesqui- crianças bem pequenas com os livros recorreu
sa. A modalidade mais usual foi como registro à fotografia e ao vídeo como principal modo de
das cenas da pesquisa mostrando crianças, registro. Porém, ao “recontar” em forma de na-
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rrativa visual os acontecimentos, a pesquisa- foi construída ao longo deste processo inves-
dora não seguiu “o tempo cronológico das ima- tigativo” (ABREU, 2010, p.101).
gens capturadas” (GUIMARÃES, 2011, p. 120).
Em todas as investigações, as pesquisadoras
Em uma investigação sobre as práticas de em- buscaram referenciais teóricos e justificati-
belezamento corporal das meninas Kaingang, vas para a utilização das imagens na captura,
a pesquisadora utilizou a fotografia como for- metodologia da pesquisa, análises de dados e
ma de registro, sendo mostrados muitos detal- elaboração do artefato acadêmico. Algumas
hes nas formas de embelezamento praticadas pesquisadoras, além de estabelecer diálogos
pelas meninas. Porém, os rostos das crianças com a Antropologia Visual, Fotoetnografia e
não foram identificados, fator que afetou a in- Estudos da Cultura Visual, procuraram re-
tenção da pesquisadora em mostrar as apro- ferências estéticas em obras de fotógrafos e
priações culturais desse grupo. Posteriormen- artistas visuais. Ou seja, para trabalhar com
te, no artefato acadêmico, muitas fotografias as imagens, não bastaram os suportes teóri-
foram compostas com outros materiais vi- cos, havendo também a necessidade de uma
suais, criando uma narrativa sobre as práticas ampliação de repertórios visuais das pesqui-
de embelezamento (BRUM, 2011). sadoras.

Em outra investigação, que teve como per- Outros materiais visuais na produção
gunta norteadora “Como se desenvolvem, se da pesquisa
produzem, se criam modos de vida na escola
de educação infantil?”, a pesquisadora utilizou Além da fotografia, outros materiais visuais
diferentes enquadramentos e cortes nas foto- foram utilizados como instrumentos meto-
grafias, detalhes que geralmente não são regis- dológicos, entre eles: desenhos, pinturas, co-
trados, como a posição dos pés das crianças nas lagens, bonecos/as, maquetes, reproduções
cadeiras, o olhar para uma massinha de mode- artísticas, peças artesanais, filmes, cartazes,
lar seguida de fotografias apenas das produções livros imagéticos, histórias em quadrinho,
tridimensionais da criança. Para uma mesma propagandas. Algumas vezes as pesquisado-
cena foram utilizadas várias sequências em que ras produziram e disponibilizaram às crianças
é possível acompanhar os percursos da pesqui- os materiais com o intuito de desencadearem
sadora e as minúcias das ações infantis. as conversações, outras vezes foram propos-
tas situações lúdico-expressivas em que as
Em outra investigação, a fotografia e o fo- crianças produziram materiais visuais e ex-
tografar das crianças – objeto e ação – foi o pressaram seus pontos de vista por meio das
material empírico da investigação. Segundo linguagens visuais.
a pesquisadora: “O fotografar como a ação de
fazer fotos é o centro deste estudo. Propon- Acredita-se que para entender, pelo menos
ho o estudo do fotografar na escola [especial] um pouco, os modos como as crianças pen-
como um modo ver, dizer, sentir e relacio- sam, imaginam e expressam o mundo, deve-
nar-se produzindo conhecimentos e sentidos” mos desenvolver materiais e outros recursos
(FERREIRA, 2012, p. 3). Para ela, “as imagens metodológicos que não estejam centrados
que compõem esta escrita não são ilustração, apenas na linguagem verbal escrita e falada.
têm algo a dizer, fazem parte da história deste Mesmo sabendo que sairiam da zona de con-
pesquisar [...]. Os textos visuais e escritos des- forto proporcionada pelas metodologias de
envolvem/registram este estudo, compõem a pesquisa que estavam familiarizadas, muitas
sua história” (FERREIRA, 2012, p. 21). pesquisadoras elegeram materiais visuais
como disparadores das ações da pesquisa e
Na pesquisa Bruxas, bruxos, fadas, princesas, incentivaram que as crianças manifestas-
príncipes e outros bichos esquisitos... as apro- sem suas ideias por meio deles porque acre-
priações infantis do belo e feio nas mediações ditavam que durante o processo de pesquisa,
culturais, os registros em vídeo, além de au- em torno de 8-12 meses, as crianças teriam
xiliar na documentação da pesquisa, tiveram oportunidade de ampliar seus repertórios vi-
o papel de retomar, junto com as crianças, os suais, questionar os significados das imagens,
acontecimentos da pesquisa. “Assim, o audio- compartilhar com seus pares suas concepções
visual entrou como gerador de dados, colabo- visuais e produzir suas próprias imagens por
rando para esta investigação. Nos registros meio da fotografia, vídeos, desenhos, pintu-
audiovisuais, foi possível verificar algumas ras, construções tridimensionais, entre outras
imagens que indicassem uma narrativa que modalidades expressivas.
- 123 -

Em algumas investigações, os materiais vi- as visões que as crianças “urbanas” e “rurais”


suais foram os principais instrumentos meto- produzem sobre si e sobre os outros.
dológicos. Como existem poucos estudos sobre
a utilização de outros materiais visuais além A proposta de intercambiar os materiais vi-
da fotografia na pesquisa com crianças, as suais entre as crianças foi influenciada pela
investigadoras, na medida em que desenvol- “pedagogia da interculturalidade” proposta
viam a pesquisa, elaboravam os materiais nas por Sarmento (2007) e pelas pesquisas que o
interlocuções com as crianças. referido autor desenvolveu junto aos pesqui-
sadores da UFSC. Assim, a pesquisa “envolveu
As pesquisadoras (SOUZA, 2008; DIEFEN- a ação das crianças, sua relação com o outro,
THÄLER, 2009; HORN, 2010; ABREU, 2010; com o ‘desconhecido’, com seus universos,
FEITOSA, 2011) realizaram propostas metodo- suas formas de brincar, de viver, o diálogo com
lógicas centradas em materiais visuais e equi- suas escritas e desenhos, com suas formas de
pamentos para produzir imagens. Máquinas narrar suas vivências” (HORN, 2010, p. 68).
fotográficas, filmadoras, vídeos, materiais grá-
fico-pictóricos, tecidos, sucatas, reproduções Ao lançar as propostas às crianças de dife-
de propagandas e obras de arte, bonecos/as fo- rentes contextos culturais, a investigadora
ram disponibilizados às crianças para que elas disponibilizava os equipamento e materiais
se valessem deles para se expressarem nas e cercava as crianças de questionamentos.
diferentes linguagens visuais. Ao se apropria- Nos desenhos, por exemplo, em que foi pro-
rem dos materiais e equipamentos, as crianças posto que elas desenhassem como imagina-
manifestaram seus pontos de vista de forma vam as crianças do outro grupo cultural, ela
singular, reapresentaram suas experiências e perguntava: “Como imaginar alguém que não
relações com o mundo e também foram copro- conheço? Do que será que gosta, brinca, faz,
dutoras dos dados. A intenção das pesquisado- como será que é o(a) meu amigo(a) secreto(a)?”
ras foi priorizar os enunciados poéticos na sua (HORN, 2010, p. 75).
fatura e na análise dos dados.
Semelhante às metodologias de Horn e Die-
Em uma pesquisa mediada em que a pesqui- fenthäler, a pesquisa Bruxas, bruxos, fadas,
sadora buscou entender como as crianças pe- princesas, príncipes e outros bichos esquisi-
quenas rompem com os estereótipos do des- tos... as apropriações infantis do belo e feio nas
enho, foram elaborados Ações Propositoras mediações culturais também se valeu de um
e Materiais Provocadores (DIEFENTHÄLER, percurso metodológico baseado em diferentes
2009), expressões utilizadas para se referir propostas, cujo objetivo foi incentivar variadas
aos recursos metodológicos criados no deco- formas de expressão das crianças e ampliar
rrer da pesquisa. seus repertórios culturais. O interesse principal
da investigação foi entender, e problematizar,
Os materiais provocadores, todos compostos como as crianças produziam suas concepções
por imagens, foram elaborados após as ob- sobre o belo e o feio e como elas construíam
servações participativas e de algumas cons- visualmente suas concepções. Para entender
tatações da pesquisadora em relação a como as formulações infantis, a investigadora trabal-
os imaginários infantis e suas formas de ex- hou em dois focos: propostas expressivas e pro-
pressão estão sendo abastecidos pela cultura postas para ampliação de repertórios visuais.
visual. Segundo ela: “O objetivo principal era o As crianças, durante o processo da pesquisa,
de produzir alguns materiais que viessem ao tiveram oportunidade de experimentar várias
encontro de inquietações que me acompan- possibilidades da linguagem visual e criaram
haram, no caso, a proliferação de imagens a história “Cabruxa, a Bruxa Inventada”, que
padronizadas nas produções expressivas in- foi um dos meios pelos quais a pesquisadora
fantis” (DIEFENTHÄLER, p. 83). buscou entender como as crianças elaboravam
suas noções de belo e de feio.
Um conjunto de propostas – cartas desen-
hadas enviadas pelo correio, autorretratos Em outra pesquisa que problematizou bo-
desenhados e pintados, desenhos de como necos/as e as práticas do brincar, a pesqui-
imaginam as outras crianças, fotografias em sadora, depois de uma vasta pesquisa sobre
formato de cartão postal dos locais interessan- bonecos e bonecas, disponibilizou às crianças
tes de suas comunidades, gravação de vídeos bonecos/as que usualmente a maioria das
dos locais preferidos das crianças – foi o meio crianças não tem acesso. Com bonecos am-
que a investigadora criou para compreender putados, negros, gordos, com cabelos encara-
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pinhados e escuros, míopes com óculos, entre perimentações com a linguagem visual como
outras características físicas, misturados com possibilidade discursiva e expressiva no arte-
os bonecos/as da escola, a pesquisadora bus- fato acadêmico, dialogando e/ou ampliando
cou entender como as crianças operam com o texto escrito. Além das imagens exercerem
os conceitos de corpo, raça e gênero em suas funções que extrapolam a ilustração, muitos
brincadeiras. “Optei por ouvir as crianças e o trabalhos são apresentados no formato “pai-
que elas tinham a dizer. Contar sobre bonecos sagem” e impressos em papéis com diferentes
e bonecas com os quais brincavam e observa- texturas e gramaturas, alguns deles funcio-
vam nessa pesquisa” (SOUZA, 2008, p.51). navam como caixas de surpresas, dando um
aspecto lúdico e ao mesmo tempo subtraindo
Na investigação cuja temática foi “as infâncias o caráter formal dos trabalhos acadêmicos.
da guerra” (FEITOSA, 2011), desenvolvida com Em um deles, o artefato foi apresentado em
crianças que vivem em um abrigo institucional, pequenos cadernos dentro caixas, cabendo ao
o pesquisador ofereceu máquinas fotográficas leitor escolher seus percursos de leitura.
para que as crianças mostrassem seus pontos
de vista sobre o local em que viviam. Para en- As imagens fotográficas de Educação In-
tender suas expectativas de vida, foi proposta fantil: vida-história de grupo e(m) processos
a construção de maquetes em caixas de sapa- de criação se desprendem do texto escrito e
tos, quando as crianças tiveram a oportunidade transformam-se no texto principal. Com um
de “mostrar” seus imaginários. Muito além da estudo mais aprofundado sobre fotografia,
importância acadêmica da pesquisa, crianças a pesquisadora-fotógrafa explorou exausti-
invisíveis reconstruíram suas histórias e pro- vamente as possibilidades das imagens. Nas
jetaram suas vidas. Seus testemunhos foram suas imagens-poéticas, o explícito das cenas
expressos em maquetes e fotos. Para elaborar não é mostrado, mas insinuadas as presenças
a metodologia de pesquisa, o pesquisador levou com o recurso da ausência. É um jogo que ofe-
em conta que essas crianças se situavam no rece um vestígio que poderá desencadear no
grupo dos silenciados e que talvez pelas pala- leitor a criação de outras imagens e narrati-
vras não fosse possível elas expressarem suas vas. Algumas vezes a pesquisadora-fotógrafa
vivências muito doloridas. enquadra o que a criança poderia estar olhan-
do e não o que ela pesquisadora vê na criança.
A metodologia desenvolvida com materiais vi- Em outros momentos, as imagens nos con-
suais de Feitosa (2011), assim com das outras duzem para dentro delas e queremos desco-
pesquisadoras, oportunizaram às crianças si- brir o que há na ponta do dedo de um menino,
tuações em que elas puderam salientar aspec- ou o que aquele grupo de crianças, de costas
tos que seriam difíceis de serem expressos e para nós, está conversando. Assim como Trois,
“vistos” em uma conversa, entrevista ou texto. porém utilizando outros recursos visuais, Pe-
Para as crianças também foram momentos de try torna suas imagens convocatórias, ima-
compartilhar seus saberes sobre as lingua- gens que nos solicitam a descobrir mais da
gens visuais e produzirem “dados” que rom- cena além daquilo que é visibilizado. Petry,
piam com as lógicas narrativas da linguagem ao longo de suas narrativas visuais, prende
falada. Por outro lado, os materiais visuais nossa atenção, nos dá espaço para imaginar,
produzidos pelas crianças convocaram as supor, dialogar e, principalmente, nos provo-
pesquisadoras a fazer um esforço para exami- ca a criar outras imagens (e conceitos) sobre
ná-los em sua dimensão imagética. crianças e suas relações.

“Para que serve um livro sem figuras?” Quando a pesquisadora é uma professora-fo-
tógrafa e seu objeto de estudo é a fotografia
Alice, personagem de Lewis Carrol (2002, e o fotografar de seus alunos, em Aluno faz
p. 2), ao ver o livro da irmã faz essa pergun- foto? O fotografar na escola (especial), a ex-
ta, que agora serve de mote para pensarmos pectativa é que a fotografia seja a principal
sobre os diferentes papéis que os materiais fonte de imagens no artefato acadêmico. E é,
visuais ocupam nos artefatos acadêmicos. A mas Ferreira explora a diagramação e insere
pergunta que se coloca é: “Para que servem as elementos gráficos nas fotografias, elaboran-
figuras nos artefatos acadêmicos?” do composições mesclando, com os registros
das crianças com e das cenas da pesquisa. De
Nos trabalhos analisados, algumas pesquisa- modo similar a uma das propostas metodoló-
doras (DIEFENTHÄLER, 2009; PETRY, 2009; gicas desenvolvidas na pesquisa, a fotona-
FERREIRA, 2012; TROIS, 2012) realizaram ex- rrativa, Ferreira recria os acontecimentos da
- 125 -

pesquisa e propõe outra forma de visibilizá-la. so olhar e ao mesmo tempo tornar evidente a
Segundo a autora: “O ‘isto foi’, expressão clás- participação efetiva das crianças.
sica ao referir-se sobre o estatuto da imagem,
segundo Barthes foi substituído pelo ‘isto pode Que reação poderá gerar no leitor uma tese
ser’, marca da constante possibilidade de re- em que o sumário é composto por imagens?
novação pelas infinitas formas de composição Ou como nos situamos frente a um trabalho no
das imagens” (FERREIRA, 2012, p. 136). Desse qual a maior discussão da pesquisa se dá nas
modo, a pesquisadora-fotógrafa rompe com imagens? E quando a forma do trabalho é con-
o registro “fidedigno”, com a ordem dos acon- teúdo? O que e como estamos “dizendo” com as
tecimentos, com o material visual esparso e imagens?
produz outra narrativa no artefato acadêmico
utilizando vários recursos da linguagem vi- Além da necessidade de aprendermos a utili-
sual. É uma transformação das imagens-re- zar as imagens como as palavras, precisamos
gistro para imagens poéticas, convocatórias e estar atentos em relação aos efeitos das peda-
deslizantes. gogias visuais em nossos artefatos acadêmi-
cos, pois entendo que as imagens não são neu-
Das experimentações à materialização tras. Assim, em nossos trabalhos acadêmicos,
deveríamos indagar: como estamos produzin-
Nas pesquisas examinadas, estamos em uma do visões de crianças, infâncias, pesquisa com
fase de experimentações de metodologias crianças?
com materiais visuais e modos de apresen-
tá-las nos artefatos acadêmicos. Nota-se que, Referências
em muitas dessas pesquisas, o conceito de
imagem como imitação, reprodução e “reflexo” · ABREU, Luciane. Bruxas, bruxos, fadas,
dos acontecimentos da pesquisa está se modi- princesas, príncipes e outros bichos esquisi-
ficando, tendo algumas rompido com os usos tos… : as apropriações infantis do belo e do
convencionais das imagens desde a captura feio nas mediações culturais. 2010. 158f. Dis-
do “instante” até a sua visibilização. Ao romper sertação (Mestrado em Educação) – Programa
com o conceito tradicional de imagem como de Pós-Graduação em Educação, Faculdade
algo que “retrata” os acontecimentos ou como de Educação, Universidade Federal do Rio
documentação visual da pesquisa, as pesqui- Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
sadoras utilizaram as imagens como argu-
mentos visuais, assim como fizeram com o · ACHUTTI, L.E.R. Fotoetnografia da Biblioteca
texto escrito. Assim, a hierarquia entre escrita Jardim. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004
e imagem é minimizada ou até invertida, e as
imagens passam a ser a narrativa principal. · BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: Ensaio
críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
De um modo geral, são recentes as metodo- 1990.
logias de pesquisa com crianças que as posi-
cionam como produtoras desses materiais. · BRUM, Luciana Hahn. O kañe (olhar) na ci-
Entende-se que não é apenas outro posicio- dade: práticas de embelezamento corporal na
namento, mas outra forma de estabelecer as infância feminina Kaingang. 2011, 130f. Dis-
relações de saber entre crianças-pesquisa- sertação (Mestrado em Educação) – Programa
doras, na qual as linguagens visuais – modos de Pós-Graduação em Educação, Faculdade
corriqueiros de expressão infantil – passam de Educação, Universidade Federal do Rio
a ter relevância. Ao utilizar materiais visuais Grande do Sul, Porto Alegre, 2011
como recurso metodológico, pesquisadoras
e crianças se confrontam com outras formas · CARROL, L. Alice no país das maravilhas.
de expressão e aprendizagens nos proces- Editorial Arara Azul, Fonte Digital, Versão
sos investigativos, possibilitando aos adultos e-Book, 2002. Disponível em http://www.
romperem com as certezas que a linguagem ebooksbrasil.org/eLibris/alicep.html, acesso
verbal lhes dá. A utilização das produções vi- 22/03/2013
suais infantis nos artefatos pode causar des-
equilíbrios aos leitores, acostumados com a ló- · CUNHA, VIEIRA da Susana R. Entre Van Go-
gica de construção da imagem adultocêntrica. ghs, Monets e Mônicas: a infância educada
Assim, fotografias, desenhos, maquetes, entre através das imagens. Revista Ciências & Le-
outros materiais “fora” dos padrões visuais que tras, FAPA, Porto Alegre, v.43, n. 1, p. 107-124,
estamos acostumados nas pesquisas, podem jan/jun. 2005.
contribuir para sobressaltar, estranhar nos-
- 126 -

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Programa de Pós-Graduação em Educação, e-mail:rangel.susana@gmail.com
Faculdade de Educação, Universidade Fede-
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- 129 -

MÁQUINAS ESTÉTICO - POÉTICAS PARA APRENDER

Tatiana Fernández - UnB


Belidson Dias - UnB

RESUMEN research with artistic methodologies that no


longer search explanation for the visual, but,
Las metodologías usadas en las investigacio- most of all, to visualize the conflicts and power
nes pedagógicas y visuales apuntan no sólo a relations of domination/emancipation. These
lo que se hace visible, pero sobretodo a lo que research methodologies are also learning
se hace visual. Eso significa ver a través de las methodologies. In that stance are presented
capas culturales que determinan la visibilidad the Poietic Learning Objects, OAP, as aestheti-
histórica, a través de la mirada del otro y a tra- co-poietic learning machines, with potentially
vés del control de la mirada. La Investigación openness to set up artistic and pedagogical
Basada en las Artes, o IBA, y la Investigación processes. Therefore we argue that ABR and
Educativa Basada en las Artes, o IEBA, en es- ABER methodologies are political in the re-
pecial la A/r/tografia, ofrecen la oportunidad version of the established order.
de investigar con metodologías artísticas que
no sólo buscan la explicación de lo visible; Key Words
pero sobretodo, la visualización de los conflic- Arts Based Research, IArts Based Educational
tos y de las relaciones de poder y dominación/ Research, Poietic Learning Objects
emancipación. Estas metodologías de inves-
tigación son también de aprendizaje. En esas El valor de las metodologías de Investigación
bases se presentan los Objetos de Aprendizaje Basada en las Artes, o IBA y de la Investiga-
Poéticos, OAP, como máquinas estético - poé- ción Educativa Basada en las Artes, o IEBA,
ticas con aberturas que pueden colocar en está en que se dirigen hacia lo visual, no a lo
funcionamiento procesos potencialmente ar- meramente visible. Estas metodologías cons-
tísticos y pedagógicos. Así argumentamos que tituyen formas de operar estéticas y poéticas
las metodologías de IBA e IEBA son políticas para construir conocimiento y por eso son
porque revierten el orden de lo establecido. formas políticas. De esa manera, argumenta-
mos, son también metodologías para procesos
Palabras Llave educativos. Este artículo presenta, en esas ba-
ses, los Objetos de Aprendizaje Poéticos, OAP,
Investigación Basada en las Artes, Investiga- como máquinas estético-poéticas para apren-
ción Educativa Basada en las Artes, Objetos de der en la educación en visualidades.
Aprendizaje Poéticos
1. El arte como investigación: de lo
ABSTRACT visible a lo visual.

Methodologies for pedagogical and visual Así como los tratados que los artistas escribieron
research point out, not only to what is make en el Renacimiento elevaron la pintura a un arte
visible, but above all, to what is done visua- superior, hoy en día artistas como Graeme Sulli-
lly. That means to see through cultural layers van y Luis Camnitzer piensan el arte como una
that determine historical visibility, through forma de investigación tan valiosa como las me-
the other's gaze and through gaze control. todologías científicas y el artista como un inves-
The Arts Based Research, ABR, and the Arts tigador tan importante como el científico, lo que
Based Educational Research, ABER, specia- coloca al arte en posición tan importante cuanto
lly A/r/tography, offer the opportunity to do la ciencia (JAGODZINSKI y WALLIN, 2013) para
la reconstrucción de la sociedad.
- 130 -

Pero eso no significa que el arte sea igual a la Por otra parte, estas metodologías no tratan
ciencia, vale justamente por sus diferencias. de procedimientos técnicos en el arte pues el
En la investigación científica se asume que el valor metodológico del arte no reside en la con-
conocimiento se busca dentro de los límites de fección del objeto sino en la forma de pensar y
lo que se conoce. Para Sullivan "lo que se cono- operar la investigación. Tampoco se restringen
ce puede limitar la posibilidad de lo que no se a las imágenes sino a las relaciones que se es-
conoce y eso requiere de una práctica creativa tablecen con ellas, es decir, a las visualidades.
para ver las cosas de una nueva forma" (SU- Son metodologías que van de lo visible a lo vi-
LLIVAN, 2010, p. 32). El autor observa que en sual porque consideran los sujetos, los objetos
la investigación científica la diferencia se ex- y los contextos en sus relaciones. Parten de
presa en grado y cantidad en comparación con dentro del problema o problematizan, no se
lo que se conoce, de manera que las metodo- imponen un problema. El valor que dan a las
logías científicas se basan en la probabilidad. "relaciones entre" marcan la preocupación con
Y cuando las diferencias son de tipología se formas de ver a través de las capas culturales
basan en la plausibilidad. El espacio de lo des- que determinan la visibilidad histórica que se
conocido en el arte, en cambio, se aventura en construye de "lo visible y lo decible, de regiones
lo que todavía no es, en lo posible. de visibilidad y campos de legibilidad, de con-
tenidos y expresiones" (DELEUZE, 1988, p. 57).
Si queremos crear nuevas concepciones de lo
que sabemos es necesario basarse en lo pro- También se preocupan con las formas de ver a
bable, lo plausible y lo posible, piensa Sullivan. través de la mirada del otro, porque lo visual es
En ese sentido el arte investiga sobre lo desco- una experiencia y la experiencia solo se vive en
nocido en cuanto la ciencia investiga sobre lo el lugar de la interacción social y natural. (MIT-
que se conoce. CHELL, 1995, 2005; MIRZOEFF, 1998, 2009).
Por otra parte se busca ver a través de los
Algunos, como Camnitzer, piensan que el arte dispositivos de control de la mirada que cada
va más lejos que la ciencia, como una meta-dis- época construye para entender las complejas
ciplina: "De hecho veo a la ciencia como un mero relaciones que se tejen entre las visualidades
accidente en la construcción del conocimiento" (FOUCAULT, 1984, In MIRZOEFF, 1998; 2003).
(CAMNITZER, 2015, s/n), porque la ciencia está
limitada por la lógica, la causalidad y los ex- Estos intereses metodológicos definen posi-
perimentos repetibles. El arte es todo eso y su ciones críticas que buscan ir más allá de lo
contrario, piensa el autor. En esa perspectiva la que es o está visible y por ese motivo requiere
contribución del arte al conocimiento humano operar de forma estética y poética. Lo estético
existe de formas ricas, abiertas a las diferencias, se entiende aquí en su raíz aisthesis, que se
contradicciones, flujos cambiantes, diversidad refiere a la facultad de sentir, por lo tanto cor-
de contextos, intenciones y culturas. poral. Sin embargo, no se refiere a un cuerpo
individual, sino colectivo, conectado, dentro
En ese sentido surgen en las últimas dos dé- del mundo. Por otra parte, lo poético se entien-
cadas las metodologías de IBA y de IEBA que de aquí en su raíz poiesis que significa una
abordan la construcción del conocimiento de producción sobre la cual no se tiene control.
maneras diferentes a los de la ciencia y con Si esta definición proyecta el mito del poeta
expresiones singulares de los resultados (SU- que recibe inspiración de las Musas, también
LLIVAN, 2010). Son metodologías que lidian se refiere a lo que va más allá de la voluntad
con aspectos del conocimiento de formas que del poeta. Lo poético es, como apuntan jan ja-
otras metodologías estarían limitadas o no godzinski e Jason Wallin (2013) lo que se abre
conseguirían. Por otra parte son, muchas ve- a lo desconocido, lo que está en potencia, la
ces, metodologías que constituyen en sí mis- posibilidad. Lo poético es en este raciocinio un
mas, pedagogías (DIAS, 2007). espacio de aprendizaje, porque aprendemos
de lo nuevo, de lo que no sabemos.
Se caracterizan por la centralidad de las imá-
genes en los procesos de investigación. Pero Tomando en cuenta todos estos aspectos, ob-
van más allá de lo visible y de las matrices se- servamos que la IBA y la IEBA son metodolo-
mióticas, lingüísticas o iconológicas, que son gías que promueven posiciones definidas po-
propias de las ciencias. En la IBA y la IEBA se líticamente porque subvierten presupuestos
usan métodos y estrategias del arte para in- relacionados a lo que Jacques Ranciére (2009)
vestigar asuntos relativos a la sociedad, a la llama de 'distribución de lo sensible'1 o distribu-
vida o a la cultura visual. ción de los papeles en la sociedad. Lo estético
- 131 -

es lo sensible y la distribución de lo sensible es, está relacionado a la llamada 'Economía del


como apunta el autor, una distribución políti- Aprendizaje', una forma de ver la educación
ca. Por otra parte lo poético también es político en términos puramente económicos que favo-
porque se abre al espacio de lo desconocido, de rece estrategias de privatización de la gestión
lo que está por ser, de lo posible. un espacio de educativa, políticas de evaluación y estanda-
potencia y como tal, siempre una promesa. rización de la educación y control político de
lo que se aprende. En ese tipo de política se in-
En ese sentido se destaca la metodología de la centiva a que las personas aprendan a ganar
A/r/tografia (DIAS e IRWIN, 2013) como una dinero para ser competitivas y/o para el creci-
forma de IBA y IEBA que se propone operar miento económico de un grupo social. Se pro-
en bases estéticas y poéticas. Integra la teo- pone que envés de ganarse la vida se aprenda
ría, la praxis y la poética, reflexiona sobre las la vida (HODGINS, 2000; BIESTA, 2006).
identidades en tránsito, indaga sobre la ima-
ginación y favorece lo que los a/r/tógrafos La propuesta de los OAP, aunque conservan
llaman de 'investigación viva' o investigación cualidades de OA reutilizables e interactivos,
relacionada a la vida presente. Para los a/r/tó- buscan, al contrario, la singularidad de los re-
grafos la experiencia de vida, la subjetividad sultados, acceso contextualizado y democra-
y la comunidad son "elementos significantes tizado, una evaluación auténtica y cualitativa
en la construcción de conocimiento y cambio y partir del principio de la emancipación del
sociocultural cuando se exploran y se retratan pensamiento2. Son artefactos que operan con
dentro del marco de la investigación artística" formas de investigar basadas en el arte, dando
(SULLIVAN, 2010, p. 58). Son formas que bus- espacio a la imaginación, destacando la expe-
can, sobretodo, visualizar los conflictos y las riencia estética, los espacios de subjetivación,
relaciones de dominación/emancipación. de diferencia, disidencia y singularidad.

Esta metodología se basa en las subjetivacio- Estos artefactos para aprender en la educación
nes en flujo entre las identidades de artista, en visualidad son el resultado de una investi-
investigador y profesor que constituyen el gación sobre las coincidencias entre el giro de
marco de referencia a través del cual estu- la visualidad en la educación y el giro pedagó-
dian la práctica artística como espacio de in- gico en el arte. Fueron creados y experimenta-
vestigación. Es una metodología que se propo- dos en tres ediciones de un curso de extensión
ne desconstructora, rizomática, colaborativa, del Instituto de Artes, IdA, de la Universidad
transcultural, transdisciplinar, transaccional de Brasilia, UnB, entre 2013 y 2014 y analiza-
y dialógica; una forma de investigación que dos en la tesis de doctorado "El evento artístico
privilegia de la misma manera imagen y texto, como pedagogía" (FERNÁNDEZ, 2015). La pro-
creación, imaginación y emoción. puesta tuvo como objetivo realizar artefactos
que produjesen eventos artísticos como peda-
2. Máquinas estético- poéticas gogías con profesores de arte, estudiantes de
para aprender. arte y de licenciaturas en arte.

En esas bases metodológicas se presentan los El análisis realizado de los artefactos y de las
Objetos de Aprendizaje Poéticos, OAP, para conversaciones que se establecieron en cada
la enseñanza del arte. Son artefactos que se una de las ediciones del curso proporcionaron
apropian del concepto de Objetos de Apren- una perspectiva de lo que puede suceder si los
dizaje, OA, usados en la educación en general, objetos de aprendizaje son propuestos en el
desde el surgimiento de las nuevas tecnolo- espacio estético y poético. El desafío era evitar
gías de información y comunicación. los modelos binarios de lo correcto/incorrecto
y se aventurar en propuestas con aberturas
Los OA son pequeñas unidades de aprendizaje estético-poéticas en que los estudiantes/parti-
en formato digital, reutilizables, que favore- cipantes de los artefactos pudiesen imaginar,
cen la autonomía del aprendizaje porque son ser singulares, ser diferentes, pensar de for-
interactivos. Van desde simuladores a presen- ma disidente e imaginativa, pensar con todo
taciones, videojuegos o Role Playing Games, el cuerpo y relacionarse a lo que se aprende
RPG producidos para aprender. El concepto de forma a construir sus propios territorios de

1 - Para Rancière el orden social es un conjunto de convenciones que determina la distribución de los papeles y en ese sentido también
determina las formas de exclusión social.
2 - Principio de la emancipación en el punto de partida (no en el punto de llegada) de un proceso educativo (RANCIÈRE, 2002, 2011).
- 132 -

existencia. 2.1. History Intervention

Por otra parte, observamos que, siendo artefac- Producido por Tatiana Fernández para sus
tos cada vez más comunes en la sociedad los OA clases de Historia del Arte Contemporáneo
hoy hacen parte de aquello que Gilles Deleuze y en 2012 y presentado en el Programa de
Felix Guattari (2002) llaman de 'conformacio- Pós-Graduación en Arte de la UnB en 2013.
nes maquínicas'3. Guattari (1996) reconoce el Son intervenciones en cinco libros de historia
poder enorme de enunciación de las máquinas y teoría del arte de la biblioteca de la UnB. En
que tienen componentes materiales, cogniti- ellos son introducidas páginas falsas que imi-
vos, afectivos y sociales en una conformación tan el papel, la diagramación y que enganchan
maquínica. También Jagodzinski y Wallin nos en el discurso del(de la) autor(a) para presen-
recuerdan que las "conformaciones sociales, tar una artista imposible, con obras imposibles
culturales, medio-ambientales o tecnológicas para sus condiciones: indígena, vendedora de
[...] entran en la misma producción de subjetivi- mercado y empleada doméstica, anciana, que
dad" (2013, p. 47). Por eso es importante enten- vive en un pueblo de frontera en el altiplano
der los artefactos como máquinas de subjetiva- boliviano-peruano.
ción. En este caso los OAP se presentan como
máquinas estético-poéticas para aprender Estas intervenciones en los libros hacen par-
porque traen aberturas para construir conoci- te de discusiones sobre las relaciones entre
miento. Son máquinas para construirse. centro y periferia en el arte contemporáneo
latinoamericano programadas para las cla-
Aquí presentamos tres de los artefactos crea- ses. La tarea consiste en leer sobre la artista
dos en el proceso de investigación: y otros artistas latinoamericanos, en libros re-
ferenciados de autores como Ernst Gombrich

Figura 1 - Tatiana Fernández. Art History Intervention: Gombrich “A História da Arte”, RJ: Livros Técnicos e Científi-
cos, 2011, 16 ed. páginas 610 y 611, Biblioteca, UnB, 2012.

3 - Simbiosis o amalgamas de cuerpos que se atraen o repulsan, se alteran, se alían, se penetran y se expanden entre sí. [...] El estribo
engendra una nueva simbiosis hombre-caballo, que engendra, al mismo tiempo, nuevas armas y nuevos instrumentos" (DELEUZE, y
GUATTARI, 2002, p. 94). En esas condiciones se producen ensamblajes entre los seres vivos y sus máquinas.
- 133 -

(Fig. 1), Giulio Carlo Argan, Nestor García líneas de estos autores, intenten posicionarse
Canclini, Debora Root, Julian Bell y H.W. Jan- en relación a esos asuntos y se informen más
son, y después participar de un debate sobre acerca de esas ideas. Este artefacto fue usado
apropiación, canibalismo y relaciones centro y en dos ocasiones en el curso de extensión uni-
periferia. En las discusiones se espera que la versitaria por tres participantes. Los resulta-
farsa sea desvendada por alguno de los par- dos (fig. 2) indicaron que el artefacto los llevó
ticipantes cuestionando la imposibilidad de la a un mayor interés por los autores y sus ideas
artista. En las dos ocasiones en que el OAP fue y proporcionó espacio para diferentes y disi-
utilizado los participantes creyeron en la exis- dentes. interpretaciones y posiciones frente a
tencia de la artista. los temas.

2. 2. Controle de Danos 2.3. Queres-quanto

Este comic coautoral de 10 páginas fue produ- Este OAP fue producido por la participante del
cido por Fernández para los participantes del curso Samara Brito para sus estudiantes en
curso de extensión entre 2013-14. Consiste en 2014 a partir de un juego tradicional de dobla-
una conversación ficticia entre cuatro intelec- duras conocido como 'comecocos' y en el Brasil
tuales del arte y la educación, la autora y los como queres quanto? (Fig. 3). En cada dobla-
coautores, participantes del OAP. En este ar- dura que los participantes sortean hay un de-
tefacto se extraen y traducen los trechos más safío para realizar relacionado a los estudios
relevantes del discurso de cada pensador en que estaban realizando sobre cultura popular.
conferencias disponibles en video en Internet. Los desafíos favorecen procesos de interpre-
La diagramación deja espacios vacios para que tación que son al mismo tiempo, procesos de
el participante del OAP se coloque frente a los producción. Sobre las ruedas de danza, popu-
argumentos presentados. En ese sentido cada lares el juego desafía: "[...] piensa en un poema
coautoría convierte el comic en un nuevo diálo- visual de forma circular". No se separa en la
go, estableciendo nuevas relaciones. experiencia lo que es del sujeto de lo que es del
La intención es que los participantes, al mis- objeto. Esta pequeña máquina estético- poéti-
mo tiempo en que conozcan las principales ca para aprender provoca los participantes a

Figura 2 - Tatiana Fernández, Ana Paula Vansconcellos Moreira. Comic "Controle de Danos: arte e educação na era
da guerra global". Páginas: capa, 3-4, 5-6. Curso de extensión de OAP, VIS/IdA/UnB.
- 134 -

Figura 3 - Samara Brito. "Queres - quanto". Curso de extensão de OAP, VIS/IdA/UnB, 2014.
Fotografía Samara Brito

crear, inventar, imaginar nuevas situaciones como máquinas estético- poéticas para apren-
y relacionarse de manera corporal, con resul- der con metodologías basadas en las artes.
tados singulares en cada nuevo juego. Esto significa que los OAP pueden ser máqui-
nas para la educación en visualidades.
Los resultados presentados por la participan-
te revelaron que artefactos como estos no solo Consideraciones finales
pueden contribuir con las metodologías basa-
das en el arte en la educación en visualidad, Como vimos, la IBA y la IEBA, en especial la
como también contribuyen en gran medida la A/r/tografía, son formas de construir cono-
forma en que los profesores de arte y en vi- cimiento diferentes a la de la ciencia que fa-
sualidad se ven a sí mismos como creadores y vorecen lo visual antes que lo visible. De esa
productores antes que repetidores de cultura. manera son también metodologías de apren-
dizaje para la educación en visualidades. Esas
Con esta investigación encontramos que la po- formas incluyen la imaginación, la diferencia,
tencia de los artefactos poéticos puede crear la disidencia, la subjetivación, la singularidad
aberturas a la imaginación, a la experiencia y la experiencia estética
estética, a lo singular y plural, a la formación .
de territorios de subjetivación, a lo diferente En esa perspectiva, con la propuesta de los
y a lo disidente. Pero también observamos OAP, se destacó el carácter pedagógico de
que los espacios de frontera entre arte y edu- las metodologías basadas en el arte y en sus
cación son complejos y representan desafíos aberturas para construir conocimiento. Estos
para ambas áreas. De manera generalizada artefactos se proponen como máquinas esté-
se piensa que la educación es un sistema de tico-poéticas para aprender de manera que
control y dominación del civilizado sobre el apuntan sobre el carácter político de las vi-
incivilizado y el arte un espacio carente de sualidades.
pensamiento y conocimiento. El principio de
emancipación marca la capacidad de apren- Estas experiencias con metodologías de in-
der y determinar lo que se quiere y para que vestigación basadas en el arte indican la ne-
se quiere aprender participando de la distri- cesidad de ampliar su uso en diferentes áreas
bución de lo sensible y revirtiendo el orden de de estudio y profundizar aquellos que deben
lo establecido. ser colaborativos entre artistas, profesores e
investigadores, de manera a reconstruir los
Es posible considerar, en estas bases, los OAP modelos de educación limitados a la ciencia.
- 135 -

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- 137 -

A PERGUNTA QUE FOI FEITA: SOBRE ESCOLHAS METODOLÓGICAS


E DESAFÍOS NA PESQUISA EM ARTE E CULTURA VISUAL

Leda Guimarães - UFG

RESUMO RESÚMEN

Palavras-chave: Metodologia; Arte e Culturas Palabras-clave: Metodología; Arte y Cultura


Visuais; Pós-produção participativa Visual; Post-producción Participativa

Este texto nasce de uma pergunta sobre “como Ese texto proviene de una pregunta acerca de
reflexões epistemológicas pós-modernas se “¿Cómo reflexiones epistemológicas post-mo-
fazem presentes nas escolhas metodológicas de dernas están presentes en las elecciones me-
pesquisas que fazemos e orientamos”. Para ten- todológicas de investigación que hacemos y
tar responder (como exercício reflexivo) alinha- orientamos?”. Intentando responder (como
vei alguns posicionamentos a respeito de epis- ejercicio reflexivo), pespunteo algunos po-
temologia, de pós-modernidade no campo da sicionamientos respecto a la epistemología,
arte, cultura e as relações com ensino e apren- a el post-modernismo en el campo del arte y
dizagem. A seguir, problematizo a própria cul- cultura y a las relaciones con la enseñanza
tura visual no sistema da academia, palco onde y el aprendizaje. A continuación, problema-
se desenvolve nossa ação docente, para pensar tizo la propia cultura visual en el sistema de
escolhas metodológicas nos processos de inves- la academia, escenario en el que desarro-
tigação que tenho desenvolvido e orientado na llamos nuestras actividades de enseñanza,
relação arte e cultura visual. Trago para a dis- para pensar las opciones metodológicas en
cussão impasses e conflitos que recaem sobre los procesos de investigación que tengo de-
escolhas de proposta de pensar a pesquisa como sarrollado y orientado en la relación arte y
“criação participativa”, como pós-produção. cultura visual. Traigo a la discusión impases
Falo dos encontros metodológicos a partir das y conflictos que caen sobre las decisiones del
especificidades dos desejos investigativos que pensar la investigación como “creación parti-
pós-graduandos trazem para a minha orien- cipativa”, como post-producción. Hablo de los
tação e como estas especificidades deflagram a encuentros metodológicos desde las especi-
criação de desenhos metodológicos mais auto- ficidades de los deseos investigativos que los
rais, e também processualmente mais colabora- post-graduandos traen para mi orientación
tivos. Depois de situar o espaço as visualidades y como éstas especificidades desencadenan
populares como espaço para um exercício plural los diseños metodológicos más autorales, y
de investigação, defendo a vitalidade de se pen- también procesualmente más colaborativos.
sar na pesquisa de culturas visuais e de artes a Luego de situar el espacio de las visualida-
partir das inquietações dos seus processos ten- des populares como espacio para un ejercicio
tando evitar os discursos de excelência tecno- plural de investigación, defiendo la vitalidad
burocrática acadêmica das universidades que del pensar en la investigación de culturas vi-
engessam a vitalidade de um campo que nasce suales y de artes desde las inquietudes de sus
indisciplinado. Manifesto por fim, o desejo de procesos con el intento de evitar los discursos
continuar fazendo e orientando pesquisas que de excelencia tecnoburocrática académica de
passam pela diversidade das culturas visuais las universidades que inmovilizan la vitalidad
numa perspectiva de epistemologias que invis- de un campo que nace indisciplinado. Mani-
tam na solidariedade e na reciprocidade entre fiesto, por fin, el deseo de seguir haciendo
os diversos atores da pesquisa. y orientando investigaciones que pasan por
la diversidad de las culturas visuales en una
- 138 -

mirada de epistemologías que invierten en la virtuais ao mesmo tempo que alarga e dispersa
solidaridad u en la reciprocidad entre los di- dispositivos eletrônicos e virtuais em micro e
versos atores de la investigación. macroescalas, as metodologias da pesquisa em
cultura visual necessitam ser fluidas, diversifi-

Este texto nasce de perguntas que foram fei- cadas e abertas a utilização de abordagens cria-
tas durante a realização da mesa “Las metodo- tivas. (2013, p. 63).
logías en uso en las investigaciones pedagó-
gicas y visuales” no V Coloquio Internacional Em acordo com os autores acredito que tenho
Educación y Visualidad, na cidade de Monte- procurado vivenciar experiências de orien-
vidéu, em maio de 2016. Foram várias per- tação de pesquisas (mestrados e doutorados)
guntas, mas tomei a primeira como mote, uma que buscam essa fluidez e abordagens cria-
vez que o seu teor tem sido motivo de reflexões tivas no processo investigativo. No entanto,
nos últimos anos no exercício de receber e essa característica da pesquisa em cultura
orientar projetos de pesquisa de mestrandos e visual contrasta ou esbarra em discursos tec-
doutorandos no Programa de Pós-Graduação noburocráticos de excelência que regulam a
em Arte e Cultura Visual da UFG. produção de conhecimento nas universidades
modernas. Mais problemático ainda é pensar
Esta questão também interroga práticas do- que este campo tido como indisciplinado (MIC-
centes que se querem investigativas, pois THELL, 2006) acaba corroborando com esses
indaga sobre epistemologias e “escolhas me- discursos como atesta Marquad Smith (2011)
todológicas” nas pesquisas que realizamos citando o livro de Bill Readings, University in
e nas pesquisas que orientamos. Uma dupla Ruins. Segundo este autor, os estudos visuais
condição nem sempre equilibrada nos con- (aqui entendido enquanto campo da cultura
textos acadêmicos nos quais transitamos en- visual) têm feito um esforço para se “torna-
tre instauração de novos rumos de docência e rem um projeto institucional hegemônico” e
pesquisa e discursos técnicos burocráticos de “podem apresentar uma visão de cultura que
eficiência e produção quantitativa. é apropriada para a era da excelência” (p.49).

Trazendo esse desconforto para nosso cam- Em outras palavras, considerando as nossas
po de atuação investigativa, a cultura visual inquietações epistemológicas e metodológi-
certamente é um certame onde vivenciamos cas que apontam para práticas investigativas
muitas inquietações. Nesta mirada, podemos “experimentais e criativas”, essa vitalidade é,
dizer que em si, nos coloca numa condição de pois, ameaçada pelos discursos regulatórios
revisão epistemológica em relação a centra- que podem vir de agências com uma noção
lidade das imagens hegemônicas do que foi de excelência ou podem ser gerados e reafir-
legitimado enquanto arte no discurso oficial mados dentro de cada instância de estudos e
da história da arte promovendo uma revira- pesquisas. Vivemos esses impasses e é nesta
volta para expansão para o estudo da cultura condição que as reflexões desse texto foram
das imagens e das imagens na cultura. Essa construídas.
reviravolta pede também outras formas de
pesquisar como nos indica Irene Tourinho e Reflexões sobre pós-modernidade na arte,
Raimundo Martins ensino e pesquisa

Para atender às demandas e dinâmicas de uma Começo pensando que a pós-modernidade é


cultura visual que expande conexões geopolíti- um fantasma de “futuro” que assombra nosso
cas, amplia e confunde ambientes eletrônicos e exercício docente investigativo no presente
marcado por um passado supostamente mo-
- 139 -

dernista, o qual tentamos exorcizar adotando dual, mais uma vez a identidade modernista é
“novidades” que nos retirem desse lugar. Dito abalada. Falar uma língua não significa ape-
desta forma, pode parecer que estou negan- nas expressar nossos pensamentos mais in-
do a condição pós-moderna, mas não é o caso. teriores e originais. Significa ativar a imensa
São vários os autores discutindo essa cena gama de significados que já estão embutidos
pós-moderna, tentando situar inícios, causas em nossa língua e em nossos sistemas cultu-
e desdobramentos epistemológicos. rais. Os significados deixam de ser fixos. Para
Lacan, da mesma maneira que o inconsciente,
Relembrando Giddens (1991), o uso do termo a identidade está estruturada como a língua,
pós-modernismo aplica-se ao campo da arte e através do confronto com o outro.
da cultura frente ao esgotamento das formu-
lações estéticas do modernismo. Portanto, todas O mundo também muda com o slogan “o pes-
os descentramentos, deslocamentos e hibridi soal é político” do movimento feminino dos
smos servem para chamar a nossa atenção pa anos sessenta para cá. As teorias feministas
ra mudanças significativas nas práticas em questionaram a clássica distinção entre o
arte, cultura e educação. O sufixo “des” assume ‘dentro´ e o ‘fora’, entre o ‘privado’ e o ‘público’.
a função de indicar procedimentos que implo- Este descentramento de identidade feminina
dem ou desviam significados fixos e interpre- não ficou circunscrito às próprias mulheres.
tações com suportes únicos. Procedimentos de Politizou a subjetividade, a identidade e o pro-
desconstrução na arte lidam com elementos cesso estabelecidos de identificação tais como
conflitantes do texto, que são mostrados para homens/mulheres, mãe/pais, filhos/filhas etc.
contradizer e implodir qualquer interpretação
considerada a correta, a verdadeira. Vivemos Penso que, com esses exemplos, ainda que de
assim em um constante “conflito de interpre- forma sintética, começamos a responder à per-
tações, um conflito hermenêutico” que “toma gunta deflagradora desse texto ressaltando
conta das nossas pesquisas, programações e determinadas ideias e concepções que foram
preocupações.” (MARCONDES, 1996, p. 83). se instalando e instaurando caminhos meto-
Neste processo des, a ênfase recai no leitor mui- dológicos na pesquisa em arte e cultura visual,
to mais do que no autor. Necessita-se de uma tais como: cruzar margens e fronteiras disci-
crescente conscientização da importância das plinares afim de perseguir novos sentidos na
atividades interpretativas do espectador e das produção de conhecimento, trabalhar com es-
possibilidades alternativas do mesmo trabalho. paços (teóricos e práticos) cruzados e negocia-
dos, exercitar múltiplas escrituras, reconhecer
Necessita-se de uma crescente conscienti- e mapear de identidades culturais deslocadas
zação da importância das atividades inter- e em processo de deslocamento, etc. Especial-
pretativas do espectador e das possibilidades mente, trabalhamos com “o reconhecimento
alternativas do mesmo trabalho. Stuart Hall de que não há espaços privilegiados ou fontes
(2000, p. 34) mapeia alguns “descentramen- simbólicas que possam assegurar autonomia
tos” das identidades fixas, resultando em cultural” (JAGODZINSKY, 2008, p. 672). Essas (e
identidades abertas, contraditórias, inacaba- outras) noções que vão se assentando (com al-
das e fragmentadas do sujeito pós-moderno. guns perigos de acomodação ou de modismos)
Cita como descentramentos provocados pela nos nossos discursos docentes que implicam
descoberta do inconsciente por Sigmund nas práticas de pesquisa e, consequentemente,
Freud que revelou que os processos psíquicos na natureza das propostas de pesquisa que re-
e simbólicos do inconsciente funcionam muito cebemos e nas formas de se viver os processos
diferente da razão pondo em cheque o mote de orientação ao longo do desenvolvimento das
cartesiano - “penso, logo existo”. Na contramão investigações em um programa de Pós-gra-
desse mote sonhar também é existir. Outro duação em Arte e Cultura Visual.
exemplo, é o descentramento provocado por
Lacan quando afirma que a criança- tem o seu Fernando Miranda (2012) por exemplo, discute
ser formado não a partir de um núcleo inte- a possibilidade de formar educadores para a
rior, mas a partir das relações com os outros. pós-produção educativa onde os conteúdos da
Considera como processo de formação a pro- cultura visual e das artes devem estar disponí-
gressiva relação da criança com os sistemas veis a “ampliar os sentidos possíveis e enrique-
simbólicos fora dela mesma: a língua, a cul- cer a experiência estética a partir de diversos
tura e a diferenciação sexual, dentre outros. repertórios visuais e do que acontece ao redor
Relembra que quando Saussure reconhece a destes” (p.8). Penso que a ideia de pós-produção
língua como um sistema social e não indivi- é também instigante para pensar os processos
- 140 -

de investigação. De acordo com Bourriaud “coleta” mais tradicionais tais como as diversas
(2007) esse termo técnico usado no mundo formas de entrevista.
da televisão, do cinema e do vídeo designa “o
conjunto de tratamentos dados a um material Os exemplos das investigações aqui apresen-
registrado: a montagem, o acréscimo de outras tados costumam causar inquietações: é pro-
fontes visuais ou sonoras, as legendas, as vozes dução de arte ou pesquisa? Vamos considerar
off, os efeitos especiais” (p. 7). que estamos em um programa de arte e cul-
tura visual para o qual acorrem um número
Atentando para a natureza das operações do significativo de pessoas com experiências de
termo “pós-produção” ressalto que estas ope- criação (seja em que área for) ou ainda mais
rações “pós” do universo da produção na te- declaradamente, pessoas interessadas na
levisão, cinema ou vídeo, podem ser trazidos formação de artistas, professores e pesqui-
para o universo das pesquisas em arte e cultu- sadores. A entrada no programa de pós-gra-
ra visual, e aqui também teríamos outro marco duação assegura essa qualificação enquanto
epistemológico “pós-moderno” conectado com pesquisador, mas daí podemos perguntar se
o investigar com base nos processos de criação as propostas de pesquisa dessas pessoas estão
da arte ou das imagens, nesse caso, processos sujeitas aos parâmetros da produção científi-
de pós-produção. É importante considerar o ca, adotando métodos, procedimentos, voca-
alerta que Bourriaud faz, que o prefixo “pós” bulários e concepções das "ciências duras".

[...] não indica nenhuma negação, nenhuma su- Sabemos que a formação de artistas e professo-
peração, mas designa uma zona de atividades, res de artes já não é restrita a formação práti-
uma atitude. Os procedimentos aqui tratados não ca e que mais e mais, o estímulo à investigação
consistem em produzir meras imagens – o que é cada vez maior. No entanto, esse imaginário
seria uma postura maneirista – nem em lamen- persiste mesmo que velado ou subsistindo de
tar que tudo “já foi feito”, e sim em inventar proto- forma subterrânea no entendimento sobre pro-
colos de uso para os modos de representação e as cessos de criação arte e seu ensino. O próprio
estruturas formais existentes”. (2007, p. 14). ato de pesquisar é relacionado a uma atividade
racional, "séria", "sofrida", coisas com as quais
Pesquisar e orientar numa perspectiva de artistas e arte educadores não estariam afeitos.
pós-produção cultural nos leva a romper com (GUIMARAES, 2015, p. 20).
lógicas diretivas de metodologias pré-deter-
minadas que conduziriam os pós-graduandos A ideia de pós-produção é potente pois remete
em caminhos “mais seguros” academicamente a referências de pesquisa no campo da arte,
com o respaldo da assertividade das hipóteses atravessada pela existência das tecnologias
respondidas depois de um determinada “apli- de produção, circulação, arquivamento, com-
cação” de um questionário, ou mesmo depois de partilhamento e edição de imagens existente
uma entrevista semiestruturada, ou ainda de- em um vasto “repertório da cultura”. Enten-
pois de uma imersão participante no contexto dendo tanto a pesquisa como a orientação da
de um determinado grupo ou situação de vida. pesquisa enquanto “ação” e entendendo os
estudantes investigadores como produtores
Inventar protocolos de pesquisa, construir dos seus desejos de investigação penso como
dados por meio de operações tais como: inter- Miranda que “o ponto a atender não é a de-
pretar/reproduzir/ reexpor/reutilizar/reco- terminação do pertencimento disciplinar da
dificar para que gerem novos sentidos. Tra- ação, mas a possibilidade de utilização das
balhar com montagens imagéticas ou outras imagens de maneira a produzir experiências
fontes gráficas e digitais, trazer para a cena que coloquem os estudantes em sua condição
da pesquisa vozes que costumam ficar em off de criação” (2012, p. 10). É assim que entendo
(incluindo a do próprio investigador), perfor- a condição do estudante investigador, como
mar situações na cena da pesquisa junto com criador da sua pesquisa. Com esta reflexão,
outros atores, entender-se como mais um ator chego em outra condição também anunciada
do processo investigativo, utilizar efeitos es- por Miranda: a necessidade de refundar a re-
peciais que sejam pertinentes ao processo da lação do sujeito com a sua pesquisa e com os
investigação em curso deflagram tanto possi- caminhos metodológicos a partir das marcas
bilidades de construção de dados, como de re- que traz para esta caminhada ou aponta ca-
flexões sobre o processo, como geram ganchos minhos marcados pelas surpresas e por incer-
para compreender pontos que não se mostram tezas a serem enfrentadas.
por meio de “ferramentas” e “instrumentos” de
- 141 -

Encontros metodológicos “estilo experimental” (uso de alegorias, me-


táforas, pastiche, figuras de linguagem etc.),
Em decorrente desses “paradigmas pós-mo- bem como a busca de uma “descrição partici-
dernos”, podemos pensar na posição do sujei- pante”, na qual é fundamental a construção
to pesquisador que chega a um programa de de discursos dialógicos e polifônicos, embora
pós-graduação em Arte e Cultura Visual, no a heteroglossia (presença de inúmeras vozes e
qual os gradientes são mais abertos do que ou- dissolução de autoria) seja uma prática quase
tro programa. Isso implica em considerar que impossível na academia.
recebemos pessoas provenientes de diversas
áreas de saber (Comunicação, Design, Peda- Essas possibilidades metodológicas surgidas
gogia, Informática, História, Teatro, Educação de reflexões epistemológicas pós-modernas
Física, Dança, Biblioteconomia, Jornalismo, Ar- entram em choque com a “disciplinarização”
tes Visuais, dentre outras). Cada um tem uma da indisciplinada cultura visual instituída
história de formação e de construção de conhe- enquanto campo de estudos (graduação,
cimento que, na minha forma de orientar, pro- pós-graduação, publicações, metodologias
curo trazer para o processo da produção (e pós) próprias, etc.), controlado por agências de fo-
da pesquisa enquanto sistema cultural. mento reguladoras da excelência na pesquisa,
como a CAPES e CNPQ (fora as demais agên-
As experiências que nos chegam são muitas cias de fomento estaduais ou órgãos dentro
e variadas. Para citar apenas alguns pós-gra- das universidades). Os critérios de “excelên-
duandos que foram ou ainda são meus/min- cia” e de supervisão construídos parecem não
has orientandas, temos pessoas que tem dialogar com os procedimentos etnográficos
experiência docente, outros que lidam com experimentais, poéticos e lúdicos de uma al-
movimentos sociais, outros são artistas que in- mejada pós-modernidade.
vestem em seus processos de criação artística,
outros vem de experiências como designers ou Cultura Visual como fazer “artes”
produtores culturais. Procuro entender essas e “culturas visuais”
trajetórias como fonte das suas inquietações
ou como fonte de possibilidades de vivências Compreendendo os indicativos de mudanças
específicas que podem gerar caminhos me- no campo da arte e seu ensino provocadas
todológicos. De cada experiência, podemos por clivagens de paradigmas pós-modernos,
sacar metáforas que nos ajudem a construir enfrentamos, agora, o desafio de pensar os
caminhos metodológicos que nos permitam impasse e buscas de alternativas, ou terceiras
uma invenção do olhar investigativo e proces- vias, para lidar com as questões da construção
so de pós-edição na construção dos dados e do de conhecimentos de arte em suas mudanças
olhar analítico sobre os mesmos. Como afirma culturais, não mais entendida como um pro-
Boaventura de Sousa Santos: duto de valor intrínseco e autorreferente. Mit-
chell (2006) pergunta: O que, afinal, compõem
Hoje sabemos ou suspeitamos que as trajetórias o domínio dos estudos visuais? O autor avisa
de vida pessoais e colectivas (enquanto comu- que os limites não estão claros, mas, mesmo
nidade científicas) e os valores, as crenças e os assim, responde que
preconceitos que transportam são prova íntima
do nosso conhecimento, sem o qual as nossas in- Não apenas a história da arte e da estética, mas
vestigações laboratoriais ou de arquivo, os nossos a imagem científica e técnica, o cinema, a tele-
cálculos ou os nossos trabalhos de campo consti- visão e a mídia digital; bem como investigações
tuiriam um emaranhado de diligências absurdas filosóficas em epistemologia da visão, estudos
sem fio nem pavio. (2007, p. 85). semióticos de imagens e de sinais visuais, inves-
tigação psicanalítica da pulsão escópica; estudos
Considerar atravessamentos metodológicos fenomenológicos, fisiológicos e cognitivos do pro-
é considerar diálogos com novas etnografias cesso visual; estudos sociológicos do espectador
(ou pós-modernas) nas quais o trabalho de e visualização, antropologia visual, física óptica
campo, de acordo com Silva (2008), configu- e visão animal e assim por diante. Se o objeto
ra-se como “espaço de troca de experiências dos estudos de visuais é o que Hal Foster (1987)
e de verificação da intercomunicabilidade en- chama de visualidade, terá uma capacidade de
tre os modelos culturais dos quais fazem parte abrangência tão grande que será impossível de-
o observador e o observado” (p.158), onde se limitá-lo de forma sistemática. (p. 238).
busca uma formulação de epistemes alterna-
tivas, na qual a escrita etnográfica tem um Creio que nossos exercícios metodológicos pas-
- 142 -

sam pelo reconhecimento desse alargamento e Deste modo, a cultura visual pode ser tida como
entrelaçamento de campos e pela abrangência um sistema composto por um conjunto de uni-
das “visualidades” enquanto objeto de estudos versos e sub-universos, com os seus agentes,
“sendo impossível delimitá-lo de forma siste- objectos e processos particulares de produção,
mática” (MICTHELL, 2006, p.238). Expansão difusão e recepção de bens visuais. É um siste-
e impossibilidade que pedem passagens do ma não estático, mas em constante renovação,
singular para o plural, considerando que os en- fruto da velocidade de transformação dos agen-
contros com diversas culturas visuais nos dão tes, dos processos tecnológicos e das forças de
a oportunidade de problematizar, questionar e poder que determinam relações de cooperação
imaginar possibilidades alternativas de fazer e conflito. É igualmente, uma cosmovisão, uma
pesquisa e docências. forma particular de percepcionar e retratar a
realidade, aliada não apenas a modos de ver,
Outro ponto que trago para responder à ques- mas a modelos sensoriais e modos de retratar a
tão posta sobre escolhas metodológicas é o realidade que apelam a diferentes linguagens,
exercício investigativo em torno do que tenho capacidades cognitivas e modelos sensoriais.
chamado de “visualidades populares”: (CAMPOS, 2012, p. 23).

A expressão “visualidades populares” indica Em seu livro Depois da Teoria, Eagleton (2010)
opções conceituais em lidar com expressões afirma que “outro ganho histórico da teoria
culturais que a princípio podem vir de contextos cultural foi estabelecer que a cultura popular
subalternos, periféricos, marginais, não oficiais, também merece ser estudada. [...] o pensa-
etc., mas que também não podem ser colocadas mento acadêmico tradicional ignorou duran-
numa redoma salvas de contaminações/apro- te séculos, a vida diária das pessoas comuns”
priações de diferentes tipos de consumo cultu- (p.17). Eagleton chama atenção para a im-
ral. Visualidades urbanas – grafites, cartazes, portância desse fato pois “Ao resgatar o que a
anúncios, murais e outras visualidades fora de cultura ortodoxa empurrou para as margens”
contextos urbanos ligados a manifestações de enfatizando que estas “podem ser lugares in-
indústrias do viver como mobiliários, formas de discutivelmente dolorosos para se estar, e há
decoração, de vestir, artesanato nas suas diver- poucas tarefas mais honrosas para estudan-
sas formas de produção, os saberes e fazeres tes da cultura do que ajudar a criar um espaço
ligados às estéticas dos cotidianos, questões de no qual o descartado e o ignorado possa en-
patrimônio, performance que compõem um am- contrar uma língua, uma fala” (p. 28). Relativi-
plo leque de possibilidades para nossos estudos. zando as honrarias, concordo com o autor que
(GUIMARÃES, 2014, p.1). estudos sobre as margens instauram um lugar
de reconhecimento, não para “dar voz” aos ou-
Sei que lido com armadilhas ao adotar (provi- tros, mas, principalmente, porque somos parte
soriamente) a expressão “visualidades popula- desses “outros” comuns.
res”. Para além da explicação acima que aponta
para uma expansão de noções muito fechadas Também é importante ressaltar que os estu-
de popular, adoto o visualidades em pelo menos dos sobre o trabalho de artesãs, de trabalhos
dois sentidos. O primeiro, mantenho a conexão manuais e de outras “estéticas” ligadas ao coti-
com as artes visuais, campo multifacetado, mas diano, tem contribuído com “experimentações”
no qual determinadas produções apontadas na metodológicas conectadas com esses fazeres:
citação são consideradas como repertório ar- alinhavar, costurar, bordar, direitos e avessos,
tístico, estético e cultural (herança modernista, incluindo mutirões de orientação nos quais
talvez). No segundo sentido, valho-me de Ri- trabalhamos colaborativamente a fomentar
cardo Campos (2012) que afirma que “A visua- as inquietações das pesquisas.
lidade está presente na ideologia, na economia,
na religião, na mente individual e colectiva, dá Os impasses nos levam para uma diversidade
corpo a ideias, pensamentos, desejos e necessi- de abordagens, bem como a experiência da
dades, sendo por estes alimentada” (p. 24). As- diversidade nos leva a novos impasses. Nes-
sim, “visualidades populares” tem sido útil para se vice-versa, aprendemos que são várias as
acolher uma diversidade de projetos investiga- possibilidades de construção e que não existe
tivos em arte e cultura visual de forma plural um centro metodológico para as culturas vi-
e crítica. Mais uma vez recorro a Campos que suais, mas que é válido perguntar quais atra-
organiza uma reflexão sobre cultura visual na vessamentos podemos construir no processo
qual encontro as minhas inquietações em torno investigativo - o que inclui desde a formulação
de muitos “populares”: de questões, a construção de aproximações de
- 143 -

campo, as interações com os “outros da pesqui- venciar os atravessamentos que vamos cons-
sa” e com nós mesmos, a construção de dados truindo a cada projeto que chega como um de-
e de ferramentas de análise e uma chegada safio para nos lançarmos de forma criativa e
a resultados (provisórios) como experiência colaborativa nas empreitadas investigativas.
significativa, capaz de provocar mudanças na
vida de quem pesquisa e de quem é pesquisado. Deixei para parte final o enfrentamento con-
ceitual de uma questão sobre epistemologias
Smith (2011) relembra que em seu momento que considero crucial. De uma certa forma,
exploratório: acredito que as reflexões que antecedem este
momento do texto, já situam o caráter “alter-
O estudo das culturas visuais acontecia nos nativo” e conflitivo das escolhas apontadas, e
departamentos das universidades através das que não esgotam as possibilidades de muitos
Humanidades, em instituições de educação outros vieses. A questão a ser enfrentada é
complementar e em faculdades de arte e design o constante perigo de adotarmos posturas
[...] desinibidos pela bagagem disciplinar inte- colonialistas no exercício investigativo. Boa-
lectual do passado ou do fardo burocrático do ventura de Sousa Santos (2007) afirma que o
futuro. (p. 54). “colonialismo consiste na ignorância do outro
e na incapacidade de conceber o outro a não
Pondera que talvez tenha sido um momento ser como objeto” (p. 81). Mais uma vez recorro
utópico ou romântico, mas que lhe pareceu a este para refutar (pelo menos ideologica-
que aquele foi um momento no qual se estava mente, uma vez que o exercício é sempre uma
fazendo cultura visual, antes de sua sistema- aposta) “a distinção entre objectividade e neu-
tização em “estudos”. No fazer investigativo tralidade” (p. 31) e me situar em busca de um
artístico e pedagógico, todo esse panorama saber “enquanto solidariedade que visa subs-
discutido neste texto tem pluralizado eixos, tituir o objecto-para-o-sujeito pela recipro-
enfraquecido fronteiras, multiplicado hori- cidade entre sujeitos” (p.83). É assim que me
zontes teóricos e práticos. Mas também tem entendo nessa relação de investigar e orien-
trazido outros centramentos e urgências de tar outros investigadores, correndo todos os
“receitas pós-modernas” na docência e na pes- riscos, inclusive esse, de escrever sobre isso.
quisa. A compreensão do docente em artes
visuais como investigador da própria práxis Referências
pode ser entendida nessas fronteiras móveis,
lembrando que a única certeza que pode nos · BOURRIAUD, Nicolas. Pós-Produção. Como
guiar é a da provisoriedade, mas que esta con- a arte reprograma o mundo contemporâneo.
dição não dispensa o enfrentamento de bases São Paulo: Martins, 2007.
conceituais de diversos caminhos já trilhados
por quem nos antecede, longe ou perto do · CAMPOS, Ricardo. A cultura visual e o olhar
tempo em que vivemos e das instâncias que antropológico. VISUALIDADES, Goiânia, v.10,
atuamos. Assim como Smith (2011) eu tam- n.1, p. 17-37, jan-jun 2012.
bém me sinto comprometida com um fazer
cultura visual (e arte) · EAGLETON, Terry. Depois da Teoria. Um olhar
sobre os Estudos Culturais e o pós-modernis-
[...] enquanto um fazer, escrever enquanto um mo. 2ª. Ed. Tradução de Maria Lúcia Oliveira.
fazer, mesmo que haja incerteza em fazê-lo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
Esse “fazer” é um compromisso com o questio-
namento da política do conhecimento e das · EFLAND, Arthur; FREEDMAN, Kerry; STU-
condições da produção, circulação e consumo HR, Patrícia. Postmodern Art Education: an
das culturas visuais, com as coisas mesmas que approach to curriculum. NAEA. 1996.
fazem a cultura visual, ou seja, uma vontade de
partir dos encontros com os objetos, os assuntos, · EFLAND, A. D. Cultura, Sociedade, Arte e Edu-
as mídias e os ambientes da própria cultura vi- cação num Mundo Pós-Moderno. In: GUINS-
sual. (p. 46). BURG, J.; BARBOSA, A. M. O Pós-modernismo.
São Paulo: Perspectiva, 2008. p.173-188.
A minha preocupação não tem sido escolher
entre “epistemologias” modernas ou pós-mo- · GIDDENS, Anthony. As Consequências da
dernas, mas no caráter ideológico que essas Modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991
“epistemes” trazem em relação ao caráter de
conhecimento que consideram válido. De vi- · GUIMARÃES, Leda. Visualidades Populares:
- 144 -

construindo ecossistemas pedagógicos in- da cultura visual. In: MARTINS, R.; TOURIN-
vestigativos em torno do tema. In: Encontro HO, I. (Orgs.). Processos e práticas de pesquisa
Nacional de Pesquisadores em Artes Plásti- em cultura visual e educação. Santa Maria:
cas: ecossistemas artísticos – ANPAP, XXIII., Editora da UFSM, 2013. pp. 61-76
2014, Belo Horizonte, Anais..., Belo Horizonte:
ANPAP; Programa de Pós-graduação em Ar- Leda Maria de Barros Guimarães
tes - UFMG, 2014. p. 2352-2367.
Doutora em Arte Educação pela USP (2005).
· GUIMARÃES, Leda. Aqui só se desenha quan- Professora da Universidade Federal de Goiás,
do tem evento? Um mote para descaminhos atuando na Licenciatura em Artes Visuais e na
pedagógicos, metodológicos e investigativos Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual. Seus
em artes visuais. In: COSTA, Robson Xavier; interesses investigativos abarcam a formação
SILVA, Maria Betania da; CARVALHO, Lívia de professores em artes visuais, questões so-
Marques. (orgs). Pesquisas e Metodologias em bre visualidades populares e ensino de arte em
Artes Visuais (recurso eletrônico). Joao Pes- contexto de comunidade. Faz parte da atual
soa: Editora UFPE, 2015. p. 9-29 diretoria da Federação dos Arte Educadores do
Brasil- FAEB e é representante da América La-
· HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-mo- tina no Conselho Mundial do InSEA.
dernidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

· JAGODZINSKY, Ian. As Negociações da Dife-


rença: Arte-Educação como Desfiliação na Era
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sibilidade das imagens. In: MARTINS, R.; TOU-
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fios para a arte e para a educação. Santa Maria:
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· MITCHELL, W. J.T. ShowingSeeing: Uma crí-


tica da Cultura Visual. Revista do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação e Lingua-
gens Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba,
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· SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da


razão indolente. Contra o desperdício da ex-
periência. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.

· SILVA, Vagner Gonçalves da. Entre a Poesia e


o Raio X: Uma Introdução à tendência pós-mo-
derna na antropologia. In: GUINSBURG, J.;
BARBOSA, Ana Mae. O Pós-modernismo. São
Paulo: Perspectiva, 2008.pp. 145-158

· SMITH, Marquard. Estudos Visuais, ou a os-


sificação do pensamento. Revista Porto Arte.
Porto Alegre, v. 18, n. 30, maio, 2011. Tra-
dução Juliana Gisi.

· TOURINHO, I.; MARTINS, R. Reflexividade e


pesquisa empírica nos infiltráveis caminhos
- 145 -

AVESSOS DA DOCÊNCIA EM ARTES VISUAIS

Alexandre Guimarães – UFG

Resumo ción artística / cualitativa en el campo de las


artes visuales. Resulta a la investigación de
Este texto relata um percurso de pesquisa de una posible cultura formativa de los profeso-
doutorado em Arte e Cultura Visual, em an- res de artes visuales que actúan en el Instituto
damento, na Universidade Federal de Goiás Federal de Goiás (IFG), donde también soy un
- UFG. Apresentarei descrições e conside- maestro. El punto de partida es el estudio de
rações de uma pesquisa artística/qualitativa, Lattes de los profesores, con una mirada a
no campo do ensino das artes visuais. Volta-se su reverso, que ha sido expuesta a través de
para a investigação de uma possível cultu- articulaciones metodológicas, entre ellas las
ra formativa de professoras de artes visuais entrevistas narrativas. Hablo desde el lugar
com atuação no Instituto Federal de Goiás del maestro / artista / investigador, en un
(IFG), onde também sou professor. O ponto de discurso político en favor de la investigación
partida é o estudo do Currículo Lattes1 das independiente en el arte con sus propios pro-
docentes, com um olhar aos seus avessos, que cedimientos.
vem sendo expostos através de articulações
metodológicas, dentre elas as entrevistas na- Palabras-clave: reverso, inestigación artísti-
rrativas. Falo a partir do lugar do professor/ ca/cualitativa, enseñanza de las artes visuales
artista/pesquisador, sob um discurso político
a favor da pesquisa autônoma em arte, com Este texto relata um percurso de pesquisa de
seus próprios procedimentos. doutorado em Arte e Cultura Visual, em an-
damento, na Universidade Federal de Goiás
Palavras-chave: avessos, pesquisa artística/ - UFG. Apresentarei descrições e conside-
qualitativa, ensino de artes visuais rações de uma pesquisa artística/qualitativa,
no campo do ensino das artes visuais. Volta-se,
Resumen principalmente, para a investigação de uma
possível cultura formativa (NÓVOA, 2009) do
Este documento informa de un curso de la ensino de artes visuais no Instituto Federal de
investigación de doctorado en Arte y Cultura Goiás (IFG)2, onde também sou professor, atra-
Visual en curso en la Universidad Federal de vés da investigação de narrativas biográficas
Goiás - UFG. Voy a presentar descripciones y de quatro professoras. O ponto de partida é o
consideraciones de la investigación en educa- estudo do Currículo Lattes das docentes, com

1 - Curriculum Lattes é um currículo elaborado nos padrões da Plataforma Lattes, gerida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico). A Plataforma Lattes é resultado da experiência do CNPq na integração de bases de dados de Currículos,
de grupos de pesquisa e de instituições em um único sistema de informação.O Curriculum Lattes se tornou um padrão nacional no regis-
tro do percurso acadêmico de estudantes e pesquisadores do Brasil. Atualmente é adotado pela maioria das instituições de fomento, uni-
versidades e institutos de pesquisa do país.A riqueza de informações, a abrangência e confiabilidade são elementos indispensáveis aos
pleitos de financiamentos na área de ciência e tecnologia.Fonte: www.significados.com.br/curriculum-lates/, acesso em 04/05/2016.
2 - Os Institutos Federais de Goiás, as antigas Escolas Técnicas Federais e, ainda, Escolas de Aprendizes e Artífices, com mais de 100 anos
de existência, fazem parte da Rede Federal de Educação Técnica e Tecnológica, reconfigurada em 2008. Conta, até 2016, com mais de
500 escolas/câmpus, em todos os estados brasileiros, com gestão autônoma, através de suas reitorias. Oferta as seguintes modalidades
de ensino: Educação Básica: ensino médio integrado ao ensino técnico, em tempo integral e Educação de Jovens e Adultos na modalidade
técnica; Educação Superior: bacharelados, licenciaturas e cursos superiores de tecnologia (de curta duração); Pós-Graduação: especiali-
zações, mestrados e doutorados, além de cursos vinculados ao PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego.
- 146 -

um olhar aos seus avessos, que vem sendo ex- a) Como lidar com a “natureza particular do ar-
postos através de articulações metodológicas, tístico” para que seus métodos sejam matrizes
dentre elas, as entrevistas narrativas. para a pesquisa em arte/educação?

Falo a partir do lugar do professor/artista/ b) Como a experiência vivida no ateliê de gravu-


pesquisador, sob um discurso político a favor ra pode definir caminhos e ferramentas para a
da pesquisa autônoma em arte, com procedi- pesquisa em andamento?
mentos, escolhas e posições teóricas próprias
(PAIVA, 2012), assumindo seu empoderamen- 1. Camadas de investigação
to e desprendendo-se de narrativas metodoló-
gicas dominantes, oriundas das Ciências. Falo Há três camadas de investigação neste trabal-
do lugar do procedimento artístico e seu en- ho, as quais denomino: (a) o Lattes e seus papéis,
sino, ou seja, do ateliê e da sala de aula, onde b) avessos da docência e c) impressões sobre pa-
“práticas de educadores e artistas tornam-se péis. As três metáforas evocam sentidos ineren-
locais de investigação”(IRWIN, 2013, p. 28). tes ao entendimento da pesquisa, que é uma
justaposição de experiências que vem geran-
Com o corpo imerso numa experiência artís- do instrumentos narrativos visuais e textuais.
tica vivida no ateliê de gravura, no segundo
semestre de 2015, e no encontro com as cola- 1.1. O Lattes e seus papéis
boradoras deste trabalho durante as entrevis-
tas narrativas, estabeleço um enfrentamento Este é o ponto zero da pesquisa. É a partir das
desses dois lugares a fim de reconhecer, na inquietações da representação profissional
prática artística, possibilidades e potencia- docente na Plataforma Lattes (www.lattes.
lidades laborais para lidar com a geração de cnpq.br) que surge uma primeira pergunta: o
instrumentos narrativos visuais e textuais e que é importante para o Lattes? Por meio de
outras formas de analisá-los. Usar a nomen- um levantamento, em 2014, de professores
clatura instrumentos narrativos ao invés de efetivos de Artes Visuais do Instituto Federal
dados, que é um termo técnico próprio das de Goiás e uma breve análise da trajetória pro-
Ciências Sociais e Aplicadas é, também, um fissional de cada um – via formatação do La-
posicionamento político a favor de nossas ttes – fiz o convite a quatro professoras para
próprias matrizes de pesquisa artística: colaborar neste trabalho, dispostas a contar
a história da sua formação artística e docen-
“A natureza particular do ‘artístico’ é tratada te a partir de um roteiro – o próprio currículo
como essência marcante da ‘investigação em Lattes. A tentativa foi a de expor o avesso das
educação artística’, moldando-lhe o sentido páginas do Lattes. O desmanche do currículo:
e os processos, onde a utilização de matrizes uma desconstrução do arranjo estético, ético
usuais das ‘ciências humanas’, das ‘ciências e político profissional que lá está registrado
da educação’, das ‘ciências da arte’, não lhes e que podem ocultar as “bonitezas” que a bio-
fornecem as possibilidades suficientes de pro- grafia docente evoca (FREIRE, 2012). Nesse
dução de acção/pensamento. Procura-se, assim, sentido, olho para as amarraduras pelo avesso
entender a urgência da ampliação do debate da formação e atuação docente que, por sua
existente para uma afirmação social de outros vez, são expostas pelas entrevistas narrativas.
modos de investigação, para a utilização das lin- Ainda, a partir da análise e interpretação das
guagens que são próprias e naturais no terreno histórias narradas, vou em busca de marcas
intersubjectivo e relacional onde se move a ‘edu- biográficas que compõem as matrizes desua
cação artística” (PAIVA, Op. cit, p. 162). atuação docente em artes visuais.

Nesse sentido, apoiado no que o autor citado 1.2 .Impressões sobre papéis
denomina como “a natureza particular do artís-
tico”, miro para os percursos artísticos e peda- No segundo semestre de 2015, cursei a dis-
gógicos em suasexperiências de vidas, que po- ciplina eletiva Tópicos Especiais em Poéticas
dem deixar marcas gravadas na constituição Visuais – Gravura, ofertada por meu progra-
identitária de professoras de artes visuais. ma de doutorado. Durante a imersão no ateliê
Volto, também, às possibilidades de se pensar de gravura, quis trabalhar, inicialmente, com
uma cultura profissional de professores de ar- avessos de embalagens de papel, aproprian-
tes visuais no campo da educação profissional/ do-as como suporte para impressão. Nesta
técnica.Para isso, levanto as questões: pesquisa de material, chego às embalagens de
caixas de fósforo, seduzido pela possibilidade
- 147 -

de que aquelas “folhas de madeira” pudessem, cisões entre o percurso investigativo que ora
de alguma forma, resultar numa reinvenção aconteceu em momentos diferentes, ora se
da xilogravura contemporânea e, o que antes cruzaram, convenientemente, num mesmo
foi pensado como suporte para impressão, espaço e tempo. Estou me referindo, primeiro,
tornou-se matriz. Crio uma matriz experimen- ao processo de investigar o Lattes e realizar
tal (imagem 1), em que colo várias caixinhas uma primeira conversa (entrevista narrativa)
abertas sobre uma superfície de papelão rí- com as professoras colaboradoras e, segun-
gido e noto que essas embalagens, em seus do, ao processo criativo no ateliê de gravura
avessos, tinham incisões em suas dobras (vin- (e fora dele, em casa). Assim, formularam-se
cos), uma espécie de sulcos pré-concebidos. ações que atravessaram as fronteiras do cro-
Estes vincos eram, a priori, elementos visuais nológico e linear para um encontro vibrati-
já presentes na matriz e que foram apropria- voentre o que antes foram consideradas ações
dos (outras vezes ignorados) em cada processo distintas, mas que agora reagem num mesmo
de composição e gravação. Algumas questões campo magnético de pensamento. Com um
iam surgindo neste processo de experimen- olhar para as “marcas dos avessos”, surgiram
tação do material. Que tipo de gravura estou outras perguntas:
fazendo? Uma xilogravura revisitada? Uma
citação da xilogravura? Avessos da xilogra- a) Como as marcas podem constituir formas?
vura? Ao mesmo tempo, lidar com esta pro- b) Como as marcas dos avessos podem impul-
dução no ateliê gerava outras questões para sionar ou se sobrepor a outras formas?
a investigação em andamento, registradas, no c) O avesso é a contra-forma?
ateliê ou em casa, no caderno do artista: “trate d) Todo avesso tem marcas?
o avesso como avesso”; “olhe para as marcas e) Pode o avesso estar na superfície?
do avesso”; “todo avesso tem marcas”; “o avesso
tem incisões”; “o avesso está na superfície”. O Percebe-se que as perguntas se misturam pe-
processo está resumidamente demonstrado las camadas, não conseguindo atrelar-se a ape-
nas imagens seguintes: Imagem 1, Imagem 2, nas uma, pois, direta ou indiretamente, fazem
Imagem 3, Imagem 4. relação com os dois movimentos investigativos.
A palavra forma surge num sentido expandido,
1.3 Avessos da docência na relação, forma/gravura e forma/Lattes, po-
dendo ser a última uma representação forma(l)
Há uma freqüência de sentidos, ações e de- docente –embalagem docente? Ainda, pensan-

Imagem 1: Processo de experimentação de materiais no Ateliê de Gravura.


Montagem da matriz: lâmina de madeira a partir do desmanche da caixa de
fósforo e colagem sobre prancha rígida de papelão.
- 148 -

Imagem 2: Da esquerda para a direita, matriz pronta para ser gravada e goivas para gravura. Abaixo,à esquerda, a
matriz sendo gravada e, à direita, detalhe das incisões
sobre a lâmina de madeira.

Imagem 3: A matriz desenhada e pintada com tinta Imagem 4: Gravura impressa no Ateliê de
preta, para marcar as áreas que serão impressas. À Gravura da Universidade Federal de Goiás - Faculdade
direita, detalhe da matriz de Artes Visuais.
pintada e gravada.

do sentidos partilhados para as duas camadas, poética da pesquisa, que pude fazer a relação
a palavra impressãoganha significado duplo, da impressão do preto (tinta gráfica) sobre o
uma vez que está vinculada ao vocabulário branco, como metáfora para o borrar, grafica-
técnico da gravura e, por outro lado, sugerindo mente, as páginas do Lattes.
impressões, entendimentos, reflexões a partir
do que está sendo feito. Por outro lado, foi no
processo de gravar a matriz de gravura, perce-
ber a poética do material em cruzamento com a
- 149 -

2. Rabiscos metodológicos e seus riscos narrativas transcritas, realizadas com quatro


professoras colaboradoras e o estudo das cin-
Além das memórias durante aquele tempo de co páginas iniciaisdo caderno do artista – um
produção, tanto no ateliê, quanto na minha casa, tempo considerado suficiente, resultante da
há, também, registros escritos e visuais no ca- experimentação e conhecimento do material
derno do artista,como demonstradoabaixo: (um mês, aproximadamente). O estudo e reme-
moração do processo geraram a classificação
de algumas palavras-chaves, assim relaciona-
das, conforme as etapasdo processo criativo:
DESMANCHE, EXPERIMENTO, DESCOBER-
TAS, PROBLEMAS e IMPRESSÕES.

Cada palavra representa uma fase metodoló-


gica e até aqui cumpriu-se a etapa DESMAN-
CHE. Inicialmente, foi feita uma definição e
descrição de cada etapa do processo criativo
de gravura. A partir da definição e descrição
das palavras-chave, o método foi criar guias/
metáforas para a análise das entrevistas
Imagem 5: Caderno do artista. transcritas, a qual denomina-se EXPERIMEN-
TO. A tabela seguinte sistematiza as cinco eta-
A partir do estudo do caderno do artista e reme- pas, voltadas à análise das entrevistas narra-
moração do processo criativo e poético, levanto tivas, gerando guias para as ações:
questões com o objetivo de criar conjecturas e
delinear ações metodológicas, admitindo min-
has práticas de educador e artista como luga-
res de investigação (IRWIN, 2013, p. 28).

O intuito foi o de gerar procedimentos metodo-


lógicos de pesquisa a partir dos procedimen-
tos artísticos, imerso no objeto de investigação
e seus sentidos gerados pelo acúmulo de co-
rrelações, movimentações, criação artística e
produção de instrumentos narrativos textuais
como, por exemplo, as entrevistas narrativas.
Trata-se, contudo,de um esboço metodológi-
co e suas potencialidades, fragilidades e, por
outro lado, seus riscos, considerando a provi-
soriedade como parte do processo de pesquisa
(TOURINHO, 2013, p. 64).

O empenho está para a análise dos métodos de


criação artística e, a partir dessas impressões,
criando ações, associações e metáforas para
potencializar a interpretação dos objetos de
pesquisa:

As metáforas carecem de interpretação. Não


são como verdades absolutas, que são certas ou
erradas. Antes pelo contrário, podemos discu-
ti-las, apresentar argumentos a favor ou contra
e julgar umas como mais favoráveis que outras.
Mais ainda, as metáforas carecem de um enten-
dimento de considerandos contextuais e cultu-
rais. (EÇA, 2013, p. 78)

Nesse contexto, são objetos de análise, até


este ponto da pesquisa, quatro entrevistas
- 150 -

Tabela 1: etapas metodológicas.

Tabela 2: recorte da tabela de análise.


- 151 -

Imagem 6: diagrama.

Imagem 7: gravura digital.


- 152 -

2.1 Desmanche do número de páginas de cada currículo Lattes.

A sistematização da tabela 1 cria guias para b) A primeira e quarta camadas são mais con-
a leitura/desmanche do Lattes de cada pro- tínuas/homogêneas, enquanto a segunda e
fessora, a fim de gerar perguntas para cada terceira tem mais oscilações de mancha.
item do currículo analisado e que tenham,
necessariamente, em seu texto, uma das onze c) A quarta camada tem uma linearidade maior,
palavras/metáforas elencadas para esta fase. mais limpa. Objetividade?
Nesse contexto, a leitura crítica dos currículos
voltam-se, também, às perguntas: d) A terceira camada tem duas manchas visuais
que pesam visivelmente em relação às outras
a) Que outros procedimentos (e empreendi- manchas do mesmo conjunto e, de forma geral,
mentos) a modalidade Ensino Técnico pode a todas as manchas das demais camadas.
exigir dos professores de artes visuais?
b) É possível investigar a constituição de uma e) É visível, no conjunto, o destaque para três
cultura profissional do professor de artes vi- manchas gráficas que correspondem às metá-
suais neste contexto de ensino? foras: previsibilidade, arranhões e exposição.
c) Pode-se evidenciar marcas de uma tecnici-
dade da “formação pela experiência” na cultu- f) A primeira camada representa uma quanti-
ra profissional destas professoras? dade maior de repetição (duplas) das metáfo-
ras através da formulação de perguntas.
O Currículo Lattes tem várias categorias de
preenchimento. Foi elaborada, para cada co- g) A segunda camada tem 9 metáforas, das 11
laboradora, uma tabela com de três colunas, elencadas para a formulação de perguntas.
em que é identificada a natureza do item ana- Diversidade?
lisado. Na segunda coluna, são feitos registros
das informações referentes ao item e, na ter- 3. Considerações finais
ceira coluna, as perguntas elaboradas a par-
tir das onze palavras/metáforas da primeira Está em processo a análise das entrevistas
linha databela 1. Abaixo, um exemplo de como narrativas transcritas – a etapa EXPERI-
foi feito este registro para o item “produção”, MENTO. Este artigo tratou, especificamente,
de uma das colaboradoras. Cada tabela tem, da construção metodológica da pesquisa, que
em média, 12 itens analisados. está em sua segunda metade, com atenção às
“metodologias visuais” (MARTINS, 2013) que
A partir da análise dos quatro Currículos Lat- surgem a partir da imersão artística, inte-
tes, foi elaborado um diagrama que demons- grada com a imersão teórica e a conseqüen-
tra quais das palavras/metáforas aparecem te produção de sentidos partilhados através,
nas questões elaboradas e como se repetem principalmente, do jogo metafórico com ima-
(colaboradoras A, B, C e D): gem e palavra. Segue o trabalho num proces-
so aberto e arejado que a pesquisa artística/
Este diagrama (Imagem 6) recebeu um tra- qualitativa demanda, porém preso na expe-
tamento digital no intuito de se aproximar à riência do ensinar/aprender artes visuais,
imagem de uma gravura, resultando na ima- “onde nossas histórias sejam acolhidas como
gem a seguir (Imagem7): base de nossa própria aprendizagem docen-
te” (HERNÁNDEZ, 2013, p. 26).
A idéia foi obter uma “vista superior” do con-
junto e deixar que a imagem indicasse pre-
missas de análise e que provocasse sentidos.
Tais premissas/sentidos servirão de estímulo
inicial para as quatro camadas de instrumen-
tos narrativos a serem analisadas, conside-
rando que cada entrevista é uma camada. A
partir da imagem 6 foi possível estabelecer
algumas provocações para a etapa EXPERI-
MENTO, a partir das seguintes considerações:

a) A imagem, se analisada como gráfico, não co-


rresponde a uma representação quantitativa
- 153 -

Referências · TOURINHO, Irene. Metodologia(s) de pesquisa


em Arte/Educação: o que está (como vejo) em
· EÇA, Teresa. Perguntas no ar sobre metodo- jogo? In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita L. (orgs).
logias de pesquisa em arte educação. In: DIAS, Pesquisa Educacional Baseada em Arte: A/r/
Belidson; IRWIN, Rita L. (orgs). Pesquisa Edu- tografia. Santa Maria: Editora UFSM, pp. 63-
cacional Baseada em Arte: A/r/tografia. Santa 82, 2013.
Maria: Editora UFSM, pp. 71-82, 2013.

· FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Alexandre Guimarães


Paulo: Paz e Terra, 2011.
Alexandre Guimarães é professor de Artes
· HERNÁNDEZ, Fernando. A investigação ba- Visuais no Instituto Federal de Goiás (IFG) –
seada em arte: propostas para pensar a pesqui- Câmpus Aparecida de Goiânia/Brasil. É ba-
sa em educação. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita charel em Artes Visuais, habilitação em De-
L. (orgs). Pesquisa Educacional Baseada em sign Gráfico, Mestre em Cultura Visual, com
Arte: A/r/tografia. Santa Maria: Editora UFSM, ambas formações pela Universidade Federal
pp. 39-62, 2013. de Goiás (UFG)/Brasil. Desenvolve pesquisa
de doutoramento em Arte e Cultura Visual,
· IRWIN, Rita L. A/r/tografia. In: DIAS, Belidson; também na UFG. No IFG, atua no Ensino Mé-
IRWIN, Rita L. (orgs). Pesquisa Educacional Ba- dio Integrado ao Técnico, com os componentes
seada em Arte: A/r/tografia. Santa Maria: Edi- curriculares “Artes Visuais” e “Arte e Processos
tora UFSM, pp. 27-35, 2013. de Criação” e também na Educação de Jovens
e Adultos. Ainda no IFG, é professor e membro
· MARTINS, Raimundo. Metodologias visuais: do Núcleo Docente Estruturante da Licencia-
com imagens e sobre imagens. In: DIAS, Belid- tura em Dança, com componentes curricula-
son; IRWIN, Rita L. (orgs). Pesquisa Educacional res no campo do ensino de arte e formação de
Baseada em Arte: A/r/tografia. Santa Maria: professores de arte. Sua pesquisa de doutora-
Editora UFSM, pp. 83-95, 2013. do conta com o apoio da Fundação de Ampa-
ro à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), em
· NÓVOA, António. Professores: imagens do fu- parceria com a CAPES.
turo presente. Lisboa, EDUCA, 2009.

· PAIVA, José. Sobre o campo de irreverên-


cia de uma escola artística na renovação da
educação artística. Escola Internacional de
Arte, 2012. Disponível em http://www.buala.
org/pt/vou-la-visitar/sobre-o-campo-de-irre-
verencia-de-uma-escola-artistica-na-re-
novacao-da-educacao-artist,acessoem
23/03/2015.
- 155 -

ENSINO DE DESENHO NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA:


REFLEXÕES SOBRE ARTE, VISUALIDADES E COTIDIANO NO CONTEXTO
CULTURAL AMAZÔNICO.
Ronne Franklim Carvalho Dias - FAV/UFG
Dr. Raimundo Martins - FAV/UFG

Resumo Abstract

Esta pesquisa tem por objetivo Investigar ten- This research aims to investigate curricular
dências curriculares e o espaço do desenho trends and design space art curriculum for
no currículo de arte para professores artistas artists teachers and their teaching practices
e suas práticas docentes a partir das visuali- from Amazon visualities in the current scena-
dades amazônicas no atual cenário do ensino rio of professional and technological educa-
profissional e tecnológico. Explora a ideia do tion. Explores the idea of teacher / artist pro-
professor/artista propiciando uma reflexão so- viding a reflection on the design of teaching
bre o ensino de desenho como um valor técnico as a technical and qualitative value in the
e qualitativo no âmbito da cultura tecnológica. context of technological culture. The teacher
O professor/artista é um produtor visual que / artist is a visual producer who lives aesthetic
vive a experiência estética no seu cotidiano experience in their daily lives as a mediator
enquanto mediador das relações entre a pro- of the relationship between the production of
dução de artefatos e a sustentabilidade cultu- artifacts and local cultural sustainability. It is
ral local. É, também, um dos agentes ressigni- also one of ressignificadores agents to build
ficadores ao construir e praticar o currículo. O and practice the curriculum. The corpus of the
corpus da pesquisa se fundamenta nas corren- research is based on the critical theoretical
tes teóricas críticas e pós-críticas em diálogo currents and post-critical dialogue with au-
com autores que discutem e possibilitam arti- thors who discuss and possible links with the
culações com a prática docente. Nesta pesquisa teaching practice. In this qualitative research,
qualitativa, imagem e artefatos visuais gan- image and visual artifacts gain space and
ham espaço e pertinência na trama investiga- relevance in the research plot crisscrossing
tiva entrecruzando diferentes campos teóricos different theoretical fields and, in particular,
e, em especial, a cultura visual, para descrever the visual culture, to describe and analyze the
e analisar o objeto em questão buscando uma object in question seeking an understanding
compreensão sobre eles e a partir deles. A in- about them and from them. The research is
vestigação se desenha a partir de um mapea- drawn from a mapping of the Amazon Fede-
mento dos Institutos Federais da Amazônia ral Institutes in the three states of the region.
em três estados da região. Serão selecionados They will be selected and interviewed seven
e entrevistados de 7 (sete) a 10 (dez) professo- (7) to ten (10) visual arts teachers that work
res de artes visuais que atuem com o ensino de with the design of education. I seek to analyze
desenho. Buscarei analisar como são ativados how are activated the faculty knowledge
os saberes docentes considerando a dimensão considering the space-time dimension, local
espaçotempo, os saberes locais, afetos e agen- knowledge, affection and assemblages (hete-
ciamentos (heterogeneidades, multiplicidades rogeneities, multiplicities etc.) and thus inves-
etc.) e, assim, investigar os processos de repre- tigate the representation of processes and the
sentação e a produção de significados de um production of meanings of a personal / insti-
universo pessoal/institucional que inclui uma tutional universe that includes a culture of
cultura dos sentidos e metáforas da percepção. meanings and metaphors of perception.

Palavras-chave: desenho; educação tecnoló- Key-words: drawing; technological educa-


gica; visualidades; cultura amazônica. tion; visualities; Amazon culture.
- 156 -

1. Introdução gicas que utilizam o desenho como mediação


nesse processo educativo cultural podem
Os Institutos Federais (IF’s), criados a partir de aproximar sensibilidade, forma e função es-
2008 (conforme Lei 11.892/2008), estão en- téticas com as visualidades da Amazônia? A
tre as mais proeminentes políticas educacio- preocupação que levantamos, busca envolver
nais do Brasil, sua atuação contribui para um a visualidade amazônica por ser o contexto
redesenho do cenário educativo tecnológico. de trabalho, vivência e luta política, mas, tam-
Nosso olhar investigativo consiste em perce- bém, por conhecimento e valorização da cul-
ber nesse contexto os cruzamentos qualitati- tura e visualidade regionais. Assim, a proble-
vos para o ensino do desenho. Por esse novo mática que estamos nos propondo a discutir
modelo de educação profissional considerar nesta pesquisa é a seguinte: que referências,
potencialidades do contexto local, abre-se para o ensino do desenho, professores/artis-
uma gama de possibilidades em relação a arte tas utilizam nas Escolas Profissionalizantes?
e cultura visual que este estudo pode gerar ao Aprendizagem, qualidade técnica e a relação
perceber/identificar a experiência visual ou com sentidos produzidos na cultura cotidiana
estética com a cultura regional (especialmen- dialogam com a visualidade amazônica?
te o recorte amazônico, lócus empírico deste
projeto) e o currículo: Entender seus proces- 3. Currículo e cultura visual
sos de formação como mecanismos que tecem
subjetividades. Nosso interesse é investigar Desenhos e intervenções, Foto 2 (de discen-
como esse currículo é praticado e como o saber tes do Instituto Federal do Amapá-IFAP), Ma-
artístico do professor/artista se situa ou pode capá-AP, 2014/2015.
interferir nesse processo.
Para Martins (2007, p. 33) a “cultura visual es-
2. Desenho e cotidiano tuda e investiga a imagem como via de aces-
so ao conhecimento, como experiência que
Partimos do princípio de que o artista/profes- realça realidades que de outro modo passa-
sor pode estar, talvez, em condição privile- riam desapercebidas”. As relações entre ensi-
giada para aproximar vida cotidiana e ensino no do desenho e currículo serão problematiza-
tecnológico com o mundo: ao proporcionar das via teoria da imagem, numa perspectiva
propostas artísticas que traduzem práticas que extravasa a compreensão dos artefatos
da vida. Esta é uma das potencialidades que visuais como obra de arte ou como represen-
observamos nos centros profissionalizantes tações apenas estéticas contextualizando-as
e nos institutos federais em relação ao ensino em termos culturais.
de desenho.
Outra interface teórica com a qual nos pro-
Atividades de desenho e usos de sucatas, Foto pomos a dialogar trata das questões que en-
1 (discentes do instituto Federal do Amapá – volvem o currículo, considerando os agen-
IFAP), Macapá-AP, 2015. ciamentos e seus enunciados (DELEUZE;
GATTARI, 1995,1997) e os acontecimentos do/
Esse novo modelo de educação profissional no cotidiano (CERTEAU, 2009). Neste campo
tem buscado associar gerenciamento de re- recorremos tanto às linhas de pesquisa da
cursos tecnológicos diversificados e sustentá- educação da cultura visual (MARTINS & TOU-
veis. Mas até que ponto as estratégias pedagó- RINHO, 2011), como às correntes conceituais

Foto1 - Atividades de desenho e usos de sucatas, Foto 1 (discentes do instituto


Federal do Amapá – IFAP), Macapá-AP, 2015.
- 157 -

Foto 2 - Desenhos e intervenções, Foto 2 (de discentes do Instituto Federal do Amapá-IFAP),


Macapá-AP, 2014/2015.

que problematizam o currículo em sua com- as tendências pedagógicas e as intenções cu-


plexidade destacando questões referentes a rriculares nas escolas oficiais no contexto do
formação de identidade e subjetividade: Brasil. O referido autor discute a valorização
do ensino do desenho e a preocupação gover-
Nas discussões cotidianas, quando pensamos namental que constituiu a base sobre a qual
em currículo pensamos apenas em conheci- se “fundou, após a proclamação da república,
mento, esquecendo-nos de que o conhecimento as Escolas de Aprendizes e Artífices, matrizes
que constitui o currículo está inextricavelmen- das redes das Escolas Técnicas Federais do
te, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo país.” (NASCIMENTO, 2010, p. 48).
que somos, naquilo que nos tornamos: na nos-
sa identidade, na nossa subjetividade. (SILVA, 4. Percursos Metodológicos
1999, p. 15).
Tão importante quanto os pressupostos teóri-
Alves (2003; 2015), faz questionamentos cos é criar procedimentos metodológicos que
acerca da cultura e o cotidiano escolar, levan- possam responder a funcionalidade, origem
do-nos a refletir sobre “os modos como são e consequências do objeto em questão. Para
fabricados os conhecimentos, com os aconte- se permitir compreender é necessário antes
cimentos culturais neles incluídos, através dos questionar, observar, experienciar.
diferentes e diversos usos que os praticantes
dos cotidianos fazem” (2003, p. 63). Pretendemos questionar os discursos corren-
tes do sistema de ensino atual que preconizam
Com referência à experiência estética do um ensino tecnicamente modernizado que
professor, planejamos dialogar com alguns prepare para o mundo do trabalho e, conco-
aspectos da filosofia de Dewey (2010) ao es- mitantemente, seja de interesse para os estu-
tabelecer relações da arte com as práticas do dantes. Além disso, consideramos importante
pensar. Para ele aprende-se a pensar exe- perceber/identificar o modo como os atores
cutando o pensamento, experimentando. A sociais se apropriam das imagens, visuali-
dimensão estética está numa percepção in- dades e imaginários e os integram a formas
tegral com o cotidiano e a vida, ou seja, o que locais de conhecimento. Outro ponto, crucial,
se permite lidar com outras experiências e se corresponde a compreender a imagem como
interconectar com o mundo. elemento mediador de experiências estéticas,
a partir de uma multiplicidade de perspecti-
A experiência, na medida em que é experiência, vas que envolvem descrição e análise de tais
consiste na acentuação da vitalidade. Em vez artefatos, das práticas pedagógicas vigentes e
de significar um encerrar-se em sentimentos e o modo como se estabelecem no/com o currí-
sensações privados, significa uma troca ativa e culo e no/com o cotidiano.
alerta com o mundo. (DEWEY, 2010, p. 83).
O trabalho empírico, ou seja, a pesquisa de
Na abordagem histórico-conceitual do ensino campo, é procedimento vital para a produção
do desenho, inicialmente vamos apoiar-nos de dados. Esses procedimentos incluem o re-
nos escritos de NASCIMENTO (2010) ao narrar gistro de imagens (como desenhos de aula,
- 158 -

portfólios, cadernos de ateliê), observações, nificados são negociados e disputados. Fazendo


documentos institucionais e pessoais, ano- uma analogia, podemos dizer que as escolas,
tações em diário de campo reunindo infor- sua maquinaria, seus currículos e práticas
mações sobre os sujeitos, a instituição na qual pedagógicas são parte desse complexo. Uma
atuam, suas práticas pedagógicas. A pesquisa aproximação com o currículo pode ser feita
tem um caráter qualitativo e fará uso de ele- baseando-se na noção de campo de luta, cres-
mentos e recursos da prática etnográfica. centemente utilizada nas análises curriculares
Nesse sentido, a questão que está em jogo é críticas e pós críticas que lançam mão da teoria
cultural contemporânea.
como apresentar e representar a percepção do
outro concretamente, isto é, como usar as falas, 6. Bibliografia
discursos, intervenções, explanações, críticas
e diferentes pontos de vista produzidos não · ALVES, Nilda. Cultura e cotidiano escolar. Re-
mais por um objeto, mas por sujeitos de nossa vista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n.
investigação. Uma vez que não se trata mais de 23, p. 62-74, Ago. 2003.
representar um ‘objeto’, mas de apresentar uma
relação entre sujeitos. (GONÇALVES & HEAD, · · Sobre movimentos das pesquisas nos/
2009, p. 20). dos/com os cotidianos. In: GARCIA, Alexandra.
OLIVEIRA, Inês Barbosa de (orgs). Nilda Alves:
A investigação se desenha a partir de um ma- praticantespensantes de cotidianos. Belo Ho-
peamento dos Institutos Federais da Amazô- rizonte, Autêntica Editora, 2015.
nia em até três estados da região: Manaus,
Pará e Amapá. Em seguida, serão seleciona- · BAUER, W. Martin. GASKELL, George. (Trad.
dos 10 (dez) professores de artes visuais a Pedrinho A. Guareschi). Pesquisa qualitative
serem entrevistados. As entrevistas indivi- com texto, imagem e som: um manual prático.
duais devem ser abertas, pois, “a finalidade da Petrópoles-RJ. Vozes, 2002.
pesquisa qualitativa, ao contrário da quanti-
tativa, não é contar opiniões ou pessoas, mas · CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidia-
explorar o espectro de opiniões, as diferentes no: 1. artes de fazer. 16 edição. (Trad. Ephraim
representações sobre o assunto em questão”. Ferreira Alves). Petrópolis-RJ: Vozes, 2009.
(BAUER; GASKELL, 2002, p.68).
· DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Pla-
Na sequência, irei verificar e analisar os pla- tôs. Capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janei-
nos pedagógicos como informação primária. ro: Editora 34, 1995-1997.
A pesquisa qualitativa incide em “um con-
junto de práticas materiais e interpretativas · DENZI, Norman K. & LINCOLN, Yvonna S. O
que dão visibilidade ao mundo. Essas práti- planejamento da pesquisa qualitativa: teorias
cas transformam o mundo em uma série de e abordagens. (trad. Sandra Regina Netz). 2ª
representações (notas de campo, entrevistas, ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
as conversas, as fotografias e os lembretes)
(DENZI; LINCOLN, 2006, p. 17). · DEWEY, John. Arte como experiência. São
Paulo: Martins Fontes, 2010.
5. Considerações ainda não finais...
· GONÇALVES, Marco Antonio; HEAD, Scott
Nesta investigação, buscamos maneiras de (orgs.). Devires imagéticos: a etnografia, o
encontrar ou formular abordagens no terri- outro e suas imagens. Rio de Janeiro: 7Le-
tório da pesquisa educacional para abordar tras, 2009.
saberes e experiências do professro/artista,
e porque não, suas inquietações e anseios pe- · NASCIMENTO, Erinaldo Alves do. Ensino do
dagógicos: no interesse de compreender as desenho: do artífice/artista ao desenhista
tendências que o professor ao implementar o auto expressivo. João Pessoa: Editora UFPB,
currículo em sala de aula constrói, suas práti- 2010.
cas com o desenho e que aproximações podem
existir entre visualidade amazônica e ensino · SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de
tecnológico. identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
A cultura visual compreende a imagem como
um campo híbrido e interdisciplinar no qual sig- · MARTINS, Raimundo. A cultura visual e a
- 159 -

construção social da arte, da imagem e das


práticas do ver. In: OLIVEIRA, Marilda Olivei-
ra (org.). Arte, Educação e Cultura. Santa Ma-
ria, Ed. da UFSM, 2007.

· MARTINS, Raimundo. TOURINHO, Irene. Cir-


cunstâncias e ingerências da cultura visual.
In: MARTINS, Raimundo. TOURINHO, Irene.
(orgs). Educação da cultura visual: conceitos e
contextos, Santa Maria, Editora UFSM, 2011.

Ronne Franklim Carvalho Dias

Doutorando em Arte e Cultura Visual pela


Universidade Federal de Goiás-UFG (BRA),
docente do Instituto Federal do Amapá – IFAP
(BRA), e-mail: ronne.dias@ifap.edu.br

Raimundo Martins, Doutor em Educação/


Artes pela Southern Illinois University (EUA)
e Mestre em Artes pela Andrews University,
Michigan (EUA). Orientador do Programa de
Pós Graduação em Arte e Cultura Visual da
UFG (BRA), e-mail: raimundomartins2005@
yahoo.es
4.
PRÁCTICAS
ARTÍSTICAS
Y RESISTENCIAS
VISUALES
- 163 -

FANZINES: VISUALIDADES IMPERTINENTES E SUAS TÁTICAS DE


NARRATIVAS IMAGÉTICAS

Ramon Santos de Castro


Aldo Victorio Filho (Orientador) - UERJ

Palavras chave: fanzines, visualidades, iden- Fanzines nunca são apenas objetos em si, mas
tidades. redes de solidariedades epistêmicas interminá-
veis. Permitem a experimentação, a autoria e o
RESUMO: protagonismo, e não dependem de autorizações
ou chancelas, apenas da vontade de protagoni-
Fanzines são edições auto editadas de forma zar modos autênticos de ser no mundo.
urgente, que desde o seu nascimento abando-
naram o conceito de coleção patrimonial. Com Pode-se perguntar: fanzine é arte? Essa é uma
colagens urgentes e amadoras, produzido por questão frequentemente colocada. Eu per-
sujeitos apaixonados por temas não profes- guntaria de outro modo: Arte é Arte? Uma pro-
sos dos códices mercadológicos. Criam obras blemática no ensino da arte é o quão falacioso
críticas, resultando num empoderamento o acesso às obras pelo agenciamento de suas
desses mesmos sujeitos, que passaram então reproduções. Assume-se um continuum his-
a ser produtores de cultura visual, a partir da toriográfico eurocêntrico, e a naturalização
relação com suas coletividades. Rompendo de seus procedimentos e instituições, criando
paradigmas e ampliam espaços para a criação exclusões daquilo que não está circunscrito,
de novas éticas. invisibilizadas em nome do belo e do bem.
- 164 -

Quando, o ensino da arte tem um fundamento Nesta pesquisa, pretendo trabalhar a partir
moral, e propõe um modelo universal e numa da emergência de um corpus espistemológico
perspectiva dogmática e representativa, basea- que surge na própria prática de construção
da nos ideias de reprodução, suporte, dedução e de fanzines, e pensar a arte e educação como
indução. A autonomia dos processos simbólicos palimpsesto de futuridade. Penso na escola
causado pela criação de um fanzine implica em como "um lugar que não acaba" e a partir da
uma questão importante neste contexto. cultura negada dos fanzines (e por vezes seus
desdobramentos como stencils e lambe lambe),
Fanzines são produções visuais criadas para desejo criar alternativas à formação de redes
além da arte e podem ser considerados como de saberesfazeres. Pois, as identidades, bem
elementos de pressão epistêmica na educação como a realidade, não são dados fixos e imu-
contemporânea. Penso na escola como "um lu- táveis. Minha investigação teórica nasce do
gar que não acaba" e desejo discutir alterna- desassossego e da necessidade de afirmar o co-
tivas à formação de redes de saberesfazeres. tidiano dos espaços dentrofora da sala de aula
Pois, as identidades, bem como a realidade, (seja da escola básica ou da universidade) além
não são dados fixos e imutáveis. de entender também com espaços de aprende-
rensinar como a rua, os shows de punk rock, as
INTRODUÇÃO trocas dos fanzines como um espaço-tempo de
criação. Isso significa aceitar o desafio de exer-
Fanzines são publicações feitas por sujeitos citar outras formas de apreender a realidade
apaixonados por algum tema. Geralmente um – formas calcadas na multiplicidade de inter-
tema que as mídias convencionais dificilmen- pretações e produzidas no entrelaçamento das
te abordariam. Fanzines nunca são apenas ob- diferentes perspectivas, dos diferentes sujei-
jetos em si, mas parte de redes intermináveis tos, nos diferentes contextos da vida cotidiana.
nas metrópoles comunicacionais. O fanzine
não só permite a experimentação e a autoria Um fanzine é também uma cápsula de tempo.
e o protagonismo, como não depende de auto- O tempo e o hipertexto como um só. O tempo
rizações, apenas da vontade de protagonizar como acontecimento. Não mais o olhar como
modos autênticos de ser no mundo. um passado petrificado, mas de sermos ca-
- 165 -

Coleção de fanzines. Fotografia de arquivo pessoal.

pazes de buscar a palavra onde há silêncio, de reconhecimento da pluralidade de ações al-


encontrar o gesto onde se registra ausência. ternativas que, pautadas na diversidade de
Usa a colagem como potência expressiva, e a saberes, promovem a emergência de um outro
montagem tal como no processo cinematográ- tipo de conhecimento – um conhecimento so-
fico, gerando a associação de novos sentidos e lidário e dialógico que reabilita vozes silencia-
criação de conceitos através da associação de das, saberes destruídos e aspirações esqueci-
imagens, estratágégias irônicas. Ironia como das de povos e grupos sociais marginalizados,
sedução icônica. o conhecimento-emancipação.

Tendo como pressuposto que a existência OBJETIVOS


não esgota suas próprias possibilidades e que
há alternativas possíveis para superar o que Objetivo Geral
existe, procuro articular os conceitos de Cul-
turas eXtremas na obra de Massimo Canevac- Discutir a emergência de um corpus espiste-
ci. Segundo o autor: “Culturas eXtremas são mológico que surge a partir da própria prática
aquelas que, ao longo de sua auto produção, de construção de fanzines, e pensar a arte e
se constroem de acordo com os módulos espa- educação como palimpsesto de futuridade. A
cial e interminável. (...) Culturas intermináveis escola como "um lugar que não acaba". Criar al-
enquanto recusam a sentar-se entre paredes ternativas à formação de redes de saberesfaze-
da síntese e da identidade, que enquadram e res, pensando que as identidades, bem como a
tranquilizam. Normalizam e sedentarizam” realidade, não são um dado fixo e imutável.
(CANEVACCI, p, 47, 2005). Utilizando os fanzi- Conduzir, em uma série de oficinas, a produção
nes como ferramentas necessárias à uma pro- de fanzines, abrindo a porta para experimen-
dução teórica, capaz de incorporar a complexi- tação, tanto da criação de identidades, quanto
dade das estruturas sociais contemporâneas de realidades até então impensadas. Articular
que nos desafiam a ultrapassar fronteiras e teorias a partir da práticas, tendo a produção
limites e nos convidam a escavar fragmentos de fanzines como um campo de possibilidades,
e a mergulhar na multiplicidade, por meio do mediante articulações transdisciplinares.
- 166 -

Objetivos Específicos havia sido publicada em uma revista de arte,


e era intitulada “Retrato do Autor”. Tal obra
1 - Analisar o processo de construção de fan- tratava da relação entre crime e arte. Resolvi
zines a partir de diversas ações e encontros, utilizá-la na proposta de criação de fanzines
seja com alunos dentrofora da escola pública com os menores detentos, aproveitando essa
de ensino ou fanzineiros; proposição e a imagem icônica. Foi pedido aos
2 - Selecionar fanzines brasileiros das déca- jovens infratores que fizessem intervenções
das de 1990 e 2000 e analisar as redes de pro- na foto, valendo qualquer reinterpretação
dução de conhecimento a partir dos mesmos; ou desenho. Os produtores do fanzine eram
3 - Articular conceitos a partir da literatura adolescentes que cumpriam a sentença sócio
dos autores Máximo Canevacci, Néstor Garcia educativa, com privação de liberdade, rein-
Canclini e Michel Maffesoli, cruzando-os com terpretando livremen te uma obra que falava
os processos de construção dos fanzines; sobre crime e arte.
4 - Trazer um pensamento oriundo dos Estudos
Culturais, com autores como Stuart Hall, Hom- Desta proposição, resultaram catorze releitu-
mi K. Bhabha e Boaventura de Souza Santos. ras da imagem de Luiz Andrade, que foram
5 - Cruzar procedimentos do cinema (cor- compiladas em um fanzine. Fanzines são obje-
te, montagem), das histórias em quadrinhos tos “que desde o seu nascimento abandonaram
(construção de narrativas visuais) e dos fanzi- o conceito de coleção patrimonial” (CANCLINI,
nes (produção de redes, criação coletiva, poli- 2011, p.336), com colagens urgentes, amado-
fonias) para a escrita da tese. ras e não professas dos códices mercadológi-
6 - Realizar 10 oficinas de produção de zines cos. Os menores detentos passaram então a
como proposta de projeto de extensão, voltadas ser produtores de cultura visual, a partir da
para o público jovem e adulto, oriundos das fa- relação com outro objeto, criando uma relação
velas São João e Macacos, cito Projeto Gira Sol crítica com a obra, resultando num empodera-
localizado à Rua Acaú, s/n, Engenho Novo. mento daqueles sujeitos – que muitas vezes
não possuem quaisquer canais de expressão
1 - Promover o deslocamento conceitual, uti- e comunicação.
lizando-se de “Gêneros impuros” (CANCLINI)
como os fanzines ou quadrinhos, como estra- A autonomia dos processos simbólicos cau-
tégia de acontecimento pedagógico. sado pela criação de um fanzine se faz uma
2 - Desconstruir certezas, para reencontrar questão importante neste contexto pois, mui-
o vigor do ver, decompondo os mais diversos to embora a lei só determine a privação de
dispositivos visuais, para a produção material liberdade aos adolescentes, frequentemen-
intensa de fanzines. te eles são intimidados por agentes adultos,
e acabam perdendo outros direitos, como o
JUSTIFICATIVA acesso a livros e até mesmo ao básico de higie-
ne. A produção desse fanzine pelos detentos
Para iniciar essa discussão, gostaria de re- foi uma ação estética, ética e política (enten-
latar a confecção do fanzine “Cada cabeça dendo aqui política para além de uma retórica
uma Sentença”, que foi realizado com jovens tradicional ou associada a partidos políticos)
que se encontravam em reclusão no DEGA- tornando visível aquilo que está inaudito no
SE1. Na ocasião, eu era professor de história teatro social. Compreendo que, dessas práti-
em quadrinhos dos menores detidos, dentro cas cotidianas juvenis e nesses agrupamentos
de um programa realizado pela ONG People’s propositivos de ações mais engajadas (como a
Palace Projects2. Para a realização do fanzine, produção de um fanzine, por exemplo) o que
entreguei-lhes uma folha A4 com a foto do ar- emerge são ações de politicidade, na qual “o
tista e professor Luiz Andrade (UERJ). A foto corpo é elemento mediador e lugar de enun-

1 - O Departamento Geral de Ações Sócio Educativas - DEGASE é um órgão do Governo do Estado do Rio de Janeiro que executa as
medidas judiciais aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei. Foi fundado no ano de 1994 durante o governo Leonel Brizola para
substituir a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (FCBIA), fundação pública federal responsável pela execução das
medidas sócio-educativas naquela época. O Estado do Rio de Janeiro era então a última Unidade da Federação que ainda mantinha a
estrutura federal para execução de tais medidas, tendo em vista ter sido Capital Federal, competindo a Fundação Nacional do Bem Estar
do Menor (FUNABEM) tal tarefa. Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (E.C.A) em 1990, a FUNABEM foi extinta, dando
lugar a FCBIA, que com a Estadualização da execução de medidas sócio educativas, foi substituída pelo DEGASE. Fonte:<https://pt.wiki-
pedia.org/wiki/Departamento_Geral_de_A%C3%A7%C3%B5es_S%C3%B3cio_Educativas>, acesso em 15 de junho de 2015.
2- http://www.peoplespalaceprojects.org.uk/
- 167 -

Capa e contracapa do fanzine Cada Cabeça Uma Sentença. 2003.

ciação de uma nova politicidade, de um modo culturas negadas, mas ainda assim, um es-
de ocupar e dar sentido ao espaço público e de paço de aprenderensinar (ALVES, 2015), e de
construir uma cidadania cultural mais além conversa permanente, onde tais redes socie-
da de direito” (CERBINO3, 2005. Citado por RO- tais desaguariam também na escola, seja pelo
CHA, 2010). protagonismo formal e informal. Esta conver-
sa se dá pelos próprios protagonistas/fanzi-
Pode-se perguntar: fanzine é arte? Essa é neiros e suas construções e trocas simbólicas,
uma questão frequentemente colocada. Eu sem as autorizaçãoes ou mediações oficiais. A
perguntaria de outro modo: Arte é Arte? Uma escola marcada pelo seu desenho institucio-
problemática no ensino da arte que se arrasta nal traz contradições e interrogações perma-
não só no ensino fundamental público, mas nentes, que exigem uma abordagem radical
também nas universidades públicas brasi- em relação aos desdobramento permanente
leiras, é quão falacioso o acesso às obras pelo nos/dos/com os cotidianos. Pois é no/do/com
agenciamento de suas reproduções. Assu- os cotidianos que vivemos a política.
me-se um continuum historiográfico eurocên-
trico, e a naturalização de seus procedimentos O exemplo do fanzine “Cada cabeça uma sen-
e instituições, criando exclusões daquilo que tença” realizado por adolescentes internos do
não está circunscrito, invisibilizadas em nome DEGASE durante a oficina de quadrinhos, ser-
do belo e do bem. Um sistema de arte que se ve aqui para demonstrar como seria possível
reinvindica autônomo, muito embora emita extrair da prórpia prática uma experiência,
nota fiscal e benesses do mecenato de conglo- fazer emergir o percurso textual deste tra-
merados bancários ou marcas de vodka, por balho de pesquisa. Esta proposta de pesquisa
exemplo. também justifica-se pelo fato de dar visibilida-
de a uma cultura negada – a dos fanzines – e,
São frequentemente publicados livros de realizar uma contribuição dentro do campo do
história da arte sem imagens, onde o suporte ensino da arte calcado da afirmação das dife-
da coisa (sua representação), torna-se a coi- renças. Porque o ensino da arte baseado num
sa, através de textos descritivos, que criam a viés elitista desmobiliza atitudes emancipa-
ilusão de estarmos diante da coisa em si. Tro- tórias, bom como o combate simbólico – que é
camos o concreto pelo abstrato. Dizendo que a disputa visual polifônica que acontece nas
a realidade está na ideia. O que proponho é o tramas do tecido cidade.
reconhecimento dos fanzines, como parte das

3 - CERBINO, Mauro. “Movimientos y máquinas de guerra juveniles”. In: Nómadas. Bogotá, 2005, pp. 112-121. Tradução de Rose de Melo
Rocha.
- 168 -

Releituras da obra de Luiz Andrade no fanzine Cada Cabeça Uma Sentença. 2003.

Cada Cabeça Uma Sentença. 2003. Alunos da oficina de quadrinhos. DEGASE.

METODOLOGIA narrativas visuais) e dos fanzines (produção


de redes, criação coletiva, polifonias).
A metodologia desta pesquisa será construída
em consonância com os desafios surgidos, nos Para Nietzsche, o ideal de verdade é a ex-
trabalhos realizados e na produção textual tensão da crítica de valores morais dominan-
e visual – inclusive de fanzines – num movi- tes de origem judaico-cristã, cujo seu núcleo
mento de vocação transdiciplinar. A partir seria o ideal ascético. Pois, como diria o filóso-
disso, um dos caminhos será a realização de fo alemão em A Gaia Ciência, “Seriedade com
oficinas de produção de fanzines para jovens a verdade! Que diferentes coisas entendem as
e adultos, no intuito de estabelecer conexões pessoas por estas palavras!” (2012, pg. 109). A
entre os autores trabalhados no horizonte ciência tem um fundamento moral, na medi-
teórico desta pesquisa, e o conhecimento que da em que se propõe como modelo universal
emerge a partir da ação política e estética e verdadeiro de conhecimento. Uma perspec-
propriamente dita. Em relação ao horizonte tiva dogmática e representativa, baseada nos
teórico, vejo o cruzamento do trabalho de au- ideias de reprodução, suporte, dedução e in-
tores oriundos dos Estudos Culturais, como dução. O conhecimento científico, no sentido
Stuart Hall, Hommi K. Bhabha e Boaventura de que buscaria alcançar a verdade, é disfarce
de Souza Santos, cruzados a procedimentos de moralidade. Portanto, não trabalharemos
emprestados do cinema (corte, montagem), aqui com uma metodologia no sentido de um
das histórias em quadrinhos (construção de caminho empírico para levar a pesquisa em
- 169 -

direção a uma suposta verdade. Muito pelo aqui, mas numa sobreposição, um posiciona-
contrário, os autores citados darão um hori- mento da imagem clássica do cinema onde
zonte filosófico, visto pelas janelas abertas a imagem decorre indiretamente do tempo
pela prática. E esta se dará no próprio camin- do cinema moderno onde relações crônicas
har, emergindo no/do/com o cotidiano das do tempo determinam todos os movimentos
ações propostas. possíveis. Tal relação é capaz de afirmar a po-
tência do cut-up como método de construção
O caráter inapreensível dessa escrita deve-se a do texto. Evidentemente o papel possui uma
que ela não é produto de nenhum sujeito uno, dinâmica/lógica bastante diferente do movi-
permanente e idêntico a si mesmo, mas de sujei- mento no cinema, e é exatamente nesta fron-
tos larvares, precursores sombrios, dinamismos teira fugidia que instalo a questão de confun-
espaço-temporais, ressonâncias rizomáticas, dir as características textuais e imagéticas da
séries de diferenças intensivas. (CORAZZA, palavra. Confusão potencializada pelo choque
2006, p. 33) do dado imediato da imagem (exatamente
como o automatismo do movimento no cine-
Além disso, proponho para a escrita o uso ma) e pela subversão da autoria.
do procedimento cut-up criado por William
Burroughs4 que desenvolveu este variado e Nesse sentido, temos o “Efeito Kulechov” na
multimodal método de composição como um montagem cinematográfica, que se assemelha
procedimento caracterizado, inicialmente, à estratégia do cut up nos textos impressos e
pela composição de textos em cortes per- também ao teor revolucionário de uma literatu-
mutatórios, feitos a partir da justaposição de ra menor com sua potência e força de expressão
diferentes fragmentos textuais impressos, “capaz de desorganizar suas próprias formas de
previamente existentes, selecionados das conteúdo, para liberar puros conteúdos que se
mais diferentes fontes (obras literárias, jor- confundirão com as expressões em uma mesma
nais, a Bíblia, tratados médicos, canções pop, matéria intensa” (DELEUZE, 1977, p.43)
gravações ao acaso, discursos televisivos, os
próprios escritos de Burroughs, etc). Nosso olhar e escrita, nesta pesquisa, se des-
envolvem à partir das potências do falso, dos
O uso do cut-up como metodologia de escrita cut-ups de William Burroughs. Uma inquie-
é contraditório em sua própria natureza, por tante estranheza, evidenciando a processua-
propor uma espécie de estratégia para chegar lidade de um anti-método e sua expansão
à falta de método. Ora, se o objetivo é chegar a enquanto potência de diferenciação e na
uma produção textual baseando-se no impre- apreensão de conversas e encontros. Esses
visto e no acaso, como pode haver um método procedimentos também são muito semelhan-
para alcançá-lo? A ausência total de métodos tes aos utilizados na construção de fanzines,
ou a “orquestração” de uma falta de método que podem conter fotografias, textos ou des-
guarda em si uma inevitável técnica (um an- enhos oriundos de diversas fontes, produzi-
ti-método, ainda assim se configura como um dos pelos autores do mesmo ou simplesmen-
“modo de fazer”). Não se trata de abolir o mé- te recortados e colados ali, resultando num
todo, mas buscar novas metodologias que não produto diferente dos originais, e sobretudo,
as já formatadas no verniz científico e acadê- com uma identidade própria. Fazendo uma
mico. Por exemplo, a poesia dadaísta de Tristan relação entre o procedimento cut-up e a noção
Tzara, que serve de inspiração para o cut-up de de que toda a identidade é, na verdade, uma
Burroughs: em um recipiente, seja ele saco ou construção mutante, encontro no trabalho de
chapéu, são colocadas diversas palavras, para Gustavo Coelho (2009) algumas pistas de uma
serem retiradas ao acaso. Tal procedimento: re- antimetodologia de pesquisa:
cortar, retirar e colar, constitui um método.
Em relação a um procedimento emprestado do “ Partindo daí, se nem eu, como autor, como o
cinema, proponho a utilização da montagem cara que vai colocar o nome na capa, sou um
para tratar o pensamento através da imagem - sujeito uno, imóvel, suporte para verdades, será
tanto do ponto de vista sensório-motor quanto aí que a ideia do caos como produtor de conhe-
do ponto de vista das situações óticas e tam- cimento se evidencia. Será, portanto, ou melhor,
bém do corpo. A relação não aparece distinta já está sendo, através da conversa, que encontro

4 - William Seward Burroughs (1914 – 1997), expoente do Beatnik, movimento socio-cultural nos Estados Unidos dos anos 1950 e prin-
cípios dos anos 1960, que subscrevia um estilo de vida anti-materialista, na sequência da 2.ª Guerra Mundial.
- 170 -

não só uma palpável denúncia desta substância REFERÊNCIAS


inacabada que nos constitui, como também, a
metodologia-filosofia que atravessará, de algu- · ALVES, Nilda. Imagens das escolas: sobre re-
ma forma, todo o processo da pesquisa, incluin- des de conhecimentos e currículos escolares.
do a sua escrita (COELHO, 2009, p.29). “ <http://www.educaremrevista.ufpr.br/ar-
quivos_17/nilda_alves.pdf>. Acesso em 10 de
Se as identidades, bem como a realidade, não maio de 2015.
são um dado fixo e imutável, que não podem
ser reduzida apenas ao que existe, mas que se · BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Edu-
constituem num campo de possibilidades, pro- cação como mediação cultural em namoro com
curo, mediante articulações transdisciplina- as tecnologias contemporâneas. In: BARBOSA,
res, criar alternativas à formação de redes de Ana Mae. (Org.) Arte/educação contemporâ-
saberesfazeres. E é exatamente nesse sentido nea:consonâncias internacionais. São Paulo:
que a produção de fanzines em oficinas – uma Cortez, 2005.
das etapas do processo de pesquisa – abre a
porta para experimentação, tanto da criação · BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernida-
de identidades, quanto de realidades até en- de, Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1996 .
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- 173 -

A VISÃO ARDE: SOBRE AQUILO QUE NÃO DEVE SER VISTO

Paul Cezanne Souza Cardoso de Moraes - UFG

Este trabalho pretende discutir como se dão É sabido que as grandes instituições de arte
as relações com as experiências estéticas por respondem por papéis pré-determinados so-
parte de quem as presencia e por parte da ins- cialmente. Disto decorre que, se as grandes
tituição que as recebe. A pesquisa tem como instituições estão ancoradas em “missões”
base as visualidades oriundas da exposição Eu como estratégias de operação e funcionamen-
Como Você, no Museu de Arte do Rio de Janei- to, cujos objetivos enlaçam a difusão da cul-
ro (MAR), em 2014. As experiências estéticas tura, divulgação das manifestações artísticas
em questão foram muitas vezes qualificadas, históricas e contemporâneas, dentre tantas
pelos visitantes, como impróprias para aquele outras possibilidades culturais, é preciso pen-
local, por portarem questões que contariam sar por quais vias se dão as apresentações e
os discursos hegemônicos das instituições. De os controles dos regimes estéticos de exibição
uma inquietação diante dessas visualidades, da arte nestes espaços, e se estas missões de
de uma visão que ardeu diante das experiên- fato são estratégias pelas quais se prioriza,
cias estéticas, busco compreender, a partir do de fato, a difusão da arte. Se o trabalho des-
desconforto dos visitantes, a natureza de um tas instituições cumpre estratégias políticas
tal conteúdo que não devesse ser mostrado e de poder que vão para além da arte, é pre-
em um museu, bem como abordar parte dos ciso pensar quem os comanda e quais são os
regimes que determinam o que deve ser visto intuitos de sua difusão. Desta forma, se pode
nestes espaços. Sendo assim, busco aprofun- pensar em uma conduta no espectador ainda
dar reflexões sobre como se dão os possíveis ligado às narrativas clássicas como detento-
trânsitos entre sujeitos e visualidades cuja ras dos grandes museus, uma espécie de aura
natureza é capaz de desestabilizar quem vê a respeito do que deva ser apresentado em
como quem as veicula. Para esta tarefa, en- uma instituição, tanto daquilo que deva ser
contro apoio em questões sobre o domínio da visto quanto não visto. Todavia, há um grande
estética levantadas principalmente por Ja- esforço das instituições em transformar as re-
cques Rancière e Georges Didi-Huberman, lações de seus espaços em verdadeiros luga-
além do conceito de dispositivo em Giorgio res de educação e transformação social.
Agamben, cuja contribuição se dá na tentativa
de compreensão das forças que sustentam as É preciso primeiro compreender estética como
instituições e seus conteúdos. um pensamento elaborado que se dá sobre as
coisas e o domínio da arte (RANCIÈRE, 2009),
Palavras-chave: Experiência estética, arte que muitas vezes está inserida em domínios ou
contemporânea, espaço expositivo. regimes. A experiência estética é assim, a ação
deste domínio. É provável que os regimes esté-
As experiências deste texto se baseiam nas ticos sirvam não só a arte, mas a diversas forças
relações da estética da arte contemporânea políticas que habitam as grandes instituições,
e dos regimes vigentes de exibição da arte. fazendo parte de um grande sistema do qual
Busco articular reflexões ancoradas nas ex- não é permitido fuga, um complexo “dispositi-
periências do público para com a arte em seu vo”, emaranhando funções, interesses, desejos
locus de manifestação, como museus, galerias e poderes, cuja estratégia concreta se inscreva
e espaços expositivos em geral. em relações de poder e saber além de ser resul-
tante dela (AGAMBEN, 2009). O que se espera
- 174 -

de uma grande instituição senão uma arte que arde: inflama-se, consome-nos em retorno”.
esteja à sua altura? Esta pergunta, muito mais A mesma sentença cabe ao domínio da expe-
do que uma simples constatação já apresenta riência estética.
uma importante questão: quem controla, e a
serviço de que estão os regimes estéticos? Não só a instituição é inflamada pela arte,
mas também a visão do expectador diante da-
Gostaria de apresentar a possibilidade de as quilo que vê. Mesmo o sujeito que se acredita
instituições modernas e multitarefadas terem autônomo diante das experiências estéticas,
surgido não só como modelo de exibição de re- a ponto de se posicionar complacente ou não
pertórios da arte, mas também como deman- com elas, ainda está distante da produção das
da de uma urgência do pensamento estético experiências. Isto é, recebem muitas vezes
e de estratégias de poder. É justamente pelo uma síntese das problemáticas mundanas
dispositivo que compreendemos melhor uma provocadas pela arte, e isto é como uma pe-
formação que, em certo momento, responde quena concentração de material explosivo
a uma urgência. Se responde a uma urgên- prestes a expandir-se, a entrar em combus-
cia, sobretudo do corpo político, o dispositivo tão, a queimar a visão. Ser expectador já é em
desempenha função estratégica, educacional, si um mal por duas frentes: olhar é contrário
de controle e de poder. E não é novo este ol- de conhecer, pois o espectador desconhece o
har para a galeria. Em 1986, Brian O’Doherty processo de produção da aparência ou rea-
(2002), revisando sua pesquisa em torno do lidade da qual se porta diante; em segundo
espaço expositivo, já alertava que o recinto lugar olhar é contrário de agir uma vez que
da galeria voltara a ser campo de discurso, ser expectador é ser passivo, é permanecer
passível de verificação de seu sistema, da imóvel diante da aparência, “é estar separado
origem do dinheiro do colecionador, de seus ao mesmo tempo da capacidade de conhecer e
grandes investidores. É possível pensar que do poder de agir” (RANCIÈRE, 2012, p.8). Des-
nesta função estratégica do dispositivo este- ta separação de Rancière, da capacidade de
jam fundamentados os mecanismos de ma- conhecer e do poder de agir, o que caberia ao
nipulação de força e estética das instituições. visitante, expectador, senão reagir da forma
Sob quais aspectos e interesses a arte nos é que lhe for conveniente?
apresentada? Este dispositivo contém em seu
interior um desejo humano de felicidade, de Acredito que a visão do espectador ardeu
uma cultura da humanidade, “e a captura e como base nas experiências estéticas da ex-
a subjetivação deste desejo, numa esfera se- posição Eu Como Você, do Grupo EmpreZa, no
parada, constituem a potência específica do Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), no ano
dispositivo” (AGAMBEN, 2009, p. 44). O que de 2014. As experiências em questão foram
cabe enquanto pensamento estético, em uma muitas vezes qualificadas pelos transeuntes
grande instituição? e trabalhadores do espaço como impróprias
para aquele local por portarem questões que
A visão arde, a imagem queima, a contariam os discursos hegemônicos das
estética consome... grandes instituições. Eram imagens, visuali-
dades, performances, um conjunto de expe-
Ressaltada a complexidade deste dispositi- riências estéticas que habitavam o interior do
vo, vem de longe a capacidade da arte para museu. Como apontou os próprios represen-
levantar questões que o coloque em posição tantes do museu em carta ao coletivo,
de desconforto, das exposições fechadas por
conteúdos que provocam ascos nos segmentos Nenhuma instituição museológica brasileira en-
político e religioso a trabalhos que provocam frentou no século XXI um processo comparável ao
profundas crises institucionais, como Christo violento sistema de pressão contínua e ascenden-
e Jeanne-Claude, que em 1969 embrulharam te imposto pelo Grupo EmpreZa ao MAR. Graças à
o Museu de Arte Contemporânea de Chicago abertura conceitual, trajetória intelectual e expe-
e comprometeram todo o funcionamento do riência de vida do diretor cultural do MAR, o pro-
museu. A arte, e suas experiências estéticas, cesso foi até aqui negociado e viabilizado. Todas as
pode apresentar algum perigo às instituições crises vividas na instituição foram tratadas como
que a recebam, por sua capacidade de evocar etapas de um processo de amadurecimento políti-
problemas que fogem às normatizações insti- co do museu e intelectual de seu corpo funcional
tucionais, contrariando suas missões ou não (CONSELHO, 2014, não paginado).
atendendo seus interesses políticos. Didi-Hu-
berman (2015a, p. 292) alerta que a “imagem Se foi um trabalho tão impactante para a
- 175 -

instituição, certamente foi também para o logia: que aquele lugar deveria apresentar a
espectador. Desta relação de cumplicidade, “missão” de uma grande instituição; o que de-
de quem vê, entre instituição e espectador, veria ser exposto deveria estar de acordo com
aponto três situações que explicitam traços da alguma corrente estética vigente das grandes
complexidade daquelas experiências visuais instituições; e por fim à própria concepção de
e que, possivelmente, justifiquem sua qualifi- arte, que muitas vezes se confundiu com críti-
cação como não adequadas para serem vistas ca ao próprio museu,
em uma instituição: a reação de ecologia na
instituição, a força emocional da experiência O impactante trabalho com o próprio corpo dos
estética e a reação traumática diante da arte. artistas, também sob a dimensão de organismo
vivo, é parte da ‘crítica institucional’ do Grupo
Uma queixa recorrente do público na expo- EmpreZa ao MAR, inclusive mediante cortes,
sição foi justamente uma possível quebra da aflições físicas, ingestão de fármacos, perigos,
ordem estética de um grande museu por conta queimaduras e presença de sangue (CONSEL-
das experiências ali expostas. Outra incidên- HO, 2014, não paginado).
cia era a natureza das obras, que se tratavam
de experiências muito fortes para habitarem Havia nestas propostas estéticas uma carga
aquele espaço. A ocorrência limite destas si- emocional bastante impactante ao público,
tuações deu-se quando uma visitante, em alto como no caso do trabalho Vila Rica (2014). Du-
e bom tom exclamava que o conteúdo daquela rante os eventos performáticos do Grupo Em-
exposição deveria ficar guardado, não deveria preZa, que apresentavam várias performan-
ser mostrado. Esta situação foi chamada de ces durante um tempo estipulado, denominado
“reação de ecologia” pelo crítico da arte Paulo Serão Performático, muitos visitantes conver-
Herkenhoff (2016) como atitude de quem está saram com os membros do grupo, facilmente
matando o verme. Posso complementar que reconhecidos pelos trajes empresariais, sobre
se tratou de uma reação de ecologia tendo em os acontecimentos que presenciavam.
vista que o verme que habitou o museu, isto
é, aquele conjunto visual contrário aos regi- No dia 13 de maio havia rumores na cidade de
mes hegemônicos, deveria permanecer não que naquele dia, há muito tempo, o primeiro
visto nas grandes instituições. Da incidência navio negreiro atracara no Rio de Janeiro, ca-
desta queixa posso levantar pelo menos três rregado com os povos escravizados, cujo desti-
questionamentos-chave desta reação de eco- no era a atual redondeza do museu. Era o dia

Figura 1 Vila Rica, Serão Performático no MAR. Grupo EmpreZa 2014. Foto: Thales Leite 2014.
- 176 -

Figura 2 Vila Rica, Serão Performático no MAR. Grupo Figura 3 Descarrego, Serão Performático no MAR. Grupo
EmpreZa 2014. Foto: Thales Leite 2014. EmpreZa 2014. Foto: Thales Leite 2014.

da promulgação da lei áurea, que entrou em da visão que arde tem o poder de impactar
vigor no dia 13 de maio de 1888, extinguindo o corpo, trazer à tona certezas e dúvidas, da
a escravização no Brasil. Durante os prepara- singularidade ao coletivo, provocar modos
tivos do trabalho Vila Rica, que levanta ques- de apreensões complexos, um turbilhão de
tões impactantes sob a escravização no Brasil, emoções que permeiam as experiências es-
aproximou-se uma visitante que já conhecia a téticas, imagens e visualidades. Seria parte
obra de outra ocasião e ofertou ao grupo uma daquilo que preferimos não ver, uma expe-
pedra vinda da África. No trabalho os perfor- riência capaz de mobilizar todos os nossos
mers pisoteiam sangue em uma bacia com sentidos, embaralhar nossas estruturas?
seixos brancos, que acabam vermelhos pelo
sangue. A pedra ofertada pela visitante era No mesmo evento pude presenciar uma si-
a única pedra preta da bacia. Aos poucos, são tuação na qual a experiência estética nos
adicionadas folhas de ouro ao sangue para coloca diante de nós mesmos e nos apresen-
que após o pisoteio se faça uma pintura na ta aquilo que talvez não gostássemos de per-
parede com o auxílio dos pés ensanguenta- ceber. Esta problemática se deu por meio de
dos. Era nítida a comoção por parte do público uma visitante durante o trabalho Descarrego
diante do trabalho, ocasionando a evasão de (2014), no qual a performer tem os cabelos
várias pessoas do local que estavam profun- pregados com grampeador na parede e pre-
damente emocionadas. cisa negociar com esta situação de aprisiona-
mento, arrancando os cabelos com o peso de
Uma emoção que se exprima segundo certas seu corpo durante o trabalho.
formas coletivas será menos intensa e sincera
do que outra? [...] São verdadeiras emoções, mas A visitante, quase aos prantos, me disse que
passam, por sinais corporais – gestos – recon- se sentiu perversa ao assistir o trabalho. Ela
hecíveis por todos: Todas essas expressões co- se descobriu sádica naquele instante porque
letivas, simultâneas, de valor moral e de razão estava gostando de ver o sofrimento alheio.
obrigatória dos sentimentos do indivíduo e do Quando ela se reconheceu em um processo
grupo são mais do que simples manifestações, sádico, propôs a conversa, pois se sentia “trau-
são signos, expressões inclusivas, em suma, matizada” com a descoberta. O que não seria o
uma linguagem (DIDI – HUBERMAN, 2015b, p. trauma nesta ocasião, senão a descoberta por
33 – 34). meio da arte de um aspecto da complexidade
humana, uma descoberta extremamente difí-
Ainda nesta linguagem da emoção apontada cil de se tratar? Não seria, esse choque entre
por Didi-Huberman, outra visitante, durante arte e vida, um exemplo daquilo que deveria
o trabalho, agradeceu ao grupo, se descul- permanecer não visto?
pou e retirou-se da exposição, pois estava
muito emocionada, aos prantos e disse que O recorte que apresento aqui permite um ta-
não mais poderia assistir os outros trabalhos, tear de situações estéticas que, por sua natu-
ela já tinha visto o suficiente, pois se tratava reza, podem inflamar o contexto institucional
de muita “catarse”. E não seria a catarse, em e a visão dos transeuntes, e assim, contrariar
suas várias vertentes, um processo próximo seus discursos hegemônicos ou até mesmo
da purificação? Processo este que por meio suas missões. Tendo em conta a complexidade
- 177 -

das conexões que permeiam as experiências Paul Cezanne Souza Cardoso de Moraes
estéticas, visuais, imagéticas, entre as insti-
tuições e o expectador, pergunto: até onde a Paul Setúbal, nome artístico. Doutorando no
arte pode inflamar nossa visão? Programa de Pós-Graduação em Arte e Cul-
tura Visual - UFG. Mestre em Arte e Cultura
Referências Visual e licenciado em Artes Visuais, pela Uni-
versidade Federal de Goiás. É artista visual,
· AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâ- pesquisador e membro do coletivo de per-
neo? e outros ensaios. Chapecó, SC: Argos, formance Grupo EmpreZa. Em sua produção
2009. tanto individual quanto coletiva trabalha na
perspectiva do corpo contemporâneo e suas
· CONSELHO. Em nome do conselho do mar. vicissitudes.
Documento não paginado para EMPREZA,
Grupo, Rio de Janeiro: 2014. Documento cedi-
do ao projeto de pesquisa Visões da Caixa de
Pandora. Goiânia: PPGACV/FAV/UFG, 2015.

· DIDI-HUBERMAN, Georges. Falenas: ensaios


sobre a aparição, 2. Lisboa, Portugal: KKYM,
2015a.

· · Que emoção! Que emoção? Lisboa, Portu-


gal: KKYM, 2015b.

· HERKENHOFF, Paulo. Depoimento. Entrevis-


tador: Paul Moraes. Arquivo digital formato
mp3. Transcrição: Paul Moraes. Entrevista ce-
dida ao projeto de pesquisa Visões da Caixa de
Pandora. Goiânia: PPGACV/FAV/UFG, 2016.

· RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipa-


do. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

· · O inconsciente estético. São Paulo: Edi-


tora 34, 2009.
- 179 -

FRIDA KALLEJERA? ME KAHLO!


QUANDO CORPOS E IMAGENS SE ENCONTRAM

Odailso Berté - UFSM


Crystian Castro - UFSM
Andres Morales Granillo

Resumo: Kahlo (BRA, 2015), creado por los bailarines


del Laboratório Investigativo de Criações Con-
Este estudo objetiva refletir sobre possíveis temporâneas em Dança - LICCDA. El uso de
interseções entre duas produções artísticas, procedimientos de investigación cualitativa,
uma de teatro e outra de dança, ambas cria- especialmente el bricolaje, y del ejercicio de
das tendo como referências elementos da reducción interteórica, esta reflexión analiza
vida e obras da pintora mexicana Frida Kahlo los elementos de estas dos creaciones en rela-
(1907-1954). São a personagem Frida Kalle- ción con la comprensión de la performatividad,
jera (MEX, 2011), vivida pelo ator e dançarino el cuerpo, el género, y con comprensiones de
mexicano Andres Morales, e a intervenção imagen de la cultura visual, las neurociencias
artística Me Kahlo (BRA, 2015), criada pelos y la danza. Con esto son articulados preguntas,
dançarinos do Laboratório Investigativo de reflexiones y propuestas sobre cómo la rela-
Criações Contemporâneas em Dança – LICC- ción cuerpo - imagen puede subvertir los espa-
DA. Usando de procedimentos qualitativos cios y los sistemas tradicionales de arte a través
de pesquisa, especialmente a bricolagem, de actos y usos performativos que provocan la
e do exercício de redução interteórica, esta reinterpretación de imágenes de arte, la desi-
reflexão analisa elementos dessas duas dentificación con imágenes reguladores de gé-
criações em correlação com compreensões de nero y configuraciones culturales alternativas.
performatividade, corpo, gênero, e com en-
tendimentos de imagem provindos da cultura Palabras clave: cuerpo, imagen, danza.
visual, das neurociências e da dança. Com isso
são articulados questionamentos, reflexões Nosso contato com a proposição da dança con-
e proposições sobre como a relação corpo – tempop (BERTÉ, 20015), de diferentes formas
imagem pode subverter espaços e sistemas e em diferentes tempos e lugares, tem pos-
tradicionais da arte através de atos e usos sibilitado a criação de instigantes modos de
performativos que provocam ressignificações dançar, e/ou, como temos preferido chamar,
de imagens da arte, desidentificações de ima- de criar e mover imagens – ações corporais. O
gens reguladoras de gênero e configurações entrecruzamento dos procedimentos criativos
culturais alternativas. da coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009),
que, com perguntas, convocava as experiên-
Palavras chave: corpo, imagem, dança. cias e afetos dos dançarinos para a criação de
dança; e estudos da cultura visual, que conside-
Resumen: ra as relações que os sujeitos estabelecem com
diversificados tipos de imagens popularizadas
Este estudio tiene como objetivo reflexionar pela mídia, pela propaganda e outros suportes;
sobre las posibles intersecciones entre dos são ingredientes fundantes e picantes para a
producciones artísticas, un teatro y otra de proposição da dança contempop.
danza, ambos creados teniendo como elemen-
tos de referencia de la vida y las obras de la Desde o ano de 2014, os integrantes do Labo-
pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954). ratório Investigativo de Criações Contemporâ-
Son el personaje Frida Kallejera (MEX, 2011), neas em Dança (LICCDA), do Curso de Dança
interpretado por el actor mexicano y bailarín – Licenciatura da UFSM, vêm estudando e
Andrés Morales, y la intervención artística Me desenvolvendo processos criativos com base
- 180 -

na proposição da dança contempop. No tra- ram ao espetáculo. Notamos que certas falas
balho artístico Me Kahlo (2015), baseado em e interpretações pareciam intrigadas com
imagens da pintora mexicana Frida Kahlo imagens de gênero, de corpo masculino e fe-
(1907-1954), os dançarinos foram estimula- minino; com gestos, ações e vestimentas de
dos a buscar imagens da referida artista, de homem e de mulher; e com as formas como o
acordo com suas identificações. As imagens espetáculo transgredia e reposicionava esses
foram buscadas tanto em livros, museus e re- corpos, elementos e imagens. Na reflexão
vistas como fotografadas em muros ou baixa- compartilhada pelo grupo constatamos a ne-
das de redes sociais e diferentes plataformas cessidade e a vontade de fazer com que mais
do ciberespaço. pessoas vissem essas imagens-ações, na rua,
em locais públicos e demais espaços urbanos.
Trazidas para o LICCDA, as imagens são es-
tímulos para convocar afetos, experiências, Relacionando essa proposição do grupo com as
memórias e identificações dos dançarinos reflexões de Butler (2012), percebemos o quan-
em processos de improvisação e pesquisa de to as imagens tradicionais de homem e mulher,
movimentos, gestos, ações. Conforme des- legitimadas pela heteronormatividade, podem
creve Berté (2015), nos processos de criação ser vistas como um conjunto de ações perfor-
a dança contempop, instaura-se um procedi- mativas que repetem e confirmam – materia-
mento criativo e pedagógico articulado pela lizam nos corpos – as normas e discursos re-
compreensão triádica da imagem como: ima- guladores de sexo e gênero. Discutindo sobre
gem-artefato cultural (MARTINS, 2007) que como as normas reguladoras do sexo consti-
pode provocar e modificar sensações, expe- tuem a materialidade dos corpos, ou seja, ma-
riências, afetos e imagens-ideias (DAMÁSIO, terializam o sexo do corpo, a diferença sexual
2010) e dar-se a ver como imagens-ações (BI- e o imperativo heterossexual, Butler (2012, p.
TTENCOURT, 2012) do corpo. 18) argumenta que “la performatividad debe
entenderse, no como un ‘acto’ singular y delibe-
Me Kahlo: imagens subvertendo falas rado, sino, antes bien, como la práctica reitera-
e falos fora dos palcos tradicionais tiva y referencial mediante la cual el discurso
produce los efectos que nombra”.
Após as apresentações de estreia do espetácu-
lo Me Kahlo – Sashay Away (2015), no Theatro Sabíamos que não seria uma tarefa fácil, por
Treze de Maio, reunimo-nos para organizar a tratar-se de uma questão que eriça opiniões
continuidade do trabalho. Entre as percepções divergentes e reações violentas já materiali-
e experiências de cada um dos dançarinos zadas nos corpos. Todavia, entendemos que
também foram compartilhados alguns relatos já não se tratava apenas de imagens de Frida
e opiniões de diferentes pessoas que assisti- Kahlo, de uma questão, imagem ou tema ex-

Figura 1: intervenção artística Me Kahlo na Praça (2015). Foto do arquivo dos autores.
- 181 -

ternos a nós. Tratava-se de nossas próprias longe e faziam elogios. Uma das crianças, uma
imagens e identidades convocadas e provoca- menina de aparentemente uns 7 anos de idade
das pelas imagens-artefato de Kahlo; de per- me perguntou “por que tu tá vestido de bichin-
ceber, questionar, ressignificar e exceder as ha?”. Perguntei por que ela achava aquilo e disse
imagens heterossexistas materializadas em que cada um poderia usar a roupa que quisesse,
nós, provocando (des)identificações e confi- que se sentisse bem. Continuei perguntando se
gurações culturais alternativas. ela não me achava bonito daquele jeito e ela me
respondeu que sim.²
Na figura 1, a menina, usando sapatos cor de
rosa, fita o dançarino que usa sapatos de salto A pergunta da menina “por que você está ves-
alto de cor lilás. O coreto da praça foi o espaço tido de bichinha?” nos remete à performati-
cênico, o ponto de encontro de uma menina vidade de gênero discutida por Butler (2012)
e um dançarino de batom e salto alto, tendo no sentido de que, desde a mais tenra idade a
como cenário, ao fundo, um casal beijando-se, educação afetiva e sexual das crianças é re-
um monumento dos dez mandamentos, carros, gulada para a distinção clara do que condiz ao
plantas e outros elementos urbanos. Enten- homem e do que condiz à mulher, quem exce-
dendo a imagem como espaço para interações, de esses limites é “bichinha”. O contraste entre
experiências múltiplas e contraditórias (MAR- shopping e praça também acentua essas ques-
TINS, 2007), percebemos na figura 1 diferentes tões ao deflagrar a mãe que cobre os olhos do
imagens de sexo e gênero, de normas religio- filho para não ver os ‘dançarinos com sapatos
sas que regulam, inclusive, como ser homem e de salto e maquiagem’ em contraponto com a
como ser mulher, possíveis para uns e contradi- menina que, sem qualquer interferência da
tórias para outros. A presença da menina que, mãe, se aproxima do ‘dançarino vestido de
ao fitar o dançarino, passa a compor a cena bichinha’, interage como ele e questiona-o
da/na imagem, pode provocar questionamen- sobre o seu fazer. Vemos aí, elementos do que
tos morais acerca de que imagens podem ser compreendemos como dança performativa,
permitidas às crianças verem, especialmente onde os corpos subvertem suas referências –
àquelas que, desde a tenra idade, se percebem excedem as imagens [de Frida Kahlo] a que se
diferentes do padrão heteronormativo. referem – proferem a si próprios, no contato
com outros corpos.
Ao longo do processo de realização das dife-
rentes versões da intervenção artística Me Frida Kallejera, tu eres drag queen?
Kahlo (em escola, shopping, praça, campus No, soy actor!
universitário, rodoviária), cada dançarino foi
convidado a fazer anotações em um questio- Nossos afetos em torno das imagens de Frida
nário que continha a seguinte pergunta: que Kahlo e o apreço por seus posicionamentos
acontecimentos, fatos, situações, pessoas e/ artísticos e políticos nos levaram a conhecer
ou imagens mais impressionaram/afetaram mais de perto sua história e seu contexto. Em
você nas intervenções artísticas Me Kahlo? janeiro de 2016, em visita à Cidade do Méxi-
Um deles relatou que a praça era o lugar “que co, passeávamos pelo centro, na rua Madero
mais temia realizar a intervenção e foi o mais quando, ao longe, uma imagem familiar cap-
prazeroso”, em contraste com o shopping, turou-nos a atenção.
onde os olhares lhe “pareceram frios/pejo-
rativos” a ponto de uma situação chamar sua Flores adornando seus cabelos, sobrancelhas
atenção: “uma mulher e um menino, possivel- espeças e unidas lembrando a imagem de
mente mãe e filho [...] ela tapou os olhos dele uma paloma negra, trajes de índia tehuana
para que não visse a intervenção”¹. O dançari- de cor azul cobalto, brincos, colares, pulseiras
no também relatou que na praça e demais adornos exuberantes, uma bengala,
paleta e pincel à mão. Porém, traços másculos,
havia muitas crianças, jovens e adultos que ou voz grossa, pomo de adão avantajado... E na
tiravam fotos de longe ou nos paravam e pe- rua? Em frente a um estabelecimento comer-
diam para tirar foto conosco. [...]. Não só as pes- cial? Chamando a atenção dos transeuntes
soas que estavam na praça como as pessoas que para a galeria comercial com piadas e pala-
passavam na rua, a pé ou de carro, acenavam de vras de duplos e outros tantos sentidos. Era

1 - Questionário Anotações sobre as Intervenções Artísticas Me Kahlo, realizado em 21 de dezembro de 2015. Intér-
prete-criador C.C.
2 - Idem.
- 182 -

Figura 3: Frida Kallejera na abertura da série Sense 8.


Frame da abertura de Sense 8.

visualizador como evento visual também atre-


lado e condicionado ao ambiente onde este
corpo-sujeito está ao ver tais imagens. O movi-
mento do olhar de Frida Kallejera, ao dirigir-se
do quadro que chora aos olhos do espectador/
visualizador, com um leve sorriso nos lábios,
conecta o semblante feminino do quadro com
o seu semblante másculo. A proximidade en-
Figura 2: Frida Kallejera, Cidade do México, 2016. Foto tre a Frida Kallejera e a Frida do quadro, nos
do arquivo dos autores. enfeites dos cabelos, nos colares e brincos, nas
cores da vestimenta, amalgamam e ao mesmo
Frida Kallejera, um evento visual (ILLERIS; tempo contrastam o feminino e o masculino
ARVEDSEN, 2012) pulsando no coração da Ci- dessas imagens. São aspectos provocadores
dade do México com gracejos, simpatia e pia- que criam a imagem de uma Frida drag queen
das que fisgam o olhar, a atenção e os afetos. que, a nosso ver, não necessariamente repre-
senta ou encena a pintora Frida Kahlo, mas a
Ao passarmos por ela e sermos abordados performativiza, ou seja, repete traços de sua
com suas piadas irreverentes, foi irresistível a imagem hiperbolizando-os, exagerando-os e,
vontade de voltar, tirar fotos e estar com ela. por isso, ressignificando-os.
Ao nos apresentarmos como brasileiros, suas
piadas tornaram-se mais apimentadas e en- Foi provocador ver essa imagem – Frida Kalle-
tre risos e fotos, conversas surpreendentes. jera, trocadilho entre Kahlo e calle, a Frida da
Perguntamos se ela era drag queen e respon- rua, arruaceira. Essa imagem perturbou a ima-
deu-nos: “No, soy actor!” Assim, deu-se o en- gem quase encantada que tínhamos da Frida
contro com o ator e bailarino Andres Morales Kahlo do museu, da quase mágica Casa Azul
e uma sucessão de troca de imagens, procedi- e profanou-a, próximo do que diz Agamben
mentos artísticos de teatro e dança e da admi- (2007). Ou seja, desinstalou a imagem da Frida
ração em comum pela pintora Frida Kahlo. artista sacralizada, trazendo-a para a vida co-
tidiana, o espaço comum, a rua, o comércio, a
Para além das ruas da Cidade do México e de galeria, o espaço de trabalho de artesãos, cos-
demais cidades do país, Frida Kallejera é uma tureiras e feirantes. Nossa imagem da artista
das imagens icônicas que aparecem na aber- Frida Kahlo, bissexual, foi como que hiperboli-
tura da série televisiva Sense 8, produzida e zada com essa imagem de um homem traves-
transmitida pelo canal por assinatura, nor- tido de Frida, remetendo-nos à performativi-
te-americano, Netflix. dade das configurações culturais alternativas
das drag queens, conforme argumenta Butler
Na rápida tomada em que aparece sentada (2012). Aquilo que almejávamos com a inter-
diante do seu autorretrato pintado, em um es- venção artística Me Kahlo, fora dos palcos tra-
paço urbano rodeado por prédios, Frida Kalle- dicionais e próximo das pessoas em diferentes
jera move seu olhar do quadro para a câmera. espaços públicos, foi contaminado e potenciali-
Esse entrelaçamento de imagens – o quadro, zado pela imagem de Frida Kallejera.
a própria Frida Kallejera e o enquadramen-
to da câmera que abarca ambos, tendo como
ambiente o espaço urbanizado e suas cons-
truções –, se interpõe aos olhos do espectador/
- 183 -

Cha Cha Bitch! Mana, santa, reina... o cargo de chefe da república.


Bela, recatada e ‘do lar’!?
No intuito de questionar essas visões políticas
Esses encontros e processos de troca e conta- intolerantes com a diversidade dos corpos e iro-
minação entre corpos e imagens, próximo do nizar esse papel retrógrado da mulher submis-
que refletem Greiner e Katz (2001), podem sa, entrecruzamos a imagem “bela, recatada
manifestar nuances de que, inevitavelmen- e do lar” com imagens que Frida Kallejera nos
te, o corpo é contaminado e contaminador e deu a conhecer: "Mana, Santa, Reina, Adorada;
de que a cultura é um sistema aberto capaz Idolatrada, de la vida, del amor; Muñeca, Puer-
de contaminar os corpos e ser contaminado ca, Lagartona, Pollodrila, Guachaperra, Zorga-
por eles. Imagens, corpos e eventos visuais tona", usadas pela atriz e humorista mexicana
(ILLERIS; ARVEDSEN, 2012), vistos e vividos Ligia Escalante no programa televisivo mexi-
na Cidade do México, nas ruas, nas lojas, nos cano, de cunho humorístico e LGBT, Desde Ga-
museus, são informações que transformamos yola. Estas imagens foram somadas às músicas
em corpo, reconstruímos e que nos modifica- Cha Cha Bitch, da drag queen norte-americana
ram, enquanto corposmídia (KATZ; GREINER, RuPaul com o cantor mexicano AB Soto; Pra
2005). Não somos corpos recipientes, mas re- Não Dizer Que Não Falei Das Flores, hino de re-
construtores de informações e imagens. sistência contra a ditadura militar no Brasil, do
compositor brasileiro Geraldo Vandré; e La Llo-
Ao retomarmos ao processo de criação de Me rona, música mexicana de autor desconhecido
Kahlo, já não éramos mais os mesmos e tampou- convertida em canto popular que evoca a época
co completamente outros. Na atual e instável dolorosa da Revolução Mexicana, interpretada
situação política no Brasil, forças políticas tra- por Lila Downs.
dicionais, religiosas, ditatoriais, machistas e ho-
mofóbicas, de direita, tentam usurpar o poder, Os movimentos, gestos e ações criados a partir
tirando a presidenta democraticamente eleita dessas imagens e músicas, em conexão com
através de um processo que parece legal de im- as imagens de Frida Kahlo e da Frida Kalleje-
peachament, mas constitui-se num golpe polí- ra, misturam desfile de moda, a dança vogue,
tico. Nesse contexto, uma imagem de primeira modelos posando para fotos e pequenos ele-
dama, mulher ideal, publicada por uma revista mentos da dança tradicional de origem argen-
favorável à destituição da presidenta, viralizou tina, Chacarera. Na figura 4, os dançarinos e
e virou piada nas redes sociais: “bela, recatada e dançarinas ironizam as imagens femininas
do lar”. Estes foram os termos usados para quali- acima citadas. Eles e elas transformam em
ficar a jovem esposa do atual vice-presidente do corpo essas imagens, ironizando, exagerando
Brasil, visto como conspirador e afoito a assumir e realizando-as de outras maneiras, instau-

Figura 4: intervenção artística Me Kahlo – Pra não dizer que não falamos das flores (2016).
Foto de Ludmila Almeida.
- 184 -

rando o caráter performativo dessa dança pedagogia da cultura visual. In: MARTINS, R.;
que chamamos contempop (BERTÉ, 2015). Em TOURINHO, I. (Orgs.). Culturas das imagens:
seu caráter performativo a dança contempop desafios para a arte e para a educação. Santa
busca não representar, mas realizar de outras Maria: Ed. da UFSM, 2010, p. 283-309.
formas aquilo a que se refere – as imagens
usadas no processo criativo. · KATZ, H.; GREINER, C. Por uma teoria do
corpomídia. In: GREINER, Christine. O corpo:
Me Kahlo tornou-se uma trama de imagens pistas para estudos indisciplinares. São Paulo:
(artefatos, ideias, ações) que possibilita re- Annablume, 2005. p. 125-136.
pensar modos tradicionais de entender dança
apenas como coreografia. A pesquisa de mo- · KINCHELOE, J. L.; BERRY, K. Pesquisa em
vimento articulada pela compreensão triádica educação: conceituando a bricolagem. Porto
da imagem, conforme propõe a dança contem- Alegre: Artmed, 2007.
pop, visa desinstalar saberes padronizados
de composição coreográfica, representação · MARTINS, R. A cultura visual e a construção
cênica e ensino de dança para mergulhar nas social da arte, da imagem e das práticas do
incertezas e surpresas de processos criativos ver. In: OLIVEIRA, M. O. (Org.). Arte, educação e
afeitos às experiências e afetos dos corpos. cultura. Santa Maria: Editora da UFSM, 2007.
Uma dança performativa – trama de imagens, p. 19-40.
posicionamentos performativos, políticos,
identitários e afetivos – que, a cada processo · SETENTA, J. S. O fazer-dizer do corpo: dança
criativo, reinventa os modos/movimentos/ e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.
imagens de dar-se a ver nos corpos.
Currículos dos Autores:
Referências
Odailso Berté
· AGAMBEN, G. Elogio da Profanação. In:
AGAMBEN, G. Profanações. São Paulo: Boi- Doutor em Arte e Cultura Visual, Mestre em
tempo, 2007. p. 65-79. Dança, Especialista em Dança, Licenciado em
Filosofia, Professor do Curso de Dança – Licen-
· BERTÉ, O. Dança Contempop: corpos, afetos ciatura da Universidade Federal de Santa Ma-
e imagens (mo)vendo-se. Santa Maria: Ed. da ria, Coordenador do Laboratório Investigativo
UFSM, 2015. de Criações Contemporâneas em Dança (LICC-
DA), Coreógrafo e Pesquisador em dança con-
· BITTENCOURT, A. Imagens como aconteci- temporânea, Autor do livro “Dança Contempop:
mentos: dispositivos do corpo, dispositivos da corpos, afetos e imagens (mo)vendo-se”.
dança. Salvador: EDUFBA, 2012.
Crystian da Silva Castro
· BUTLER, J. Cuerpos que importan: sobre los
límites materiales y discursivos del sexo. Bue- Graduando do Curso de Dança – Licenciatu-
nos Aires: Paidós, 2012. ra da Universidade Federal de Santa Maria,
integrante do Laboratório Investigativo de
· CHURCHLAND, Paul; CHURCHLAND, Patrí- Criações Contemporâneas em Dança (LICC-
cia. Intertheoric Reduction: a neuroscientist’s DA), coreógrafo e dançarino da Crystian Cas-
field guide. In: Nature’s Imagination. New tro Cia de Dança, bolsista FIEX.
York: Oxford University Press, 1995.
Andrés Morales Granillo
· DAMÁSIO, A. O livro da consciência: a cons-
trução do cérebro consciente. Portugal, Lis- Bailarino, ator e artista de rua.
boa: Temas e Debates, 2010.

· GREINER, C.; KATZ, H. Corpo e processos de


comunicação. In: Revista Fronteiras: estudos
midiáticos. São Leopoldo: UNISINOS, Vol. 3, n.
2, p. 65-75, dez. 2001.

· ILLERIS, H.; ARVEDSEN, K. Fenômenos e even-


tos visuais: algumas reflexões sobre currículo e
- 185 -

BATUQUE, ARTE E EDUCAÇÃO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA


SÃO PEDRO DOS BOIS, AMAPÁ/BRASIL

Clícia Tatiana Alberto Coelho – UNIFAP


Raimundo Erundino Santos Diniz – UNIFAP

Resumo les y imaginistas) y otros documentos recogidos


en el campo de la investigación.
Este artigo revela diferentes sentidos educa-
cionais da manifestação sociocultural anun- Palabras clave: Batuque; La educación; Vi-
ciada como "Batuque" existente na comunida- sualidades; Quilombo.
de quilombola São Pedro dos Bois, localizada
no Estado do Amapá/Brasil, a 75 km de dis- Introdução
tância da capital, Macapá. Entrelaça saberes
das linguagens artísticas e suas visualidades, As reflexões apresentadas neste artigo surgi-
corporidades e simbologias inerentes a essa ram da necessidade de analisar como a mani-
prática social, compreendidos como discursos festação cultural do Batuque se evidência na
de firmamento da cultura quilombola no coti- prática escolar e extraescolar da comunidade
diano escolar da comunidade, marcados por quilombola São Pedro dos Bois, localizada no
continuidades e descontinuidades. Trata-se Estado do Amapá/BR. Pois investigar como
de um estudo qualitativo etnográfico, com ca- essa prática social se desenvolveu, conside-
ráter interdisciplinar por possibilitar diálogos rando o seu legado histórico e cultural, ma-
entre História, Arte e Educação, utilizando-se terial e imaterial, herdado de seus ancestrais
de diferentes abordagens e técnicas de ge- africanos e afro-amapaenses nos ajuda a
ração de dados mediadas por narrativas (orais compreender continuidades e descontinuida-
e imagéticas) e outros documentos levantados des desse fazer na contemporaneidade. Tra-
em pesquisa de campo. ta-se de uma pesquisa qualitativa etnográfica,
tendo como geração de dados à realização de
Palavras-chaves: Batuque; Educação; Visua- entrevistas, observações de campo e análise
lidades; Quilombola. documental triangulados com abordagens
teóricas que discutem sobre arte, educação,
Resumen cultura e sociedade. A pesquisa aborda aspec-
tos históricos e os relaciona com as práticas
Este artículo revela diferentes significados sociais ocorridas dentro e fora do ambiente
educativos de manifestación sociocultural educativo formal, instaurados a partir de sa-
anunciados como "Batuque" dentro del quilom- beres das linguagens artísticas e suas visuali-
bo de São Pedro dos Bois, en el Estado de Ama- dades, corporidades e simbologias intrínsecas
pá / Brasil, 75 km de la capital, Macapá. Entre- a essa manifestação, concebidos como discur-
teje el conocimiento de los lenguajes artísticos sos afirmativos da cultura quilombola no coti-
y sus visualidades, corporidades y símbolos in- diano da comunidade.
herentes a esta práctica social, entendido como
firmamento discursos de la cultura quilombo- Cartografias da Comunidade São Pedro
las en la rutina de la escuela de la comunidad, dos Bois: demarcações de tradição
marcadas por las continuidades y disconti- e resistência negra.
nuidades. Se trata de un estudio cualitativo
etnográfico con interdisciplinaria al permitir A comunidade quilombola São Pedro dos Bois
el diálogo entre la Historia, Arte y Educación, pertencente ao município de Macapá, Estado
utilizando diferentes enfoques y técnicas de do Amapá e tem como principal via de acesso
generación de datos mediada narrativas (ora- as BR 210 e BR 156, com entrada no quilo-
- 186 -

metro 50, seguindo por mais 25 km no ramal das artes aplicadas. E o patrimônio imaterial
de estrada de chão, conferindo-lhe 75 km de constitui-se de "saberes, os ofícios, as festas,
distância da capital. São Pedro dos Bois regis- os rituais, as expressões artísticas e lúdicas,
tra nos documentos cartoriais o ano de 1893 que, integrados à vida dos diferentes grupos
como fundação do povoado vizinho de outras sociais, configuram-se como referências iden-
comunidades quilombolas, com maior proxi- titárias na visão dos próprios grupos que as
midade à comunidade quilombola do Ambé praticam" (Castro, 2008, p.12). Neste interim,
separadas apenas por um rio, conhecido como justifica-se a magnitude do Batuque como
“Igarapé do Inferno”. instrumento de luta e valorização da cultura
imaterial quilombola, instrumentalizada no
As compreensões sobre comunidades quilom- fazer escolar.
bolas contemporâneas1 referem-se às terras
tradicionalmente ocupadas e reconhecidas na A certificação da comunidade São Pedro dos
Constituição de 1988 como de propriedades Bois veio acompanhada, ainda no final de
definitivas que devem ser tituladas pelo Es- 2005, de projetos vinculados ao Programa
tado como pertencentes aos quilombolas, con- Brasil Quilombola3, mapeadas pelo projeto
forme decreto 4887/03. Este decreto prevê ao “Comunidades Duráveis”4, expressão que in-
Estado a responsabilidade direta na identifi- dica referências históricas de ocupações qui-
cação, reconhecimento, delimitação, demar- lombolas dos territórios às margens dos rios
cação e titulação das terras ocupadas por re- Matapi e Pedreira que são importantes re-
manescentes quilombolas. São Pedro dos Bois, ferências hidrográficas para a compreensão
assim como outras comunidades tradicionais, dos processos de ocupações de várias áreas
tem enfrentado enormes obstáculos para ga- relativas à própria história do Estado do Ama-
rantir a titulação definitiva do seu território pá. As histórias de formações de comunidades
e sofre ameaça em relação à manutenção do quilombolas remontam experiências e vivên-
seu patrimônio natural, sobretudo, as áreas cias em circuitos de rios, igarapés, lagos e por-
de uso comum2, voltadas ao extrativismo, a tos como cenários de trocas comerciais, con-
pesca, a pequena agricultura e ao pastoreio. fabulações, fontes de alimentos, resistências,
Da mesma forma, encontra enormes desafios rotas de fugas, recuperados nas narrativas
para resgatar e preservar seus patrimônios de dos mais idosos.
ordem material e imaterial.
Conforme Oliveira (2012) o processo de for-
Para o Instituto de Patrimônio Histórico e Ar- mação histórica do povoado São Pedro dos
tístico Nacional (Iphan), patrimônio material Bois alude ao encontro de duas mulheres que
define-se como um conjunto de bens culturais passaram a ser consideradas matriarcas da
de natureza arqueológica, paisagística e etno- comunidade: Gregória, negra vinda da África
gráfica; histórica; artefato das belas artes e/ou na condição de escrava e fugitiva da Fortaleza

1 - Almeida (2008, p.48) assinala que: Em 1988 o conceito de ‘terras tradicionalmente ocupadas’, vitorioso nos debates da Constituinte, tem
ampliado seu significado, coadunando-o com os aspectos situacionais, que caracterizam hoje o advento de identidades coletivas. Este se
tornou um preceito jurídico marcante para a legitimação de territorialidades específicas etnicamente construídas.
2- O território compartilhado coletivamente entre as famílias quilombolas em São Pedro dos Bois garante a reprodução social com ativi-
dades de pesca, criação de pequenos gados, caça de pacas, tatus, veados, antas, jabuti, dentre outros animais, como também extrativismo
de palhas, ouriços, cascas e madeiras. As casas de farinha individuais e coletivas para fabricação de uso comunitário referendam moda-
lidades de saber, fazer, ser e criar singulares e práticas de apropriações coletivas e comuns das propriedades da natureza em território
de uso comunitário.
3- A comunidade de São Pedro dos Bois vem se destacando por sua luta, para requerer seus direitos, um exemplo é a viabilização de pro-
jetos como o “Minha casa, minha vida” do Governo Federal, através destes projetos também esta sendo construído um prédio novo para a
escola. Em relação ao programa de moradia do Governo Federal, a comunidade foi a primeira na região norte e a segunda no Brasil a ser
contemplada com as moradias. Registra Lorena Souza em atividade de campo.
4- Este projeto objetivava elaborar relatórios antropológicos de caracterização histórica, econômica, ambiental e sócio cultural da co-
munidade São Pedro dos Bois organizado pela antropóloga Maria do Socorro dos Santos Oliveira através da parceria com a Fundação
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) / Agência de Desenvolvimento do Amapá (ADAP). Elaborado em 2012 vinculou-se ao projeto
“Comunidades Duráveis” com objetivo de incentivar o processo de regularização fundiária de seis comunidades quilombolas do Amapá
como peça anexada a documentação do processo de titulação com vias aos processos de organizações territoriais das comunidades qui-
lombolas do Estado.
- 187 -

de São José de Macapá, e, Ana Mininea Barri- de forma transversal simbolizando momento
ga, uma portuguesa, fazendeira, proprietária importante das ritualísticas que compõem as
de terras e cabeças de bois na região e em ou- práticas festivas e crenças.
tra região próxima conhecida como Mangaba.
Ana Barriga, conhecida como “Anica Barriga”, Batuque e Marabaixo: ancianidade
teria se aproximado de Gregória para orga- africana
nizar o povoado e conciliar a criação de bois
que também já era praticada pelas famílias A história da comunidade São Pedro dos Bois
de negros e negras que ocupavam aquelas deve ser compreendida a partir de um conjun-
terras, levando-nos a inferir que o encontro to de relações sociais, econômicas, culturais
dessas mulheres conflui com um conjunto de e religiosas à medida que as narrativas e os
elementos característicos da história do Ama- documentos apontam para práticas de culti-
pá, da história da escravidão negra no Amapá, vos, criações, cultos, ritos e mitos singulares. A
da história dos processos de domínios e orga- memória histórica manifestada por parte dos
nização territorial por grupos de negros e ne- quilombolas dessa comunidade recupera e in-
gras alheios(as) a escravidão. sinua a elaboração de códigos de linguagens
específicos pautados nas maneiras de dançar,
Pode-se então considerar que a adoção de no- interagir, falar, saber e viver que povoam as
mes de “Santos”5 para representar povoados e memórias de distintas gerações reveladas por
depois comunidades quilombolas na Amazô- visualidades em manifestações como o Ba-
nia ou mesmo o recebimento de imagens para tuque – fortemente apropriado como cultura
serem veneradas em unidades domésticas, comunitária ligada a identidade quilombola
barracões e depois em igrejas construídas a ancestral.
partir da fé e trabalho das famílias nem sem-
pre tiveram como mediadores membros ofi- Quando falamos de visualidades nos reporta-
ciais da igreja católica ou a ela correlata. Nas mos, principalmente, às ideias exploradas por
histórias de quilombos encontram-se histó- Martins (2009) referindo-se a um processo
rias de propagações do catolicismo conforme de sedução, rejeição e cooptação que se des-
anseios, estratégias e interesses característi- envolve a partir de imagens com origem na
cos de cada temporalidade e situações sociais experiência visual; e, Nascimento (2011), que
específicas elaboradas no interior das crenças servindo-se dos enunciados foucaultianos,
quilombolas. entende visualidades como interpretações
visuais construídas historicamente pelos su-
Em São Pedro dos Bois a atuação Ana Barriga jeitos em diferentes épocas. Que podem ser
fez surgir à festividade de São Pedro dos Bois percebidas como regimes de enunciação vi-
sugerindo o nome do povoado e o padroeiro a sual ou os modos como passamos a ver, pen-
ser adotado. De outra forma, Gregória mani- sar, dizer e fazer de determinada maneira e
festava em seus antecedentes o culto a São não de outra. Na compreensão que o batuque
Raimundo como referência as comemorações praticado em São Pedro dos Bois, também, é
festivas do povoado. Na memória dos mais ido- um processo histórico de experiências e inter-
sos existem indefinições sobre as preferên- pretações visuais que se reconstroem na con-
cias, alguns consideram que a inclusão de temporaneidade a partir de seu legado. Entre
“bois” a festividade de São Pedro serviu ape- as práticas culturais encontradas na comuni-
nas para aludir à imagem da fazendeira, ou- dade estão às festividades de “Santos” o Mara-
tros preferem manter a tradição à festividade baixo6 e o Batuque com maior ênfase, ambas
de São Raimundo como principal evento. Em as atividades reproduzem-se elementos sin-
ambas as festividades o Batuque encontra-se gulares da cultura afro-brasileira e "afro-in-

5 - De outro lado, os ritos e práticas religiosas trazidas por ambas às matriarcas sinalizam mais uma faceta a pretensa preponderância
do catolicismo divulgado como referência de evangelização diretamente atrelado ao projeto de colonização. A Preparação das festivi-
dades de “Santos” demonstram que na Amazônia a história do catolicismo não pode ser compreendida apenas pelas missões religiosas,
constituições de igrejas, paróquias e prelazias, ou mesmo, por relações de tutelas ligadas a relações de obediências as realizações de ritos
ministrados por parte do clero secular ou regular.
6- É uma tradição afro-amapaense festivo/religiosa que reúne ciclos geracionais em um período do ano denominado de Ciclo do Mara-
baixo, realizados após a Quaresma e Semana Santa dentro da religião católica (VIDEIRA, 2009). Sobre o Marabaixo, Silva (2014) sustenta
as ponderações do pesquisador Nunes Pereira ao destacar a dança praticada por mestiços e negros em geografia bem definida para o
Estado do Amapá. Mazagão Velho, bairro do Laguinho e antigo quilombo do Curiaú teriam sido os pontos de encontro desta manifestação
cultural de origem malê ou sudanesa.
- 188 -

dígena" (descendência africana e indígena) do Outra obra importante é “Batuque”, de Bruno de


Amapá. Estas práticas e rituais são encontra- Menezes que apresenta compilação de poesias
das também em vários registros da história do e cantos que refazem laços entre Brasil e Áfri-
Grão Pará (segunda metade do século XIX) em ca, demonstra aproximação entre as práticas
temporalidades distintas e responsáveis por culturais e as singularidades do Batuque prati-
continuidades e permanências de tradições cado no Estado do Amapá, dando foco, a comu-
na Amazônia contemporânea nos Estados do nidade São Pedro dos Bois. No prefácio da obra,
Amazonas, Pará e Maranhão com versões e Fares e Nunes (2005) apresentam interessante
linguagens diferenciadas. digressão sobre os sentidos da obra e anunciam
ver a poesia se transformar em punhais que se
Salles (2003) em “O vocabulário Crioulo” apre- erguem para gritar denúncias e indignações.
senta uma larga descrição sobre a história do Na poesia “Batuque” o autor ressalva: “mãe
Batuque e seus possíveis desdobramentos em preta deu sangue branco a muito sinhô moço”
diversos rituais africanos e afro-indígenas. (MENEZES, 2005, p.20), e mais a frente revela
Demonstra que a dança e o uso do tambor a corporeidade manifestada na encenação da
sempre esteve ligado aos folguedos e folias de dança ao dizer: “[e] rola e ronda e ginga e tomba
negros escravos libertos e mestiços. O autor e funga e samba, a onda que afunda na cadên-
faz referência aos registros de Spix e Martius cia sensual. O Batuque rebate rufando ban-
(1820) quando se reportam ao batuque como zeiros, as carnes retremem na dança carnal”
manifestações de lasciva e prazerosa dança (Ibid.). O envolvimento entre corpo, percussão e
características dos negros. Da mesma forma, ritmo são características do Batuque e do Ma-
assinala que existem registros no Maranhão, rabaixo sempre acompanhados de cantarias e
catalogado pelo Frei Francisco de Nossa Sen- ruídos dos tambores, símbolo da percussão ne-
hora dos Prazeres, falando das reuniões de gra em Macapá.
negros em danças, batuques e cantorias que
se ouviam a longas distâncias. Também apre- O Batuque em Macapá, segundo Silva (2014),
senta uma compilação de registros relativos à tem tradição na zona rural nas comunidades
prática do batuque na Amazônia e aponta os quilombolas de Curiaú, Ilha Redonda, Igarapé
escritos de Tó Texeira (músico negro) como re- do Lago, Mazagão, São Pedro dos Bois entre
gistros cultivadores do batuque em “arraiais” outras. O autor faz referência à revista “Tam-
(festejos em ruas públicas) pelos anos de 1900 bores no meio do mundo: O rufar da cidadania”
e 1915 no Pará. Ele cita outras obras, músicas, organizada pela Secretaria Especial de Polí-
contos e poesias como “Um samba a luz do ticas para Afrodescendentes – SEAFRO/AP,
sol” de Juvenal Lavares (1895), que descreve para sustentar que o “batuque” tem suas ori-
o batuque no baixo Tocantins e em “A mata gens no Amapá desde o século XVIII, contexto
submersa” de Peregrino Junior (1960) que re- do processo de ocupação da Vila de São José
gistra no Baixo Amazonas, negros envolvidos (Macapá) e Mazagão. Para ocupar a região fo-
com danças, sapateados, umbigadas, rebola- ram trazidos negros na condição de escravos
dos e gingados sob o som do batuque. da África, Pará e Maranhão e nessas terras
introduziram a “cultura do tambor”. Para o
Na mesma obra o autor aponta outra variação autor, o batuque em Macapá foi organizado
do batuque tomando como referência às de- pelos escravos com objetivo de comemorar as
terminações do Código de Posturas munici- parcerias e a união dos seus pares por meio da
pais de Belém/PA no contexto da economia da dança e de reuniões alegres. Portanto, dife-
Borracha, em 1880, no qual se proibia fazer rentemente do Marabaixo, o Batuque não re-
batuque ou samba. Atrelou-se o batuque a produziria sofrimento e delações do tempo da
atividade de “casas de samba” e “terreiros” escravidão e sim o arrefecimento da cultura
confundindo-se com práticas curativas, paje- africana e afro-brasileira nas terras do Ama-
lanças, benzedeiras e xamãs afro-indígenas, pá como símbolo de pertença e continuidade
ao que registra José Veríssimo para os anos de tradições ancestrais marcadas por momen-
de 1878. Em linhas gerais, o autor confere tos de cortejos e comemorações. É importante
ser mais lucido considerar o batuque como frisar as semelhanças e as diferenças que
expressões culturais de danças e percussões tornam o Batuque e o Marabaixo manifes-
acompanhados de cantorias coletivas em es- tações singulares apesar das continuidades e
paços públicos e quanto à nomenclatura, o ter- atravessamentos de características existen-
mo teria derivação do termo africano “bater”, tes entre elas. Outra peculiaridade é a deno-
talvez “batchuque” ou “baçuque”, com possibi- minação dada aos cantos e versos entoados.
lidade de ser originário do Congo ou Angola. No marabaixo eles são chamados de "ladrões"
- 189 -

e no batuque de "bandaias" ou "cantiga de ba- da comunidade: “Texeira de Freitas”, oficia-


tuque" (VIDEIRA, 2013). A autora também res- lizando-se na década de 1980, como "Escola
salta que essas manifestações possuem traços Estadual Teixeira de Freitas", como informa
que se assemelham a tradição Bantu (grupo a documentação fornecida por Anny Picanço
etnolinguístico localizado principalmente Barbosa, quilombola e secretária da escola.
na África subsaariana). Atualmente a instituição possui cerca de 30
funcionários, onde 90% destes são moradores
Essas singularidades também são anuncia- da própria comunidade, assim como a direto-
das na fala do senhor “Paredão”, membro da ra, os(as) docentes e a secretária, condição que
comunidade quilombola São Pedro dos Bois, fortalece os laços com a comunidade.
ao informar que o Batuque é uma dança ale-
gre que em seus versos cantam o cotidiano Em seu projeto original possuía duas salas de
da comunidade. Destacou ainda, que os mais aula, porém, em virtude do aumento da de-
antigos relatam que o Batuque era um misto manda de discentes estas salas foram trans-
de danças e músicas executadas em épocas formadas em cinco, onde os antigos alojamen-
de boas colheitas para patrões e escravos. E tos dos professores passaram a ser utilizados
é nessa perspectiva cultural que entra o tra- como salas de aula. Hoje, a escola funciona
balho da escola da comunidade, resgatando a com cinco salas, quatro regulares e uma de
festividade da manifestação. ensino especial, além de dois corredores,
cozinha, depósito interno e externo, sala de
Videira (2013), em seu Livro "Batuques, folias leitura compartilhada com o espaço da secre-
e ladainhas, a cultura do quilombo do Cria-ú taria, laboratório de informática, diretoria, um
em Macapá e sua educação" organiza de certa banheiro adaptado para portadores de neces-
maneira, uma arqueologia do quilombo rema- sidades especiais e três banheiros regulares.
nescente mais conhecido do Amapá, o Curiaú. A comunidade escolar conta com turmas de
Apresenta suas territorialidades marcadas ensino fundamental I e II, em dois turnos (ma-
pelo corpo, pelo tempo e perspectivas contem- tutino e vespertino), com uma sala específica
porâneas fortemente demarcadas pela neces- para o atendimento de alunos com necessida-
sidade da preservação dos seus bens naturais, des especiais. Pela manhã funciona o ensino
materiais e imateriais. A autora amplia a dis- fundamental I (1º ao 5º ano) e pela tarde, o
cussão para a área da educação apontando-a ensino fundamental II (6º ano ao 9º ano), es-
como um importante meio de resgate e pre- sas turmas utilizam materiais didáticos adqui-
servação das ancestralidades afro-brasileiras. ridos com recursos Federais e Estaduais. Os
Assim como apontam as perspectivas do fazer recursos para a compra da merenda escolar
escolar na comunidade São Pedro dos Bois, são específicos para a região quilombola, pois
localizada a cerca de uma hora de distância o cardápio é diferenciado e regionalizado.
do Curiaú, proximidade reforçada pelo paren-
tesco existente entre muitas famílias nas duas Entre os projetos pedagógicos realizados pela
localidades. escola, o mais importante é o "Projeto Batuque",
que acontece anualmente entre os meses de
Educação e arte: Batuque na escola outubro e novembro. Possui como objetivo prin-
cipal a valorização do patrimônio cultural da
Na antiga casa da matriarca Gregória reu- comunidade São Pedro dos Bois e justifica-se
niam-se os filhos da comunidade para ter por resgatar a manifestação artística marcante
acesso às primeiras letras (alfabetização), da cultura local, sendo estudada e colocada em
com o passar do tempo e maior complexi- prática com vias a recuperar e reavivar entre
dade da organização comunitária, já pelos os jovens o respeito pela tradição do seu povo,
anos de 1940, sentiu-se a necessidade de um como por exemplo, na produção das ladainhas
prédio com fins específicos para a formação (textos musicalizados) que também são usados
escolar. Somente em 1965 sob o governo do como bandaias nas rodas de Batuque (figura 1),
então coronel Janary Gentil Nunes iniciou-se que problematizam temas como: racismo e reli-
a construção do prédio escolar que após a gião7 no intuito de reconhecer e valorizar essa
conclusão homenageou o primeiro professor cultura por meio de processos educativos.

7- Estas informações conferem parte do relatório de pesquisa elaborado por Adrian Kethen P. Barbosa, discente do curso de História
da Universidade Federal do Amapá em atendimento as atividades preliminares do projeto de iniciação científica “Mapeamento social,
diversidade e territorialidades no Estado do Amapá” ainda em processo de registro, sob a coordenação do prof. Me. Raimundo Diniz.
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Figura 1 – Realização do Projeto Batuque: apresentação de música e dança em novembro de 2014. Fonte: Atividade
de campo, 2015, arquivo dos autores.

Em sua organização metodológica o projeto trada entre os quilombolas de São Pedro dos
prescreve relações multisseriadas congre- Bois. A materialização das compreensões sobre
gando discentes do primeiro ao quinto ano e o Batuque dadas por meio da maquete sinteti-
outro bloco, do quinto ao oitavo ano, reunindo za o conjunto de aprendizagens, trocas, repro-
docentes em três etapas: Fase teórica (pesqui- duções e representações sociais manifestadas
sa bibliográfica e etnográfica); Fase prática no fazer escolar e no cotidiano da comunidade.
(oficinas, pesquisas de campo e produções Pois os processos de subjetivações que envol-
artísticas); e, Fase final (culminância dos tra- vem a relação entre a escola e a comunidade
balhos). Durante as fases, alguns trabalhos potencializam-se e expandem-se para fora dos
são realizados com o apoio de instituições não "muros" da instituição propagando-se e consti-
governamentais e profissionais do Programa tuindo-se de outros sentidos que depois voltam
Educacional Mais Educação8. As vestimentas, e adentram novamente na escola em um cons-
os instrumentos, algumas letras de músicas tante devir.
e a ornamentação da escola, são elaboradas,
preferencialmente, pelos discentes e docen- As etapas de elaborações do Projeto Batuque
tes com materiais apropriados da região e a são acompanhadas por diversas estratégias
outra parte é comprada com recurso previsto de apropriações das riquezas socioculturais e
no orçamento da escola. A última fase é a ava- ambientais inerentes à comunidade, traduzi-
liação do projeto feita com a participação de das no desenrolar do processo de culminân-
toda a comunidade escolar. cia através da apresentação do casal cultural,
venda de comidas típicas, declamações de ver-
A maquete (figura 2), confeccionada artesanal- sos, elaborações de letras de músicas, criações
mente, exposta no espaço escolar, reproduz ca- de ritmos, percussões e danças devidamente
racterísticas singulares do Batuque ao sugerir ensaiadas. As elaborações conferem momen-
movimentos de roda, usos de instrumentos e tos de sociabilidades, interações sociais, com-
vestimentas cuidadosamente confeccionadas, panheirismos e laços de solidariedades, como
reforçando visualidades, corporeidades e ma- também atenuações de situações de conflitos
nifestações étnicas, características de grupos mediadas por decisões coletivas.
quilombolas. A diversidade de cores e a for-
mação de um grupo referendam aspectos da Estes momentos de sociabilidades que trans-
cultura negra comunitária facilmente encon- bordam o espaço da sala de aula e promove a

8 - Programa Federal que tem por finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanên-
cia de crianças, adolescentes e jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral (DECRETO
Nº 7.083, DE 27 DE JANEIRO DE 2010).
- 191 -

Figura 2 - Maquete reproduzindo o “Batuque” em São Pedro dos Bois – Artefato usado como decoração do espaço
escolar. Fonte: Atividade de campo, 2015, arquivo dos autores.

interação com a comunidade (figura 3) pres- Os mais idosos participam do processo quando
creve valorização de outros sujeitos entre reproduzem comportamentos e narrativas com
quais os idosos são incluídos pela importância vias a recuperar da história da cultura local, co-
da memória viva para a preservação da cultu- munitária e familiar. Tais condições refletem
ra. Os conteúdos trabalhados são apropriados ajudando-os a se posicionar como quilombolas
e os temas referendam situações sociais en- nos discursos engendrados, ou seja, aqueles
contradas no desenrolar das narrativas, nas construídos, idealizados ou inventados e disse-
visualidades do fazer escolar, da vida comuni- minadores de relações históricas, de práticas
tária, do modo de vida singular em reciproci- concretas e vivas. Amplamente problematiza-
dade e diálogo com a natureza viva, dançada, dos por Foucault ao compreendê-los para além
cantada, partícipe do processo de formação de uma "estreita superfície de contato, ou de
educacional. confronto, entre uma realidade e uma língua,
[...] mas como práticas que formam sistemati-

Figura 3 – Integração entre escola e comunidade no Projeto Batuque. Fonte: Atividade de campo, 2015,
arquivo dos autores.
- 192 -

camente os objetos de que falam" (FOUCAULT, mais nos damos conta de que ainda se tem
1986, p.56). Portanto, o fazer escolar, por esse muito a saber.
prisma, se atina a cultivar noções de perten-
cimento e liberdade política para poder “dizer Continuar ouvindo as narrativas contadas por
sobre si”, sobre sua comunidade e assegura- moradores de todas as idades, encadeadas
rem lutas por direitos e valorização da cultura, por diversos pontos de vista, acessar narra-
identidade e território quilombola. tivas escritas e imagéticas, comparar dados
e cruzar informações nos possibilitará novas
As práticas artísticas são comumente empre- percepções sobre o contexto demarcado por
gadas nas realizações de projetos escolares, temporalidades distintas, que se coadunam na
principalmente quando estes estão relaciona- cotidianidade da comunidade. São pistas que
dos com questões culturais, dando aos profes- nos fazem questionar: como são as estratégias
sores(as) e alunos(as) a grande responsabilida- de resistências dessa comunidade remanes-
de de pensar, planejar e executar o processo cente de quilombos para serem reconhecidos
de ensino e aprendizagem com perspectiva de fato e de direito? Como os moradores se per-
interdisciplinar. Mais que um fazer/discurso cebem no duplo de sujeito ativo e/ou passivo
mecanizado, a dinâmica da interdisciplinari- dessa história? Que outras práticas escolares
dade evoca práticas de trocas múltiplas e di- visam articular os saberes da cultura local com
versificadas entre todas as áreas do currículo as demandas do currículo escolar? Na dinâmi-
escolar, articulando-as em a favor do tema ge- ca das relações de poder, como a comunidade
rador, no caso apresentado, o Batuque. atua politicamente no cenário contemporâ-
neo? Essas e outras perguntas nos mostram a
Neste estudo, o Batuque é concebido como impossibilidade de esgotamento do tema.
dispositivo educativo, tal como discute Jorge
Larrosa (1994), ampliando o seu sentido peda- O engajamento de grupos comunitários e pes-
gogicamente para além do controle do currí- quisadores sobre a cultura afro-brasileira
culo, tido como regimes hierárquicos de saber tem dado maior visibilidade às necessidades
e poder. É compreendido como entidade que da preservação do patrimônio cultural local e
constrói e medeia a relação do sujeito consigo sobre como esse conjunto tem se incorporado
mesmo. Para o autor, "um dispositivo peda- ao patrimônio nacional, configurando novos
gógico será, então, qualquer lugar no qual se espaços de luta política e de afirmação da he-
constitui ou se transforma a experiência de rança africana na formação cultural do Brasil.
si. Qualquer lugar no qual se aprendem ou se Falar sobre como as africanidades se desdo-
modificam as relações que o sujeito estabe- bram e permeiam a cultura amapaense é uma
lece consigo mesmo" (LARROSA, 1994, p. 57). necessidade afirmativa também, que podem
Ou seja, o batuque, dentro ou fora das práticas revelar importantes facetas históricas nos
escolares é uma entidade repleta de ensina- permitindo confrontar e analisar diferentes
mentos e aprendizagens que confluem para o modos de ver, dizer, pensar e agir no tocante
autoconhecimento e o conhecimento do outro, as comunidades quilombolas do Amapá. Con-
construindo processos dinâmicos de subjeti- sideramos a comunidade São Pedro dos Bois
vação e alteridade que se desenvolve em solos um campo profícuo de saberes para reflexões
férteis de tensões. e aprendizados sobre como a educação for-
mal, com todas as suas áreas de ensino, em um
Considerações finais exercício inter e transdisciplinar, pode ser um
alargamento do cotidiano comunitário e vice
No movimento cadenciado do corpo, ao som versa. Em uma interação rica de possibilidades
forte do tambor, acompanhado por vozes me- que podem se expandir para além das territo-
lodiando bandaias de Batuque as gerações rialidades locais.
das matriarcas Ana Barriga e Gregória falam
de situações do cotidiano e de temas religiosos
revelando pistas de um discurso engendrado
por relação de poder, resistência e ancestra-
lidade afro-brasileira. Nossas considerações
finais são notas que revelam interesses de
continuar investigando sobre as singularida-
des da cultura do Batuque na comunidade São
Pedro dos Bois e seus desdobramentos como
prática social, pois quanto mais conhecemos,
- 193 -

Referências Clícia Tatiana Alberto Coelho

· ALMEIDA, A. W. B. Terra de quilombos, terras Mestre em Artes Visuais (UFPB). Docente do


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· · Batuques, folias e ladainhas: a cultura


do quilombo do Cria-ú em Macapá e a sua edu-
cação. Fortaleza: Edições UFC, 2013.
- 195 -

PRÁCTICAS DE COLABORACIÓN Y MODELOS DE AUTORÍA EN


EDITORIALES CARTONERAS LATINOAMERICANAS

Valeria Lepra - IENBA-UDELAR

Descolonizar la estética para liberar la aes- Acerca de ser con los otros, agenciamientos
thesis no es ya un hacer que busca la catarsis y circulaciones.
ni el refinamiento del gusto, sino la liberación
de los seres humanos de los diseños imperia- La pregunta sobre qué tipo de circulaciones
les en sus variados rostros. urbanas están habilitados a qué ciudadanos,
Pablo Gómez y Walter Mignolo, 2012 qué espacios se constituyen en fronteras,
como límites que no pueden ser ultrapasados
Resumen y la posibilidad de trazar de forma imaginaria
. los recorridos habituales, puede colaborar con
Este texto, emerge como parte de la investi- la desnaturalización de los fenómenos que
gación que realizo en el marco de mi tesis de aparecen como dados, favoreciendo otras cir-
maestría titulada Editoriales cartoneras en culaciones, de personas a la vez que de bienes
América Latina. Poéticas, políticas y pedago- culturales. Las editoriales cartoneras, parecen
gías. Presento aquí algunos aspectos que de- proporcionar entonces, la posibilidad de esos
sarrollaré en ella y están vinculados a modos recorridos en la cultura, lo que conduce a una
de producir propios de las prácticas artísticas de mis preguntas de investigación: ¿Cómo se
contemporáneas, asociados a formas de en- configuran los espacios para la circulación de
tender lo colectivo. saberes y experiencias de aprendizaje? Esta
pregunta puede ser comprendida a punto de
Estas prácticas, de las editoriales cartoneras, partida de articulaciones de algunas nocio-
proponen algunas dificultades asociadas a las nes sobre el lugar que ocupan los cartoneros
diferencias que cada colectivo asume en su como aquellos que organizan su vida a partir
modo de pensarse a sí mismo, así como a las de lo que la ciudad desecha apartándose así
demás editoriales que se nuclean bajo esa de- de los circuitos de producción económica y
nominación. cultural. La promoción de espacios donde la
experiencia vital de cada participante pueda
Los modos de organización, las formas de par- ser revisada a la luz de intercambios con ac-
ticipación y de integración, los mecanismos tores de procedencias diversas pone en fun-
por los cuáles se tomarán las decisiones, así cionamiento instancias acuerdo o disenso, a la
como quiénes las tomarán estarán vinculados vez que una disposición a modos distintos de
a qué regímenes de visualidad imperarán, y producción de la subjetividad, como expresan
los distintos niveles de autoría que se cons- Dias y Fernández:
truirán durante el devenir de estos colectivos.
Cabe aclarar que propongo una utilización del O que está em jogo nas narrativas particulares
término más amplia que aquella que restringe é a capacidade de agência, de flexibilidade, de
esta noción a la de ser autor de un texto o ima- negociação, de abertura e de crítica que permi-
gen. El pasaje de su utilización para referirme tem quando as histórias particulares contam,
a los escritores, a quienes diseñan las tapas, quando o poder de fazer se corporifica.
consiguen el cartón y/o toman las decisiones Esta abordagem das narrativas particulares é
en relación a los destinos de cada colectivo por si mesma conflitante, seja na educação da
editorial me permitirá proponer algunos pro- arte ou de outra disciplina, porque promove uma
blemas y complejidades en el entramado de visão crítica das noções fixas e conservadoras de
los autodenominados proyectos colectivos. identidade cultural, conduz os estudantes e os
- 196 -

professores a enfrentar assuntos sensíveis sobre La acción de preguntar. Recogiendo


religião, raça, gênero, sexualidade e excepciona- la voz del otro.
lidade e por tanto a uma revisão das próprias es-
truturas mentais. (Dias & Fernández, 2013, 146) La entrevista, con sus inevitables derivas, con
sus enriquecedoras derivas me permitió una
El eje es para estas modalidades de trabajo la aproximación a integrantes de editoriales
relación, el proceso, los ámbitos de creación que desde territorios distantes se dispusieron
colectiva, el intercambio. Hacer con los otros. a colaborar con mi deseo de atisbar algunos
Ser con los otros. Rescatar esos espacios de recorridos posibles, algunos bocetos de poten-
acuerdo y disenso para revisitar la reflexión ciales respuestas a mis preguntas, entre ellas
pedagógica crítica, a punto de partida de in- selecciono y consigno dos que se vinculan al
vestigaciones que proponen las prácticas de recorrido que propongo para este artículo:
educar como espacios para el movimiento
de los afectos, para desnaturalizar aquello -¿Cómo favorecen los espacios de trabajo colec-
que ha sido institucionalmente naturalizado tivo o instancias que potencien el intercambio
y para revitalizar la noción del saber, como de aportes que cada participante puede hacer?
construcción colectiva.
-Los textos tienen autores, sus nombres son con-
Ese movimiento hacia las prácticas y procesos signados en los libros ¿qué pasa con los nombres
como focos de la cuestión de lo artístico, per- de los autores de las tapas? ¿Aparecen? Si deci-
mite correr el énfasis del producto a la cues- dieron que aparezcan ¿por qué? Si tomaron la
tión del funcionamiento colectivo: ¿quiénes?, decisión contraria ¿qué motivó la misma?
¿cómo?, ¿bajo qué acuerdos? Las editoriales
cartoneras proponen entonces, en términos A la primera pregunta las editoriales hasta
generales, modos de aproximación a modelos este momento entrevistadas proponen lo que
de aprendizaje colectivos. Siguiendo a Martí- doy en llamar diferentes niveles de participa-
nez Boom: ción, el núcleo duro compuesto por un peque-
ño grupo de participantes, dos o tres, que de
Pensamos el saber como un espacio, el espacio forma estable y continua deciden el rumbo de
más amplio y abierto del conocimiento, donde se las políticas editoriales. Un colectivo más am-
localizan discursos de distintos niveles, desde plio, de colaboradores, de invitados, de simpa-
los más informales hasta los más sistemáticos. tizantes se acercan a los talleres de produc-
Son las prácticas las que engendran el saber y ción de libros, y pintan tapas, cortan cartón,
con ellas aparecen nuevos objetos, conceptos leen o ponen broches para unir las páginas de
y técnicas, pero también produce alteraciones los libros, o las cosen. Pero durante esa acción,
que inventan otras subjetividades. La cuestión hablan sobre sus vidas, charlan con los auto-
del saber es también una incertidumbre […] res de los libros o discuten sobre la situación
Por ello, el asunto es estrictamente histórico, del país. El libro es una herramienta política, y
es decir, ¿cómo se forman dominios de saber también lo es el encuentro, no en vano “Eloísa
a partir de prácticas sociales? El mismo sujeto Cartonera” durante su participación en la 27ª
de conocimiento posee una historia o, más cla- Bienal de São Pauloi, no sólo exhibía sus libros,
ramente, la verdad misma tiene una historia. sino que invitaba a hacerlos. Porque como
(Martínez Boom, 2010, 115) proponía Otitica sobre las obra abierta:

Proponer trabajar con los relatos que constru- As qualidades, o valor em suma que a carac-
yen los colectivos de editoriales cartoneras en terizam como experiência do homem ou uma
América Latina supone entonces expandir, o proposição para o homem, ou as duas, que em
por lo menos problematizar algunas nociones geral acontece, e em que desemboca o sentido
asociadas a los campos disciplinares del arte y dela, não interessam em si como puro esteticis-
la educación, al hacer visible cómo las modali- mo, como deleite do intelecto, mas como susten-
dades de trabajo que proponen las editoriales tação para a comunicação e para a participação.
cartoneras sirven como modelo de abordaje (Oiticica, 1969, 69)
de algunos problemas clave del arte contem-
poráneo (autoría, prácticas colaborativas, la Esa relación de participación, habilita en este
relación entre proceso y producto). caso implicarse en el proceso de creación,
asumir una posición activa, actuar sobre la

1 - Curada por Lisette Lagnado, en el año 2006, bajo el título “Cómo vivir juntos”
- 197 -

producción del objeto. Esa relación de parti- fragmentariamente, a la espera de que vaya
cipación habilita también subvertir los roles, aumentando densidad a medida que continúa
ponerlos en constante movimiento, no están el proceso investigativo.
prefijados ni son inamovibles.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Respecto de la segunda pregunta que realiza-
ra, acerca de la autoría como seña, como mar- · DIAS, Belidson y Tatiana Fernández (2013)
ca, como atribución y reconocimiento existen “Mapas de interseções na educação em vi-
posiciones diversas; y son diferentes en re- sualidades: Evento artístico como pedagogia”
lación al texto o la imagen. Quien produce el En: VISUALIDADES, Goiânia v.11 n.2, julio-di-
texto tendrá su nombre consignado en la tapa, ciembre 2013. pp. 137-161.
podrá tener lectores que lo busquen, lo colec-
cionen, lo reconozcan. En lo que respecta a la · FOUCAULT, Michel (1998) ¿Qué es un autor?,
realización de las tapas, estas cobran un ca- Córdoba, Litoral.
rácter colectivo, en algunos casos de absoluto
anonimato. En una de las editoriales entrevis- · GÓMEZ, Pedro Pablo y Mignolo Walter (2012)
tadas se propone que el arte de tapa supone Estéticas decoloniales, Bogotá, Universidad Dis-
un acto de desprendimiento, de juego, porque trital Francisco José de Caldas.
lo que importa en definitiva es la literatura.
En otros casos se consignan los nombres de · MARTÍNEZ BOOM, Alberto (2010) “Alteracio-
todos los que han participado en la jornada nes diluciones en la educación de hoy” En: Gra-
de confección de las tapas, y en algunos casos ciela Frigerio y Gabriela Diker Comp. (2010)
hay artistas que las firman, pero claro, son Educar: saberes alterados. Paraná. Editorial
artistas, consagrados, o que viven de su pro- Fundación La Hendija pp. 113-134
ducción como artistas. ¿Y qué sucede con los
que no se autodenominan artistas? ¿En qué · OITICICA, Hélio. “A obra aberta” Cadernos
lugar queda su ser autores de algo? No bus- Brasileiros, Rio de Janeiro, v.11, n.53, mayo/jun.
co tomar posición, es definitivamente muy 1969. p. 69
pronto, pero sí propongo plantear el proble-
ma. Parafraseando a Foucault (1969): ¿Cómo Valeria Lepra
circula, se apropia o ha llegado un discurso a
existir? ¿Cómo el “quién” del autor se ve des- Lic. en Artes Plásticas y Visuales por UDELAR.
plazado ante lo dicho/escrito? ¿Qué funciones Diploma en Educación, imágenes y medios por
del sujeto se habilitan para quiénes? Ante la FLACSO y estudiante de la Maestría en Educa-
producción de discursos de diferente orden, ción Artística de la UNR. Docente del Depar-
no importa quién dice, sin embargo parecen tamento de las Estéticas del IENBA. Partici-
existir autorías sacralizadas que deben ser pación en proyectos de la CSE, CSIC y CSEAM.
señaladas, que son más autorías que otras, y Exhibición en las ediciones 54 y 56 del Premio
no puedo evitar pensar en Orwell, y recordar Nacional de Artes Visuales, EAC y Centro de
el mandamiento de Rebelión en la granja. Exposiciones Subte como integrante del Co-
Quizás sea una asociación excesiva, sin em- lectivo Interrupciones.
bargo ilustra la cuestión de que no hay corri-
mientos totales, existen varios modos de pro-
poner el trabajo en colaboración, hay ciertos
movimientos, ciertas inestabilidades, pero no
alcanza aún para pensar en modos de produc-
ción netamente colectivos, donde el resultado
no sea atribuible a una persona, donde despla-
cemos el quién por el qué o el cómo.

Consideraciones finales.

Estas reflexiones, breves, epidérmicas, en


proceso no buscan dar cuenta del proyecto
de investigación en términos generales. Me
he propuesto más bien proponer aproximar-
nos in media res más que ofrecer la historia
ab ovo. Es un fragmento, expuesto también
- 199 -

MATERIALIDADES EFÍMERAS EN LA EMERGENCIA DE UNA ESTÉTICA


DE RESISTENCIA POLÍTICA EN EL ESPACIO PÚBLICO

Roberta Rodrigues – UDELAR

Streets are saying things – Introducción CERTEAU, 1988: 93). Es decir: no se producen
transformaciones a no ser por la agencia (ac-
Reclamos políticamente comprometidos, ex- ción) y por las tácticas de territorialización,
teriorizados simbólicamente en expresiones que sugieren cartografías visuales de resis-
efímeras que crean agregaciones coherentes tencia política, con las marcas (materialida-
no obstante su temporalidad, y narran un tipo des) de las intervenciones en el espacio.
de resistencia.
La investigación considera la emergencia de
El presente trabajo se realiza con base en la una resistencia visual construyendo narra-
propuesta de Michel De Certeau sobre el arte tivas en el espacio público a través de inter-
del decir que “produce efectos, no objetos” (DE venciones estéticas relativas a la represión y
CERTEAU, 1988: 79), llevado a cabo por equili- violencia, que denuncian y cuestionan en ese
bristas (tightrope walkers) que se ejercitan a sí espacio de inscripción y representación sus
mismos en hacer visibles las estrategias (ins- aspectos de una conducta a seguir - y la homo-
tituidas por el conjunto “oficial” de relaciones, geneización - para presentar un reclamo y re-
o las conductas en el espacio público), e intro- cuperar la memoria sobre dos casos de desa-
ducir sus tácticas de resistencia cotidiana: las pariciones forzadas en democracia, ocurridos
maneras de operar que “reapropian el espacio en La Plata, 2006 y en Rio de Janeiro, 2013.
organizado por técnicas de producción socio-
cultural” (DE CERTEAU, 1988: xiv). Tomando como referencia de análisis los
enunciados en las imágenes, proponemos
Todas las actividades realizadas en el espacio desarrollar una exploración de las visualida-
público lo conforman desde ser un espacio de des e identificar cómo las desapariciones de
desarrollo de las formas propias de aprendi- Jorge Julio López y de Amarildo de Souza son
zaje y sociabilidad. Sin embargo, en las estra- abordadas y representadas; analizaremos los
tegias de asignar una dimensión líquida de las modos en que los productores de dichas vi-
dinámicas urbanas, estas circulan, se mueven, sualidades las utilizan como un proyecto crí-
se estancan, y diluyen el flujo sin modificar un tico-político de tensiones y reivindicaciones,
estado de cosas, impugnar condiciones del que develan su compromiso y su resistencia
presente, incidir y transformar. contra las fuerzas dominantes que constru-
yen al espacio ordenado y vigilado.
Según De Certeau (1988) en “la red de éstos en
movimiento, los escritos que se cruzan com- Con esta nueva percepción que resignifica al
ponen una historia múltiple que no tiene ni espacio público, indagamos en torno a cómo la
autor ni espectador, en forma de fragmentos producción de Street-art1 sobre ambas desa-
de trayectorias y alteraciones de espacios: pariciones desarticula los términos de lo polí-
en relación a las representaciones, se man- tico y los clarifica en una visualidad con el fin
tiene a diario y de forma indefinida otra.” (DE de cuestionarlos, de expresar la disidencia, y

1 - Consideramos proyección/reflejos, afiches y pegatinas, wheatpasting o stencil. Reforzamos en los distintos repertorios que los pro-
ductores de visualidades “utilizan medios muy diversos pero con características que aúnan la rapidez, la fragmentación, a caducidad, la
inestabilidad con la multiplicidad de lecturas, la resonancia, la memoria y el movimiento”.
- 200 -

de establecer la comunicación para, de mane- cuyo simbolismo inquieta y conlleva a la re-


ra subversiva, “introducir el sentido común y flexión sobre los saldos violentos de las dic-
la justicia ausente en situaciones embrutece- taduras militares en los dos países. La acción
doras” (CAMNITZER, 2008: 35). Todo lo cual misma de reconfigurar, a partir de la agencia
apunta hacia la emergencia de la otra historia de los productores de visualidades en sus tác-
a contar, en una estética de resistencia -aun- ticas de territorializar alrededor del reclamo y
que de materialidad efímera- que adquiere un la memoria sobre las desapariciones forzadas,
sentido que permite a la construcción de me- conduce con tales prácticas a los sentidos, la
ta-memorias con el reclamo sobre las dos des- percepción y la resignificación de la violencia.
apariciones, para asumir la situación violenta
de otra manera. Ese proceso de acción y ocupación que des-or-
dena es llevado a cabo tanto por multitudes
El hacer perceptibles los esfuerzos de abo- como por equilibristas (tightrope walkers), para
gar por relatos que hurgan en el olvido, en un contar historias en las calles, y leerlas en la ciu-
juego de luces y sombras, es la pertinencia de dad. En sus tácticas es dónde el arte (su forma
poner una mirada a las visualidades con el de visibilidad y la discursividad de la interven-
objetivo de dirigir la comprensión de lo que ción estética) se relaciona con lo político, pues-
puede ser contado de un hecho de violencia to que las intervenciones se establecen como
por medio de las intervenciones estéticas una nueva forma de hacer política, dónde “la
para responder al interrogante planteado en dimensión crítica [del arte] consiste en hacer
la conversación con lo político: ¿Qué podría visible lo que el consenso dominante tiende a
decirnos del modo en que la política se con- esconder y anular” (MOUFFE, 2013: 93). Así, se
vierte en un objeto estético, y en qué la es- evoca y asegura la permanencia de la memo-
tética transforma nuestra comprensión de ria, interrumpiendo con la producción de di-
lo político? chas visualidades la indolencia ante al olvido o
a la homogeneización que hubiera predomina-
Prácticas estéticas y enunciación política do en el espacio público de no haber tal ruptura.
en el espacio público
Por un lado, nos dice Kristina Gleanton (2012),
Consideramos el espacio público como ám- los productores de Street-art “se basan en men-
bitos de relaciones del cotidiano donde los sajes simples, concisos y una fusión de pen-
territorios y lo que se comunica están en dis- samientos, ideas y comentarios para iniciar
puta entre el seguir la conducta eficiente y un diálogo político” (GLEATON, 2012: 18). Por
homogénea, y la oportunidad de intervenir, otro lado, “los transeúntes -ahora obligados a
romper esquemas y activar la criticidad. Tam- reflexionar sobre qué es lo que ven-, toman
bién tomamos la producción de visualidades conciencia de la presencia y punto de vista, de
sobre las desapariciones en democracia como un movimiento clandestino de resistencia acti-
formas de expresión crítica-estética-política va” (GLEATON, 2012: 19). Pese a su naturaleza

Foto de la autora, Rio de Janeiro – Foto del Coletivo Projetação, Rio de Janeiro –
año 2010 (stencil en pared, SDA) año 2013 (video-proyección, Colectivo Projetação)
- 201 -

Foto de Javier del Olmo, La Plata - año 2015 (intervención con wheatpasting, Javier del Olmo)

Imagen de internet (SDA), Argentina – Foto de Javier del Olmo, Argentina – años 2007-2010
año desconocido (stencil, SDA) (intervención en valla publicitaria,
Javier del Olmo)

efímera2, se logra la comunicación -en palabras (DIDI-HUBERMAN, 2014: 113). Desde nuestro
benjaminianas- como un recuerdo que relam- punto de vista, creemos por tanto que la ima-
paguea en un instante de peligro, y desenca- gen del desaparecido funciona como marca
dena la reflexión crítica que puede ascender al de la presencia ausente o de la ausencia pre-
desarrollo de acciones, fuera de las estructuras sente, al mostrar lo inexpresable3 interpela al
políticas formales. transeúnte y los pone en situación de mirados
aquellos que -a causa de la estrategia de fun-
Sobre lo expuesto, Georges Didi-Huberman dar la permanencia en el olvido o en enajena-
(2014) habla del poder de la experiencia y de miento- no quieren ver la continuidad de la
la memoria involuntaria en la mirada crítica, máquina represiva, en la democracia.
y nos habla -en una interpretación benjami-
niana- de “una imagen que critica nuestras El desaparecido fue ausentado mediante
maneras de verla en el momento que, al mi- violencia. Queda un rastro de su existencia,
rarnos, nos obliga a mirarla verdaderamente. representada en la visualidad; un resto, una
Y a escribir esa misma mirada, no para “trans- huella, un vestigio de lo inexpresable, que lo
cribirla” sino ciertamente para constituirla.” semantiza con posibilidad de acción crítica. En

2 - Por ejemplo, las intervenciones reemplazando publicidades, dónde lo que prima es la oportunidad de traspase que las altera y re-ins-
cribe sentidos, y es una intervención efímera en función del deterioro o de la re-ocupación espacial en las vallas de publicidad.
3- La representación de la ausencia en el arte, según Eduardo Grüner tiene un concepto kantiano del sublime: “es la expresión de lo
inexpresable, la representación de lo irrepresentable, más aún: la presentación (o la presentificación) de lo impresentable.” (GRÜNER,
2001: 24).
- 202 -

Foto del Coletivo Projetação, Rio de Janeiro – año 2013 (video-proyección, Coletivo Projetação)

Foto de Pablo Russo, Argentina – año Imagen de André Buika, São Paulo – año 2014 (diseño
desconocido (stencil en espejo, SDA) para sticker/stencil, André Buika)

palabras de Adriana Acosta (2012) sobre la vi-


sualidad contemporánea fundada en “actos de La emergencia de una estética de resistencia
ver” y “modos de hacer” -que incluye la imagen política en ese lugar límite requiere pensar
electrónica4-, esa potencia crítica se asume no solamente a la imagen arrojada a la esfera
pública como también la política cotidiana, en
“haciendo un llamado ya no sólo para revisar las la dialéctica de las calles, así como la de Inter-
imágenes tratando de leerlas, decodificarlas, net y las redes. Tales prácticas son eficaces en
convertirlas y/o equipararlas al texto, ver lo que la medida de la apropiación del reclamo -con
representan sino para detenerse en la mirada, co- su consecuente inscripción en el imaginario
menzando por reflexionar sobre la manera misma social- y las líneas de relación tejidas por la
como nos acercamos a ellas” (ACOSTA, 2012). construcción de redes, que funcionan como

4 - Puesto que consideramos la web como un espacio público, también mencionamos la imagen electrónica como registro y/o producción
y circulación de intervenciones estéticas efímeras, igualmente sujetas tanto a la reproductibilidad y la posibilidad de manipulación como
a la vigilancia y censura.
- 203 -

Imagen de internet (SDA), Argentina – año desconocido Foto Leo Ramos, Argentina – año 2009 (intervención
(pancartas con stencil) con sticker en ventanilla de ómnibus, Leo Ramos)

cajas de resonancia para la protesta. En este bou?”, “sin López no hay justicia”, “somos
sentido, las inscripciones “Sin López, no hay todos Amarildo”.
nunca más” y “Somos todos Amarildo” resultan
de un abordaje crítico y creativo desde la com- Al mirar las representaciones de la ausencia de
plejidad de un espacio devenido político, no Julio López y Amarildo de Souza, el relato más
institucionalizado, y la agencia en la produc- corriente en las visualidades es la permanen-
ción cotidiana, individual y colectiva, anónima cia de la represión vía mecanismos de poder y
y autónoma, de acciones de disidencia y for- la fuerza policial, que recurre a las mismas ac-
mas de representar resistencia en prácticas ciones de un período pasado de configuración
que subvierten el orden y logran la agitación, de Estado – dictatorial – y sus políticas5.
desde la irreverencia de sus tácticas.
En segundo lugar, estas intervenciones estéti-
Reflexiones cas que representan una presencia de aquellas
ausencias también dicen de los lugares ya no
Al utilizar estos recursos simbólicos con in- habitados en una reasignación que se elabora
tencionalidad crítica el productor rompe con en lo que a su vez también suma en la construc-
la impunidad al representar la realidad no en ción del espacio público re-significado: “Acá
su cara “oficial” sino, en oposición a esta, en falta López”, “Amar é, A Maré, Amarildo”.
la que es fragmentada e inestable, y a la vez
materia para esta producción de visualidades. En esta mirada de las visualidades, la percep-
Además, como herramientas de expresión ción es diferente de la interpretación: la pri-
y resistencia visual, son prácticas estéticas mera va hacia reconocer los motivos mientras
apropiables y reproducibles de manera que que la segunda nos guía hacia comprender el
la construcción de sentido/significado con- mensaje, su carácter simbólico y objetivo, con-
lleva la promoción de un gesto que, ante la notado (retórico) y denotado (literal). Entonces
pregunta o la pregunta por la aparición con interpretamos el contexto político de los even-
vida, interpela y activa la consciencia sobre la tos de violencia en la desaparición forzada al
violencia. Así las contradicciones de la historia percibir como se manifiesta la ausencia y la
del tiempo actual, basadas en el sentido que el presencia, en el poner el cuerpo6 y en el mul-
otro -este que está ausente- está siempre pre- tiplicar las caras, y en el dar resonancia a las
sente, nunca borrado; los restos de lo real lle- preguntas por la presencia y las afirmaciones
vados a las paredes para movilizarnos sobre la de la ausencia, en los muros, en las paredes y
violencia en momentos de cuestionamientos y también en las sombras y vacíos.
turbación sobre lo ocurrido: “a ditadura aca-

5 - Señalamos que hay un tiempo subjetivo subyacente puesto que estos eventos están relacionados con una práctica de la desaparición
forzada de personas, la violencia (tortura y muertes) y violación a los derechos humanos establecida durante la última dictadura, que 40
años después todavía sigue sin resolver y generando más víctimas, más ausentes, más preguntas (dónde está) y más afirmaciones (falta).
6- Así como también en el simular del cuerpo, a ejemplo del Siluetazo, y en este sentido consideramos el hecho de que un cuerpo pueda
haber servido de modelo y escala para elaborar las siluetas.
- 204 -

Sostenemos que el Street-art genera agre- del arte intervienen en la división de lo sen-
gaciones temporarias y habla a través de los sible y en su reconfiguración, en el que re-
lugares en los recorridos cotidianos, con las cortan espacios y tiempos, sujeto y objetos, lo
tácticas de territorializar – e interrogar sobre común y lo particular” (RANCIÈRE, 2005: 15).
las desapariciones “¿dónde está?” o afirmar La comunicación que brinda esta articulación
que “acá falta”. Sobre esa cuestión (streets are – re-conceptualizada por el Street-art, y dife-
saying things) consideramos el aspecto de la rente de la estetización y de la politización- en
producción de efectos, en la emergencia de los ámbitos que surgen, conlleva a la percep-
una resistencia visual: apropiación simbólica, ción y construcción de sentidos, su análisis y
representación y circulación de las interven- entendimiento en un proceso hermenéutico
ciones negociando en las fracturas del espacio que se da con la reinscripción de la memoria,
público los restos de la experiencia (la violen- de meta-memorias, a través de la enunciación
cia “Democracia é tomar tiro?”, la desapa- sobre el recuerdo y reclamo de las desapari-
rición “Onde está o Amarildo?”, la ausencia ciones forzadas - dinámicamente reforzadas
“Falta López.”). con la producción y reproducción de visuali-
dades, a modo de apariciones sociales por me-
Por ello, consideramos que se trata también de dio de esas intervenciones estéticas.
una construcción del espacio público dejar un
asiento “ocupado” por una presencia ausente – Concluimos por tanto que la agencia de los
enmarcada por un cartel, una foto, en la más- productores de visualidades que intervinien
cara del rostro, o en el vacío solemne. También estéticamente en el espacio público con inten-
se está construyendo el espacio público con cionalidad de acción o práctica activista acer-
la masiva presencia de un mismo rostro, con- ca la política a los espacios de recorrido de la
vocando repetitivamente aquella ausencia vida cotidiana, rompe con la homogeneización
que dice “Somos Todos” a la vez que interpela e incide sobre la crítica. Así, nos apropiamos
“Onde/Dónde está?” y responde “Falta”. del conflicto en la emergencia de esa expre-
sión de reclamo y memoria, de materialidades
Nos hemos referido al lugar límite para ma- efímeras pero de resistencia latente que logra
nifestar, confrontar y criticar, provocando de esta manera finalmente transmutar nues-
al imaginario la concepción de nuevos signi- tra comprensión de lo político.
ficados que controviertan lo instituido en el
espacio público como ámbito de coexistencia.
También presentamos maneras de utilización
del Street-art en esa re-significación del espa-
cio público que lo re-territorializa como zona
de paradojas, y vimos como la circulación de
visualidades constituye un gesto para la re-
flexión sobre los hechos de violencia y desa-
parición forzada de personas en democracia,
con una intención de micro-política y poder
imperceptible que se camufla bajo la visuali-
dad al establecer puentes en la cotidianeidad
para recuperar y reconfigurar meta-memo-
rias en una intervención efímera que irrumpe
en lugares inesperados.

Con estas formas, territorializa apelando a la


memoria, en un proceso de construcción de
relatos activados con la mirada, y de narra-
tivas desencadenadas desde la percepción e
identificación, y a pese a que esta sería una
reivindicación de lo político es la visualidad,
estética-crítica-política, lo que vuelve “visible
lo que no se veía” (RANCIÈRE, 2005: 52).

En este punto ponemos de vuelta en conver-


sación la relación estética con lo político, en la
que “las prácticas y las formas de visibilidad
- 205 -

Referencias Roberta Rodrigues

· ACOSTA, Adriana Marcela Moreno. Una po- Master en Relaciones Internacionales – Estu-
sible aproximación al estudio de las visuali- dios de Paz y Resolución de Conflictos (Uni-
dades contemporáneas. Revista Tram(p)as de versidad del Salvador, Argentina). Trabaja en
la comunicación y la cultura. No. 73/ noviem- el área de Desarrollo y Cooperación Regional
bre-diciembre, 2012. en Montevideo, Uruguay. Académicamente
investigó y publicó sobre subjetividades, géne-
· CAMNITZER, Luis. Dialéctica de la Libera- ro e integración regional, y sobre movimientos
ción. Arte conceptualista latinoamericano. 1a. sociales y derecho a la ciudad, autogestión y
ed. Casa Editorial HUM: 2008. formas alternativas de trabajo.

· DE CERTEAU, Michel. The practice of every-


day life. Berkeley: University of California
Press, 1988.

· DIDI-HUBERMAN, Georges. Lo que vemos, lo


que nos mira. 1ª. Ed. 4ª reimp.- Buenos Aires:
Manantial, 2014.

· MOUFFE, Chantal. Agonistics. Thinking the


world politically. Londres: Verso, 2013.

· GLEATON, Kristina. Power to the People:


Street Art as an Agency for Change. Thesis for
degree of Master in Liberal Studies at Univer-
sity of Minesotta. 2012.

· GRÜNER, Eduardo. El sitio de la mirada, Bue-


nos Aires: Norma, 2001.
- 207 -

INTERVENCIONES MONTEVIDEANAS: AS FRASES DESENHADAS PELOS


MUROS DA CIDADE, SEUS AUTORES E SUA RECEPTIBILIDADE

Maurício Fernando Schneider Kist - FAV/UFG

RESUMO RESUMEN

Palavras-chave: Visualidades; Narrativas; Palabras-clave: Visualidades; Narrativas; Re-


Relações sociais cotidianas laciones sociales cotidianas

O papel da arte de transformar a realidade ins- El papel del arte de cambiar la realidad provo-
tigou a pesquisa proposta para o Programa de có la investigación propuesta para el Programa
Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da FAV/ de Pos-graduación en Arte y Cultura Visual de
UFG, com início em 2016. A escolha de Monte- la FAV/UFG, con inicio en 2016. La elección de
vidéu para o estudo de campo se deu em razão la ciudad de Montevideo para el desarrollo del
da relação pessoal com uruguaios que integram estudio de campo se dio por razón de la relación
coletivos responsáveis por intervenções visuais personal con uruguayos que integran colectivos
pela cidade. As visualidades produzidas pelos responsables por intervenciones visuales en la
coletivos escolhidos para a interação na pesqui- ciudad. Las visualidades producidas por los co-
sa serão o corpus do estudo, porém, ele não exis- lectivos elegidos para la interacción en la inves-
te de forma isolada, por isso, o processo comuni- tigación serán el corpus del estudio, él no existe
cacional e histórico envolvido na criação desse de manera aislada todavía. El proceso comuni-
sujeito é de fundamental importância, assim cacional e histórico involucrados en la creación
pode-se configurar a narrativa existente, forma de este sujeto es de fundamental importancia,
artesanal de comunicação, e conformar comple- así se puede configurar la narrativa, forma ar-
ta e verdadeiramente o estudo de visualidade tesanal de comunicación. Mencionado proceso
pretendido. A inter-relação dos elementos que existente conforma completa y verdaderamen-
conformam o viver da sociedade está em jogo- te el estudio de visualidad pretendido. La in-
o trânsito entre os contextos culturais de trans- ter-relación de los elementos que conforman el
missão e recepção de ideias através das visua- vivir de la sociedad es lo que se plantea; el trán-
lidades produzidas pelos grupos/movimentos sito entre contextos culturales de transmisión y
sociais formam redes. Porém, quais discursos recepción de ideas, tras las visualidades produ-
procedem da cultura visual nas ações estuda- cidas por los grupos/movimientos sociales, crea
das dos movimentos sociais? Que processos his- una red de inter-conexión. Sin embargo, ¿cuáles
tóricos nos ajudam a contextualizar as ações e a podrían ser los discursos de la cultura visual que
própria existência dos grupos sociais? Em que explicarían las acciones estudiadas de los movi-
instâncias essas ações agem? Esses questiona- mientos sociales?, ¿qué procesos históricos nos
mentos nos movem em direção às fontes produ- auxilian a contextualizar las acciones y la propia
toras de saberes: os movimentos sociais. Essas existencia de los grupos sociales?, ¿en qué casos
perguntas nos fazem ir além, imbricar-nos no estas acciones actúan? Estos cuestionamientos
mundo da produção, conhecermos as ideias an- nos llevan en dirección a las fuentes generado-
tes da tinta se espalhar, os interesses, as angús- ras de saberes: los movimientos sociales. Estas
tias, os desejos, para depois, tomarmos a ponte preguntas nos hacen ir más lejos, nos hacen im-
que nos levará para o estudo da receptibilidade. bricar en el mundo de la producción; conocer las
ideas antes de la propagación de la tinta, los in-
tereses, las angustias, los deseos, para después,
seguirnos en el puente que nos llevará para el
- 208 -

Figura 1 – 6% para ANEP y UdelaR. Cerro, Montevideo, UY.


Fonte: Foto do autor.

Figura 2 - Regasificadora. Cerro, Montevideo, UY.


Fonte: Foto do autor.
- 209 -

Figura 3 – Olvidos y memórias. Cerro, Montevideo, UY.


Fonte: Foto do autor.

Figura 4 - #Yoapoyo. Cerro, Montevideo, UY.


Fonte: Foto do autor.
- 210 -

Figura 5 – Propriedades abandonadas. Cerro, Montevideo, UY.


Fonte: Foto do autor.

Figura 6 – Contra el ajuste y la represión. Cerro, Montevideo, UY.


Fonte: Foto do autor.
- 211 -

Figura 7 – ¡Siembra rebeldía y cosecha libertad! Cerro,


Montevideo, UY.
Fonte: Foto do autor.

Figura 8 - Aborto. Montevideo, UY.


Fonte: Facebook de Eleonor Gutiérrez
- 212 -

Figura 9. Cannabis. Montevideo, UY.


Foto: Facebook de Eleonor Gutiérrez

estudio de la receptibilidad. dade de Montevidéu, registrando-as e compi-


Es obvio que no todas las imágenes, objetos y ar- lando-as, contextualizando os autores envol-
tefactos que portan o median la imagen visual vidos na produção e na recepção, percebendo
pueden considerarse parte de un proyecto de a permeabilidade, intenções, legitimações,
cultura visual. Por esto, un proyecto respecto a resistências, entrecruzamentos e interesses,
la construcción de repertorios de cultura visual se tornou o caminho a seguir. Estudar a am-
en una ciudad tiene una necesaria relación con plitude dos produtos/produções no campo da
aquellos entornos que refieren, esencialmente, cultura visual, dos movimentos sociais e dos
las identidades, en este caso, de los ciudadanos contextos educacionais das visualidades que
de Montevideo. (MIRANDA, 2014, p. 18). nos deparamos ao andar pelas ruas da capital
uruguaia nos faz continuar o caminho.
A proposta de pesquisa, problemas, objetivos
e possibilidades metodológicas apresentadas Visualidades, entendidas aqui como imagem,
neste artigo são frutos de sementes germina- peças, itens, elementos, artefatos visuais, não
das em um caminho trilhado numa disciplina simplesmente representam ou ilustram con-
chamada Arte e Visualidades Populares, no ano textos ou situações, mas simbolizam vivências
de 2015, na Faculdade de Artes Visuais da Uni- e carregam significados de vida. A pesquisa
versidade Federal de Goiás, conduzida pela Dra. dos produtos, dos autores, dos receptores, das
Lêda Guimarães. Nesta disciplina foi realizado condições de produção, de recepção, de supor-
um trabalho de produção de textos a que foram te permite possibilitar cruzamentos de contex-
sendo gerados a partir de imagens de festas tos sociais e de produções de significados, de
populares desalojando os sentidos já fixos de re- identidades dos coletivos e, como expressam
presentação identitária locais. As inquietações Irene Tourinho e Raimundo Martins (2013), de
geradas pelo exercício com imagens naquele transformar as experiências culturais.
ano, instigaram a continuação para a proposta
de pesquisa ora relatada, porém, em um contex- As visualidades produzidas pelos coletivos es-
to não de festa, mas de resistência popular, não colhidos para a interação na pesquisa serão o
no Brasil, mas no Uruguai. corpus do estudo, porém, ele não existe de for-
ma isolada, por isso, o processo comunicacional
Estudar frases desenhadas em muros na ci- e histórico envolvido na criação desse sujeito
- 213 -

é de fundamental importância, assim pode-se poder, que o governo “se había prestado a la
configurar a narrativa existente, narrativa, estrategia de división de los pueblos”. (MOREI-
que pra Benjamin (1994 apud DUTRA, 2002) RA, 2010, p. 285).
é a forma artesanal de comunicação, e confor-
mar, a partir de então, completa e verdadeira- Nesse contexto histórico das questões sociais e
mente o estudo de visualidade pretendido. dos movimentos populares onde a “América La-
tina ha sido atravesada por el auge de las mo-
Primeiros passos vilizaciones sociales donde actores de orienta-
ción contra hegemónicas buscan expresar sus
O Uruguai, país pertencente ao grupo Merca- intereses, demandas y objetivos” (MOREIRA,
do Comum do Sul – MERCOSUL, faz fronteira 2010, p. 283), adentramos, mais precisamen-
com a Argentina e com o Brasil em duas de te, à justificativa da importância do estudo das
suas três linhas que desenham sua configu- ações que tais grupo promovem no contexto
ração geográfica. A terceira, correspondente a atual, mais especificamente as frases pintadas
660km, é de costa litorânea. Numa superfície e grafitadas pelas ruas de Montevidéu que con-
total de mais de 176 mil km², segundo dados vergem em “[...] un recurso, muchas veces de
do Consulado Uruguaio (2015?), esse país que, lucha, de protesta. [Siendo que] Hay movimien-
nas palavras de Pepe Mujica, é “un barrio de tos políticos e independientes básicamente.”
San Pablo pero [...][está] en una esquina impor- (BUSQUÉ, 2015) que se utilizam desse recurso
tante" (CLARÍN, 2008), passou por transfor- visual para levar a cabo seus interesses; mais
mações sociais ao longo dos últimos 15 anos, ainda, a discussão dos problemas propostos
no governo frenteamplista, que deixou sua pelos grupos a partir das imagens geradas pela
população de 3.286.314 pessoas (INE, 2012) luta e pelos protestos.
dividida, bem como alardeou grupos sociais,
políticos e administrativos de diversas nações. Maria da Glória Gohn afirma que

Montevidéu, o menor dos 19 departamentos Uma das premissas básicas a respeito dos mo-
que compõem o país, abriga a capital da Repú- vimentos sociais é: são fontes de inovação e
blica e concentra, com dados do Instituto Na- matrizes geradoras de saberes. Entretanto, não
cional de Estatísticas (2012), 40,14% da popu- se trata de um processo isolado, mas de caráter
lação total uruguaia, sendo 98,94% urbana, o político-social. Por isso, para analisar esses sa-
que equivale a 1.305.082 pessoas, das quais, beres, deve-se buscar as redes de articulações
104 são oficialmente moradores de rua. que os movimentos estabelecem na prática co-
tidiana e indagar sobre a conjuntura política,
Indo além, explorando mais que dados geo- econômica e sociocultural do país quando as
gráficos e populacionais sobre o país, podemos articulações acontecem. (2011, p. 333).
adentrar no tema dos movimentos populares
e das lutas sociais que, conforme Moreira Logo, a busca por esses saberes implica em
(2010), a partir de 2007 tiveram polarizações uma busca pelo contexto em que as ações
sociais de grande marca oriundas dos próprios promovidas estão inseridas, as vontades, as
apoiadores do partido Frente Amplio. receptividades das visualidades, razões desse
estudo, e a busca, conforme Aldo Victorio Fil-
Para entender melhor a constituição dos mo- ho e Marcos Balster Fiore Correia (2013), pe-
vimentos sociais atuais no Uruguai e aclarar las relações construídas nas tessituras da pro-
a que esse trabalho pretende vir, nos valemos dução da imagem e as marcas provocadas em
das explicações de Moreira (2010) que con- quem as absorve, os modos de ver, que podem
textualiza a situação política, econômica e até refazer e reconfigurar em muitas manei-
social onde, a partir de 1970, o Estado social ras as intenções dos autores, já que
iniciado no governo de José Batlle y Ordóñez
causa rupturas nas necessidades básicas da La construcción de las identidades culturales en
população e abre brechas de desigualdades las ciudades se implica con las manifestaciones
sociais. Dando um salto para 2007, chegamos y producciones que concentran, fundamental-
ao momento em que movimentos sociais, am- mente, elementos de valor estético –sean éstas
bientalistas e centrais únicas de trabalhado- producto de los lenguajes del arte, sean otras
res se reúnem pela capital uruguaia para pro- vinculadas a la cultura popular, a los medios
testar contra as políticas adotadas pelo chefe masivos de comunicación, a las corporaciones, a
do Executivo, onde afirmam, os grupos sociais las expresiones callejeras más espontáneas o a
e os grupos apoiadores do próprio partido no formas regladas de modificación del espacio ur-
- 214 -

bano –, y esto es fundamental para la selección y Dewey, por Schusterman, onde devemos
delimitación de los contenidos de investigación. [...] privilegiar a experiência estética dinâmica
(MIRANDA, 2014, p. 19). sobre o objeto material fixo, que nosso pensa-
mento convencional identifica com a obra de
As frases que se propõe estudar estão em um arte [...] [porque] a essência e o valor da arte não
“[...] espacio privilegiado, individual y colecti- residem nos simples objetos que vemos habi-
vamente, de producciones e intervenciones tualmente como sendo arte, mas na dinâmica e
visuales [...]” (MIRANDA, 2014, p. 19), sendo no desenvolvimento de uma atividade experi-
que pensar essas intervenções sociais do cam- mental, através da qual eles são criados e perce-
po da cultura visual sob a ótica da intervenção bidos. (1998, p. 258).
geradora de uma experiência estética capaz
de mudar o contexto urbano como forma lúdi- Os trânsitos e fronteiras relativos à cultura
ca da criação da cidadania (GIANOTTI, [2015?]) visual e educação, presentes no livro Trânsito
nos permitirá um trânsito entre os contextos e Fronteiras em Educação da Cultura Visual
culturais de transmissão e recepção de ideias de Raimundo Martins e Alice Fátima Martins
através das visualidades. (2014) nos indicam a “diferenciar la ocurren-
cia de la experiencia visual en un sentido que
A fonte de interesse pelo estudo das visualida- trasciende la mera experiencia de ver” (MI-
des em um contexto de formação diferente do RANDA, 2014, p. 15), e nos permite chegar ao
que se vive se dá porque “desterritorializar-se objetivo deste projeto, “Es decir, también con
pressupõe uma reterritorialização, que inclui su producción, el contexto de realización, la
pensar o mundo e a si próprio desde uma ou- experiencia que provocan, las interpretacio-
tra postura, que busca uma experimentação.” nes que conllevan.” (MIRANDA, 2014, p. 24).
(NUNES, 2013, p. 6).
Quando falamos em analisar a arte, ou as ex-
Por onde andamos pressões visuais, resultado de ações, enten-
demos que existem atores envolvidos nesse
O que embasa esse projeto constitui-se de processo. E eles são os movimentos sociais.
envolvimentos no campo da cultura visual, Para nos ajudar nesse entendimento do que
dos movimentos sociais e das narrativas pro- são movimentos sociais, no valemos de Maria
duzidas pelos atores dessa história. Mais pre- da Glória Gohn, que nos diz que “Nós os enca-
cisamente, constitui-se das relações entre vi- ramos como ações sociais coletivas de caráter
sualidades e contextos político-sociais. “Dessa sociopolítico e cultural que viabilizam formas
forma, a exploração das imagens, para além distintas de a população se organizar e ex-
das suas superfícies visuais, promete entendi- pressar suas demandas”. (2011, p. 335).
mentos importantes nas investidas investiga-
tivas das relações sociais cotidianas.” (VICTO- Assim, quando falamos de cultura visual,
RIO FILHO; BERINO, 2007, p. 11). obrigamo-nos a ultrapassar a noção de arte
e de artístico fazendo referência a todas as
Aprofundando mais na temática das pro- manifestações correlatas aos eventos onde a
duções visuais, resultado das ações de movi- informação, o significado, o prazer, etc., são
mentos sociais, Schusterman, quando analisa buscados e encontrados pelo espectador; e é o
o pragmatismo de Dewey, afirma que desafio penetrar na análise e na interpretação
de situações, expressões e todo e qualquer
[...] os valores estéticos nunca podem ser fixa- tipo de representação visual, ainda que sem
dos de maneira permanente pela arte ou pela o objetivo artístico em sua concepção, permi-
crítica, mas devem ser continuamente testados tindo a experiência estética em diversas loca-
e experimentados, podendo ser revertidos pelo lizações (Miranda, 2007).
tribunal das percepções estéticas transitórias.
(1998, p. 249). Pablo Leandro Díaz e Víctor Adrián Díaz
(2011) afirmam que as culturas populares
Mais adiante Schusterman complementa, “O concentram suas buscas na (re) construção
papel da arte – assim como o da filosofia – não de teias de sentido e na (auto) reafirmação de
é criticar a realidade, mas transformá-la; e suas próprias identidades. Quando os autores
poucas mudanças podem ser feitas se a arte se perguntam se é possível que os movimentos
se mantém enclausurada.” (1998, p. 252). A sociais sejam espaços educativos e constituam
cultura visual, para além da simples visua- sujeitos pedagógicos, fundamentam-se em
lidade, compactua da análise da estética de Paulo Freire, onde,
- 215 -

do entendimento dos contextos a que estão


[…] la necesidad fundamental que tiene el edu- vinculadas. Veja bem, elas não são a capa re-
cador popular [es la] de comprender las formas presentativa dos contextos, mas a estrutura
de resistencia de las clases populares [...]. No es do acontecimento.
posible organizar programas de acción políti-
co-pedagógica sin tomar seriamente en cuenta As fronteiras onde perambulam os discursos
las resistencias de las clases populares. (1996 do cultural territorializa contrastes, compa-
apud Díaz; Díaz, 2011, p. 4). rações e assimilações que negociarão dentro
de culturas diferentes novos passos a pro-
Para refletirem, afinal, que cessos sociais (VICCI, 2007); Na mesma pers-
pectiva que Gonzalo Vicci discorre sobre os
Las acciones colectivas más o menos organi- caminhos para análise das culturas contem-
zadas [...] incluyen y adoptan a la educación porâneas, ousamos a aproximação ao discurso
popular como metodología de trabajo grupal y de Irene Tourinho e Raimundo Martins onde
estrategia de funcionamiento interno. El auto- “A pesquisa em cultura visual estuda “visua-
conocimiento de los sujetos (como lo sugiere Sa- lidades” e artefatos visuais compreendidos
lazar) ha mejorado la autocrítica y el resultado através de situações e circunstâncias de cons-
de las acciones. (DÍAZ & DÍAZ, 2011, p. 6). tante conflito [...]” (2013, p. 64), resultando no
encaminhamento de estudo de fatias e as-
Aldo Victorio Filho e Marcos Balster Fiore Co- pectos de culturas, onde as imagens mediam
rreia (2013) englobam toda produção visual significados e cada interpretação é um visão
caracterizadora de um grupo social produtor de pensamento do indivíduo, um pedaço sub-
e consumidor, cuja lida, atravessamento e jetivo de uma realidade, de um contexto e de
atingimento de determinadas imagens nesse uma comunidade.
grupo gera a vivência das decorrências desse
contato à cultura visual. Os autores seguem Quando Aldo Victorio Filho e Marcos Bals-
afirmando que “A pesquisa na cultura visual ter Fiore Correia exploram as explicações
buscaria elucidar questões afetas ao uso, inte- de Chauí (1997) sobre o pensamento aristo-
ração, criação e demais relações com as ima- télico postulante das cinco modalidades de
gens visuais [...]” (2013, p.51), quando essas imaginação para deflagrarem possibilidades
são também charadas em razão da expansão metodológicas de pesquisa em/com imagens,

Figura 10 – Esquema de investigação.


Fonte: Elaborado pelo autor.
- 216 -

destacamos a observação que os autores e pedagógicos.” (2013, p. 113).


fazem da imaginação irrealizadora, a qual, na
sequência, dialoga com a figura 10, Esquema FILHO, 2016) na “experiência estética como
de investigação: prolongamentos que provocam encontros”
(MARTINS, 2016), nos fazem propor novos
Deslindar as potências e os efeitos das imagem caminhos de exploração: quais são as frontei-
exige, reiteramos, a estreita observação dos ras onde essas produções estão? Quais são os
sujeitos que as criam e das condições e proje- fatores geradores nessa cultura visual? Qual a
tos a que se vinculam, bem como dos sujeitos relação entre imagem e pensamento(s)? Como
a que elas são oferecidas e das maneiras como eu e tu olhamos para essas imagens/visuali-
são consumidas, utilizadas ou fruídas, pois, de- dades? Como eu e tu interagimos com elas? O
pendendo das práticas, frequência e demais que não conseguimos ver? Como e quais pro-
relações com o mundo imagético, o modo de ver cessos de mediação acontecem das ideologias
interage em menor ou maior grau na elaboração de quem produz para quem é atravessado/
de cada imagem que encontra. (VICTORIO FIL- fruído/fluído pelas imagens produzidas nesse
HO; CORREIA, 2013, p. 55). estudo de cultura visual?

Os interesses presentes em todos os âmbitos Esses novos questionamentos não excluem,


desse trabalho, dos grupos produtores de vi- mas sim, somam-se aos iniciais. As propostas
sualidades, dos grupos receptores de visualida- metodológicas não são claras, nem devem ser,
des, do entrecruzamento deflagrador da per- dada a imaturidade do projeto. O caráter cam-
meabilidade da visualidade, das visualidades biante próprio da pesquisa em cultura visual,
para com os grupos abrangidos, meu com ele, a abertura aos tropeços que nos redirecionam
com os grupos e com as visualidades, são ínti- e aos novos conhecimentos gerados da adap-
mas relações entre produto/produtor/receptor tação, do ajuste e das alterações das formas
– o receptor aqui pode e deve ser interpretado de indagação refletidas em novas formas de
como fruidor, como utilizam Aldo Victorio Fil- narrar a investigação (MARTINS; TOURINHO,
ho e Marcos Balster Fiore Correia, 2013, p. 53, 2013) nos enche de incertezas, mas também
uma vez que os objetos da cultura visual não se de esperanças.
detêm no terceiro círculo azul, grupo receptor,
mas, sim, são experienciados por ele, circulam Referências
por ele, por outros como ele, retornam para
seus produtores, podendo, também, ressignifi- · BUSQUÉ, S. Movimentos sociais: depoimento.
car sua própria existência –. 11 set. 2015. Entrevista concedida a M. F. Sch-
neider Kist.
Nas fronteiras que perambulam os interesses,
interesses que Victorio Filho e Correia (2013, · MARTINS, R. Los desafios próximos de la
p. 53) relacionam com a problemática da “di- investigación: contenidos y estratégias de
ferença”, a reconfiguração da subjetividade se creación de conocimiento em acciones cola-
faz presente; assim como a tensão pedagógi- borativas. In: V COLOQUIO INTERNACIONAL
ca do ser artista e do ser professor, discutida EDUCACIÓN Y VISUALIDAD. Montevidéu.
por Tatiana Fernández e Belidson Dias (2014), Conferência... 2016.
leva o educador em visualidade a explorar te-
rritórios de diferenciação e dissidência atra- · VICTORIO FILHO, A. Los desafios próximos
vés das formas de ver, interpretar e fazer, de la investigación: contenidos y estratégias
essa pesquisa também necessita percorrê-lo. de creación de conocimiento em acciones co-
Ver e interpretar conectados aos conceitos de laborativas. In: V COLOQUIO INTERNACIONAL
Différance de Derrida (1973 apud FERNÁN- EDUCACIÓN Y VISUALIDAD. Montevidéu.
DEZ; DIAS, 2014) denotam à distinção do cria- Conferência... 2016.
do pelo confronto ao questionar os conceitos
de verdade onde em tempos vindouros, a par- · CLARÍN, G. Grupo Clarín. Uruguay: Muji-
tir da reconfiguração da subjetividade dada ca dijo que hay que "abrirse" del Mercosur.
pelo processo da sua “reterritorialização e res- 14 ago. 2008. Disponível em: <http://edant.
singularização” (2013, p.113), uma nova ver- clarin.com/diario/2008/08/14/elmun-
dade, quando se requer “pensar no público/ do/i-01737122.htm>. Acesso em: 12 set. 2015.
espectador/estudante como coautor, co-cons-
trutor, produtor, e pós-produtor dos objetos da · DÍAZ, P. L.; DÍAZ, V. A. Educación, movimentos
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- 219 -

ESTÉTICA Y POLÍTICA. UN ESTUDIO DE LAS PRÁCTICAS


ARTÍSTICO-POLÍTICAS EN URUGUAY, ARGENTINA Y CHILE
DURANTE LOS AÑOS 70 Y 80

May Puchet - IENBA - UDELAR

Este texto forma parte de la presentación En este ejercicio de comunicar y compartir los
realizada en el V Coloquio Internacional “Edu- avances de la investigación, espero acercar-
cación y Visualidad. Investigaciones pedagó- me un poco más a las posibles respuestas.
gicas en contextos hipervisuales” y que fuera
expuesta como avance de mi tesis de Maes- Apuntes sobre la relación arte y política
tría, la cual trata sobre las prácticas artísticas
contemporáneas que adoptaron modos estra- Desde una perspectiva histórica la noción de
tégicos de expresión y de resistencia crítica arte político ha reducido su concepción a una
en el marco de las dictaduras militares en la adjetivación del arte, esto es cuando el arte se
región. En la ponencia me centré en un aspec- diferencia como una forma para divulgar un
to de la tesis que refiere al uso de la metáfora contenido de interés político o persigue una
y lo visual en contextos socio-políticos repre- pretensión de incidencia real en lo social. De
sivos. Además será esbozado en el presente este modo “lo político aparece entonces como
trabajo y a modo de introducción un tema fun- una exterioridad a la que la voluntad del artista
damental para mi investigación: la reconcep- apelaría para manifestar su compromiso con la
tualización de la relación arte-política. esfera social” (Vindel, 2010:19). Esta reducción
ha sido discutida por teóricos que profundizan
El objeto de la investigación tiene como fuen- en el estudio de ese vínculo y en términos con-
te el análisis de las prácticas colectivas de los temporáneos ya no se concibe este tipo de arte
grupos Octaedro, Los Otros y Axioma (Uru- como portador de un mensaje representativo
guay), el Colectivo Acciones de Arte - CADA de una clase social, ni tampoco como instru-
(Chile) y la acción denominada El Siluetazo mento de cambio, es decir; aquello considerado
(Argentina). Estas prácticas artísticas visuales culturalmente vanguardista según se sostuvo
situadas en contextos de los regímenes dic- insistentemente a partir del discurso moder-
tatoriales instaurados en Uruguay de 1973 a no. Cuando se dice “contemporáneo” refiero a
1985, en Argentina de 1976 a 1983 y en Chile un giro importante que comienza a gestarse
de 1973 a 1990, promovieron ciertas estrate- a principios del siglo XX y se consolida en su
gias conceptualistas como recurso expresivo segunda mitad que tiene como base la consi-
que las vincula en sus prácticas estético-polí- deración de una insuficiencia en los discursos
ticas. Dichas prácticas artísticas son revisita- -en este caso sobre el arte- hasta esos momen-
das como modo de acercarnos y repensar la tos proclamados. Más adelante definiré al arte
historia reciente desde una mirada crítica. El contemporáneo y cómo se relaciona con la con-
recorte temporal está situado entre las déca- dición política de lo artístico.
das del 70 y 80, porque es cuando se concen-
tra la producción de estos colectivos artísticos. Por otra parte la incidencia de los importantes
Para el comienzo de la investigación realicé cambios producidos durante el siglo XX, ya
las siguientes preguntas: ¿cuáles fueron los manifestados por Walter Benjamin en 1936
modos de expresión artísticas surgidas en el en su ensayo “La obra de arte en la época de
contexto de las dictaduras latinoamericanas? su reproductibilidad técnica”, demuestran que
¿Se encuentran en estos modos caracterís- los contenidos del arte, así como su definición,
ticas particulares en función de la relación varían según las diferentes condiciones de
arte/política? ¿En qué condiciones aparece la producción, circulación y recepción de la obra
metáfora como recurso estratégico y estético? de arte, por lo tanto las categorías de análisis
- 220 -

también deberían cambiar, o por lo menos arte mimético como el patrón claro de repre-
cuestionarse. Así expuesto se trataría de una sentación. Por otro lado la experiencia estéti-
noción de arte situado en contextos históricos ca -que no se asemeja a ninguna concepción
y sociales, lo que permite estudiarlo no desde esteticista- es la experiencia del disenso,
el producto en sí, sino desde sus prácticas de donde se fractura lo real y se multiplica, es
producción visual y cultural en las diversas decir una experiencia que provoque relacio-
temporalidades. Esta concepción se alejaría nes nuevas entre la apariencia y la realidad,
de la idea objetualista del arte que concibe la produciendo así lo polisémico y discrepante.
historia “como una sucesión de objetos genia-
les y exclusivos” (Acha, 2004:27), y de las posi- Rancière se refiere a la existencia de la política
bles definiciones esencialistas. de la estética cuando los artistas utilizan cier-
tas estrategias para modificar las referencias
Las nuevas condiciones suponen otros códigos de lo que es visible y enunciable, y ponen “en
culturales de representación y esto lleva a re- relación aquello que no estaba, con el objetivo
considerar qué se entiende por arte político de de producir rupturas en el tejido sensible de las
acuerdo a esa coyuntura. En la actualidad el percepciones y en la dinámica de los afectos”
arte político es considerado como un modo de (Ranciére, 2010:66). Cuando introduce la idea
crítica a los sistemas de representación social, de “creación de disensos” no lo relaciona con
es decir como una práctica de resistencia o in- el conflicto de intereses, sino que habla de un
terferencia (Foster, 2003). Se podría decir que tipo de desacuerdo que tiene más que ver con
se pasó de un modelo de transgresión van- las diferentes percepciones que pueden existir
guardista a uno de resistencia crítica, el cual sobre los datos de la realidad. Los conceptos de
considera la cultura como lugar de conflicto. este autor, aquí esbozados, complejizan y am-
De este modo el término “arte político” sugiere plían la noción de “arte político”.
la tarea de poner en evidencia aquello concer-
niente a la polis, no como un mero tema adosa- En este sentido compartimos lo dicho por Ne-
do al arte, sino como una práctica inmersa en lly Richard quien sostiene que una obra no es
las relaciones y conflictos de lo social. política o crítica en sí misma,

Según Jacques Rancière existe una nueva lo político-crítico es asunto de contextualidad


relación entre arte y política a partir de la y emplazamientos, de marcos y fronteras, de
cual se define un arte que construye espacios limitaciones y de cruces de los límites. Los hori-
donde se hace visible o decible aquello que zontes de lo crítico y lo político dependen de la
no lo era. Él identifica esto como un espacio contingente trama de relacionalidades en la que
de “disenso”; y sostiene que allí donde operan se ubica la obra para mover ciertas fronteras de
rupturas de las referencias sensibles, dis- restricción. (Richard, 2011)
locaciones de sus modos de representación
e interpretación, surgen nuevas maneras Me interesa incluir estas miradas para dibujar un
de relación de los sujetos. Se refiere así a la territorio donde se manifiestan diferentes cruces
creación de una situación indecisa y efíme- y encuentros entre las prácticas artístico-políti-
ra donde, por ejemplo el espectador pasa a cas recientes y particularmente en el contexto
ser actor y ese sería un desplazamiento de histórico que se menciona en este trabajo.
la percepción, de acuerdo a este autor. Para
hablar del vínculo entre estética y política, Localizar el arte contemporáneo
según este filósofo, hay que identificar la re- latinoamericano
lación entre la estética de la política y la po-
lítica de la estética. La política de la estética, La sobrevivencia de las artes visuales bajo los
afirma Rancière, sería “la manera en que las terrorismos de Estado del Cono Sur supuso la
prácticas y las formas de visibilidad del arte aparición de una estrategia de resistencia que
intervienen en la división de lo sensible y en se manifestó a través de diferentes produccio-
su reconfiguración, en el que recorta espa- nes artísticas con características particulares.
cios y tiempos, sujetos y objetos, lo común y lo Estas prácticas artísticas pertenecen a ciertas
particular”, y agrega el autor: “la política del categorías del arte contemporáneo como son:
arte consiste en interrumpir las coordenadas la instalación, la intervención urbana y la ac-
normales de la experiencia sensorial” (Ran- ción, entre otras.
cière, 2005:15). Lo establecido se conforma
con ese tipo de “coordenadas normales” don- En una primera definición y de acuerdo con
de, por ejemplo, se acepta y se reconoce el lo planteado por Andrea Giunta1, identificaré
- 221 -

al arte contemporáneo como aquel que surge la cual deja de considerarse como la verdad en
en un momento en el que el arte deja de evo- el arte. Las teorías del arte del siglo XX se han
lucionar e incorpora elementos de la cotidiani- ocupado de dicha cuestión atendiendo a temas
dad (cuerpos reales, imágenes reproducidas, como la indefinición del arte, la desmaterializa-
espacios no convencionales y extra-institu- ción de la obra artística, el rol del espectador, el
cionales, etc.). Mientras que el arte moderno juicio de valor, la institucionalidad, etc.
avanzaba hacia la conquista de la autonomía
del arte en un camino evolutivo donde cada Luego de la aparición del arte conceptual a
transformación del lenguaje -recurso plásti- mediados de los años 60, surgieron nuevas
co- le sucedía otra, el arte contemporáneo no miradas de críticos y teóricos hacia las deri-
tiene un lenguaje específico y los medios de vaciones internacionales considerando los
creación se superponen. Esto amplió las posi- llamados “conceptualismos” y en particular
bilidades expresivas y a su vez se dio la coe- en América Latina lo que se conoció como
xistencia o simultaneidad histórica. “conceptualismo ideológico”, es decir aquellas
prácticas artísticas que fueron más allá del
Las transformaciones sobre esta forma de sentido autoreflexivo del arte conceptual más
hacer arte se visibilizan en la cultura occi- puro, involucrándose con los conflictos políti-
dental a partir de las décadas del 60 y 70, y cos y sociales tanto en sus temas como en sus
las distintas escenas artísticas, inclusive en prácticas2. De modo que estas cuestiones del
América Latina, comparten agendas utilizan- arte contemporáneo se instauraron en los últi-
do estrategias comparables. Es decir, a partir mos años como tema de discusión. Ampliando
de un giro conceptual donde se abandona la la noción mencionada anteriormente, se pue-
perspectiva esencialista del objeto artístico de considerar un conceptualismo ideológico
que buscaba la universalización de conceptos, como una estrategia y no como un estilo, y
surge una nueva manera de pensar el arte. Al según señala Luis Camnitzer “a la periferia no
decir de Ticio Escobar: le importaban las cuestiones estilísticas, por
lo tanto, produjo estrategias conceptualistas
El arte contemporáneo apuesta menos a las vir- que subrayan la comunicación” (Camnitzer,
tudes totalizadoras del símbolo que al talante di- 2008:14). El estilo estaría marcado por el cen-
seminador de la alegoría. Se interesa más por la tro, identificado principalmente con Estados
suerte de lo extraestético que por el encanto de Unidos y Europa, mientras que en la periferia
la belleza; más por las condiciones y los efectos se encuentra todo aquel arte que se conforma
del discurso que por la coherencia del lenguaje. con los movimientos artísticos y culturales
El arte contemporáneo es antiformalista. Privi- surgidos en los centros de poder internacional
legia el concepto y la narración, en desmedro de y reproduce con o sin sentido crítico.
los recursos formales. (Escobar, 2004: 147)
Las estrategias conceptualistas están más re-
Estos cambios en la práctica artística no suceden feridas al contexto en qué se produce el hecho
de un momento a otro, tiene sus antecedentes artístico y de qué manera se dice lo inexpresa-
en ciertos problemas de índole estético-forma- ble, ya que si bien contienen algunos aspectos
les presentados por las vanguardias de princi- del arte conceptual principalmente surgen de
pios del siglo XX, éstos derivan de las preocupa- la necesidad de expresar a través de nuevos
ciones acerca de la crisis de la representación, códigos el mundo contemporáneo y por lo tan-

1 Andrea Giunta, “¿Cuándo empieza el arte contemporáneo?”, Buenos Aires, Fundación ArteBA, 2014
2 Según Simón Marchán Fiz a partir de la década del 60 las artes plásticas abandonan el informalismo de la década anterior y con ello “las
últimas estribaciones de poéticas que respondían a modelos decimonónicos de índole romántico-idealista”. Con la crisis de los lenguajes
artísticos tradicionales el arte conceptual pasa a ser la culminación de la estética procesual, cuya característica fundamental es el des-
plazamiento del objeto tradicional hacia la idea. Según este autor “Esto implica una atención a la teoría y un desentendimiento de la obra
como objeto físico”. Marchán Fiz agrupa la tendencia del arte conceptual en: la lingüística, la empírico-medial y agrega el conceptualismo
ideológico. La tendencia lingüística ha sido considerada como “la faceta conceptual por antonomasia, para algunos la única. Es la vertien-
te que más ha acentuado la eliminación del objeto, confiriendo una prioridad casi absoluta a la idea sobre la realización”, dirigiéndose a la
investigación sobre la naturaleza del concepto de arte y recurriendo al lenguaje como materia del arte. La vertiente empírico-medial rei-
vindica la imagen y la percepción como formas de conocimiento en su dimensión semiótica y no se opone a la materialización de la obra,
aunque muchas veces el aspecto formal sea secundario o documental. Finalmente el autor sugiere la aparición de un conceptualismo
ideológico que estuvo sometido a tensiones de índole social y que contiene un compromiso político. El conceptualismo así entendido “no
es una fuerza productiva pura, sino social. La autorreflexión no se satisface en la tautología, sino que se ocupa de las propias condiciones
productivas específicas, de sus consecuencias en el proceso de apropiación y configuración transformadora activa del mundo desde el
terreno específico de su actividad”. S. Marchán Fiz, “Del arte objetual al arte de concepto”. Madrid, Akal, 2001
- 222 -

to la comunicación es entre el artista y el es- taria, por lo residual de su tradición: la memoria


pectador que entiende esos códigos actuales. de su pasado está compuesta por retazos de his-
Por lo tanto se puede poner en duda si se trata torias otras, formada de restos híbridos, de sedi-
de un arte de la periferia en el sentido señala- mentaciones varias y depósitos de lenguajes ya
do más arriba. petrificados (Richard, 1984).

Siguiendo las reflexiones de Andrea Giunta3, Por lo tanto la tarea de localizar esos intersti-
quien investiga el arte contemporáneo des- cios de la memoria no es un trabajo de fácil ac-
de América Latina y se propone estudiar las ceso, donde el encuentro con estos productos
obras de arte en sus contextos y situaciones artísticos tampoco es directo.
particulares, es decir; dando cuenta de los pro- Ticio Escobar5, otro de los teóricos citado en este
cesos históricos y ámbitos culturales en que se trabajo que estudia el arte en el contexto de las
articularon y apartándose de la idea que las dictaduras latinoamericanas, sostiene que:
obras de arte se explican a partir de los esti-
los. La autora sostiene que “La nueva historia ciertas prácticas y discursos lograron consti-
del arte desde América Latina se centra en las tuirse en una alternativa contestataria impor-
nociones y conceptos que elaboran los artistas tante. Y lo hicieron no tanto mediante procla-
y los críticos en sus situaciones creativas es- mas y denuncias cuanto a través de la puesta
pecíficas” (Giunta, 2014:22), y en relación a los en escena del conflicto y la diferencia. El hecho
cambios y transformaciones del arte, señala el mismo de que, para burlar la censura y nombrar
proceso de radicalización política del arte de lo silenciado, los artistas tuvieran que recurrir a
los años sesenta y también menciona la vio- figuras oscuras y lenguajes cifrados promovió la
lencia represiva de las dictaduras en América emergencia de metáforas.
Latina como efectos importantes en esta con-
textualización histórica. En el caso de los países de la región (Uruguay,
Argentina y Chile, entre otros), estos atravesa-
Sin embargo centrarse en el aspecto contex- ron por un proceso similar de violencias extre-
tual del arte latinoamericano no ha sido lo más mas vinculadas a la instauración de regíme-
tradicional. La crítica chilena Nelly Richard nes militares que dejaron huellas y fracturas
afirma que nuestras culturas son culturas significativas en la sociedad y la cultura. En
del recorte en las cuales las obras aparecen ese marco, y sin intenciones de uniformizar,
“fraccionadas por el dispositivo fotográfico se puede decir que el arte en el contexto de las
de selección de la imagen” y “se nos presen- dictaduras latinoamericanas de los años 70 se
tan -en el extracto- ya cortadas de su red si- manifestó a través de ciertas prácticas alter-
tuacional”4. De esta manera las obras de arte nativas, algunas con carácter contestatario.
podrían ser vistas como réplicas de las formas En esas condiciones los artistas tuvieron que
internacionalizadas sin tener en cuenta su enfrentar la censura, manifestar lo no-dicho,
enlace contextual. De forma crítica se refiere lo silenciado, lo irrepresentable, recurriendo
a una escena del arte latinoamericano donde a lenguajes y nuevos códigos donde se utilizó
se produce un modo propio de significación a la metáfora en un entramado diferente a las
través de ciertos mecanismos de apropiación, formas de representación de la cultura hege-
combatiendo la hegemonía que ejerce Europa mónica y oficial. Además surgieron diferentes
y Estados Unidos en las culturas latinoame- grupos de artistas que promovieron las prácti-
ricanas. Explicando esta condición la autora cas colectivas diluyendo la autoría de la obra.
sostiene que
Cuerpos presentes/cuerpos ausentes
todo país involucrado en un proceso de coloniza-
ción, se define por lo parchado de su indumen- Las obras que se seleccionaron para la investi-

3 La autora toma los conceptos del filósofo Giorgio Agamben quien describe al ser contemporáneo como “aquel que no coincide perfec-
tamente con éste (su tiempo) ni se adecua a sus pretensiones y es por ende, en ese sentido, inactual; pero justamente por eso a partir de
ese alejamiento y ese anacronismo, es más capaz que los otros de percibir y aprehender su tiempo. (…) Contemporáneo es aquel que
mantiene la mirada fija en su tiempo, para percibir no sus luces, sino sus sombras”, G. Agamben, “¿Qué es ser contemporáneo”, citado en
A. Giunta. Op. cit., página 7
4 Nelly Richard, “Culturas latinoamericanas: ¿culturas de la repetición o culturas de la diferencia?”, Catálogo de la Bienal de Sydney, 1984
5 Ticio Escobar en: Elizabeth Jelin y Ana Longoni (comps.) “Escrituras, imágenes y escenarios ante la represión”, Madrid, Siglo XXI, 2005
- 223 -

gación pertenecen a distintos colectivos y ver- una obra polisémica que permitió a los espec-
san sobre el cuerpo, no de forma ilustrativa, tadores identificar la figura del desaparecido
sino que el cuerpo aparece como proyección con esos cuerpos y personajes anónimos.
de situaciones de represión, violencia, desa-
pariciones, exilios y censuras. Esto discurre a “Situaciones I” del grupo Axioma(8) fue una
través de una práctica fragmentaria que logra exposición que se realizó en la Galería del
dar cuenta, como dice Nelly Richard, del esta- Notariado en 1981 en Montevideo. Se trató
do de dislocación de la noción de sujeto. Para de varias instalaciones en las cuales los inte-
nombrar esta relación identifico la metáfora grantes de este colectivo abordaron los temas
sobre el cuerpo de la siguiente manera: cuer- del exilio, la espera, las ausencias y la identi-
pos presentes/cuerpos ausentes. dad social. Allí el espectador se encontraba
con una silla vacía con un mate y un termo
A continuación se realiza una breve descrip- al lado, espejos donde se reflejaba su rostro y
ción de las obras. otras instalaciones con alusión a los cuerpos
empaquetados y amarrados. Los integrantes
“Ambientación con zapatos” del grupo Los de Axioma recuerdan que era un momento en
Otros6 es una instalación realizada en 1980 el que no se podía hablar de muchas cosas a
en el Taller de Zina Fernández en Montevideo. causa de la censura y la autocensura.
Crearon una ambientación en una pequeña
habitación donde los artistas pintaron el piso El Colectivo Acciones de Arte (CADA) surge
de blanco y colocaron cuatro velas delimitan- en Chile en 1979. Este grupo se manifestó en
do una zona rectangular. Se podía transitar diversos lenguajes con una preocupación por
por el espacio reducido sobre los bordes en borrar las fronteras de delimitación de lo ar-
donde el espectador se encontraba con una tístico y lo no-artístico. La obra titulada “Viu-
serie de zapatos viejos amontonados en el da” consistió en una fotografía de un rostro
centro de ese rectángulo. Se trataba de varios anónimo que se publicó en 1985 en medios
zapados usados, quemados y pintados con una impresos de oposición a la dictadura. La obra
mezcla de cal, arena y yeso. Se aludía así a las (“prensa-acción”, como la llaman sus autores)
imágenes de los campos de concentración na- propone el retrato de una mujer como un ros-
zis y también había una referencia a las au- tro ausente de los relatos y en este caso es
sencias y a las desapariciones en relación a la una viuda como protagonista de la historia.
situación política que se vivía en Uruguay. Los La falta de identificación de la mujer remite
zapatos quedan como evidencia de los cuer- a una posible representación del pueblo. Para
pos ausentes, restos anónimos que sugieren los artistas se trató de “un análisis de nuestro
otros cuerpos. propio rostro, una manera de dar la cara, po-
nerle rostro al pueblo y hacerlo partícipe del
En 1980 el grupo Octaedro7 realiza una ex- drama”. Esta obra reutiliza una imagen para
posición en la sala de la Alianza Cultural armar nuevas narrativas de las ausencias.
Uruguay-Estados Unidos en Montevideo. Allí
delimitaron el espacio con módulos donde co- En el marco de la tercera Marcha de la Resis-
locaron cuatro figuras humanas de tamaño tencia convocada por la Asociación de Madres
natural realizadas en material hule blanco de Plaza de Mayo, el 21 de setiembre de 1983
con relleno. Un dispositivo de proyectores era se realizó en Buenos Aires la acción colectiva
dirigido hacia los rostros donde se proyecta- “el Siluetazo”. En reclamo por el paradero de
ban distintos símbolos, dibujos y caras anó- los familiares ausentes, víctimas de la dic-
nimas. Además había en la sala un panel con tadura, se crea un gesto de acción callejera.
dibujos, frases, registros del proceso de la obra Esta acción consistió en dejar marcas estam-
y fotos de intervenciones en el espacio público padas en el espacio público con el recorte de
donde la figura humana aparecía emplazada figuras de cuerpos humanos dibujadas en pa-
en lugares cotidianos de la ciudad. Esta fue pel realizadas por quienes participaron de la

6 El grupo Los Otros se formó en Montevideo en 1978 integrado por Carlos Seveso, Carlos Musso y Eduardo Miranda.
7 El grupo Octaedro se formó en Montevideo en 1979 integrado por Fernando Álvarez Cozzi, Carlos Barea, Gabriel Galli, Juan Carlos
Iglesias, Carlos Rodríguez, Carlos Aramburu, Abel Rezzano y Miguel Lussheimer.
8 El grupo Axioma se formó en Montevideo en 1980 integrado por Álvaro Cármenes, Gerardo Farber, José Onir da Rosa, Alfredo Torres
y Ángel Fernández.
- 224 -

convocatoria. Se empapeló parte de la ciudad · JELIN, Elizabeth y Ana LONGONI (comp.), Es-
colocando una silueta al lado de la otra so- crituras, imágenes y escenarios ante la repre-
bre muros, columnas, calles, etc. La iniciativa sión, Madrid: Siglo XXI, 2005
surge de tres artistas visuales, los argentinos
Rodolfo Aguerrebery, Julio Flores y Guillermo · LIPPARD, Lucy, Seis años: La desmaterializa-
Kexel, quienes en su proyecto original se pro- ción del objeto artístico de 1966 a 1972, Ma-
pusieron “presentificar la ausencia”, cuantifi- drid: Akal, 2004
cando así la dimensión de esa ausencia. Esta
actividad fue considerada como una acción · LONGONI, Ana y Cristina FREIRE (comp.),
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- 227 -

NOITE DAS LANTERNAS FLUTUANTES: PRÁCTICAS ARTISTICAS DE


PARTICIPACIÓN COLECTIVA CON LA COMUNIDAD DEL BARRIO
ARQUIPÉLAGO EN PORTO ALEGRE - BRASIL
Ricardo Moreno. Doctorando Instituto de Artes - UFRGS
Orientadora Pfª. Drª. Maria Ivone dos Santos - UFRGS

RESUMEN 2014 and December, 2015 with the inhabi-


tants of the Ilha da Pintada, that is part of the
El objetivo de esta ponencia es socializar el de- Neighborhood of Arquipélago in the territory
sarrollo de la práctica artística “Noite das Lan- known as the Delta of the Jacuí in Porto Alegre
ternas Flutuantes” que se realizó en el marco city, Brazil.
de trabajo de campo de la tesis para optar al
título de Doctor en Poéticas Visuales en el Ins- KEYWORDS:
tituto de Artes de la UFRGS.
Las prácticas artísticas permitieron poner a Participation, Identity, Dialogue of knowledges.
prueba el desarrollo de una metodología de in-
vestigación acción participación comunitaria Luego de realizar algunas experiencias de
mediante el trabajo colaborativo de diferentes prácticas artísticas con la participación de
grupos, asociaciones y centros educativos de comunidades en Colombia, entre otras en el
la isla en una relación dialógica y horizontal municipio de Ráquira en Boyacá el “Patio de
de todos los participantes. Brujas”: un observatorio astronómico a simple
Este trabajo se desarrolló entre el mes de oc- vista; y, en Ambalema Tolima donde realiza-
tubre de 2014 y diciembre de 2015 con los mos e instalamos 4000 faroles, evento que
habitantes de la isla de la Pintada que hace intitulamos “Luz y color: Instalación lumínica”;
parte del Barrio Arquipélago en el territorio se planteo la posibilidad de realizar una expe-
conocido como el Delta del Jacuí en la ciudad riencia similar con una comunidad de Porto
de Porto Alegre – Brasil. Alegre en Brasil en el marco de la investiga-
ción de Doctorado en Poéticas Visuales en el
PALABRAS CLAVE Instituto de Artes de la UFRGS. En este trabajo
se planteo aplicar el enfoque de la metodolo-
Participación, Identidad, Dialogo de saberes. gía: Investigación Acción Participación IAP
desarrollada a en la década de los años 70 en-
ABSTRACT tre otros por el sociólogo colombiano Orlando
Fals Borda en Colombia.
The objective of this paper is to socialize the
development of the artistic practice "Noite das Nos proponemos en este texto hacer un resu-
Lanternas Flutuantes" (Night of Fluctuating men de las actividades desarrolladas desde
Lanterns) that was realized in the frame of nuestra llegada a la ciudad de Porto Alegre,
fieldwork of the thesis to qualify for the title pasando por las aproximaciones y trabajos
of Doctor in Visual Poetics at the Arts Institute realizados con la comunidad del Barrio Ar-
of UFRGS. quipélago, hasta la realización de un evento
The artistic practices allowed to test the deve- acontecimiento en la Ilha da Pintada con la
lopment of a methodology of action research participación de diferentes asociaciones y
community participation through the collabo- grupos sociales de la comunidad.
rative work of different groups, associations
and educational centers of the community in
a dialogical and horizontal relationship of all
participants.
This work was developed between October,
- 228 -

1. La Investigación Acción participación 4) Metodológicamente, La investigación ac-


como estrategia de prácticas artísticas de ción participativa se plantea como una opción
participación comunitaria de investigación cualitativa fundamental-
mente, sin que implique la negación del dato
La IAP es una metodología de investigación cuantitativo. Simplemente se privilegian el
que en sus inicios se planteo para desarrollar uso de los recursos etnográficos (la observa-
trabajos en el campo de la sociología y que en ción participante, la entrevista grupal, el dia-
la práctica se ha estado aplicando para la rea- rio de campo etc.).
lización de trabajos colectivos con comunida-
des en el campo del arte como la construcción 2. aproximación y trabajo de campo con las
del Observatorio a Simple Vista. “Patio de Bru- comunidades del Barrio Arquipélago
jas” en la vereda de Carapacho con la comuni-
dad del municipio de Ráquira Boyacá 2011, el El trabajo de campo se desarrolló en el Barrio
evento “Luciérnagas UT” con los habitantes de Arquipélago que está conformado por 16 islas,
las comunas 6, 7, y 8 en la ciudad de Ibagué – que hacen parte de la ciudad de Porto Alegre.
Tolima en 2013, y, el “Bici paseo” con la comu- Cuatro de las islas se encuentran permanen-
nidad de la Universidad del Tolima en Ibagué temente habitadas: La Ilha Grande dos Marin-
en mayo de 2014. heiros, la Ilha das Flores, La Ilha do Pavão y la
Ilha da Pintada.
A continuación un resumen de los ejes funda-
mentales de la IAP1. La Ilha da Pintada ha sido ocupada desde la
época de la Colonia con la llegada de familias
1) Epistemológicamente supone la ruptura de la asorianas a Porto Alegre2.
oposición sujeto/objeto de estudio, conforme a
las formas tradicionales de investigación positi- A principios del siglo XX en 1912 en la Ilha da
vistas. En esta perspectiva, el, sujeto, es a la vez, Pintada se fundó un astillero, los trabajadores
objeto de su investigación. Todos los que partici- con sus familias fueron traídos del municipio
pan en la investigación, son sujetos y objetos, lo de Charqueadas y desde entonces viven en
cual implica que el conocimiento se va logrando la isla. Con la construcción en 1958 de la au-
en la acción participativa comunitaria. topista Régis Bittencourt que une las cuatro
islas con la parte continental de la ciudad se
2) Éticamente el investigador asume un com- inició una importante inmigración haciendo
promiso con las comunidades donde trabaja y de la ilha da Pintada la más poblada del Barrio
con quienes construye conocimiento. Se par- Arquipélago.
te del principio, que las comunidades viven
y conocen sus problemas y son ellas quienes Actualmente la población de las islas se ca-
deben buscar las alternativas de solución. “Se racteriza por vivir en condición de pobreza y
rompen todos los postulados de esa distancia exclusión social3, cuyo sustento económico se
necesaria sujeto- objeto, porque el investiga- basa entre otros, en oficios relacionados con la
dor tiene que ir a la comunidad, vivir sus rea- pesca, el servicio doméstico y empleados del
lidades, comprometerse con ellas y además, Mercado Público de la Ciudad con el que man-
construir los resultados en colectivo”. Final- tienen históricamente una estrecha relación
mente el científico se compromete a entregar laboral. Adicionalmente las condiciones cli-
a la comunidad los resultados sistematizados máticas caracterizadas por frecuentes lluvias
de la investigación. a lo largo del año, hacen que las islas estén ex-
puestas a frecuentes inundaciones durante el
3) Políticamente, el conocimiento se reconoce año, lo que impacta severamente la vida de las
como una alternativa de poder y transformación personas que habitan en ella.
social, pues a través de él se explica la realidad. Al llegar a la ciudad De Porto Alegre a finales

1- Citado por Cesar Moreno en documento elaborado por Allali, ed alt, 2015
2- [Mendes da Rosa. 2013 citando a Oliveira, señala la presencia de negros fugitivos o liberados en las Ilhas da Pintada y das Flores en
1752.]
3 - El barrio Arquipélago según el Sistema de análisis e indicadores de la ciudad de Porto Alegre es el segundo barrio más pobre de la
ciudad; sin embargo, es importante anotar que en los índices de violencia ocupa el puesto 59 entre 82 barrios.Fuente.http://portoalegre-
emanalise.procempa.com.br/?analises=9_247_distrito Consultado el 25/04/2016http://portoalegreemanalise.procempa.com.br/?ana-
lises=4_106_distrito Consultado el 25/04/2016
- 229 -

del año 2014 para iniciar los estudios de doc- tiempo disponible, y según los requerimientos
torado percibí la importancia del agua como de los participantes del proyecto.
elemento central en la vida de la ciudad y Al mismo tiempo se busco establecer rela-
consideré que la propuesta de investigación ciones interpersonales con diferentes re-
tendría relación con este elemento. Así es presentantes de las asociaciones religiosas,
que se entablo contacto con un artista local de educativas, culturales y de gremio laboral es-
grafitis y con las instituciones de Salud de la tablecidas en el barrio, con el fin de garantizar
Prefectura a través de las cuales se estableció una presencia continua y amplia con diferen-
comunicación con la comunidad de las Islas. tes sectores de la comunidad. Se busco siem-
pre mantener una actitud de artista proposi-
El objetivo propuesto de la investigación pre- tor que trabaja en la construcción colectiva de
sentado era realizar un evento artístico en de un acontecimiento.
torno al agua con la participación de las dife-
rentes habitantes de las islas. Específicamen- Desde el inicio se asistió a las distintas fies-
te la propuesta consistía en que la comunidad tas que celebran u organizan los diferentes
se organizara para elaborar un número de fa- grupos y organizaciones sociales de la co-
roles reutilizando material desechable de fácil munidad: fiestas religiosas tradicionales de
consecución que luego se instalarían tempo- cultos católicos y umbanda, fiesta de la Con-
ralmente en el agua, en las horas de la noche, ciencia Negra, la fiesta junina organizada en
en una fecha y lugar acordado por los mismos las diferentes escuelas. El día del pescador, y
participantes. la muestra gastronómica en la que se ofrece
la especialidad de la isla tainha na taquara5,
Se estableció contacto entonces con los líde- evento con el que se abre oficialmente la Feira
res comunitarios del Barrio Arquipélago que do Peixe de Porto Alegre que se celebra desde
se reúnen periódicamente para tratar temas hace 237 años.
de la comunidad, y a quienes se les presento la
idea en diferentes ocasiones con el interés de En el mes de febrero de 2015 con algunos
buscar algún grupo de personas que quisiera estudiantes del Instituto de Artes realizamos
participar del proyecto. un paseo por el Guaíba6 con el presidente de
la Colônia dos Pescadores Z5 de la Ilha da Pin-
Se iniciaron una serie de laboratorios de crea- tada quien nos hablo de una actividad que or-
ción con profesoras de la Escola Estadual de ganizan los pescadores durante el periodo de
Ensino Infantil EMEI Ilha da Pintada para la veda de pescar y que ellos mismos llaman Pes-
creación de faroles y algunos objetos que se ca do Lixo7 frente a la a las instalaciones de la
pudieran instalar en el rio durante el evento Colônia dos pescadores, evento que organizan
que se decidió se llamaría “Noite das Lanter- con el interés de generar conciencia ambien-
nas Flutuantes4. Algunas de las profesoras tal entre los habitantes de los alrededores del
participaban aportando las propuestas de rio y de la ciudad de Porto Alegre.
elaboración de objetos durante los talleres y
laboratorios que realizaban con los niños enri- En el mes de octubre, luego de las más gran-
queciendo el desarrollo del proyecto como una des inundaciones que vivieron las islas en los
actividad lúdica. últimos 74 años, y que trastocaron todas las
actividades de sus habitantes durante dos
El desarrollo de los laboratorios y reuniones meses, el presidente de la Colônia dos pesca-
con las profesoras y con los líderes de la comu- dores Z5 junto con representantes del CAR
nidad siempre estuvieron supeditados a los Ilhas (Centro Administrativo Regional Ilhas)
diferentes ritmos y calendarios escolares que propusieron realizar el acontecimiento Noi-
la comunidad vive en su cotidianidad, lo que te das Lanternas Flutuantes para cerrar el
implica que el cronograma de proyecto se va evento Pesca do Lixo el 15 de diciembre en las
construyendo en la medida en que se realizan horas de la noche. Se activaron entonces un
las diferentes actividades propuestas en el importante número de personas que viven y

4 - Noite das Lanternas Flutuantes se traduce al espanhol como La noche de los faroles que flotan.
5- Tainha na taquara: es um pescado asado entre una caña de bambú que en esta región llaman taquara.
6 - LIMA, Evelyn; ABRANTES, Luiza; MORENO, Ricardo. Estrangeiros em Porto Alegre para além de nós. Formas de pensar a escultura,
Perdidos no espaço. Porto Alegre. #4 abril 2016. P 19
7 - Pesca do Lixo se traduce como pesca de basura
- 230 -

trabajan en las islas, aparecieron varias redes EMEI se decidió realizar la exhibición en la
sociales de entre la comunidad para aportar y sede de la Colônia dos pescadores ya que con-
trabajar cada cual desde sus posibilidades con sideraban que es el sitio más importante y
el propósito de concretar la realización del visitado por la comunidad. Con aproximada-
evento o acontecimiento. mente 300 impresiones tamaño A4 en blanco
y negro en las que aparecen registrados di-
El profesor Edgar Quadros de la Escuela Ma- ferentes momentos, situaciones y personajes
ria José Mabilde con el interés de participar de todas las islas las profesoras hicieron una
en la Noite das Lanternas Flutuantes invitó a selección, organizaron y montaron las imá-
estudiantes y a otros A lo largo de todo el pro- genes según su interés para crear diferentes
cesoprofesores a concebir y desarrollar unas narrativas asociadas a: la escuela de EMEI, a
propuestas de casas que fueran una posible los líderes de la comunidad, a la diversidad re-
solución a los problemas de inundaciones que ligiosa presente en las islas, a personajes de la
se viven en las islas. Crearon y realizaron diez comunidad, a escenas de las inundaciones, y,
maquetas de casas que flotaran y no sufrieran a habitantes de las islas y personas que traba-
por las inundaciones, todas construidas con jan en y para las islas sin ser residentes. Las
materiales desechables y de fácil consecución profesoras “curadoras” haciendo una apro-
allí en los alrededores. piación y lectura autónomas de las imágenes
exhibidas propiciaron que la comunidad se re-
En la EMEI igualmente se movilizaron toda conociera en diferentes momentos de su vida
una serie de redes invisibles o imperceptibles cotidiana, reviviera a la manera de traer a la
que se habían construido con los padres, pro- memoria algunas experiencias de la colectivi-
fesoras y empleadas que viven en las islas y dad, recordara algunos acontecimientos per-
que de boca en boca estaban participando de sonales o públicos, en los que ellos como acto-
manera casi silenciosa en el proyecto. El señor res se reconocieran siendo los protagonistas
Salomón abuelo de uno de los niños que asis- de las historias o narrativas allí contadas por
ten a la escuela y pescador experimentado esas imágenes fijas.
decidió con su hijo y nieto apoyarnos con sus
conocimientos en la acción de colocar las faro- La instalación de las lanternas en el rio Jacuí
les en el rio asegurándose que flotaran. se comenzó en las horas de la tarde del martes
15 de diciembre, las condiciones climáticas
A lo largo de todo el proceso durante nueve hasta entonces tranquilas empezaron a cam-
meses, en los espacios públicos, en todas las biar, el viento comenzó a arreciar, el paso de
fiestas y actividades culturales que organizan algunas lanchas de motor que circulaban rá-
en la comunidad he estado realizando fotogra- pidamente tornaron bastante movidas y con
fías como un reportero gráfico o artista viajero muchas olas las aguas del rio. Luego de varios
que registra diferentes momentos y vivencias intentos fallidos el señor Salomón considero
de los participantes en los eventos los diferen- que no se tenían las condiciones para hacer la
tes eventos comunales; siempre he utilizado la instalación de los 120 faroles “lanternas” y las
cámara con tal naturalidad que en ningún mo- 10 maquetas8.
mento he sentido que alguien se intimide o bus-
que deliberadamente cambiar de pose para ser A partir de ese momento entre las diferentes
fotografiado, igualmente, si alguien me pide personas que estaban participando del mon-
generalmente jóvenes estudiantes que les deje taje se decidió hacer la instalación en el mue-
tomar alguna fotografía yo les he pasado la cá- lle que se encuentra frente a la Colônia. Las
mara para que realicen las fotos que deseen, lanternas y las maquetas se mantuvieron en
aunque nunca les he pedido expresamente que el lugar durante tres horas hasta que la comu-
hagan algún tipo de fotografía. nidad comenzó a dejar el sitio.

Con las imágenes realizadas la directora del Aunque un importante número de vecinos de
CAR Ilhas propuso realizar una exposición de la comunidad que participaron de todo el pro-
fotografía durante el evento Pexca do Lixo. yecto consideraron el evento o acontecimiento
Con las profesoras Jennifer y Lourdes de la como un éxito, varios de ellos insisten en que

8 - Las condiciones del clima en Porto Alegre son determinantes para muchos de los eventos que se realizan en la ciudad, justamente a
este propósito el titulo de las IX Bienal do Mercosul fue Se o clima for favorável; Si el tiempo lo permite en español.
- 231 -

es importante que las lanternas se coloquen diferentes actores se han implicado en el pro-
nuevamente pero ahora en el rio como fue la yecto con actividades diferentes visibles o si-
idea inicial. Esta propuesta permite constatar lenciosas pero todas igualmente importantes
el interés y grado de apropiación que el pro- lo que hace que se sientan no como participan-
yecto ha despertado en la comunidad, al insis- tes de un proceso sino como protagonistas de
tir conseguir el objetivo inicial planteado. una construcción.

3. REFLEXIONES FINALES Los líderes que han visualizado algún tipo de


resultado de interés para la comunidad han
La realización de este proyecto de prácticas facilitado los contactos y sus palabras o accio-
artísticas de participación comunitaria con nes han sido un gran respaldo para que otras
públicos distanciados de los sistemas insti- personas se impliquen en el proyecto.
tucionales del arte, implica hacer un acerca-
miento horizontal, como un actor más de la El grado de respuesta de los diferentes actores
comunidad, y entendiendo que la comunidad para participar de este proyecto propuesto,
no es una masa solida sino que es un complejo considero que ha dependido también en algu-
colmado de individualidades. En lo posible la na medida del grado de empatía e intercambio
aproximación se ha hecho con cada uno de los horizontal que se ha intentado desarrollar con
actores que estén interesados en relacionar- los diferentes actores de la comunidad, y, que
se con el Otro. Acercarse e introducirse en la ha permitido construir una especie de entra-
comunidad no como uno igual sino como uno mado social.
más, como un artista facilitador y/o artista
propiciador de situaciones, con todas las di- Estimo que en la medida que los diferentes
ferencias que implican el apenas comenzar a protagonistas de un proyecto creen en la
conocerse y aparecer como un extraño para la posibilidad de construir un objetivo que con-
comunidad pero con la disposición para que sideren como propio será mayor su grado de
exista un intercambio de saberes, el artista apropiación y amplia la cantidad de partici-
como un actor con la disponibilidad para es- pantes. En este sentido creo como lo afirma
cuchar, proponer, gestionar, inventar, dirigir, Edgardo Antonio Vigo en la “Poesía para y/o
o hacer en y con la comunidad. Los procesos a Realizar”,… que el espectador pasara de la
han sido lentos, se ha necesitado de tiempos participación a la “activación-constructiva con
de conversación, de compartir momentos de la lo cual es posible que el consumidor pase a la
vida cotidiana hasta que luego de conocer al categoría de creador” (“De la Poesía Proceso a
Otro se ha logrado construir un vínculo social. la Poesía para y/o a Realizar”, Diagonal Cero,
La Plata, 1970)”,… 9
Participar en este proyecto es una decisión
personal de cada actor que implica de mane- Considero que en esta primera fase del proyec-
ra autónoma asumir algún rol, cuales quiera to se ha logrado construir una importante can-
que sea dentro de un grupo para la consecu- tidad de vínculos sociales con los más diversos
ción de un objetivo común. Considero que ab- actores de la comunidad, en el momento de
solutamente todas las posturas son válidas, realizar el evento o acontecimiento Noite das
inclusive las que puedan parecer pasivas o de Lanternas Flutuantes se logró que con la par-
meros observadores. Creo que participar no ticipación de las diferentes redes de la comuni-
necesariamente es intervenir activamente de dad se propicie la posibilidad de crear un tejido
un proceso. El conocer, informarse y observar de vínculos sociales que permiten alcanzar el
de un proceso, evento o trabajo es una parti- objetivo común; objetivo que la comunidad mis-
cipación más íntima y silenciosa que se puede ma ya está esperando se haga realidad.
manifestar como una “red invisible” tan válida
como otra más ostensible.

Con cada individualidad se ha desarrollado un


proceso diferente de relacionamiento social,
tal vez por afinidades, puede ser por intereses
particulares, pero también por curiosidad, los

9 - En PADIN, Clemente. Edgardo Antonio Vigo: vocación libertaria. http://www.merzmail.net/edgardo.htm. consultado el 29/04/2016
- 232 -

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· PADIN, Clemente. Edgardo Antonio Vigo: vo-


cación libertaria
5.
ÁMBITOS
Y RECORRIDOS
- 235 -

UNIVERSOS VISUAIS DA ESPERA EM ESPAÇO DE TRÂNSITOS: COLÉGIO


MILITAR DE SANTA MARIA

Simone Marostega - UFSM


Leonardo Charréu - UFSM

Resumo Este estudo busca compreender o que acon-


tece com pessoas – jovens adolescentes - que
Este texto pretende abordar os deslocamentos transitam, esperam, para voltar a transitar
territoriais e os trânsitos vivenciados e com- novamente, num devir seres moventes em
partilhados pelos alunos do Colégio Militar de boa parte da sua vida juvenil. Pertencem a
Santa Maria(SCMB), tendo como referência famílias de militares que, transitam por todo
as experiências vividas, para então, a partir Brasil, em regra, ficando por determinados
dessas experiências entrecruzadas, esboçar períodos em cidades onde existem instalações
possíveis novos mapas e territorialidades. militares. Os próprios militares designam
Vivenciar deslocamentos, cruzar, viver nas como “movimentação”.
fronteiras, é poder experimentar um espaço
de singularidade, similaridade e diferença, Este formalismo nômade não tem como deixar
uma fronteira de transformação, que também de afetar seus usuários à luz de um referencial
é espaço de exploração e construção de novos teórico que nos levou a pensar se estas ins-
significados (IRWIN, 2013). tituições de ensino poderão ser caracterizadas
como não lugares (AUGÉ, 2012), territórios da
Assim, procuramos pensar os deslocamentos, espera (VIDAL e MUSSET, 2011) ou como al-
os não lugares (AUGÉ, 2012),os territórios da gum espaço ou território, ainda não nomeável
espera, (VIDAL E MUSSET, 2011), como pos- e, portanto, ainda não cartografado, situado
sibilidade de mudança e subjetivação, permi- provavelmente em uma espécie de interstício,
tindo-nos re(pensar)os eventos visuais1 como entre os não lugares e os territórios da espera..
disparadores, potencializadores de universos
visuais/pedagógicos, e compreender como se Etimologicamente derivado do latim terra e
revelam nesses percursos. torium, território significa terra pertencente
a alguém. Santos (1998), compreende o terri-
Palavras-chave: tório como espaço revestido da dimensão po-
Visualidades; Experiência; Territórios da espera lítica, afetiva ou ambas.O território não é uma
entidade desprovida de valor.
Se há há alguma característica fundamental
do tempo que nos tocou viver, ela pode bem Entendido por DELEUZE (1997) o valor do te-
ser a mobilidade, fenômeno que determina rritório é existencial: (...) o conceito de território
uma boa parte do pulsar do nosso cotidiano. implica o espaço, mas não consiste na delimi-
Somos, porque nos movemos. O indíviduo con- tação objetiva de um lugar geográfico.O inves-
temporâneo partiu a buscar aproximações em timento íntimo do espaço e do tempo implica
direção a outros lugares-mundo; de modo a essa delimitação, inseparavelmente material
conhecer, perceber esses universos constituí- e afetiva (fronteiras problemáticas de minha
dos num tempo de deslocamentos, por vezes, "potência").O traçado territorial distribui um
mais impelidos do que desejados. fora e um dentro, ora passivamente percebido

1 -Evento visual: Toda a situação de observação tal como ocorre na interação entre o observador, o fenômeno visual, o contexto de obser-
vação e o ato de olhar propriamente dito. Eventos visuais são sempre situados geográfica, histórica, social e culturalmente, implicando
certa interação ou posicionamento entre o observador, o fenômeno observado, o contexto e o olhar (ILLERIS; ARVEDSEN, 2012).
- 236 -

como o contorno intocável da experiência, ora gares e os espaços, os lugares e os não lugares
perseguido ativamente como sua linha de fuga, misturam-se, interpenetram-se.Os não lugares
portanto como zona de experiência. (DELEUZE são o lugar da supermodernidade, que remete
apud ZOURABICHVILI, 2004, p.23). a termos que descrevem a nova realidade, como
trânsito em oposição a domicílio, passageiro di-
Os homens se organizam segundo estes te- ferente de viajante, o vocabulário tece a trama
rritórios que os delimitam ao passo que os dos hábitos, educa o olhar, informa a paisagem.
articulam; termo que pode ser relativo tanto AUGÉ (2012, p. 98-99)
a um espaço vivido, quanto a um sistema, “em
termos subjetivos se traduz com sensação de O não lugar, para Augé (2012), compreen-
familiaridade” (Rolnik, 2006, p.50), no qual um de este espaço, onde se encontram novas e
sujeito se sente em casa. diferentes relações ou não relações. Como
os próprios espaços de trânsitos, percebidos
Como referimos anteriormente, a mobilidade na situação do viajante, cujo espaço seria “o
e o deslocamento, cada vez mais, se afirmam arquétipo do não lugar”. O termo espaço é
como características das nossas sociedades. abstrato, relacionado à “imagem, liberdade,
Longe de serem fluidos ou homogêneos, estes deslocamento”, oposto ao lugar antropológico,
deslocamentos são pontuados por origens ou que se refere ao lugar de origem, concreto ou
motivações diversas, acontecendo, por vezes, simbólico; a um mito (lugar dito) ou a uma his-
em territórios que podemos considerar de tória (lugar histórico).
trânsitos provisórios.
Nesse sentido pensar/problematizar os uni-
No entanto, é por meio dos deslocamentos te- versos visuais/pedagógicos é pensar o indi-
rritoriais, desterritorializações, nos trânsitos, víduo como uma construção social, como este
que a vida acontece, buscando a ocupação de Ser que se (re)faz, se constrói nos cruzamentos
novos espaços, ao conhecer outros contex- dos tempos e espaços por onde transita. Onde
tos, construir diferentes relações, vivenciar as subjetividades ora se deixam contaminar
o desconhecido – pessoas, lugares, conceitos por constantes variações e criações desses lu-
–, mobilizando-nos a reterritorializações, a gares, ora aceitam deslocar-se em territórios
experimentar novas perspectivas sobre nós marcados pela sua própria hibridação.
mesmos, sobre os outros e sobre o que aconte-
ce nesses atravessamentos. O indivíduo enquanto ser vivente, hoje, é um
múltiplo, de múltiplas vozes, traços e marcas;
As desterritorilizações pelas fronteiras rompi- é artista, espectador, aluno-professor, forma,
das são, como ressaltam Derrida e Roudinesco conteúdo, caos, ordem, múltiplo e, ao mesmo
(2004, p. 219): tempo, uno. Para Canevacci (2012), um multi-
víduo – os “eus” de uma pessoa plural – nas-
(...) fronteiras móveis, instáveis e porosas, afe- ce nesse contexto múltiplo. Segundo o autor,
tando justamente a forma e a existência dessas vivemos uma cidadania transitiva e flutuante
próprias fronteiras, a mudança não cessará de se entre espaços materiais e imateriais que nos
acelerar. Para chegar aonde? Não sei. É preciso interconectam nos fragmentos das metrópo-
saber, é preciso sabê-lo, mas é preciso também les comunicacionais, onde taxonomias identi-
saber que sem algum não-saber, nada acontece tárias, territoriais, entram em crise.
que mereça o nome de “acontecimento”.
A estética pós-moderna, se caracteriza por
Nesta perspectiva, os deslocamentos terri- esse ecletismo, não existe espaço para o úni-
toriais revelam-se uma possibilidade de mu- co ou um único, mas sim para todos, diversos;
dança, de movimento, na qual os sujeitos (re) antagônicos, metalinguagens, cotidianos,
elaboram, (re)inventam e (re)constroem para efemeridades. Trata-se da diversidade de ma-
si outros mundos a partir destas (des)locações. teriais, de lugares, olhares, percepções e opi-
niões. Nestes lugares, quer os conceituemos
Os espaços de trânsitos, tornam-se assim cam- como espaços, territórios da espera, ou não
pos do pensar, do que é vivenciado e compar- lugares, nos deparamos com imagens em tor-
tilhado nessas itinerâncias, do “mobilizado” a no das quais se reconfiguram subjetividades
partir desta provisoriedade frente às expe- desterritorializadas, existências singulares e
riências vividas. Considerando que: heterogêneas que criam possíveis rotas que
vão sendo traçadas em processos cruzados do
Na realidade concreta do mundo de hoje, os lu- aqui-agora.
- 237 -

Nos enfrentamentos reconfigurados, dos ticas dos migrantes em espera que se apro-
vazios, da falta, da dialética (ver/ser visto, o priam de maneira temporária nos espaços
que vemos, o que nos olha (DIDI-HUBERMAN, intersticiais. A intersecção entre o futuro/
2010) surge uma possibilidade provável de destino e um passado/deixado sobre um entre
se poder pensar e (re) inventar novos “en- espacial, vividos entre lugares de partida, de
tre-mundos”.Pois quem vê é um Ser do movi- chegada, em um tempo de incerteza, situação
mento, onde de passagem, em um momento passageiro;
para passageiros itinerantes, nômades desco-
o espaço deve sempre ser conquistado de novo e bridores, à espreita do acontecido, do aconte-
a fronteira que separa o espaço próximo do es- cimento esperado, exposto no espaço, movido
paço afastado é um limite variável. (...) a distân- por esses universos orbitantes que podem ca-
cia não é simplesmente a forma espaçotemporal racterizar uma instituição de ensino militar.
do sentir, é igualmente a forma espaçotemporal
do movimento vivo.(DIDI-HUBERMAN, 2010, Nesse sentido, pensar, falar do transitório, do
p.161-162) provisório, de movências, percursos; é falar
de afetos, encontros de experiências vivas e
A esse respeito (Didi-Huberman, 2010, p.77) vividas, de textos e de contextos rizomáticos
aponta que“não há que escolher entre o que (DELEUZE; GUATTARI, 1995) que se entrecru-
vemos e o que nos olha. Há apenas que se zaram e ainda se podem entrecruzar. Trata-se
inquietar com o entre. Há apenas que tentar então de pensar um espaço de “invenção”/“in-
dialetizar”. Implica exercer um olhar aberto, tenção”, falar de criações e experimentações,
expandido, que possa nos movimentos ri- rompendo com noções engessadas de identi-
zomáticos-ciliares transitar como um híbri- dade, de pertencimento e de origem, deslocan-
do-poroso. do, o olhar para o ensino de Arte na Educação
Básica, aportando-o para um entre-lugares
Visto que todos os territórios vivem a espera num território da espera.
de um modo transitório, é precisamente nes-
tas transições, nesses entre-deux (DI MÉO, Recorremos às linguagens-viagens como meio
1998), que definem, tomam forma, de ma- pelo qual se pode transformar e transportar
neira imprevista, inesperada, novas leituras uma experiência em forma simbólica de criação.
do espaço e das suas potencialidades, novas Estas também poderão significar reconheci-
relações com o tempo. Vidal e Musset (2011) mentos, revelações que o mundo apresenta;
designam os territórios da espera especifi- constituindo um lugar/espaço de materiali-
camente como os espaços destinados volun- zação de subjetividades. Assim, as narrativas
tariamente ou servindo involuntariamente a (visuais, escritas) o que e sobre que se conta, das
pôr em espera populações deslocadas ou em visibilidades e dizibilidades (PEREIRA, 2010)
deslocamento. transbordam novos e/ou diferentes discursos e
realidades. A este respeito Larrosa (2014, p.112)
No entendimento de Vidal e Musset (2011) os aconselha-nos que:
territórios da espera diferenciam-se dos não
lugares, definidos por Marc Augé (2012), como (...) É a isso que temos de ser fiéis no modo como
espaços incapazes de criar “nem identidade o dizemos, o nomeamos, o representamos ou, em
singular, nem relação, mas solidão e semel- geral, o significamos. Trata-se, então, de pro-
hança”. Nos territórios da espera ainda que blematizar o modo como colocamos juntas as
num sentimento de incerteza, identidades po- palavras e as coisas, a linguagem e o mundo, o
dem, no entanto, tomar forma. Estas não apa- inteligível e o sensível, o sentido e a experiência.
gam necessariamente as identidades anterio-
res, elas são, ao contrário, um recurso do qual Na experiência, o real se apresenta em sua
os indivíduos se apoderam em função das suas singularidade, não apresenta distinção entre
necessidades, e das estratégias sociais que de- o sensível e o inteligível, o real é um aconte-
finem para fazer face a este tempo incerto. Tra- cimento/experiência, e ao mesmo tempo o
ta-se, assim, dos partilhamentos que nascem “sujeito da experiência”, aberto e atento que
num lugar da espera, por indivíduos que são se deixa afetar por acontecimentos (de saber,
vinculados por uma comunidade de destino. sabedoria e sabor); geram movimentações,
espaços criadores como possibilidade de ex-
Estes territórios deslocados, são entendidos plorar os campos do sensível, da imaginação e
como resultado dessas pausas que marcam as da intuição. O acontecimento torna-se espaço,
trajetórias que se constroem a partir das prá- de construções, conexões, concebendo as lin-
- 238 -

guagens como mais um lugar dos processos de lateralmente do „dom visual para se satisfazer
singularização e criação. unilateralmente com ele. Dar a ver é sempre in-
quietar o ver, em seu ato, em seu sujeito. Ver é
(...)o acontecimento se encarna em um estado de sempre uma operação de sujeito, portanto, uma
coisas, um indivíduo, uma pessoa, aquele que é operação fendida, inquieta, agitada, aberta. En-
designado quando se diz: pronto, chegou a hora; tre aquele que olha e aquilo que é olhado”. (DI-
e o futuro e o passado do acontecimento só são DI-HUBERMAN, 2010, p.77)
julgados em função desse presente definitivo,
do ponto de vista daquele que o encarna. Mas Para Huberman um inquietamento com e no
há, por outro lado, o futuro e o passado do acon- entre (...) um espaçamento tramado do “ol-
tecimento tomado em si mesmo, que esquiva hante” e do olhado, do “olhante” pelo olhado;
todo presente porque está livre das limitações tramado em todos os sentidos do termo como
de um estado de coisas, (...) instante móvel uma metamorfose visual que emerge desse
(...).(DELEUZE in ZOURABICHVILI, 2004, p.6). tecido de espaço e de tempo. (DIDI-HUBER-
MAN, 2010, p.147).
Na busca de novas rotas educacionais possí-
veis, pensamos uma educação que aconteça, Tal associação refere-se aos territórios da es-
tenha efeito, muito afeto, e que nos afete. pera, também como lugares de memória, que
Trata-se de mapear uma linguagem e um ao mesmo tempo permitem-nos subjetivizar
conjunto de experiências mestiças, em forma com aquilo que fazemos deles; então pode-se
simbólica, de criação, revelando novos e/ou dizer que eles nos fazem e são também aquilo
diferentes discursos e realidades, um experi- que nós somos. A memória imaterial do corpo
mentar plurivocal. (ROLNIK, 2006); é a memória não física e emo-
cional da sensação, distinta, embora indisso-
A própria palavra experiência (LAROSSA, 2014), ciável, da memória da percepção das formas,
tem o ex de exterior, de estrangeiro, de estranho e dos fatos, acompanhada de suas respectivas
e de existência. Esse intercâmbio, esse olhar, ou- representações.
vir estrangeiro, nos convida à traduzir, interpre-
tar, novos modos, com diferentes maneiras de Dentro deste contexto, nos apropriando do
falar, de diferentes relações com o mundo, com pensar com e sobre as imagens, visualidade
nossos outros tantos parceiros de jornadas. e vida contemporânea, deslocando conceitos,
promovendo desterritorializações, estimulan-
Concordamos com Larossa (2014, p.65-67), do questionamentos sobre nossos pensares e
quando diz: saberes, consideramos que a cultura visual,
como campo transdisciplinar, seria o mais
O que necessitamos talvez não seja uma língua adequado à nossa problemática de pesquisa.
que nos permita objetivar o mundo, uma lingua
que nos dê a verdade de que são as coisas, e sim Compreendendo e apreendendo que na ex-
uma língua que nos permita viver no mundo, fazer periência de “ver” e “ser” visto (MARTINS e
a experiência do mundo, e elaborar com outros o TOURINHO, 2015), transitamos por lugares
sentido (...) do que nos acontece. (...) Uma lingua- de conhecimento e questionamentos os quais
gem que trate de enunciar a experiência da rea- envolvem e abordam novas formas relacio-
lidade, a sua e a minha, a de cada um, a de qual- nais ao enfocar os eventos visuais, munidos
quer um, essa experiência que é sempre singular, de novas posições de sujeito, objeto, contexto
e portanto, confusa, paradoxal, não identificável. e imagem. Como uma caixa de ferramentas,
conceituais, que segundo HERNANDEZ (apud
Desta forma, conceber passe livre às expe- Martins e Tourinho, 2015), nos permite pensar
riências vividas, um encontro com a multipli- e explorar a relação entre as representações
cidade, entendendo as experiências imagé- visuais e a construção de posições subjetivas
ticas, os universos visuais como “guardados
itinerantes”, preciosidades que carregamos A interpretação de objetos e imagens é uma
na “malagem” da nossa vida/viagem, pos- prática que mobiliza a memória visual e reúne
sibilitando abrir brechas, linhas de fuga (DE- sentidos da memória social construída pelos
LEUZE,1997), e propor paragens alternativas indivíduos e pelas suas comunidades. Memória
e novas existências se assim soubermos olhar. não como algo passivo, mas que se desloca, indo
e vindo em múltiplas direções, constituindo
O ato de dar a ver não é o ato de dar evidências lugares e trânsitos em territórios inimaginá-
visíveis a pares de olhos que se apoderam uni- veis. (MARTINS; TOURINHO, 2015, p. 140)
- 239 -

O olho vibrátil (ROLNIK, 2006), aqui se dilata · ILLERIS, Helene; ARVEDSEN, Karsten. Fenô-
para as experiências vividas, idas e vindas de menos e eventos visuais: algumas reflexões
alunos/adolescentes em espaços de trânsitos, sobre currículo e pedagogia da cultura visual.
territórios da espera, são alunos do Colégio In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene
Militar de Santa Maria (CMSM), integrantes do (Orgs.). Cultura das imagens: desafios para a
Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB). Tra- arte e para a educação: Editora UFSM, 2012.
ta-se de estarmos atentos a esses percursos
dos fluxos, às obras do cotidiano vivido, aos es- · IRWIN, L.Rita. Comunidades de prática a/r/to-
paços, itinerâncias, desterritorializações e re- gráfica.In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita (Orgs.).
verberações decorrentes dos/desses trajetos, Pesquisa educacional baseada em arte: a/r/
labirintos, pontes, afetos-secretos narrados, tografia. Santa Maria: Editora UFSM, 2013.
percorrendo memórias, rompendo fronteiras
para compreendermos o que acontece nos en- · LARROSA, Jorge Larrosa. Tremores: escritos
tres das coisas vividas. sobre experiência.1.ed. Belo Horizonte: Au-
têntica Editora. 2014.
Nos propomos problematizar/pensar sobre
os deslocamentos territoriais e seus proces- · MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene
sos nos universosvisuais/pedagógicos, e sua (Orgs.). Educação da cultura visual. Editora
constituição como um possível caminho, um UFSM, 2015.
entre-lugares, um território da espera, ou um
interstício ainda não nomeável, ressignifi- · PEREIRA, Marcos Villela. Sobre histórias de
cando mobilidades, deslocamentos, oportuni- vida e autoformação: um enfoque ético e es-
zados pelos tempos e espaços de trânsitos no tético. In: ABRAHÃO, Maria Helena Menna
qual fluxos são pontuados, movências-vidas Barreto (Org.). (Auto)biografia e formação hu-
são constituídas. mana.Porto Alegre:EDIPUCRS, 2010.

REFERÊNCIAS · ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental:


transformações contemporâneas do desejo.
· AUGÉ, Marc. Não Lugares. Introdução a uma Porto Alegre: Sulina, 2006.
antropologia da supermodernidade. 9.ed.
Campinas: Papirus Editora. 2012. · SANTOS, Milton. Território: globalização e
fragmentação. São Paulo: HUCITEC, 1998.
· CANEVACCI, Massimo. Multivíduo conecti-
vo:Gregory Bateson. Ciência e Cultura, São · VIDAL, Laurent. MUSSET, Alain. VIDAL, Do-
Paulo, v.64, n.1, 2012. Disponível em:<http:// minique. Sociedades, mobilidades, desloca-
www.cienciaecultura.bvs.br>. Acesso em: 10 mentos: os territórios da espera.O caso dos
nov. 2015. mundos americanos (de ontem e de hoje) Con-
fins (Online), 13/2011. Disponível em: <http://
· DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: www.confins.revues.org/7274.> Acesso em:
capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: 28 nov. 2015.
Editora 34, 1995. V. 1.
· ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de
· DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Deleuze. Digitalização e disponibilização da
capitalismo e esquizofrenia.Rio de Janeiro: versão eletrônica: Ifch-unicampcienti.ifch@
Editora 34, 1997. V. 5. gmail.com. Traduçao André Telles Rio de Ja-
neiro 2004. Acesso em: 12 mar. 2016.
· DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO Elisabeth.
De que amanhã: diálogo.Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editora, 2004.

· DI MÉO,Guy. Géographie sociale et territoi-


res, Paris, Nathan, 1998. In Confins (Online),
13/2011. Disponível em: <http://www.confins.
revues.org/7274>. Acesso em: 28 nov. 2015.

· DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o


que nos olha. 2.ed. São Paulo: Editora 34. 2010.
- 240 -

Simone Marostega Leonardo Charréu

Mestre em Educação pelo Programa de Doutor em Belas Artes pela Universidade de


Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pes- Barcelona, Espanha e em Ciências da Edu-
quisa em Educação e Artes e doutoranda no cação pela Universidade de Évora, Portugal.
mesmo programa da Universidade Federal de Leciona na graduação no Departamento de
Santa Maria - UFSM, sob orientação do profes- Artes Visuais do Centro de Artes e Letras e na
sor Dr. Leonardo Charréu. Membro do GEPAEC pós-graduação em Educação, linha de pesqui-
(Grupo de Estudo e Pesquisas em Arte, Edu- sa Educação e Artes, na Universidade Federal
cação e Cultura) da UFSM. Leciona Artes Vi- de Santa Maria (UFSM), no Brasil. Membro
suais na educação básica (Ensino Fundamental efetivo e vice-líder do GEPAEC (Grupo de Es-
e Médio) no Colégio Militar de Santa Maria. tudo e Pesquisas em Arte, Educação e Cultu-
ra) da UFSM. Pesquisa sobre Arte e Cultura
Visual, Arte e Cognição, Metodologias de Pes-
quisa baseadas nas Artes, entre outras áreas.
- 241 -

CONSTRUÇÕES POÉTICAS PARA PROCESSOS EMANCIPATÓRIOS NA


PAISAGEM ESCOLAR

Maria Lia Gauterio Conde Pinto - PPGARTES/UERJ

Palavras-chave: descoberta sobre os desejos, vontades e potên-


cias. Propiciará o amadurecimento dos jovens
ensino de Artes Visuais, juventude, autonomia como inventores das condições da própria vida,
criadores do agora e do próprio futuro, numa
Resumo: lógica da autonomia e do prazer.

Para pensar a escola como invenção devemos Esta pesquisa propõe registrar uma prática de
lançar nossos olhares e esforços em busca ensino/aprendizagem de Artes Visuais com
de um organismo vivo, no qual haja o forta- alunos do Ensino Médio, enquanto um projeto
lecimento de práticas para uma “autonomia educacional contemporâneo de formação de
criativa e transgressora de forma a se esta- jovens construtores de poéticas, críticos so-
belecer uma ponte com sujeitos mutáveis em ciais e autores de seu tempo.
um mundo onde o amanhã é incerto” (Hernán-
dez, 2007, p.14). Por que se mostra tão difícil a A ilha que é também porto...
construção de uma escola para os estudantes
de hoje? O que as escolas tem a oferecer aos “A existência criativa é uma existência revo-
jovens e o que eles tem para ensinar às esco- lucionária por si.”1
las? Podem ser as escolas as vias catalisado-
ras de atos criadores e experiências estéticas O que é o mundo sem a criação? Vivemos para
vividas no coletivo? Arranjos de um mundo ampliar a maneira como enxergamos o mundo.
mais justo? Espaços de compromisso com a ar- Que estratégias podem ser elaboradas para
ticulação de saberes, a refletir projetos educa- criar condições de um ensino de Artes Visuais
tivos emancipatórios, que pretendam efetivar preocupado com a capacidade crítica dos jo-
relações, que possibilitem a superação da se- vens estudantes? Como podemos pensar o en-
paração entre os que esperam e os que agem? sino de Artes Visuais na contemporaneidade?
Quais são as possibilidades de invenção do coti-
Como estabelecer no campo das Artes Visuais diano escolar e de currículos? O que interessa à
uma formação cidadã a partir da emancipação juventude em uma aula de Artes Visuais?
do indivíduo? Nas escolas, as artes visuais po-
dem emprestar suas propostas e reflexões ao Essa pesquisa lança olhares sobre a prática
grande tecido a ser cerzido no coletivo, sob as pedagógica que estou desenvolvendo como
múltiplas experiências juvenis capazes de se professora de Artes Visuais de sete turmas
apoderar de seus destinos. Abordar a plurali- do 1º ano do Ensino Médio do Colégio Pedro
dade cultural nas manifestações artísticas, ani- II, Campus São Cristóvão III, na cidade do Rio
mar maneiras de ver e pensar o mundo: consi- de Janeiro, Brasil, durante este ano de 2016.
derar o estudante coprodutor de sua formação. O Pedro II é um dos mais antigos colégios do
O ensino da arte centrado na ideia de educação Brasil, fundado em 1837; esta instituição de
democrática, orientada pela experimentação ensino público federal é extremamente tradi-
plástica e reflexão, projetará a possibilidade de cional, e a forma de acesso do corpo discente

1 -Floriano Romano, artista visual brasileiro, fala feita em documentário sobre Artes Visuais exibido no canal de televisão Arte 1.
- 242 -

se dá a partir de sorteios e concursos de acor- Tentativas para habitar a ilha, construindo


do com o ano pretendido. Esse sistema sempre relações e percursos...
conferiu certo prestígio ao colégio, calcado
numa pretensa elitização. Nos últimos anos
porém, apesar da manutenção das vias de A educação deve ser aqui entendida como um
acesso, os concursos passaram a contar com conjunto de práticas capazes de instaurar sen-
um sistema de cotas sociais, garantindo um tidos na sociedade. Em relação as forças que
acesso mais democrático; que vem mudando se dão nos grupos, diz Maffesoli (2014, p.172)
o perfil do alunado e fortalecendo a neces- “porque é de sentimento que se trata nas novas
sidade, se já não suficientemente vinda dos modalidades do viver-junto que se elabora em
processos de globalização, de atenção à diver- nossos dias”. É a partir do coletivo, que estão as
sidade e à multiculturalidade – próprias do bases para o próprio entendimento de si é pela
corpo desta escola. alteridade que podemos inaugurar o respeito
ao que pensamos ser e aos outros. Um caminho
Como a juventude pode construir sentidos para para artesãos de um corpo plural chamado es-
sua vida a partir da escola? Num mundo de cola; um processo infindável e mágico, porque
identidades móveis e fluídas, subjetividades salta da imaginação, dos desejos e não pode
num jogo entre buscar e se perder, com quais cessar. Como é possível então a ruptura com
materiais simbólicos as culturas juvenis podem permanências da/na escola? De que forma
se munir nos processos de aprendizagem? De pode-se escapar de presenças muito convoca-
olho em indivíduos como processos singulares das ao longo dos anos nas escolas e que criam
e coletivos ao mesmo tempo - “cada individua- abismos entre conteúdos e estudantes, que eri-
lidade é o lugar onde atua uma pluralidade in- gem verdadeiros afastamentos entre o mundo
coerente (e muitas vezes contraditória) de suas tal como é vivido por eles e a escola? É possível
determinações relacionais”, escreve Certeau que a escola pense rotas de escape para novas
(2014, p. 37) -, questiona-se de que maneira é vias, trajetórias de clandestinidade rumo a in-
possível se abrir caminhos para espaços com terseções com o novo, com o que é trazido pelos
condições de experimentação, possibilidades jovens. As maneiras de organizar as práticas
de sociabilidades alternativas, reinvenções. educativas devem estar em questão, pois como
afirma Sacristán (2000, p. 61)
Chego à ilha-escola acreditando num ensino
sustentado pela construção de um currículo O aluno que se confronta com os mais variados
praticado, consciente da força do pulsar do aspectos do currículo não é um indivíduo abs-
cotidiano escolar, com ouvidos expostos para trato, mas proveniente de um meio social con-
minha própria atualização a partir desses jo- creto e com uma bagagem previa muito parti-
vens, segurando em uma das mãos algumas cular que lhe proporciona certas oportunidades
ideias sobre arte contemporânea e na outra de alguma forma determinadas e um ambiente
um imenso apelo de todas as outras imagens para dar significado ao currículo escolar.
do mundo. Chego à ilha já habitada, chego num
barco já combalido pós derivas: estou pronta É ainda comum a forma como a aprendizagem
para aprender a sermos. Porque a escola que e os conteúdos escolares são, em muitos mo-
pretende a formação cidadã, me interessa. O mentos, dissociados das aprendizagens fora
que o cotidiano pode oferecer como elementos das escolas, como o conhecimento extra-es-
de formação continuada, de atualização dos colar corre risco de ser emudecido nas salas
sentidos da escola? Porque cada vez mais, é de aula, num jogo de possíveis verdades. É
preciso levar em conta a alfabetização visual portanto pertinente a percepção na atualida-
como construção de pensamentos críticos do de daquilo que escreve Boaventura (2000, p.
mundo-imagem. “A arte nos devolve mundo e 84), “o caráter autobiográfico do conhecimen-
terra em estado nascente, isto é, com tudo que to-emancipação é plenamente assumido: um
eles ainda têm de indeterminado, de desme- conhecimento compreensivo e íntimo que não
surado e inquietante.”, escreve Haar (2000, nos separe e antes nos una pessoalmente ao
p.91). Aí, apenas uma arte ligada ao processo que estudamos”. É nesse sentido que o coleti-
de autoformação da vida. Entendo como co- vo fortalece as práticas escolares, porque está
meço, tentativas de processos de produções vivo, os jovens vibram juntos, emocionam-se
dentro dos coletivos, de aprendizagem partil- juntos, afetam uns aos outros. É essa vitalidade
hada – afetos. E nesse trânsito, me encontro que emerge das práticas juvenis, das experiên-
querendo entender como se pode existir como cias conjuntas, dos ambientes comuns. Salas de
professora? aulas essas que abraçam ares de solidarieda-
- 243 -

de, nas quais se instauram presenças em uma imaginação que reaviva o diálogo com as ima-
conjugação de química coletiva, que reforça a gens possível e não a doutrinação. O ensino de
performance docente e inspira o conhecimento Artes como investigação dos pensamentos e
emancipatório. Um alívio frente a dureza que dos olhares sobre as representações visuais
se reitera aos passos de conteúdos historica- de diferentes culturas baseado em práticas
mente aprovados, engrandecidos ao largo dos artísticas e experimentação poética, que per-
anos, é a transgressão de muitas das regras mitam aos jovens um desenvolvimento críti-
que se propõe; numa recondução às vias de ex- co para atribuição de sentidos na escola e no
perimentações; de percepções de quem se é a mundo como autores e protagonistas de suas
partir da intimação do outro. próprias vidas. Para Rancière (2009, p. 34)

Sentados na ilha, pensando imagens... o regime estético das artes é aquele que propria-
mente identifica a arte no singular e desobriga
A imagem pulsa e a cultura que há nela pulsa essa arte de toda e qualquer regra especifica, de
também. (Didi-Huberman, 2013, p.165) toda hierarquia de temas, gêneros e artes. Mas,
ao fazê-lo, ele implode a barreira mimética que
Tudo importa e deve ser visto, tudo que se distinguia as maneiras de fazer arte das outras
deixe preencher pelo prazer das vivências maneiras de fazer e separava suas regras da
estéticas. Para Rancière (2009, p. 39) “é esse ordem das ocupações sociais. (...) O estado esté-
modo específico de habitação do mundo sensí- tico é pura suspensão, momento em que a forma
vel que deve ser desenvolvido pela “educação é experimentada por si mesma. O momento de
estética” para formar homens capazes de vi- formação de uma humanidade específica.
ver numa comunidade política livre”. Enten-
dendo aqui a política como um trabalho de A arte deve ser mesmo pensada dessa forma,
atos de subjetivação realizados em nome da como uma atividade que através de inúmeras
igualdade, que desafiam a ordem em vigor, da construções de signos, formas e ações propor-
ação, da percepção e do pensamento. A políti- ciona ligações com o mundo. É desse envolvi-
ca e a arte provocam rearranjos dos signos e mento com o mundo que brotam todas as ima-
das imagens: todos constroem saberes, todos gens. E é a convivência com as imagens em
escrevem histórias e ficções, todos são de al- espaços de trocas, de respeito às alteridades
guma forma autores. Os jovens reivindicam como nas salas de aula, e claro em todo campo
em suas maneiras de ser e de pensar narrati- da escola, que se pode pensar o ensino como
vas próprias, mistas, também dentro das salas emancipação. Afirmando as aulas de Artes Vi-
de aulas. Podem ser as escolas as vias catalisa- suais como espaços-tempo de reflexão e fazer
doras de atos criadores e experiências estéti- artístico: a arte como produção plástica livre,
cas (de sentido) vividas no coletivo, arranjos de como produção poética que habita o coletivo.
um mundo mais justo. Penso que o ensino de
Artes Visuais nas escolas básicas pretende re- A educação só se realiza pelos encontros de
conhecer as obras de arte e as imagens em ge- pessoas. Esses encontros sempre diferentes
ral como maneiras de conceber o mundo e se promovem a mágica do ensino – professores
relacionar com ele. É pelo diálogo entre as pro- e estudantes (entre outros) são coautores dos
postas do professor e os anseios e referências currículos e do cotidiano escolar. São essas re-
culturais dos alunos que se volta à reciproci- lações partilhas de afeto. São há um só tempo
dade. Reafirmar uma tentativa de igualar os multiplicação e divisão de ânimo. Importa ser
estudantes a partir de saberes dominantes, junto, ser no coletivo, atentos às diferenças
não pode ser o caminho nem uma alternativa (imensa sorte humana, tê-las), fortalecidos
de ensinar nos dias atuais, ter acesso às plu- numa atmosfera de inúmeras possibilidades,
ralidades e aos múltiplos saberes traz também de múltiplos interesses: tão cara ao ensino
responsabilidade crítica aos professores que de artes visuais, a multiculturalidade - refú-
pretendem pensar a formação dos alunos. A gio, nem por isso tranquilo, de uma plurali-
escola construída por todos os indivíduos que dade enriquecedora. É no momento em que
nela habitam pode redinamizar a lógica dos os jovens se debruçam sobre a construção
pensamentos hegemônicos e a partir de um plástica, quando elaboram e produzem poé-
entendimento da importância das imagens na ticas, que questões se colocam, que laços se
atualidade, perceber essas relações de cons- criam - entre eles: são risos, gritos, zoações,
truções identitárias, de grupos e dos olhares interpelações, elogios, brincadeiras, ajudas.
que buscam dar sentido e formas de visibilida- Configurações poéticas como fortalecimento
de ao mundo. Retorna aqui a importância da cognitivo; como construções de si mesmos e
- 244 -

entendimento de quem são os outros. Como · MAFFESOLI, Michel. Homo Eroticus: comun-
liberdade, prazer e crítica. É porque meus alu- hões emocionais. Rio de Janeiro: Forense,
nos me ensinam tanto, que meu encanto não 2014.
pode ser outro, senão a escola. É porque ao
vê-los praticar a arte que percebo a relevância · RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível.
do fazer coletivo, do estar junto, das inúmeras São Paulo: EXO experimental org.; Editora 34,
possibilidades de aprendizados que se mani- 2009.
festam de muitas maneiras, das imensas von-
tades de serem o que pensam ser, de serem o · SACRISTÁN, J. Gimeno. Poderes instáveis em
que pretendem ser, de serem o que inventam educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
ser. Imaginações que germinam nas paisa- 1999.
gens da escola. Que sorte poder conhecê-los!
E com eles aprender a ser! · SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo
senso comum: a ciência, o direito e a política
Referências na transição paradigmática, volume 1. São
Paulo: Cortez, 2000.
· CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidia-
no: 1. Artes do Fazer. Petrópolis: Vozes, 2014. Maria Lia Gauterio Conde Pinto

· DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem so- Mestranda no Programa de Pós-graduação


brevivente: história da arte e tempo dos fan- em Artes da Universidade Estadual do Rio de
tasmas segundo Aby warburg. Rio de Janeiro: Janeiro, com pesquisa intitulada Produções
Contraponto, 2013. poéticas para processos emancipatórios na
paisagem escolar, com conclusão prevista para
· HAAR, Michel. A obra de arte: ensaio sobre 2017. Bacharel e licenciada em Artes na Uni-
a ontologia das obras. Rio de Janeiro: DIFEL, versidade Estadual do Rio de Janeiro. Professo-
2000. ra de Artes Visuais no Colégio Pedro II, na cida-
de do Rio de Janeiro, Brasil, desde 2014.
· HERNANDÉZ, Fernando. Catadores da cul-
tura visual: transformando fragmentos em
nova narrativa educacional. Porto Alegre: Me-
diação, 2007.
- 245 -

CHOQUE DE MONSTROS: CORPO, IDENTIDADE E VISUALIDADE


NA ESCOLA

Pâmela Souza da Silva - UERJ

Resumo popular. Entendida, tal denominação, como


uma face social não redutível aos espaços nos
Este é um resumo das investigações propostas quais se evidencia. Contudo, é nesses espaços,
pela pesquisa de Mestrado intitulada "Choque os espaços escolares institucionais, que o que
de Monstro!”: Corpo, identidade e visualida- lhes são peculiares se potencializam e se ma-
de na escola. Pesquisa baseada nas minhas nifestam com notável singularidade. Não en-
experiências como Professora no município tendemos o espaço escolar em seus tempos
do Rio de Janeiro e nos afetos causados pelas próprios como dissociado ou impermeável ao
existências dissidentes nas escolas em que que lhe circula, atravessa e produz. Entretan-
trabalho. to, refletimos sobre o que a vida dos protago-
nistas desses espaços traz e nesses espaços
YO MONSTRUO MIO1 problematiza.
Susy Shock
Alguns dos aspectos do cotidiano escolar
…Yo, pobre mortal, constituem o foco da pesquisa dentro desse
equidistante de todo tema tão vasto e infinitamente facetado. Das
yo D.N.I: 20.598.061 muitas faces da escola, a face que nos inte-
yo primer hijo de la madre que después fui ressa investigar, é a face que transpondo os
yo vieja alumna limites institucionalizados dos corpos indivi-
de esta escuela de los suplicios dualizados reconfigura o corpo dos investiga-
dores no atravessamento dos colaboradores
Amazona de mi deseo – termos aqui utilizados por falta de algo mais
Yo, perra en celo de mi sueño rojo pertinente.

Yo, reinvindico mi derecho a ser un monstruo Investigadora sou eu. Colaboradores são os
ni varón ni mujer estudantes. Professoras e estudantes. Termos
ni XXI ni H2o facilitadores.

yo monstruo de mi deseo O problema dentro do epicentro da pesqui-


carne de cada una de mis pinceladas sa no fulcro do tema. Nos interessa (nós, eu e
lienzo azul de mi cuerpo meus coletivos de afeto, posso incluir o orien-
pintora de mi andar tador.) o corpo discente que afeta o docente. E
no quiero más títulos que cargar como essa afetação pode, como inusitado orá-
no quiero más cargos ni casilleros a donde culo, anunciar um presente e um futuro ins-
encajar titucional e epistêmico que garanta alguma
ni el nombre justo que me reserve ninguna pertinência ao binômio ensinar e aprender
Ciencia (...) nas escolas.

O tema desta pesquisa está inscrito e cir- Simplificando: aposto que os corpos discen-
cunscrito pela denominação escola pública tes oferecem à atenção docente problema-

1-http://susyshock.blogspot.com.br/2008/03/yo-monstruo-mio.html
- 246 -

tizações muito mais úteis à continuidade e ainda mais o campo investigado. Pois, apos-
atualização da escola do que outros recursos tamos que as narrativas que a investigação
supostamente disponíveis. Refiro-me às ques- nos possibilita produzem efeito paradoxal na
tões que a corporeidade clandestina à escola, diagramação do tema, quanto mais minúscu-
corporeidade pós-moralista em relação aos lo e fugaz aparenta a experiência observada,
princípios, em muitos aspectos, anacrônicos, quanto mais banal e aparentemente rotinei-
dos currículos oficiais, corporeidade juvenil e ra a prática observada, maior a densidade
em fluxo, ou seja em plenitude existencial e do aspecto fulcral ao tema que são, na escola
força estética, exigem tratar e ocupar espaço determinada, alguns dos diversos sujeitos
destacado nos encontros que só a escola pro- que a habitam. De uma denominação gené-
move e nem sempre aproveita em concreto e rica chegamos à imparidade dos praticantes
objetivo benefício dos estudantes. A hipótese do cotidiano especificado. E assim chegamos
que conduz à pesquisa e ao cotidiano escolar, é aos sujeitos encarnados que oferecem sabe-
que os estudantes seriam a fonte de recursos res aos currículos e à formação continuada do
mais importante para a sintonia das escolas corpo da professora.
com a atualidade. A atenção voltada para as
novas gerações de estudantes simultanea- O entendimento postulado é que corpo, defi-
mente à perscrutação dos efeitos dos seus en- nitivamente invocado para além do abominá-
contros no corpo da professora e pesquisadora vel (pelo menos para nós) corte entre mente
é o via metodológica. Assim, a representação e corpo, é o duto das experiências humanas.
do tema se expande. Da escola a uma deter- Um corpo para além de qualquer organização
minada escola, partindo da ideia que o recorte medical. É o que sobrevive às escaramuças do
aqui é imperativo. Cada escola é uma escola biopoder. É o que apresenta mais que repre-
em seu universo de diferentes e singulares senta. O que não se reduz ao sentido. Corpo sem
dias, horas e habitantes. O recorde do cotidia- organização interna ou externa, enxurrada de
no supera a pecha de pouca utilidade, quando sensações em guerrilha contra a palavra. Por-
a utilidade é reconhecida apenas pela supos- que sua evidência anatômica e fisiológica não
ta capacidade de aplicação generalista. Cada responde àquilo que o homem pode sentir nele
recorte cotidiano é singular e sua caracterís- de complexidade (Le Breton, 2003: 271).
tica comum aos outros cotidianos é a aludida
singularidade e essa noção é o mais oportuno Sob a égide do corpo, buscaremos a partir da
recurso teórico ao qual a pesquisa recorre. presença cotidiana lidar com o ‘monstro’, ou seja
o que se aponta para afirmar uma diferença de-
Recortando o cotidiano em suas minúcias, fensiva, egoísta e violenta. O monstro é o corpo
em suas nuances e surpresas expandimos no qual não se discerne cérebro da genitália,
- 247 -

nem tão pouco suas fronteiras, seus limites e Objetivo


terminais dos de outros corpos. Aceitamos, por-
tanto, os corpos que se nos oferecem, a partir do Desejo. Pretendo que a pesquisa funcione um
que vamos percebendo em nosso corpo. Marcas pouco mais do que tem funcionado. Queremos
de percursos de outros corpos, ideias insurgen- que, além do que nos tem propiciado, prazer e
tes, ponderações e sobretudo sentimentos. Ma- movimento, dúvidas e incertezas, estremeci-
téria com a qual buscamos elaborar as narra- mento e emoção, seus frutos sirvam a outros
tivas vertidas em crônicas do nosso cotidiano. da melhor forma possível, que a pesquisa, em
Crônicas que narram os coletivos em mim, como qualquer um dos seus aspectos, sirva ao me-
força inevitável. Buscamos nas crônicas, e isso já nos para chamar a atenção para os monstros,
é parte do método proposto, conter e dispersar para sua relevância na construção diária da
em oferta ao leitor, o que as presenças diversas escola como campo privilegiado de relação, de
nos oferecem ao longo da pesquisa. Não damos criação de modos de encarar e criar o mundo.
a palavra a ninguém, aceitamos as que nos são O objetivo de uma pesquisa é para seus autores
dadas ou dispensadas nos nossos cotidianos. o enfrentamento do que vive na sua vida pro-
Pois, o que viria ser “darmos a palavra” a alguém fissional e que não é discernível da amplitude
se não é um convite para falar? O que então quer de sua vida, é saber mais sobre si por meio dos
dizer esse ato absurdo, essa aparente doação, outros. O objetivo é um disfarce do desejo. E
essa generosidade moldada pela força de auto- o desejo é se enfrentar no plano dos afetos e
ridade difícil de enganar? Quem vai falar? Quem resistências. É colar o corpo na monstruosa
determinaria o lugar do outro, quem lhe pediria diferença que aparta corpos de professoras
que falasse aqui? (Souza, 2012: 266). Trazemos o dos corpos das alunas, é interrogar, a bem de
que nos fez o monstro, acima aludido, trazemos uma escola mais justa, mais amena, mais feliz,
o seu choque contra o nosso espelho, o choque o que faz o monstro, monstro. E a autoria des-
de monstros! sas aberrações. Evidentemente não o monstro,
mas a rede de ações que produz a apartação,
Os monstros se chocam, nos chocam e seu a exclusão, a humilhação e demais violências
choques fendem os currículos. Pelas fendas que arquitetam a monstruosidade do outro.
invadem a cena das aulas e fulguram em mui-
tas versões e visualidades. Corpo, identidades
estilhaçadas e criadas, visualidades ressigni-
ficadas, escancaradas e afirmadas na escola.

As diferenças apontadas, qual se aponta o


monstro, diferindo-o, por meio do indicador
em riste, de nossa normalidade, são as de-
signações anacrônicas mas insistentemente
recorrentes, a negra, o negro, a negritude, a
- 248 -

sapatona, o viado, a travesti, o pobre, o anal- Quanto ao arcabouço teórico que levamos ao
fabeto, o incompetente, o indócil, o bandido, o campo, na medida em que algum norte concei-
inadequado, o inoportuno. Aquele que choca, tual há de se dispor ao deflagrar uma pesqui-
denunciando em nosso estranhamento, nossa sa, convém observar, contudo, que as teorias
incompetência diante do que foge aos fraudu- só adquirem importância meio ao processo de
lentos manuais da normalidade. E mais, investigação, ou seja, em diálogo com o cam-
a nossa cumplicidade e atuação no laboratório po. Na medida em que são as singularidades
que cria o monstro. culturais, as práticas particulares que farão as
articulações e determinarão a pertinência ou
Objetivamos um novo manual, que se inven- validade das teorias.
ta na proliferação dos monstros, e sem ex-
plica-los, os reverencie. Pois, os monstros, a Em outros termos, é como se tanto as teorias
despeito de qualquer força regulatória, proli- quanto os métodos investigativos se contami-
feram. Invadem o planeta, tornando-se fami- nem pelo campo e sejam recriadas pelo pesqui-
liares...(José Gil, 2006:11) sador. Sobretudo porque, em relação aos coti-
dianos, os métodos são criados no movimento
das ações da pesquisa, ou pesquisar o cotidiano
Metodologia é criar metodologias (Victorio, 2007).

A via metodológica aplicada é a pesquisa do/


no/com o cotidiano (Alves) que propõe a inten-
sidade na coleta de tudo que o cotidiano in-
vestigado oferece. Sem excluir a participação
da subjetividade da investigadora que opera,
contamina e atravessa suas ações no campo
da pesquisa como o faz em toda a sua vida.
A descrição densa seria um modo do pesqui-
sador apropriar-se do que o campo oferece e
descrever sua coleta. Nessa via, o pesquisa-
dor deverá buscar realizar sua descrição de
modo a alcançar as suas mais sutis nuances,
detalhes e particularidades, considerando os
contextos, cenários e demais elementos que
configuram o acontecimento e personagens
de sua investigação. O mais significativo não
seria exatamente o denominado “fato social”,
mas, como afirma Geertz (2008, p. 8) o que
mais importa é a ação social decorrente do fato
social. Assim, não se trataria de procurar leis
gerais, mas, trabalhar com as significações e
significados do que se encontra no campo. A
atuação do pesquisador será a de criar inter-
pretações, sempre relativizadas, em torno das
expressões e demais acontecimentos sociais, Quanto ao aspecto metodológico da forma-
que segundo o autor podem ser consideradas tação da dissertação, pretendemos recorrer à
“enigmáticas na sua superfície” (idem, p. 4). aplicação do recurso narrativo, para tanto, en-
tendemos que observadas as definições dicio-
Portanto, as generalizações nas leituras ou narizadas – desde as mais gerais até as mais
interrupções da observação na superfície do especializadas sobre o conceito de narrativa,
acontecimento, superfície muitas vezes cria- devemos considerar que tecnicamente o que
da pelo investigador quando intoxicado por caracteriza a narrativa são diversos aspec-
algum preconceito, devem ser rigorosamente tos, dentre os quais destacamos a menção à
evitadas. É preciso evidenciar os significados representação, exibição ou recapitulação de
dentro do âmbito cultural estudado, respei- um acontecimento ou de uma série de acon-
tando todos seus aspectos e características. tecimentos encadeados em uma ordem de
Pois, quanto mais densa se constituir a des- sucessão ou de decorrência, representação
crição, mais fartos serão os recursos para sempre alavancada pelas força criadora da
sustentar a argumentação do investigador. rede de subjetividades que se estabelece nas
- 249 -

interlocuções que dão substância à investi- cotidiano como campo absoluto dos aconteci-
gação; os acontecimentos, eventos ou ações mentos de interesse da pesquisa; bem como a
que são realizados ou sofridos por um ou mais noção de redes de saberes que nele se realiza;
personagens, ocorrendo em um tempo e es- as propostas libertárias contemporâneas so-
paço definidos pela percepção do narrador; bre racialidade, etnicidade, sexualidade, gê-
a referência à uma dinâmica temporal (ou nero e arte que emergem das militâncias mais
temporalidade dinâmica) que determina a su- libertárias.
cessão dos acontecimentos ou é produzida por
esta; a alusão à uma alteridade mais ou menos Para o recurso à essa rede de saberes e pos-
radical entre o narrador e os acontecimentos tulados, recorremos a alguns autores cuja
e sujeitos narrados, fruto dos distanciamentos produção nos pareceu se identificar com os
e aproximações que o ritmo da pesquisa pro- modos de investigação queemergiram do e no
voca; os acontecimentos narrados, assim como próprio campo investigado. Certamente que
os personagens, cenários e outros componen- muitas propostas teóricas se somaram ao nos-
tes do universo relatado podem ser reais ou so afeto e assim constituíram e conduziram o
fictícios, sendo sempre , de uma forma ou de nosso interesse. Ou seja, leituras prévias ao
outra, a amálgama das duas possibilidades; campo que de certa forma marcante interfe-
no conceituação mais genérica da narrativa, riram nas escolhas do tema da pesquisa e na
os acontecimentos são narrados por meio de forma como foi iniciada.
linguagens que se manifestam em diferentes
substâncias ou suportes expressivos: pelas Uma pausa. Respira
linguagem oral, escrita ou gestual; por moda-
lidades mistas destas linguagens, como a ver- - “Ele sempre foi bicha, mas agora está uma
bo-icônica, por exemplo; pela mímica, teatro, bicha escandalosa. Aí já é demais!” (Professora
dança, etc. aos berros durante o conselho de classe)
- “É uma turma de putas!”
Rede teórica - “Ela está com problemas por causa da sexua-
lidade aflorada.” (Professor gesticulando e
A perspectiva teórica na qual a investigação fazendo caretas sobre aluna “lésbica” em con-
se apoiou alia várias vertentes do pensamento selho de classe)
contemporâneo que se harmonizam na medi- - “Ele era um aluno tão bom aí foi desmunhe-
da em que se complementam favoravelmente cando, desmunhecando e deu nisso.” (Profes-
à proposta do projeto. Dentre essas propos- sores falando sobre o comportamento de um
tas, o corpo como universo de partida do en- aluno na sala dos professores)
tendimento e criação das coisas; a Cultura - “Profe, confia na neguinha aqui!”
Visual como campo de investigação aberta e
multidisciplinar das imagens visuais, de sua
fruição, circulação e criação; a relevância do
- 250 -

2001.
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- 253 -

ENSINO DE ARTE: DIÁLOGOS TRANSESTÉTICOS NA FORMAÇÃO


DO SUJEITO NA CIBERCULTURA

Debora Cristina Santos e Silva - MIELT/UEG


Leda Maria de Barros Guimarães - FAV/UFG

RESUMO ABSTRACT

Este artigo apresenta os resultados parciais This paper presents partial results of a re-
de uma pesquisa que desenvolve estudos search that develops literary studies on
de literatura, artes, mídias e cultura visual, arts, media and visual culture in formal and
em situações formais e não formais de ensi- non-formal teaching-learning. The research
no-aprendizagem. O problema de pesquisa problem is to investigate what the conditions
consiste em investigar quais as condições are necessary for transaesthetic dialogue (in-
necessárias ao diálogo transestético (intercul- tercultural and multisemiotic), under the tea-
tural e multissemiótico), no âmbito do ensino ching of arts and literature, to an education
de Artes e de Literatura, para uma educação that provides the integral formation of the
que favoreça a formação integral do sujeito na subject in contemporary cyberculture. The
Cibercultura contemporânea. Objetiva, assim, main objective, therefore, is to understand the
compreender os princípios do ensino de Artes, principles of teaching Arts, within a rhizoma-
dentro de uma concepção rizomática do con- tic conception of knowledge, for the formation
hecimento, para a formação do sujeito com- of complex subject, under the Cyberculture. To
plexo, no âmbito da Cibercultura. Para isso, do so, this study came from the following re-
estabelece as seguintes questões de pesquisa: search questions: How do I set the scene of cy-
Como se configura o cenário da Cibercultura berculture and what are their implications for
e quais as suas implicações nas práticas so- social practices of reading, writing and pro-
ciais de leitura, escrita e produção-recepção duction-reception of art, literature and visual
de arte, literatura e cultura visual? Quais os culture? What are the fundamental princi-
princípios fundamentais do ensino de Artes ples of teaching arts in intercultural context?
em contexto intercultural? Que bases teóri- What theoretical and methodological bases
co-metodológicas poderiam pautar um ensino could guide an interactive-native teaching, in
de natureza interativa, relacional e colabo- an relational and collaborative way? Thus, the
rativa? Desta forma, a pesquisa se dedica a research is dedicated to create and evaluate
criar e avaliar estratégias para o ensino tran- strategies for transaesthetic education in or-
sestético, a fim de favorecer experiências de der to promote curricular transversality expe-
transversalidade curricular na escola e o uso riences at school and the use of digital techno-
de tecnologias digitais que permitam a apre- logies to the critical-creative appreciation of
ciação crítico-criativa da Literatura e das Ar- Literature and the Arts, through interactional
tes, por meio da interatividade e da produção and collaborative production in virtual envi-
colaborativa, em ambientes virtuais. Desen- ronments. It is developed under the ARGUS
volve-se no âmbito do Grupo de Pesquisa AR- Research Group - Cultural Studies, Language
GUS – Estudos de Cultura, Linguagem e Com- and Behavior (CNPq), the State University of
portamento (CNPq), da Universidade Estadual Goiás, and the Doctoral Program in Visual Arts
de Goiás, e do Programa de Doutorado em Arte and Culture of the Federal University of Goiás,
e Cultura Visual da Universidade Federal de for pedagogical mediation actions in public
Goiás, por ações de mediação pedagógica em schools in the city of Anapolis, Goias.
escolas da rede pública do município de Aná-
polis-Goiás.
- 254 -

Introdução com o advento da Internet, qual seja, a inte-


gração de vários modos de comunicação em
Colocar-se diante da questão do ensino de uma rede interativa. Em outras palavras, dá-
Arte, à luz de uma teoria que justifique e sus- se a irrupção, em termos socioculturais, de um
tente certa prática docente, é ter o privilégio hipertexto e de uma metalinguagem que, pela
de encontrar quem pense a contemporanei- primeira vez na história, integraria, num mes-
dade e visite outros tempos, de maneira crí- mo sistema, as modalidades escrita, oral, ciné-
tica e equilibrada, numa perspectiva lúcida e tica e audiovisual da comunicação humana.
envolvente, sem perder, entretanto, o ethos da Esse momento histórico de grande mudança
liberdade poética. interfere em como se pensam os processos de
comunicação e sua efetiva ação nas relações
Considerando as condições de produção dos interpessoais.
textos e criações digitais em tempos da Ciber-
cultura, marcadas pelo multiculturalismo e O cenário da segunda metade do século XX foi
as multissemioses, o utente-leitor se incita à marcado pelas consequências inevitáveis da
crítica ao modelo de pensar cartesiano, que o chamada revolução tecnológica. Nesse con-
reduz ao lugar circunscrito da dúvida, e o am- texto, a literatura salta das páginas do livro e
plia à práxis cotidiana de suas incertezas, bus- do espaço reservado do quarto de leitura ou da
cando não mais o “retrato”, enquanto “reflexo” biblioteca para as ruas da cidade - nos jornais,
da sociedade e do homem, mas a sua própria nos cartazes, nos grafites, nas performances
“retratação”, no sentido mesmo de “reparação”, públicas e nas mídias em geral, unindo-se a
numa tentativa de reconstrução de um novo outras linguagens e produzindo uma série de
modo de ver e questionar o mundo e, a partir criações hibridas que se configuram atual-
disso, promover mudanças. mente nas “criações digitais” do ciberespaço.
Nesse contexto, a poesia ressente-se desse
Contudo, os instrumentos que possibilitam estado de coisas e proclama novas formas
ao sujeito colocar-se de forma consciente e de criação estética, pelas quais a palavra se
contestadora em relação a um pensamento liberta das amarras da sintaxe normativa e
institucional conservador, parte da ação indi- assume sua vocação metafórica pela via da
vidual de identificação e resistência até uma construção imagética, aproximando-se das
ação coletiva de contestar, e não somente as- artes visuais. Desta forma, palavra e imagem
similar, aquilo que é produto de uma reflexão se (con)fundem numa proposta de renovação
crítica. É assim que, diante de um realismo estética que busca a apreensão dos processos
maduro, comprometido com os homens de de comunicação desse “novo mundo” que des-
seu tempo, a poesia e a arte digital contem- perta na passagem para o século XXI, já em
porâneas assumem uma postura visionária efetiva consolidação.
de seu fazer poético, transcendendo os limites
da palavra escrita, para registrar, com a força Com efeito, as possibilidades de criação de
eloquente de suas imagens, esse Zeitgeist que imagens pelo uso do computador enquanto
demarca a Cibercultura. “máquina semiótica” (BARBOSA, 1996) inci-
ta-nos a mergulhar nos meandros da pesqui-
Com efeito, experiências estéticas foram pro- sa sobre tecnologias contemporâneas para a
duzidas, vivenciadas e discutidas das formas criação artística, investigando as possibilida-
mais diversas, refletindo sobre as realidades des desse estudo nas aulas de Artes e Litera-
impostas ao humano, em diferentes momen- tura, com abordagem estética. De fato, dife-
tos do processo civilizatório. A relação do ho- rentes tecnologias estão sendo incorporadas
mem com a linguagem e as transformações pelos artistas e webpoetas em suas produções,
por que ela passou mostra-se, portanto, como modificando seu emprego em diferentes téc-
um oportuno tema para o início de nossas re- nicas de produção, o que torna híbridas as
flexões. criações digitais, dificultando os limites entre
o artístico e o literário.
Educação estética: diálogos entre Artes,
Literatura e Mídias Do uso de materiais alternativos para captar o
olhar do expectador, os artistas deslocam-se
Tendo em vista as novas configurações da so- do pincel e da tinta para o mouse e milhares
ciedade contemporânea, Castells (2009) nos de pixels, num universo numérico e algorítmi-
adverte que uma transformação tecnológica co. Assim, temos como inquietação as contri-
de dimensões históricas estaria ocorrendo buições que as poéticas digitais podem trazer
- 255 -

ao ensino de Artes e Literatura, uma vez que, atualmente, representando um importante


além de se constituírem como manifestação componente na vida desses alunos, na medida
artística, estão presentes no cotidiano de em que lhes abre uma gama de possibilidades
nossos adolescentes e jovens que transitam para o conhecimento e a expressão em arte.
pelo ciberespaço. Trata-se de um fazer teóri-
co-pragmático que se instala no cruzamento Desta forma, pensar num ensino de Arte, me-
entre Arte, Ciência e Tecnologias. diado pelo diálogo com a Literatura, é impor-
tante à medida que o perfil do estudante vem
Não restam dúvidas de que a escola tem o mudando com o acesso às tecnologias con-
papel de despertar os alunos para a com- temporâneas. Domingues (2014) propõe ques-
preensão das diferentes linguagens artísticas, tionarmos o que está acontecendo com a Arte
suas particularidades poéticas e possibilida- nesta era digital, e o que está sendo produzido
des de interação, marcas retórico-formais das pelos artistas no ciberespaço. A autora observa
criações digitais contemporâneas. O ritmo das que a Arte em tempos de Cibercultura permi-
mudanças é acelerado e impõe o domínio de te maior interação com o espectador, exigindo
conceitos, técnicas e diferentes maneiras de reorganizações profundas da sensibilidade,
produzir literatura e arte que instigam e ator- ampliando o campo da percepção em trocas e
mentam o universo de leituras e produções modos de circulação que exploram os recursos
dos alunos. É importante, então, que a escola computacionais como uma linguagem própria,
compreenda as tecnologias contemporâneas transcendendo a arte da pura aparência. E isso
como fruto de um momento histórico e cultu- se pode estender para a Literatura.
ral (BARBOSA, 2005).
De acordo com Risério (1998), o ambiente tec-
Parece evidente que a integração das tec- nológico afeta profundamente o fazer estéti-
nologias digitais nos domínios da Arte abre co, pois provoca intensas transformações na
novas possibilidades para seu ensino na es- dimensão simbólica da existência, pela qual a
cola, mediado por outras linguagens e mídias, criação tecnológica provoca transformações,
constituindo-se um percurso transestético também, no campo das formas artísticas. Co-
que só enriquece a experiência de percepção, rroborando essa abordagem, Gil (2008) afirma
fruição e apropriação estética. Isso favorece que todo campo cultural, as dimensões simbóli-
as relações existentes nas propostas artísticas cas, as construções das subjetividades que são
específicas das tecnologias contemporâneas, base da vida cultural, as linguagens individuais
bem como a possibilidade de pesquisas nas e coletivas, tudo é afetado pela vida digital.
áreas da História da Arte, da Criação Literária Sendo assim, a experiência artística na escola
ou da Cultura Visual, bem como na produção e é entendida como uma forma de conhecimen-
tratamento de imagens a serem construídas to favorável ao desenvolvimento intelectual
por projetos educacionais. para uma racionalidade cognitiva. Decorre dai
a relevância de aliar Arte e Literatura nas ex-
De acordo com Hernández (2000), a Arte é periências de leitura na escola básica. Nesse
uma prática social, uma forma de conhecer e âmbito, Barbosa (2008) ressalta igualmente a
relacionar-se com o mundo. À luz da Cultura importância de um aprimoramento do olhar so-
Visual, a Arte é compreendida como produção bre as imagens e destaca o papel da escola nes-
social e cultural do sujeito e de sua coletivida- se processo, a fim de preparar os alunos para
de, com características inerentes aos períodos compreender e avaliar todo o tipo de imagem,
em que essas produções artísticas foram ge- uma vez que nossos alunos hoje estão explici-
radas. É assim que, na escola, a educação es- tamente expostos à leitura de imagens.
tética implica um encontro do sujeito consigo
mesmo, pois é na escola que ele expressa seus Certamente, a educação do olhar, enquanto
anseios, desejos e posturas diante do mundo. emancipação, encontra seu ponto fulcral na dis-
Em suas ponderações teóricas, Pimentel cussão das imagens que fazem parte do cotidia-
(2012) ressalta a necessidade e a relevância no dos alunos. Diante disso, Pillar (2014) observa
de se promover um ensino de Arte voltado que ver é dar significado; e esse significado se
para diferentes modos de conhecer e produzir constrói a partir das relações que estabelece-
arte, tanto as tradicionais como aquelas que mos entre nossas experiências e o que estamos
se utilizam de tecnologias contemporâneas. vendo. Neste sentido, é importante uma edu-
A autora reforça que o uso de novas tecnolo- cação estética que promova o aperfeiçoamento
gias possibilita aos alunos o desenvolvimen- do olhar do aluno, mediante ao grande fluxo de
to da sua capacidade de pensar e fazer arte imagens que invadem seu cotidiano.
- 256 -

Para Pimentel (2012), a velocidade com a qual instantaneamente. Amaral (2008, p. 48) as-
percebemos as imagens atualmente nos im- sinala, sobre esse fenômeno, que “o mundo
pede que pensemos sobre elas e selecionemos contemporâneo caracteriza-se por transfor-
as que farão parte de nosso repertório ima- mações aceleradas da noção relacionada ao
gético. Portanto, é necessário desenvolver a tempo, ao espaço e à individualidade. Todas
competência de análise de imagens, de forma elas abrigam a figura do excesso, caracterís-
que estas tenham significado tanto para quem tico da supermodernidade”.
as produz como para quem as contempla e de-
las se apropria. Esse processo de desvinculação dos parâme-
tros de tempo e espaço, e de fusão de indivi-
Desta forma, percebemos que uma educação dualidades, tem condicionado o que se define
estética não mecanizada, ou tecnicista, acaba como o fenômeno da “interterritorialidade”, já
por se realizar durante a fruição de imagens e bastante discutido por vários autores, inclusi-
das produções dos alunos, despertando-se ne- ve Bauman. É nesse novo “espírito de época”,
les o sentimento de autoria em relação ao tex- que Amaral redefine o papel do artista. Nesse
to/imagens produzidas, além de percebê-los contexto de produção e recepção colaborativa,
como grande oportunidade de expressão de para a autora,
ideias, sentimentos e sensações.
[...] a “interterritorialidade” operou uma ideia
Ensino de Artes no cenário da Cibercultura de que o papel do artista é criar uma arte que
provoca o processo de pensar, de arte compro-
Um olhar mais atento sobre a sociedade con- metida com a criação de uma linguagem da
temporânea e suas produções artísticas susci- percepção, que permite a flutuação da infor-
tam indagações quanto ao que as coletividades mação entre sistemas estranhos um ao outro,
humanas estão vivenciando e quais represen- eliminando fronteiras para provocar novas as-
tações produzem de suas realidades. Bauman sociações e analogias. (AMARAL, 2008, p. 55 /
(2001) oferece a perspectiva da “liquidez”, aspas da autora/)
apresentando relações humanas marcadas por
características modernas radicalizadas ou apro- Diante desse cenário, percebe-se muito cla-
fundadas, sob as quais as transformações imi- ramente a crise da escola, uma vez que as
nentes são uma condição intrínseca do homem. dissecações e segmentações dos objetos de
conhecimento tornaram o aluno um ser frag-
Efetivamente, advento das tecnologias digi- mentado, com enorme dificuldade de estabe-
tais acontece num ambiente sociohistórico lecer relações entre os conteúdos, problemati-
apontado por Bauman (2001) como “moderni- zados pela escola e no âmbito da própria vida.
dade líquida”. Nessa concepção, as sociedades Como problematiza Morin (2008), as novas
humanas passam por uma radicalização da concepções epistemológicas demandam a pas-
modernidade no que tange à negação do pas- sagem, iminente e necessária, do pensamento
sado e à reinvenção constante do presente, dualista cartesiano (o paradigma da simplici-
com o intuito de aperfeiçoar infinitamente o dade) ao pensamento complexo, que admite o
homem e suas criações. Esse ambiente acaba caráter multidimensional de qualquer realida-
por criar nos indivíduos a sensação de instabi- de (o paradigma da complexidade). Nesses ter-
lidade e insegurança, diante do imperativo de mos, defende, ainda, Morin (2008, p. 9):
se reinventar a cada instante.
Enquanto o pensamento simplificador desin-
No foco dessas discussões, Bauman (2009) as- tegra a complexidade do real, o pensamento
sinala os mecanismos de como se dá a vida na complexo integra o mais possível os modos
modernidade líquida, visto que o componente simplificadores do pensar, mas recusa as con-
da liquidez das fronteiras territoriais é fun- sequências mutiladoras, redutoras, unidimen-
damental no fluxo de destruição de modos de sionais [...]. Assim, o pensamento complexo aspi-
vida elaborados e na formação de novos mo- ra ao conhecimento multidimensional.
dos de vida. Desta forma, na Ciberliteratura,
é notável a quebra de fronteiras entre autor, E é nesse estatuto sociocultural, multi e con-
texto e leitor, como também entre um texto e troverso que o educador se encontra, desa-
outros textos disponibilizados na Internet (um fiado pelo papel fundamental que ocupa na
hipertexto por natureza). A dicotomia tem- formação do jovem contemporâneo, com o fim
po-espaço também é rompida, pois as obras de capacitá-lo a exercer sua cidadania com
disponibilizadas são captadas pelo receptor responsabilidade social e comprometimento
- 257 -

ético, sem esquecer se das prerrogativas da Assim, perceber-se interdisciplinar é com-


autonomia e da identidade. Ressalta-se, ain- preender que as áreas do conhecimento, as
da, a necessidade de possibilitar o diálogo in- diferentes culturas e saberes que permeiam
terdisciplinar entre as diversas áreas do saber o ambiente escolar interagem e favorecem a
e as diferentes dimensões do humano, tendo compreensão do ser individual em meio a um
em vista as necessidades físicas, materiais, in- contexto global. E a escola não pode abrir mão
telectuais, afetivas e espirituais desse jovem de seu papel mediador nesse cenário.
em formação.
Referências
Assim, esta pesquisa em torno do trabalho
pedagógico no âmbito do ensino de Arte, me- · BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação: leitura
diado pelo diálogo transestético, reafirma no subsolo. São Paulo: Cortez, 2008.
a proposta interdisciplinar que surge como
uma oportunidade de perceber o aluno em · · Arte-educação no Brasil. 7.ed. ,São Paulo:
sua totalidade histórica e cultural, em razão Perspectiva, 2012
de uma visão aprofundada e crítica da edu-
cação estética. Ela possibilita a germinação de · BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Edu-
consciências e diferentes posturas, baseadas cação como mediação cultural em namoro
na pesquisa, no diálogo e na aprendizagem com as tecnologias contemporâneas. In: BAR-
colaborativa professor-aluno, aluno-aluno, BOSA, Ana Mae (org). Arte/Educação contem-
aluno-objeto de conhecimento, aluno-interfa- porânea: consonâncias internacionais. 3ed.
ce tecnológica. São Paulo: Cortez, 2010.

Considerações Finais · · Perspectivas multiculturais: a multicul-


turalidade na educação estética. Disponível
Diante do que aqui foi brevemente exposto, em: http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/bo-
cabe a nós apenas assinalar a relevância de letins2002/mee/meetxt3.ht.pdf Acesso em:
pesquisas de natureza interdisciplinar para 16/05/2014.
os estudos de cultura, da linguagem e do com-
portamento, cuja natureza multissemiótica · AMARAL, Lílian (orgs.). Interterritorialida-
alia Artes, Literatura e Mídias, num espaço de: mídias, contextos e educação. São Paulo:
interterritorial, que não circunscreve mais Edições SESC SP, 2008.
apenas a cultura local, mas se afigura em seu
espaço global de trocas interculturais dinâ- · BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida –
micas efetivadas no cotidiano das pessoas, Rio de Janeiro: Jorze Zahar. Ed., 2001.
interferindo na performance do jovem leitor/
fruidor contemporâneo.Nesse contexto, a sala · · Arte da vida. Rio de janeiro: Jorge Zahar
de aula consiste num espaço promissor de Ed., 2009.
pesquisa para o professor, no qual a reflexão
sobre sua ação pedagógica expõe problemas · CANCLINI, Néstor G. Culturas híbridas. 4. ed.
concretos, vivenciados e refletidos, retoman- São Paulo: Edusp, 2013.
do as soluções aplicadas e partilhando-as com
os demais colegas, a fim de valorizar a expe- · DALVI, Maria Amélia; REZENDE, Neide Luzia
riência e refletir sobre ela. de; JOVER-FALEIROS, Rita (orgs.). Leitura de
literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013.
A proposta transestética busca, desta forma,
pautar-se numa dinâmica cíclica, em constan- · HALL, Stuart. A identidade cultural na
te construção, que transforma seu caminhar pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
em um longo percurso, capaz de fornecer fe- 2003.
rramentas para ajudar o aluno a compreender
sua inserção na vida familiar, social e profis- · HERNÁNDEZ, Fernando. A Cultura Visual
sional – e isso inclui, sem dúvida, a dimensão como um convite à deslocalização do olhar e
estética. Efetivamente, o trabalho interdis- ao reposicionamento do sujeito. In: Educação
ciplinar oportuniza enfoques diversificados da Cultura Visual: conceitos e contextos. San-
para os múltiplos conhecimentos que emer- ta Maria: Ed. da UFSM, 2011.
gem no ambiente acadêmico e escolar, como
também favorecem o olhar plural do aluno · LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo,
nas relações interpessoais e profissionais. Editora 34/ 1996, 9ª reimpressão, 2009.
- 258 -

· JOUVE, V. Por que estudar literatura? São Débora Cristina Santos e Silva
Paulo: Parábola, 2012.
Doutora em Teoria Literária (UNESP /2002).
· MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento Pós-Doutora em Literatura e Hipermédia pela
complexo. 5. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2008. Universidade Fernando Pessoa (UFP-Por-
to/2010/Bolsista CAPES). Pós-doutoranda
· PILLAR, Analice Dutra (org.) A educação do em Arte e Cultura Visual pelo PPGSS em Arte
olhar. 8.ed. Porto Alegre: Mediação, 2014. e Cultura Visual da Universidade Federal de
Goiás (UFG/2016). Docente do Mestrado In-
· PIMENTEL, Lucia Gouvêa. Tecnologias con- terdisciplinar em Educação, Linguagem e Tec-
temporâneas e o ensino da Arte. In: BARBOSA, nologias (MIELT/UEG). Professora do Curso de
A. M. (org). Inquietações e mudanças no ensino Letras do Campus Anápolis de Ciências Só-
da Arte. São Paulo: Cortez, 2012. cio-Econômicas e Humanas (CCSEH/UEG). Lí-
der do Grupo ARGUS/CNPq. Bolsista BIP/UEG.
· RISÉRIO, A. Ensaio sobre o texto poético em
contexto digital. Bahia: COPENE, 1998. Leda Maria de Barros Guimarães

· REY, Sandra. Por uma abordagem metodoló- Professora da Faculdade de Artes Visuais da
gica da pesquisa em artes visuais. In: BRITES, UFG. Atua na formação de professores na Li-
Blanca; TESSLER, Elida (orgs). O meio como cenciatura em Artes Visuais e no Programa
ponto zero: metodologia da pesquisa em artes de Pós Graduação em Arte e Cultura Visual.
plásticas. Porto Alegre: Editora da Universi- Tem pesquisado sobre arte e cultura popular,
dade/UFRGS, 2002, p. 123-140. formação docente e sobre pesquisa e ensino
da arte. É membro da Associação Nacional de
· ROJO, R. Escol@ conectada: os multiletra- Pesquisadores em Artes Plásticas- ANPAP, do
mentos e as TICs. São Paulo: Parábola, 2013. InSEA - "The International Society for Educa-
tion Through Art" e faz parte da atual diretoria
· BARBOSA, J. (orgs). Hipermodernidade, mul- da Federação dos Arte Educadores do Brasil.
tiletramentos e gêneros discursivos. São Pau-
lo, Parábola Editorial, 2015.

· RÜDIGER, Francisco. Cultura e Cibercultura:


princípios para uma reflexão crítica. 2011.
Disponível em:<http://www.e-publicacoes.
uerj.br/index.php/logos/article/view/1502>
Acesso em: 23 dez. 2014.
- 259 -

OLHAR, VER, REPARAR: UM ESTUDO SOBRE AS VISUALIDADES E


CEGUEIRAS QUE ATRAVESSAM A ESCOLA

Ms. Juliana Zanini Salbego - PPGE/UFSM


Prof. Dr. Leonardo Charréu - PPGE/UFSM

Resumo: Van Manen (1998, 2003), Saramago (1995) e


Couto (2008, 2012).
A presente escrita tem como objetivo apresen-
tar, de forma parcial, algumas discussões e re- Palavras-chave: visualidades; cegueiras; Cul-
sultados que estamos desenvolvendo em nossa tura Visual.
pesquisa que tem como referência o campo da
Cultura Visual vivenciada dentro das aulas de Abstract:
artes em determinados ambientes escolares.
Tendo em conta que as imagens são produtos, e This writing is to present, partially, some dis-
ao mesmo tempo características indissociáveis cussions and results we are developing in our
da sociedade contemporânea, faz-se, assim, research that has as a reference the field of
indispensável que seus significados dentro Visual Culture experienced within the arts
das práticas pedagógicas sejam investigados classes in some school environments. Given
cada vez com mais profundidade e sob novos that the images are products, and at the same
ângulos. Também pressupondo um panorama time inseparable features of contemporary
da produção e difusão em grande escala de society, it is therefore essential that their me-
imagens de todos os tipos e modelos, e, para- anings within the pedagogical practices are
doxalmente, ao mesmo tempo, uma ideia de investigated with increasing depth and in new
naturalização\superficialidade das práticas ways. Also assuming an overview of the pro-
de ver, vem-se produzindo efeitos diversos que duction and diffusion in large-scale images
por ora engessam, e ora potencializam nossas of all types and models, and, paradoxically, at
relações com estas imagens. Assim, a busca dos the same time, a naturalization/superficiality
significados construídos a partir do atravessa- idea of practice to see, it has been produced
mento das visualidades em sala de aula, e que different effects that on one hand: imprison,
compõem o que aqui chamamos de ‘cegueiras’, and on the other hand: leverage our relations-
delineiam o escopo principal desta investi- hips with these images. Thus, the search of
gação. Destarte, a partir de um caminho meto- the meanings constructed from the crossing
dológico de caráter híbrido, que está fazendo of visual arts in the classroom, and make up
dialogar estratégias da teoria fundamentada what we call here 'blind spots', outline the
nos dados e da fenomenologia hermenêutica main scope of this investigation. Thus, from
a presente investigação está buscando en- a methodological way of hybrid character,
contrar respostas possíveis à seguinte ques- which is making dialogue theory of strategies
tão: Como acontecem os atravessamentos das based on data and from hermeneutic pheno-
visualidades nas aulas de artes nas escolas e menology, this research is seeking to find pos-
que tipos de cegueiras produzem? Os colabora- sible answers to the following question: How
dores da pesquisa são o grupo componente do crossings of visualities happen in art classes
Pibid – Programa Institucional de Bolsas de Ini- in schools and what kinds of blindnesses are
ciação à docência – das Artes Visuais da UFSM produced? The research collaborators are
no ano de 2015. A base teórica e metodológica from the Pibid group - Institutional Program
desta investigação está alicerçada prepon- of Initiation to teaching Scholarships - Visual
derantemente nos seguintes autores: Tarozzi Arts UFSM in the year 2015. The theoretical
(2011); Charmaz (2009); Hernández (2000, and methodological basis of this research is
2005, 2007); Freedman (2006); Larrosa (2015); based mainly on the following authors: Ta-
- 260 -

rozzi (2011); Charmaz (2009); Hernandez Os colaboradores para que este trabalho este-
(2000, 2005, 2007); Freedman (2006); Larro- ja se desenvolvendo são os integrantes do Pi-
sa (1998); Van Manen (1998, 2003), Saramago bid - Programa Institucional de Bolsas de Ini-
(1995), Couto (2008, 2012). ciação à docência – das Artes Visuais da UFSM
no ano de 2015.
Keywords: Visual Arts; Blindness; Visual Culture.
As cegueiras
Ver. Ver na luz. Luz que permite ver. Escuro que
cega. Luz que cega. Escuro que revela, Escuro Quando pensamos em cegueira, a ideia mais
que vê. É de clarezas e escurezas que trata esta óbvia que nos vem à mente é a da perda da
escrita. Mas não dos claros e escuros por eles visão. No entanto, podemos pensar a cegueira
mesmos, mas das suas relações com a Educação. como algo que não conseguimos ‘ver’, mas não
Esta escrita tem o desejo de percorrer caminhos necessariamente com a faculdade do olhar.
que nos levem a pensar sobre as potencialidades Referimo-nos aqui ao que seria uma cegueira
e os engessamentos de nossas práticas pedagó- simbólica. É sobre esta cegueira simbólica que
gicas quando trabalhamos com visualidades parece se assolar um dos grandes paradoxos
(FOSTER, 1988). Visualidades estas que englo- da sociedade contemporânea, uma sociedade
bam imagens e sujeitos no processo de olhar. da tecnologia, da visão, das imagens, mas ao
mesmo tempo, uma sociedade dos cegos.
Esta pesquisa tem como marco teórico de re-
ferência o campo da Cultura Visual e se des- Algo desta mesma natureza parece ocorrer
envolve a partir de uma inserção em aulas de no campo da Educação, e não poderia ser di-
artes em determinados ambientes escolares. ferente, tendo em vista que a Escola não é um
A investigação começa no diálogo com a lite- organismo autônomo, mas uma parte inte-
ratura e desponta no interior da sala de aula, grante-formativa da sociedade. Tal processo
onde os claros e escuros de nossas vistas se de cegueira parece se afigurar especialmente
manifestam e fazem sentido. Nosso objetivo é quando nos referimos à esfera da Arte e do
percorrer um caminho na busca das clarezas ainda muito recente campo da Cultura Visual.
e escurezas que podem envolver processos Vivemos um momento de extrema fartura de
pedagógicos atravessados por visualidades. todos os tipos possíveis e imagináveis de pro-
Pressupomos um panorama contemporâneo duções das mais diversas ordens e linguagens
da produção e difusão em grande escala de da arte às novas mídias e no entanto, o que
imagens de todos os tipos e modelos, e, para- esta diversidade de produções e produtos tem
doxalmente, ao mesmo tempo, uma ideia de feito na e pela Educação? De que maneira es-
naturalização\superficialidade das práticas tas imagens visualidades e as relações que se
de ver (MITCHELL, 2003). Nesse sentido, en- produzem com elas tem nos ajudado e ajudado
tendemos que ocorre, sobretudo no interior nossos alunos a ver mais? Ou a ver menos? Ou
das práticas pedagógicas, a produção de efei- ainda, a ver de maneira diferente? Ou esta-
tos diversos que, por ora engessam, e ora po- ríamos nós ofuscados de tanta diversidade e
tencializam nossas relações com as imagens. a cada dia mais cegos? Sob esta perspectiva
Assim, a busca dos significados construídos a pareceu-nos interessante aliarmos o estudo
partir do atravessamento das visualidades em das práticas pedagógicas referentes ao uni-
sala de aula, e que compõem o que aqui passa- verso da Cultura Visual e, paradoxalmente,
mos a chamar de ‘cegueiras’, delineiam o esco- tratarmos sobre o fenômeno contemporâneo
po principal desta investigação. da cegueira.

As categorias de cegueiras aqui propostas O tema da cegueira surgiu, sobretudo, por um


estão surgindo a partir de encontros que oco- encontro com o Romance ‘Ensaio sobre a ce-
rreram e seguem a ocorrer com autores da gueira’ de José Saramago. Neste texto, o escri-
literatura e que tem facultado pensamentos tor português desenvolve a narrativa em que
distintos sobre os olhares na Educação. Propo- uma epidemia de cegueira branca se apodera
mos cegueiras que se apresentam como limi- de quase todos os sujeitos de uma sociedade.
tadoras – como aquelas que não nos permitem Na narrativa, ao contrário da cegueira co-
ver além do que está dado, física ou simbolica- mum, em que a perda total da luminosidade
mente e cegueiras promissoras, aquelas nas dá origem a uma cegueira negra, a cegueira
quais o não ver e a presença do escuro se ma- proposta por Saramago era branca, fato que
nifestam como potencializadoras da criação. criava a sensação do referido ‘mar de leite’ nos
personagens. Ali, a cor branca apontava para
- 261 -

um aspecto diferenciado da cegueira, uma ou teoria fundamentada nos dados, a partir da


perda da visão que não ocorria por nenhuma visão de Tarozzi (2011) e Charmaz (2009).
avaria do sistema ocular: a cegueira não era
dos olhos, mas uma Cegueira do espírito. A A chamada Fenomenologia Hermenêutica
partir desta perspectiva, passamos a estabe- (FH) aparece como uma metodologia de pes-
lecer relações entre esta cegueira branca e os quisa qualitativa que tem sido aplicada muito
processos educativos. comumente nas áreas de psicologia, ciências
da saúde, bem como em outras disciplinas das
Além da perspectiva apontada em Saramago, ciências sociais. Neste contexto, Van Manen
um outro encontro com textos do escritor Mia vem constituindo-se como o principal expoen-
Couto fez-nos ampliar a maneira de observar te em pesquisas que relacionam\aplicam a FH
estas cegueiras. No conto chamado “O Cego na área da Educação. Em linhas gerais, a in-
Estrelinho” do livro ‘Estórias Abensonhadas’ vestigação fenomenológica constitui-se, como
(2012), a questão da cegueira, ali uma ceguei- assevera Van Manen (2003) em uma ‘teoria do
ra ‘normal’, negra, aquela da não-visão ocular, único’, se interessa pelo que é, em essência,
revela seu lado mais potente. Na história, o ‘insubstituível e que se inicia no mundo da
fato do protagonista, o Cego Estrelinho, não vida, do que ocorre naturalmente no cotidia-
ver ‘com os olhos’ foi o que lhe permitiu exata- no das pessoas. A FH é, assim, uma filosofia
mente exercitar a sua faculdade de imaginar, do individual, da subjetividade, do incerto,
inventar, criar um mundo mais aprazível e ge- numa tentativa de resistência à racionalidade
neroso. A partir desta perspectiva de ceguei- científica como caminho seguro para a pes-
ra negra que produzia uma capacidade dife- quisa. Esta prática de investigação aplicada
rencial de ver o mundo é que estabelecemos em Educação constitui-se como uma maneira
uma outra dimensão da cegueira, também no de buscar uma atitude reflexiva com relação
sentido simbólico, aquela que, a partir da ‘noi- à pedagogia da qual estamos envolvidos coti-
tidão’ permite não vendo o mundo, imaginá-lo dianamente.
e recriá-lo de forma diferente.
Ambas perspectivas de cegueira branca e ce- De maneira muito aproximada, a Grounded
gueira negra passaram a nortear os nossos Theory é uma metodologia de pesquisa que
pensamentos acerca do atravessamento das tem como ponto de partida o mundo da vida.
visualidades dentro dos processos pedagógi- A expressão Grounded Theory não possui uma
cos em sala de aula. tradução literal para o português, mas tem
sido utilizada como ‘teoria enraizada’ ou ainda,
E que quais caminhos estamos tomando? no Brasil, como ‘Teoria Fundamentada nos da-
dos’ (Tarozzi, 2011). O termo Grounded é usado
Para dar conta deste tema propomos um ca- para referir-se a algo que está ‘encravado’, ‘fir-
minho metodológico híbrido. Sabemos que um me à terra’; ou ainda que possui um ‘enraiza-
entendimento simplificado e essencialmente mento vital nas experiências dos fatos’ (Ibid).
objetivo da atividade pedagógica tenderia a Destacamos este aspecto pois ele traduz com
reduzir as potencialidades inerentes às re- clareza a especificidade da Grounded Theory
lações de ensino-aprendizagem. Isso torna-se (GT), uma vez que uma GT é uma teoria que
ainda mais evidente quando nos referimos à nasce dos dados coletados no campo, a partir
área de estudos que engloba as Artes e a Cul- dos processos de observação-reflexão inicia-
tura Visual, uma vez que este campo de ensino da no campo prático.
e investigação se constitui com uma identida-
de bastante particular, pois que trabalha com Desta maneira, buscamos alinhavar alguns
linguagens muitas vezes intraduzíveis ou in- dos princípios fundamentais do método da
tangíveis, conforme questiona Charréu (2013, Grounded Theory com os pressupostos teó-
p.99): “que aproximações ou metodologias ricos e a orientação intelectual e atitudinal
podemos utilizar para abordar o intangível? da Fenomenologia Hermenêutica no intuito
Ou seja, como investigar tudo aquilo que cir- de construir um marco teórico-metodológico
cunscreve o mundo da arte e dos ‘fenômenos’ híbrido e capaz de dar conta da complexida-
artísticos e\ou dele derivados?” de dos significados de alguns dos fenômenos
educacionais relativos ao atravessamento das
Neste sentido, a presente investigação está colo- visualidades e à produção das cegueiras no
cando em diálogo aspectos teórico-metodológi- interior de determinados processos pedagógi-
cos da Fenomenologia Hermenêutica, encetada cos na escola.
por Van Manen (2003), e a Grounded Theory,
- 262 -

Referências · SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira.


São Paulo: Cia das Letras, 1995.
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· CHARRÉU, Leonardo. Métodos alternativos Professora Assistente na Universidade Fede-


de pesquisa na universidade contemporâ- ral do Pampa (Unipampa) Campus São Borja.
nea: Uma reflexão crítica sobre a/r/tography Doutoranda no Programa de Pós-graduação
e metodologias de investigação paralelas, In: em Educação (UFSM), na linha de pesquisa
R. Martins & I. Tourinho, (Orgs.) Processos e Educação e Artes. E-mail: Julianasalbego@
Práticas de Pesquisa em Cultura Visual e Edu- unipampa.edu.br
cação. Santa Maria, Editora Ufsm, 2013, pp.
97-113. Leonardo Charréu

· COUTO, Mia. O gato e o escuro. São Paulo: Cia Professor no Centro de Artes e Letras da Uni-
das Letras, 2008. versidade Federal de Santa Maria (UFSM) e
no Programa de Pós-graduação em Educação
· COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. São (UFSM), na linha de pesquisa Educação e Artes.
Paulo: Cia das Letras, 2012. E-mail: leonardo.charreu@gmail.com

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sual. Currículum, estética y la vida social del
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dança Social e Projeto de trabalho. POA: Artes
Médica Sul, 2000.

· · De qué hablamos cuando hablamos de


la Cultura Visual? Revista Educação e Reali-
dade. UFRGS. N.34. pp 9-34; jul\dez 2005.

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para uma nova narrativa educacional. Porto
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Horizonte: Autêntica, 2015.

· MITCHELL, William J. T. Mostrando el Ver:


una crítica de la cultura visual. Revista Los
Estudios Visuales en el siglo 21. Madrid, N.1,
nov., p.17-40, 2003.

· TAROZZI, Massimiliano. O que é a Grounded


Theory? Petrópolis: Ed. Vozes, 2011.

· VAN MANEN, Max. El tacto en la ensenanza.


El significado de la sensibilidad pedagógica.
Paidós, Barcelona, 1998.

· VAN MANEN, Max. Investigación educativa


y experiencia vivida. Barcelona: Idea Books,
2003.
- 263 -

O ENSINO MÉDIO EM LOGOTIPOS E CARTUNS NO BRASIL

Rosilei Mielke - UFPB/UFPE


Erinaldo Alves do Nascimento - UFPB

RESUMO Introdução

Este artigo sintetiza uma parte da pesquisa Este artigo apresenta um recorte da pesquisa
de mestrado, intitulada “O Ensino Médio em de mestrado “O Ensino Médio em logotipos,
logotipos, cartuns e na interpretação de Es- cartuns e na interpretação de estudantes”,
tudantes”, que está em fase de conclusão no realizada no Programa de Pós-graduação
PPGAV-UFPB|UFPE. O objetivo, deste texto, em Artes Visuais (UFPB/UFPE), entre 2015
é analisar um logotipo do MEC e um cartum, e 2016, encontrando-se, neste momento, em
divulgado na internet, sobre o Ensino Médio fase de conclusão. A investigação completa
no Brasil. A metodologia envolve uma “Análise busca responder como o Ensino Médio é re-
da Suspeita” dos discursos, com princípios da presentado em logotipos do MEC, em cartuns
Educação da Cultura Visual e da “abordagem veiculados na internet, bem como em outras
multimétodos”. Evidencia-se um discurso an- imagens produzidas por um grupo de estu-
tagônico e persuasivo em logotipos e em car- dantes da Escola Estadual de Ensino Médio e
tuns a respeito do Ensino Médio, com enfoque Profissional Dr. Elpídio de Almeida, da cidade
na pactuação social e em críticas à “baixa qua- de Campina Grande/PB?
lidade educacional”.
A pesquisa analisa um conjunto de cartuns e lo-
PALAVRAS-CHAVE: ensino médio, visualida- gotipos sobre o Ensino Médio no Brasil, bem como
des, educação da cultura visual. o discurso dos estudantes materializado em
imagens autorais. Os logotipos foram elaborados
RESUMEN pelo Ministério da Educação – MEC - e disponibi-
lizados no site oficial – “www.pactoensinomedio.
Este artículo resume una parte de la investi- mec.gov.br”. Sintetizam um discurso pedagógico,
gación de maestrado, titulado "El Bachillera- político e oficial do MEC, sobre o Ensino Médio. Os
to en logotipos, cómics y en la interpretación cartuns foram selecionados, a partir de buscas
de los estudiantes", en conclusión en lo PP- pelo Google, usando as palavras-chave: “ensino
GAV-UFPB|UFPE. El objetivo, en este momen- médio” e “cartuns sobre ensino médio”, publicados
to, es analizar uno logotipo del MEC y uno co- no período de 2011 a 2015. Veiculam, pela ironia
mics sobre la enseñanza secundaria en Brazil. e pelo humor, um discurso social e crítico, em re-
La metodología consiste en un “Análisis de la lação ao Ensino Médio.
Sospecha" de los discursos, con los principios
de la Educación de la Cultura Visual y de la Neste artigo, centra-se a reflexão em um lo-
"abordaje multimétodos". Hay discursos anta- gotipo, elaborado pelo MEC, que representa o
gónicos y persuasivos transmitidos por imá- Programa Pacto Nacional pelo Fortalecimento
genes, respecto a la enseñanza secundaria, do Ensino Médio, e o cartum “Educação à Fun-
con foco en la pactuación social y en críticas do!”, de autoria de Genildo Ronchi, disponível
sobre la “baja cualidad educacional”. no site “www.humorpolitico.com.br/educa-
cao/educacao-a-fundo”. Foram coletados pela
PALABRAS CLAVES: enseñanza secundaria, internet, porque as mídias virtuais também
visualidades, educación de la cultura visual. veiculam imagens que contribuem para confi-
gurar visões de mundo e projeções de sujeitos.
A análise das imagens utiliza o que passamos
- 264 -

a denominar de “Análise da Suspeita”, que é reflete nas instituições, nos meios de comuni-
uma sistematização de alguns princípios da cação, nos objetos artísticos, nos artistas e nos
perspectiva da Educação da Cultura Visual diferentes tipos de público” (HERNÁNDEZ,
para questionar as imagens. Propõe uma aná- 2000, p. 52). A imagem interage com palavras,
lise das interpretações imagéticas, sobre o En- movimento e sons, produzindo uma rede de
sino Médio, considerando a intervisualidade. múltiplos significados (FREEDMANN, 1994).
A intervisualidade pode ser compreendida Esse entendimento é corroborado com a pers-
como uma interação de discursos, um diálogo pectiva da Educação da Cultura Visual, que
entre imagens previamente conhecidas que, considera as imagens como “modalidades de
associadas, promovem outros sentidos. pensamentos que se materializam como práti-
ca social” (NASCIMENTO, 2011, p. 216).
Trata-se de uma pesquisa de natureza quali-
tativa, com uma “abordagem multimétodos” A Educação da Cultura Visual, como campo
(GÜNTER et al, 2008). A partir da visão de emergente, é alimentada e “se efetiva median-
Bauer e Aarts (2002), busca investigar as re- te a articulação de diferentes saberes para
presentações, entendidas como o resultado compreender os efeitos e o poder dos proces-
das relações entre sujeitos e imagens, que es- sos de subjetivação exercidos pelas imagens,
tão ligadas a um meio social. especialmente na contemporaneidade” (NAS-
CIMENTO, 2011, p. 210).
Ensino Médio em logotipos e cartuns
Em relação a esse aspecto, os logotipos e os
A definição da identidade e a contextuali- cartuns sobre o Ensino Médio no Brasil, po-
zação do Ensino Médio e do seu público for- dem associar, constatar, confirmar relações
mante no Brasil é tarefa complexa e inconclu- de forças e de mudanças entre poder e saber.
sa. Algumas tensões residem na dissonância Podem ser uma representação produzida
entre o aprendizado do estudante e o ensino para legitimar ou questionar poderes, valores
praticado. O MEC, por meio do Pacto Nacional e divulgar as demandas e os anseios sociais.
pelo Fortalecimento do Ensino Médio, conce- A “Análise da Suspeita”, sem a pretensão de
be a articulação de ações e estratégias entre esgotar as possibilidades interpretativas e
a União, os governos estaduais e distrital, na analíticas das imagens selecionadas, traz as
formulação e implantação de políticas para seguintes perguntas motivadoras para ana-
elevar o padrão de qualidade do Ensino Mé- lisar os logotipos e cartuns sobre o Ensino
dio brasileiro. Viana (2014), em contrapartida, Médio: quem as produziu? Para quem? Como
propõe uma reflexão sobre a abertura para são divulgadas? Para que? Em que contexto
outros olhares e compreensão sobre o Ensino histórico e social? Em que espaço midiático?
Médio, contribuindo para mudanças curricu- Como foram materializadas? O que podem
lares e que desconstrua ideias generalizantes, significar? O que tem a ver com a vida? (VIC-
fragmentadas e estanques. TÓRIO FILHO; CORREIA (2013), FREEDMANN
(1994), NASCIMENTO (2011)).
Ao analisar as imagens, o discurso é enten-
dido como “uma construção social mutante Os cartuns e os logotipos, divulgados em pá-
no espaço, no tempo e na cultura, que hoje se ginas da internet, abrangem um público mais

Figura 1: Logotipo Pacto Nacional – Ensino Médio


Fonte: http://pactoensinomedio.mec.gov.br/. Acesso em 20/04/2015.
- 265 -

amplo por não haver limite geográfico. Criam logotipo, usado pelo MEC, para representar o
uma “realidade social e cultural”, estando pacto nacional pelo Ensino Médio.
abertas aos diversos sentidos, em relação a A função deste logotipo é identificar o pro-
cada contexto e processo interpretativo. Apre- grama Pacto Nacional pelo Fortalecimento do
sentam enunciados comuns aos sujeitos que Ensino Médio, de modo que represente a ideia
interagem com as imagens. de “inovação”, dirigida pela perspectiva de in-
clusão de todos. Materializa discursos políti-
O logotipo é o símbolo de uma instituição e a cos e educacionais, defendidos pelo MEC, para
identifica junto ao mercado e à sociedade. Se- a sociedade brasileira. Busca construir e con-
gundo Peón (2000), o logotipo é uma represen- solidar uma “mentalidade coletiva” sobre sua
tação formada pela linguagem gráfica e visual, qualidade e competência, em relação ao pro-
oferecida para contemplação, deleite e a con- duto ou serviço que desenvolve. Seus funda-
quista do receptor ou visualizador. É uma ima- mentos básicos são o significado e a memória.
gem visual que representa, pela associação, um
conjunto de interpretações discursivas, norma- O logotipo incorpora a “atração visual”, ressal-
tizadas pela cultura do grupo ao qual se desti- tando os sentidos evocados pelos signos gráfi-
na, podendo ser resignificado pelos sujeitos e cos - livro aberto, predominância de linhas re-
pela comunidade escolar. Adiante, expomos o tas, tons de azul e texto escrito com letras em

Figura 2: Cartum Educação à Fundo!


Fonte: http://www.humorpolitico.com.br/educacao/educacao-a-fundo/. Acesso em 09/04/2015.
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diversos tamanhos. O design utiliza recursos dante pela melhoria do aprendizado e do ensi-
da intervisualidade, veiculando um discurso no, no Ensino Médio. O cartunista, se inscreve
de trabalho em equipe e comprometimento. como interpretador, politizador e convida seus
Busca expressar um discurso de fácil com- interlocutores a partilhar de sua visão crítica
preensão do programa “Pacto Nacional”. As sobre o sistema educacional.
informações aparecem de forma hierarquiza-
da, com uma simplificação das formas e tipos, O cartum possui discursos repletos de sentidos
com economia e equilíbrio na organização. e confrontações binárias entre o dito e o não
dito, entre o sério e o cômico, a suavidade e a
O cartum, como discurso visual, de forma aspereza, a realidade e o exagero, a sutilidade
irônica e cômica, relaciona-se com situações e o escancarado, entre o convencional e não
cotidianas, políticas e sociais, incluindo a edu- convencional. Cada cartunista, além de um
cação. Segundo Petrini (2012, p. 29), o cartum olhar peculiar, construído na interação com a
“problematiza sujeitos e situações reais por sociedade, possui uma expressividade, traços
meio de personagens fictícios”. identitários e preferências temáticas.
O cartum, em destaque, representa o espaço
ocupado pelo Ensino Médio, em relação às O humor, além de ser um recurso da intervi-
demais etapas da educação formal no âmbito sualidade, evoca um discurso gráfico, cromá-
Fundamental e Superior. tico, simbólico e ideológico. Depende do in-
terpretador para a sua significação. Serve-se
As personagens criança (Ensino Fundamen- da piada, que só tem graça, se o interlocutor
tal) e jovem (Ensino Superior) encontram-se possuir as informações culturais precedentes.
separadas por um fosso, dentro do qual está São os códigos formantes de sua memória e
uma outra personagem jovem, representando sua visão de mundo que geram a crítica, a sáti-
o Ensino Médio. Esta etapa é representada no ra, a paródia e a ironia.
meio do percurso escolar formal dos estudan-
tes brasileiros, sendo reforçados os índices Considerações Provisórias
que demonstram uma melhor avaliação da
qualidade do Ensino Superior em relação ao A capacidade de persuasão constitui uma carac-
Ensino Fundamental e, ambos, em relação ao terística “política e estética” do cartum e do logo-
Ensino Médio. tipo. Nesse sentido, é importante fomentar uma
compreensão crítica das imagens, desfazendo
O cartunista utilizou da expressão facial, de conceitos e discursos pré-determinados, repro-
balões de diálogo e gestos para reforçar um dutivos e estereotipados sobre o Ensino Médio
discurso de baixos índices avaliativos sobre no Brasil. O logotipo e o cartum apresentam dis-
a educação atual. As relações intervisuais, os cursos que podem alienar e legitimar, despertar
condicionantes da produção, do produtor e a criticidade e provocar resistências em discur-
da comunicação, o significado impetrado pelo sos sobre o Ensino Médio. Nestas narrativas é a
visualizador, não são neutros na materiali- imagem que faz o discurso verbal obter sentido
dade deste cartum. Estar no “buraco”, pode abrangente no contexto.
ser depreendido como uma interrupção ou
obstacularização no percurso para o Ensino O MEC, por meio do logotipo, busca veicular um
Superior. O discurso do MEC, apresentado nas discurso de que a melhoria da educação, que
DCNEMs (BRASIL, 2013, p. 146), atribui aos se pratica no Ensino Médio, necessita de um
jovens estudantes o papel de “sujeitos dessa “pacto” entre os sujeitos envolvidos no processo
etapa educacional”. Coloca-os como foco e su- educativo. Neste aspecto, observa-se um an-
jeitos responsáveis pela superação do abismo, tagonismo entre as interpretações propostas
representado pelo Ensino Médio. pelo logotipo do MEC, para o Ensino Médio, e a
percepção crítica da sociedade no cartum.
O cartunista, infografista e professor de artes,
Genildo Ronchi, comenta em seu blog, http:// O MEC entende que é preciso uma inovação
genildoronchi.blogspot.com.br: “Nesta área qualitativa no currículo, com interface entre
a administração pública tem mais para tirar os conhecimentos das diferentes áreas e na
do que para dar! É uma pena os jovem [sic] realidade dos jovens estudantes. Por meio de
ainda estarem passando pelo que passam na seus logotipos e do site do programa “Pacto
educação do ensino médio, principalmente!”. Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mé-
Apreende-se, no discurso, um antagonismo dio”, busca atingir um público de jovens estu-
em relação à responsabilização do jovem estu- dantes, professores e sociedade que se utiliza
- 267 -

das tecnologias digitais e virtuais. Veicula um imagens e das interpretações. In MARTINS,


discurso de “inovação”, de união e de com- R.; TOURINHO, I. (Org.). Educação da cultura
prometimento coletivo. Porém, parece pouco visual: conceitos e contextos. Santa Maria: Ed.
eficiente no que diz respeito às visualidades da UFSM, 2011, p. 209-226.
relacionadas ao sentido de “inovação”.
· PEÓN, M. L. Sistemas de Identidade Visual.
Algumas indagações ou desconfianças sur- Rio de Janeiro: 2AB, 2000.
gem diante dos discursos oficiais sobre “ino-
vação”: é esse o modelo de educação que os · PETRINI, P. Gêneros discursivos iconográfi-
estudantes do Ensino Médio aspiram? É assim cos de Humor no Jornal O Pasquim: uma janela
que eles interpretam o Ensino Médio? Como para a liberdade de expressão. Londrina: UEL,
cada sujeito envolvido no processo escolar 2012.
interpreta a etapa do Ensino Médio? É essa
“liberdade dirigida” pela necessidade de atin- · VIANA, M. L. Estéticas, experiências e sabe-
gir metas e índices, preconizados pelas polí- res: artes, culturas juvenis e o ensino médio. In
ticas, que a sociedade realmente deseja para DAYRELL, J.; CARRANO, P.; MAIA, C. L. (Orgs.).
a educação dos jovens estudantes? Quais são Juventude e ensino médio: sujeitos e currícu-
as reais demandas contemporâneas acerca da los em diálogo. Belo Horizonte: Editora UFMG,
educação dos jovens? 2014, p. 249-267.

A Educação da Cultura Visual abre outras pos- · VICTÓRIO Filho, A.; CORREIA, M. B. F. Pon-
sibilidades de investigação sobre as relações derações sobre aspectos metodológicos da
interpretativas em relação às imagens per- investigação na cultura visual: seria possível
meadas por relações de saber e de poder, sem metodologizar o enfrentamento elucidativo
hierarquizá-las. Significa também politizar o das imagens? In MARTINS, R.; TOURINHO,
público da educação, para a transformação e I. (Org.). Processos e práticas de pesquisa em
para a resistência. cultura visual e educação. Santa Maria: Ed.
UFSM, 2013.
Referências

· BAUER, M.; Aarts B. A construção do corpus: ROSILEI MIELKE


um princípio para a coleta de dados qualitati-
vos. In GASKELL, G.; BAUER, M. W. (Eds.). Pes- Mestranda do Programa de Pós-graduação
quisa qualitativa com texto, imagem e som: Associado em Artes Visuais – UFPB/UFPE;
um manual prático. Tradução de Pedrinho A. Especialista: Linguística, Letras e Artes – Área
Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 39-63. de Concentração em Arte-Educação – UNC,
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Docência no Ensino Superior – UCDB; Gradua-
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. da em Artes Visuais - UNC. Membro do Grupo
Brasília: MEC, 2013, p 144-177. de Pesquisa em Educação e Artes Visuais –
GPEAV/UFPB.
· FREEDMANN, K. Inyerpreing gender and vi-
sual culture in art classrooms. Studies in Art ERINALDO ALVES DO NASCIMENTO
Education. Barcelona, n.35 v.3, 1994, p. 157-
170. Doutor em Artes - ECA-USP; Mestre em Biblio-
teconomia – UFPB; Graduado em Educação
· GÜNTHER, H. Como elaborar um questio- Artística - UFRN. Professor do Departamen-
nário. In PINHEIRO, J. de Q.; GÜNTHER, H. to de Artes Visuais – UFPB - do Mestrado em
(Orgs.). Métodos de pesquisa nos estudos pes- Artes Visuais da UFPB/UFPE. Autor do livro
soa-ambiente. São Paulo: Casa do Psicólogo, “Ensino do desenho: do artífice/artista ao des-
2008, p. 105-147. enhista auto-expressivo” (2010), de artigos
e capítulos de livros. Integra o Grupo de Pes-
· HERNÁNDEZ, F. Cultura visual: mudança quisa em Ensino das Artes Visuais – UFPB, e o
educativa e projeto de trabalho. Tradução Grupo de Pesquisa em Educação e Visualidade
Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Art- - UFG.
med. 2000.

· NASCIMENTO, E. A. Singularidades da edu-


cação da cultura visual nos deslocamentos das
- 269 -

A ESCOLA DE ARTES VISUAIS DO PARQUE LAGE

Claudia Saldanha

INTRODUÇÃO Morais conta sua experiência como profes-


sor; e na terceira entrevista, Helio Eichbauer
Este trabalho faz parte da pesquisa propos- discorre sobre sua experiência como colabo-
ta para o Doutorado em Artes no Instituto de rador de Rubens Gerchman no período inicial
Artes da UERJ. A pesquisa trata do ensino da da fundação da escola - período de conflitos e
arte no Brasil, em especial em instituições de ambiguidades, que acabou por instaurar um
ensino não formal, criadas como alternativa ambiente artístico e cultural de contestação
ao ensino acadêmico. Na etapa inicial, foram política com reflexos em outros centros de
reunidas três entrevistas feitas com o objetivo arte e cultura do país.
de reunir reflexões de professores, diretores
e outros colaboradores sobre a fundação e os 1. HISTÓRICO
anos seguintes à criação da Escola de Artes Vi-
suais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Na segunda metade do século XX surgem no
Brasil, no contexto não-formal, iniciativas
A Escola de Artes Visuais do Parque Lage de artistas que se dedicam ao ensino da arte
é ainda hoje responsável pela formação de como, por exemplo, a Escola de Belas Artes de
muitos artistas da cidade e do país. Eventos Belo Horizonte que funcionou de 1942 a 1963,
marcantes para o cenário da arte contem- sob a coordenação de Alberto da Veiga Guig-
porânea ocorrem na instituição, que é um dos nard (conhecida como Escola Parque e mais
poucos exemplos de escola livre e não formal tarde como Escola Guignard) e que depois se
que continua em plena atividade. O projeto de tornou integrante da Universidade Federal
pesquisa pretende estudar como a educação de Minas Gerais. Outra iniciativa foi a Escola
da arte se desenvolveu no Brasil; mapear e de Arte Brasil, fundada em São Paulo, na dé-
analisar instituições e outras iniciativas de cada de 1970, pelos artistas Luiz Paulo Bara-
formação do artista que se estabeleceram em velli, Frederico Nasser, Carlos Fajardo e José
escolas e ateliês livres; analisar afinidades e Rezende. Mais recentemente, houve a criação
dissonâncias entre projetos de formação do da Escola Panorâmica, em São Paulo.
artista, suas concepções, crises e desenlaces
frente ao desenvolvimento da educação for- Dentre os mais importantes centros de for-
mal, levando em conta o contexto histórico e a mação de artistas, o Museu de Arte Moderna
natureza de cada iniciativa. Por fim, o projeto do Rio surge, em 1948, e implementa seus
busca realizar pesquisa que possa promover ateliês, em 1959, com um curso de gravura
uma releitura de temas amplamente debati- ministrado pelo francês Johnny Friedlander e
dos como programas de ensino e capacitação pela artista brasileira Edith Behring. Ivan Ser-
de artistas e a importância de uma escola livre pa exerce sistemática atividade pedagógica, a
e não acadêmica hoje. partir de 1952, em especial no ensino da arte
para crianças. Na década de 1950, o Museu
As três entrevistas coletadas foram concedi- de Arte de São Paulo também oferecia aulas
das entre 2012 e 2016, a Claudia Saldanha, de arte. A partir de então vários museus assu-
Isabela Pucú e Marcelo Campos. Na primeira miram o papel de “escolas de arte”. Nomesmo
entrevista, Frederico Morais fala sobre sua ano, com a criação da Escolinha de Arte do
experiência como diretor da EAV Parque Brasil, seu fundador Augusto Rodrigues pas-
Lage; na segunda entrevista, Luiz Ernesto sou a reunir artistas e professores para pro-
- 270 -

porcionar às crianças e jovens um ambiente 2. A ESTRUTURA DA ESCOLA DE


onde a arte pudesse ser vivenciada sem fron- ARTES VISUAIS
teiras. A Escolinha foi pioneira na formação
de professores de arte e publicava em seu jor- O Instituto de Belas Artes funcionava no Par-
nal “Arte & Educação”, a partir dos anos 1970, que Lage há dez anos, com mais de 1.000 alu-
importantes artigos de autores nacionais e nos. Seu corpo de professores, de orientação
estrangeiros. acadêmica, se dividia em oficinas onde se
ensinava o desenho, a pintura e a história da
Nos anos 1960 Paulo Freire dedicou-se à edu- arte nos moldes de outras escolas de arte aca-
cação de base em Pernambuco. Seu método de dêmicas do país.
alfabetização foi implementado pelo governo
de João Goulart em todo o país. Perseguido Convidado pelo então Secretário de Educação
pelo governo Castelo Branco, Freire exilou-se e Cultura Paulo Afonso Grisolli, Rubens Ger-
no exterior. Na década anterior, Dra. Nise da chman chamou artistas e intelectuais para
Silveira havia criado o Museu de Imagens do traçarem as bases conceituais de uma nova
Inconsciente, em Engenho de Dentro, que escola. A arquiteta Lina Bo Bardi, o fotógrafo
transformou-se em um centro de pesquisa so- Roberto Maia, a antropóloga Lelia Gonzáles
bre a produção artística de internos do Centro e os cenógrafos Helio Eichbauer e Marcos
Psiquiátrico Pedro II, implementando assim Flaksman foram os primeiros. Mais tarde,
um projeto inovador no campo da psicanálise somaram-se ao grupo os artistas Dionísio Del
e da arte em uma colônia de doentes mentais Santo, Celeida Tostes, Gastão Manoel Henri-
até então tratados com eletrochoques. Dra. que e o cineasta Sérgio Santeiro, entre outros.
Nise foi responsável ainda por disseminar as O projeto de Gerchman incluía também disci-
ideias do psiquiatra suíço Carl Jung no Brasil, plinas como a fotografia, o cinema e o design
especialmente seus estudos sobre símbolos, e contou com a colaboração de artistas como
arquétipos e inconsciente coletivo. A este pa- Lygia Pape e José Tenreiro.
norama de experimentação e de novas ideias
somava-se o lastro teórico trazidos pelas pu- Em um extrato do vídeo “Com a Demissão no
blicações de Herbert Read, educador britânico Bolso, 1975-1979” Gerchman afirma, em sua
que propunha a educação através da arte de última entrevista concedida às filhas, em
forma integrada. 2008, ter seguido conselhos da arquiteta Lina
Bo Bardi que o estimulou a assumir a escola.
A transferência da Escola de Belas Artes do A primeira medida de Gerchman foi escolher
prédio do Museu de Belas Artes, para o com- um novo nome para a escola. O Instituto de Be-
plexo modernista da Ilha do Fundão, no Rio, las Artes passaria a ser chamado de Escola de
buscou exilar, juntamente com outros progra- Artes Visuais. Outra medida foi a adequação
mas de graduação e pós-graduação da UFRJ, dos cursos à contemporaneidade: a integração
cursos superiores engajados na vida política das atividades teóricas às de ordem prática.
da cidade. Uma época de enfraquecimento das Wilson Coutinho aponta que “... ao propor artes
instituições e também das iniciativas infor- visuais, Gerchman já indicava o que desejava.
mais perdurou durante o período da ditadura Movimentar o que era velho e romântico no
militar, recrudescida em 1970 até meados dos prédio de Basanzone para o tempo centrífugo
anos 1980. Exceção a isso foi a reestruturação da modernidade. Artes visuais expressava um
da Escola de Artes Visuais em um momento de comportamento aberto a todas as outras artes,
extrema crise política e seu destacado lugar o que incluía o cinema, o teatro, a fotografia,
no âmbito da produção artística nacional, pro- e deixava claro que novos procedimentos es-
movendo encontros e práticas inovadoras no téticos como a performance, happenings, am-
campo da arte, do cinema, da dança, da per- bientes e instalações, poderiam ter lugar nos
formance, da poesia e do debate crítico acerca jardins que rodeiam o prédio veneziano”.1 Se-
da cultura do país. gundo Gerchman, a Escola de Artes Visuais foi
simultaneamente concebida como um depósi-
to de informação e um centro experimental de
arte. “Como depósito de informação acumula
e atualiza informação em geral e sobre artes
visuais em particular, tendo no professor o in-

1- Coutinho, Wilson “O Jardim da Oposição”


- 271 -

termediário que facilita o acesso do aluno, seu que se reuniram em torno dela. Conseguimos
usuário, à informação que procura e que pos- ter um corpo de alunos altamente estimulan-
sibilitará ligar sua visão particular com o que te, embora oscilante, entre os cursos oficiais e
é possível fazer. Alunos e professores estarão as oportunidades profissionais. Desenvolve-
em contato, através de cursos teóricos livres mos um trabalho que nos revelou o maravilho-
de curta duração, sempre renovados e per- so poder do debate livre e sincero... Estudar e
manentemente ligados às oficinas... O projeto conviver num clima de livre debate é a contri-
da escola será reformulável a cada semestre, buição que a EAV deixa nesse período de sua
absorvendo a experiência obtida com alunos e existência”.3
professores, incorporando o desenvolvimento
da experimentação de cada um. A viabilidade Segundo o crítico Wilson Coutinho, “... O Par-
da escola de arte está em sua capacidade de que Lage era também um lugar possível para
considerar cada aluno um pensador indivi- uma reafirmação social da cultura após os
dual, e, portanto, um propositor, um descobri- ‘anos de chumbo’... O Parque Lage se oferecia
dor do que é arte”.2 como um espaço ideal para se transformar –
embora sua influência pudesse ser conside-
Na nova estrutura um programa básico obri- rada diminuta socialmente – numa espécie de
gatório para todos os alunos, com disciplinas embate modernizador e democrático em re-
práticas e teóricas, era a porta de entrada para lação ao ensino da arte. Essa nova perspectiva
alunos. Aqueles que demonstrassem possuir vinha acompanhada de outras experiências
um instrumental prático e teórico, através igualmente bem sucedidas no campo da edu-
de testes, teriam acesso imediato às oficinas. cação e da arte... Rubens Gerchman chegava
Dentre as oficinas constavam 3D (madeira e com um repertório de novidades que logo viria
modelagem), 2D (pintura e desenho), Gráficas balançar a nova estrutura da instituição... O
(serigrafia, lito, xilo, metal, offset), Oficina do Instituto [de Belas Artes] estava, como inúme-
Corpo, Cenografia, Fotografia, Cinema, Cerâ- ras escolas de arte no Brasil, vivendo um tem-
mica, Tecelagem e Modelo Vivo. As oficinas po descompassado, desatualizado e, material-
eram conduzidas por artistas como Dionísio mente, sem verbas. Mas isto não era novidade.
Del Santo, Marcos Flaksman, Sérgio Santei- Velha, também, era a própria noção de ensino
ro, Gastão Manoel Henrique, Helio Eichbauer de arte no Brasil, onde a circulação entre sa-
e Roberto Magalhães. De acordo com Gerch- ber acadêmico e moderno mistura-se numa
man, o objetivo da escola era o de propiciar argamassa que acaba por edificar o conheci-
a vivência com artistas e também equipar o mento da arte entre nós”.4
aluno com uma visão do que seria arte con-
temporânea. Com a saída de Gerchman, em 1979, outras
gestões sucederam-se e dedicaram-se, cada
“Ao se reunir, em 1975, um grupo de profis- qual à sua maneira, às práticas de ensino da
sionais ligados a diversas áreas das artes vi- arte. Embora os diretores que se seguiram à
suais viu-se diante daquilo que era ao mesmo fundação da escola tenham criado diferentes
tempo uma grande oportunidade para o des- estruturas, a ideia fundadora de educação
envolvimento de saudável troca de experiên- plural que emancipa o aluno a um propositor,
cias e uma tarefa de insondável dificuldade: permaneceu. Aos poucos, um modelo de esco-
a criação de um currículo para uma escola de la de arte mais previsível, de oficinas indepen-
estudos livres. Uma escola livre é uma escola dentes, conduzidas por diferentes professo-
que não diploma, que não ‘forma’. Em con- res, foi implementado. No entanto, a principal
trapartida, ela também não exige do aluno característica criada pela primeira gestão - a
um “nível” de aprendizado (seja ele primário, de uma escola aberta, de ensino livre - conti-
secundário ou superior). Isto faz com que os nua até hoje.
alunos em ‘formação’ fujam dela em procura
das escolas oficiais e que os alunos que a pro- 3. ALGUMAS NOTAS
curam não se sintam ‘compromissados’ pela
perseguição de seu certificado. O grande valor O período de criação da escola foi repleto de
desta escola não é uma ideia, mas as pessoas iniciativas renovadoras e independentes na

2 -“O que é a Escola de Artes Visuais”. Folder inaugural da EAV, lançado por ocasião da inauguração. 1976
3 - Flaksman, Marcos. Oficina de Cenografia 1975/1978 in Memória Lage.
4 - Coutinho, Wilson. “O Jardim da Oposição”
- 272 -

busca do que Thierry de Duve classificou de comprometerem ao máximo com as ativida-


“theory based pratices” no lugar de “studio ba- des. Para isso criou-se um setor teórico forte
sed art”. A Escola de Artes Visuais não fugiu a e um programa intenso de atividades que se
essa tendência que, segundo de Duve, regis- estendia até o fim de semana. A ampliação
trou-se nas últimas décadas. Não por acaso da oferta de cursos teóricos objetivou criar um
Gerchman contava com a presença de Mario processo de discussão através de seminários e
Pedrosa, Ferreira Gullar, Roberto da Matta e debates. “Assim, a EAV entende que a arte não
Lelha Gonzáles em palestras e debates sobre é mero exercício de habilidades com materiais
arte e cultura. No início de 1970, depois de seu e técnicas, ou apenas o treino dos sentidos e da
exílio no Chile, durante o governo Allende, Pe- intuição, mas também um trabalho intelectual
drosa foi um importante articulador e teórico comprometido com o movimento de transfor-
sobre as relações entre “arte culta” e arte po- mação da sociedade... No apoio ao desenvolvi-
pular. É de se supor, portanto, que suas pales- mento dos processos individuais estão afasta-
tras no Parque Lage tenham tratado de temas das as posturas paternalista, assistencialista e
correlatos, como o envolvimento de instituições autoritária. Os diversos núcleos se organizam
como museus e escolas no ensino da arte. em torno de um núcleo central ou praça, por
onde passam todos os alunos. Os núcleos são
Por fim, há de se notar que, embora Gerchman territórios do fazer, enquanto na praça são
tenha se cercado de figuras ilustres e altamente discutidas sobretudo as questões de lingua-
qualificadas, não pode evitar que grande parte gem. Coração da escola, este núcleo central
da estrutura de ensino criada em sua gestão re- reúne matérias teóricas e práticas dadas em
afirmasse práticas desgastadas de ensino fun- caráter permanente (teoria da cor e da forma,
dados na “studio based art”. No folder inaugural história da arte, filosofia, estética, antropolo-
da escola há uma extensa gama de cursos que gia etc.) e seminários, conferências, works-
reproduzem características de qualquer outra hops e trabalhos coletivos”.5
escola de arte. Essa aparência de que nada mu-
dou em uma primeira análise pode ser enganosa “No MAM criei o curso de Cultura Visual Con-
e encobrir a importância de uma das mais reno- temporânea. Minha ideia sobre educação ar-
vadoras experiências já implantadas na história tística era liberar os processos criativos e daí
do país. Mais do que um modelo, o que se criou os Domingos da Criação. A criatividade não se
na EAV foi um “ambiente”, “uma atmosfera”, restringe, necessariamente, ao campo da arte.
como afirma Frederico Morais, de experimen- Pode-se ser criativo na sociologia, na política,
tação e troca, de “reeducação da sensibilidade” na economia, no serviço público, etc. Quando
e de “exercício experimental da liberdade”, como fui para a EAV levei algumas ideias e estrutu-
dizia Mario Pedrosa. ras já implementadas no MAM. Mario Pedrosa
dizia que a educação mais importante é a edu-
4 ENTREVISTAS cação artística porque não só libera a criança
do medo de fazer aquilo que está passando
4.1 Frederico Morais | junho de 2010 dentro dela e que os pais proíbem e que mais
tarde vai explicar porque ela vai ser um bom
Concedida a Isabela Pucú e Marcelo Campos sociólogo ou um bom político.”

“A Escola de Artes Visuais não é uma escola “Quando cheguei no Parque Lage queria que
no sentido pleno da palavra, porque não tem os alunos passassem por vários ateliês e que
uma estrutura rígida. Mesmo a estrutura que num determinado momento, escolhessem.
implantei nunca foi plenamente concluída. Queria que assistissem aulas de teoria e de
Para mim a Escola sempre foi um clima, uma história da arte. Programei um fórum de ideias
atmosfera”. com palestras todos os dias.Todas as tardes
havia conferências sobre os mais diversos
Para Frederico Morais a Escola de Artes Vi- assuntos. Tirei a Biblioteca do porão e passei
suais, sem uma obrigatoriedade curricular para o Auditório. Queria chamar atenção, sim-
acadêmica, estruturou-se segundo um esque- bolicamente, para a importância da leitura. O
ma de integração entre núcleos práticos e teó- Pátio da piscina era uma importante passa-
ricos. Alunos eram estimulados a permanece- gem entre todos os ateliês. No Salão Nobre fiz
rem o maior tempo possível na escola e a se a primeira exposição do Bispo do Rosário e a

5 - Documento de 12 de abril de 1988. Biblioteca da Es-


cola de Artes Visuais - Memória Lage
- 273 -

partir daí virou uma sala de exposição”. aquilo que eu me sinto seguro e que faz parte
do meu interesse. Essa liberdade, quando se
“A Escola não deveria ficar apenas ensinando fala em escola livre, está nos dois lados. Está
técnicas porque as técnicas são muito efême- também em como o professor atua e o que es-
ras, são superadas. O ateliê, a oficina é onde colhe pra oferecer para o aluno.
você estiver e o material é aquele de onde se
estiver. Se for numa praia, o material é a areia, CS - É interessante notar que algumas pes-
o vento, a água... Levava meus alunos pra soas procuram a EAV para se preparar para
praia quando queria falar de land art; levava um curso universitário mas também vemos o
para o supermercado quando queria falar de contrário.
pop art e quando queria falar de minimal art,
alugava um ônibus para visitar as estruturas LE – Houve uma época em que a separação era
industriais dos gasômetros”. total. Quem estudava no Parque Lage não ia
para faculdade. Não havia cursos de pós-gra-
4.2 Luiz Ernesto | dezembro de 2015 duação e hoje existe um trânsito para lá e para
cá de artistas que querem um embasamen-
Claudia - O que torna a EAV Parque Lage uma to em nível de pós graduação. Mas o Parque
escola tão singular diante de um panorama Lage tem esse lado de atelier, o lado de você
cada vez mais amplo e, em alguns casos, acessí- produzir o trabalho e discutir essa produção.
vel de programas de formação para o artista? A pós-graduação geralmente está ligada a
uma tese que é escrita. Mesmo que como ar-
Luiz Ernesto - Podemos analisar aqui, simpli- tista você tenha seu trabalho como assunto da
ficadamente, dois modos de abordagem da tese, o que vai resultar é um texto, é um dizer
formação para o artista. Ou se considera um sobre que nem sempre se mistura com a coisa,
currículo preestabelecido que deve ser segui- porque o dizer tem um limite em relação à coi-
do por todos os alunos, modelo este, em geral, sa. Quando o aluno volta para o Parque Lage é
seguido pelas universidades e indiferente às para ter essa abordagem diretamente ligada à
suas singularidades, ou o oferecimento de produção, sem a mediação de textos. Não que
uma ampla variedade de cursos que pode ser a parte da teoria não seja importante. Acho
escolhido pelo aluno de acordo com suas espe- fundamental. Mas ali você levanta as ques-
cificidades e interesses, caso da EAV. Assim, tões teóricas a partir da produção, ao menos
alunos que frequentarem a mesma escola não nos cursos chamados práticos. Acho que isso
necessariamente seguirão o mesmo currículo. faz falta às vezes na pós-graduação. Tem gen-
Deve-se considerar também que nos cursos de te que está fazendo doutorado e volta para o
mestrado e doutorado, hoje disponíveis para Parque Lage para fazer cursos que você nem
os artistas, a meta é a tese, ou seja, um texto, imagina que fossem procurar. Essa é uma ca-
que mesmo tendo o trabalho do artista como racterística da escola.
tema, difere-se do processo de realização e
criação deste mesmo trabalho. Na EAV po- CS – Que aspectos seriam mais importantes
de-se focar nesse processo tendo como meta desenvolver na formação do artista hoje?
o aprimoramento do trabalho. Você acha importante a formação teórica e o
conhecimento sólido de história da arte.
Quando a gente fala de escola livre pensa na
relação da escola com o aluno. Ele tem liber- LE – Acho que produzir algo de arte é uma
dade de escolher sua trajetória, o curso que criação de significados, é juntar coisas que
quer fazer, o tempo que vai permanecer na produzam um outro significado. Necessaria-
escola... Mas há um outro dado importante que mente, ao discutir significados você está dis-
é a liberdade do professor. Porque é diferente cutindo teoria. A arte não nasce como uma
numa universidade. O professor que faz um bolha. Ela tem uma referência histórica, tem
concurso entra pra dar uma determinada ca- séculos de existência, tem discussões atuais
deira. Ele tem um planejamento preestabele- e abordagens de autores diferentes, de ques-
cido que não foi ele quem organizou. Mas esse tões diferentes. O artista tem que estar an-
tipo de coisa não acontece no Parque Lage. O tenado com essas coisas. Acredito ser útil ao
professor elabora um projeto de aula de acor- artista uma boa formação teórica. Um con-
do com aquilo que ele tem mais afinidade, com hecimento sólido de história e teoria da arte
o que ele está mais interessado, mais sintoni- é fundamental para sua formação. O trabalho
zado. Nesse aspecto há uma chance de quali- de atelier, embora não seja importante em
dade na aula muito grande porque eu vou dar alguns projetos artísticos, não se reduz a um
- 274 -

desenvolvimento somente técnico. O embate portante desenvolver uma maneira de pensar


com o material, os erros e acidentes podem onde a incerteza e o risco são parte da coisa.
estimular uma postura em relação à produção De um modo geral, quando a gente aprende
como a que procurei explicar na pergunta acha que vai ter mais segurança, mais conteú-
anterior. Às vezes tenho um pouco de dúvida, do e por isso vai errar menos. Na verdade, em
por ter uma experiência muito ligada a uma arte o erro é parte do processo. Se não tiver a
escola livre, se há itens que a gente pudesse chance do erro, não há risco. Se você trabalha
listar como fundamentais para a formação de com certezas, cai numa fórmula e começa o
todos os artistas. Como a escola livre singula- trabalho sabendo como vai acabar. A parte da
riza esse trajeto? Acho que essa inocência não invenção, a parte que cria, depende da chance
cabe no mundo de hoje. É importante ter uma de dar errado. No atelier você cria uma série
referência histórica, uma referência teórica, de exercícios nos quais a dúvida, o risco, a pos-
mas também tem esse lado singular de que a sibilidade do erro, do acidente são tão impor-
escola livre permite que o aluno busque neces- tantes quanto conhecer os meios que se utili-
sidades que são dele e não, necessariamente, za. Acho que o trabalho no atelier é importante
de todos os artistas. O que também acontece por desenvolver uma forma de pensar, de se
muito no Parque Lage são pessoas que voltam relacionar com a produção. É uma postura
para a escola e, por alguma razão, sentem ne- fundamental para o trabalho. Mesmo que não
cessidade de atualizar alguma questão, de as- se use uma determinada técnica futuramente,
sistir um outro curso, de ouvir alguém. a experiência, a maneira de lidar com as coi-
sas, a possibilidade do erro são fundamentais.
CS - O que buscam os artistas iniciantes quan-
do chegam a EAV e o que você, como profes- CS – Thierry de Duve disse em seu livro
sor, procura oferecer em seu curso? “Fazendo escola (ou refazendo-a?)” que “Hou-
ve um tempo em que a arte se transmitia di-
LE - Considerando especificamente os alunos retamente de mestre para aprendiz na ofici-
que pretendem seguir uma carreira artística, na. Em seguida, houve um tempo em que sua
percebo uma enorme ansiedade e imediatis- transmissão era coroada por um prestígio in-
mo em relação à sua inserção no mercado de telectual e era um exclusivo domínio das aca-
arte. O enorme desenvolvimento deste, nos demias. Atualmente, ela transita por escolas
últimos anos e a espantosa quantidade de no- de arte herdeiras de grandes utopias pedagó-
vos artistas, estimula a competitividade.Sem gicas da modernidade”. Você acha que a EAV
ignorar a presença deste mercado ou advo- é herdeira de alguma utopia? Se tivesse que
gar qualquer postura romântica em relação citar exemplos, ideias, além da gestão inicial e
à produção artística, acredito ser importante fundadora do Gerchman, quais seriam?
uma postura ética do artista em relação à sua
produção. Postura esta que deve evitar a ade- LE – Não dá pra fazer nada em arte que não
quação a modismos, aos efeitos e às demandas tenha uma referência em algum momento,
passageiras do mercado. O que se espera da em algum movimento, em algum período.
arte e do artista é que duvide, que desconfie São desdobramentos de toda a história. Na
das coisas, das afirmações e das verdades. multiplicidade da arte você tem todo tipo de
Que seu trabalho seja um instrumento de des- abordagem, inclusive pintores com meios tra-
locamentos, de surpresas, de re-significados. dicionais trabalhando de forma acadêmica
Os exercícios que proponho nas aulas buscam pra fazer um pastiche de pintura clássica que
provocar no aluno este tipo de reflexão. exige um fazer tradicional. Cursos de modelo
vivo são tradicionais em praticamente todas
CS – Você estava dizendo que independente as academias e escolas. Hoje no Parque Lage
do projeto artístico a formação deve também tem um curso que oferece modelo vivo. É ló-
contemplar a experiência no atelier. Fale mais gico que o enfoque e a maneira de pensar mu-
sobre esse assunto. dam. Há sempre um rastro, um eco de visões
de arte de uma maneira geral. Acho que essa
LE – Mesmo que você não vá utilizar aquilo mistura de tempos, de meios, de abordagens,
que aprendeu como técnica num curso de pin- de uma certa maneira, estão representadas
tura ou de escultura, a experiência do atelier, no Parque Lage. Existem artistas de gerações
com o material, com as tentativas de solução, e tendências variadas e cada um traz um pou-
com os erros, com os acasos, com os acidentes, co de sua formação. Até um tempo atrás a
pode produzir alguma coisa diferente. Mais Escola de Belas Artes era muito tradicional e
do que adquirir uma técnica específica, é im- muito conservadora. Hoje tem professores no
- 275 -

Parque Lage que se formaram na Belas Artes e escritores acabaram se encaminhando pro
e que dão aula na EAV. É interessante como seu espaço natural, as livrarias, as editoras, os
as coisas se cruzam, se contaminam. Não tem cinemas... As pessoas se encontravam lá por-
mais essa coisa de que a escola segue uma que não podiam se encontrar em outro lugar.
orientação X. Ao menos em relação ao Parque Hoje não é mais assim, felizmente. Mas a esco-
Lage... acho isso muito rico. Acho que a escola la preservou esse espaço aberto para as mais
reflete muito o que se produz em arte hoje. variadas formas de expressão.

CS – A escola está sediada em uma mansão do CS – Você acha que a EAV vai continuar se
início do século XX, localizada em uma reser- reinventando, se adequando, se moldando?
va florestal, num prédio construído original- LE - Eu acho que a única maneira de ela sobre-
mente para um casal que promovia concertos viver e ter um sentido é se ela fizer isso. Es-
e saraus. Hoje possui um local de exposição tamos vivendo um momento meio tenso mas
muito cobiçado. Você acha que o entorno, o espero que a própria situação de crise seja
local, a piscina, a arquitetura tem um signifi- uma maneira de inventar alternativas. Espero
cado importante para a escola? que isso dê uma luz para as pessoas que estão
hoje responsáveis pela escola para que ela
LE – A escola só se desenvolveu na direção continue se reinventando. Se você não tem um
em que se desenvolveu por estar ali, naquele plano B, um jogo de cintura, aquilo ali acaba.
lugar. Se ela tivesse acontecido em qualquer Espero que essa crise ajude, num certo senti-
outro prédio, qualquer outro bairro, qualquer do, a repensar essa escola, manter ela viva pra
outro lugar, seria outra escola. O Gerchman que ela exista.
era um artista, não um teórico. É lógico que ele
pensou a escola, elaborou um projeto mas a es- CS - A curta trajetória de propostas tão semel-
cola foi se moldando naquele lugar. Coisas que hantes como o Atelier Livre do MAM, no Rio, a
não davam certo iam ficando pelo caminho. As Escola Brasil, em São Paulo, e a Escola Guig-
que davam certo iam adiante. É um processo nard, em Belo Horizonte, que depois tornou-se
de adequação do mais apto. A arquitetura do acadêmica (1974), nos faz refletir sobre a per-
lugar, o fato de se ter um um pátio central manência da EAV e seu modelo de escola livre.
onde as pessoas de cursos diferentes se en- O que você pensa sobre isso?
contram... Esse aspecto orgânico da escola, de
se moldar aquele espaço, influenciou muito LE - A EAV desenvolveu-se de uma forma or-
o que deu certo e o que não deu. Há também gânica, moldando-se de modo a adaptar-se ao
uma condição de precariedade de verbas que, espaço físico que ocupa, às dificuldades finan-
por mais que se tentem soluções, nos depara- ceiras e ao universo da arte nos diversos mo-
mos com isso de novo. Esse lado alternativo mentos. A omissão do Estado, por muitos anos,
que a escola sempre teve se deve a isso. Em permitiu que sua condução fosse feita intei-
termos de praticidade talvez não fosse o mel- ramente pelos artistas e críticos. Isto gerou
hor lugar mas aquele ambiente é inigualável. um sentimento de que a escola, apesar de ser
Isso teve uma influência muito grande na his- um órgão da Secretaria de Cultura do Estado,
tória da escola. era um espaço de artistas e da arte e que sua
condução não sofria interferências motivadas
CS – O fato de a EAV ter sido palco de tantas por orientações políticas do governo do Estado
coisas importantes, filmes, shows, manifes- (considere-se também que o nome dos dire-
tações como a do MAM, traz pra escola um sig- tores foram, em várias ocasiões, sugeridos à
nificado, uma simbologia? Secretaria de Cultura pela própria escola que
os debatia em reuniões internas). A maneira
LE – Sem dúvida. Apesar de ser uma escola de informal que caracterizou a relação de tra-
artes visuais, sempre foi um lugar de encon- balho entre professores e a escola, aceita por
tro das mais variadas formas de expressão todos durante anos, demonstra este espírito
artística - teatro, música, poesia, dança e ou- de pertencimento à um projeto coletivo. Acre-
tras áreas. Tudo isso vai agregando sentidos e dito que este espírito de cumplicidade evitou,
importância à escola. Já estava na semente do durante muitos anos, a tradicional separação
Gerchman e, felizmente, a escola preservou. entre eles (Estado, direção, patrões) e nós (pro-
A escola foi fundada na época da ditadura. fessores, artistas, funcionários), contribuindo
Nada podia ser feito em lugar nenhum. Era para a longa existência da escola.
uma espécie de oásis, uma bolha de liberdade
no meio da repressão. Depois, muitos poetas
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4.3 Helio Eichbauer, janeiro de 2016 ciplinar que envolvia antropologia, sociologia,
mitologia, enfim.
CS - Em sua entrevista concedida ao Instituto
Rubens Gerchman você declara ter sido um CS - A Lelha Gonzales também estava lá?
dos primeiros artistas a ser convidado por
Gerchman. Nos conte como foi o momento in- HE - Convivi muito com Lelha. Era mais amigo
augural da escola. Lina Bo Bardi também cola- de Celeida Tostes. Fizemos trabalhos juntos
borou com a criação da escola? na floresta. A escola foi criada em 1975 mas
começou mesmo com um curso de verão em
Helio Eichbauer - Lina estava como orientado- 1976. Eu tinha um curso de análise de símbo-
ra, uma pessoa na retaguarda porém, de van- los. Era um programa que eu havia desenvol-
guarda. Quando eu voltei da Europa, depois de vido também na Escola de Belas Artes, como
estudar na Universidade de Praga, com Joseph coordenador do curso. A disciplina não era
Svoboda, comecei a trabalhar com teatro. Nos só cenografia e arquitetura cênica. Envolvia
anos 1970 ingressei como professor na Esco- também literatura, poesia e também artes
la de Belas Artes e fui coordenador do curso plásticas, porque era uma escola de artes vi-
de cenografia. Nesse período em que estava suais. Alguns alunos migraram pra Escola de
dando aulas de cenografia e arquitetura cê- Artes Visuais e até hoje fazem meus cursos.
nica, primeiro no prédio do museu e depois no Depois que eu lecionei em 1978, voltei ao Par-
Fundão, o Gerchman me chamou, em 1974, que Lage quando você me chamou, em 2009,
1975, para participar e criar com ele e outros dentro desses moldes iniciais, dentro do rito.
grandes professores. E chamou a Lina pra pen- A palavra rito é muito importante. Quando eu
sar possibilidades e o que seria aquela escola, o comecei a trabalhar era uma época de perfor-
que seria aquele centro de cultura e saber livre. mances, happenings, body art… Era um pe-
Eu tinha já uma experiência didática grande e ríodo muito efervescente dentro de um estado
uma formação muito requintada que incluía a de ditadura. Mas aquela escola representava,
vanguarda Russa e a Bauhaus. Essa era minha na realidade, um espaço livre de criação e de
formação européia. Era muito rigorosa, muito discussão e enfrentava, fazia um contraponto,
metódica e profunda, que abrangia as van- à arbitrariedade de um governo militar e re-
guardas do século XX. Conversei com a Lina e trógrado. Tivemos sorte do secretário de cul-
disse que queria dar uma aula com uma certa tura ser uma pessoa esclarecida, o Grisolli. Era
liberdade, uma aula não acadêmica, sobre a um diretor de teatro, um dramaturgo. Quando
antropologia do teatro e sobre as vanguardas voltei da Europa, em 1966, o primeiro trabalho
do século XX. Esse era meu programa e do que fiz foi com ele e a Cecília Conde. Foi uma
Gerchman também. Essa reunião com Lina foi peça de Eurípedes, uma versão de Sartre, “As
fundamental. Eu disse que queria trabalhar Troianas” que Grisolli estava dirigindo. Eram
como tema as lendas amazônicas, ameríndias, pessoas muito próximas da minha realidade
o Uirapuru do Villa Lobos. Queria trabalhar com como artista e como professor também. Ha-
arte africana e toda a sua influência na arte do via um crítica à escola nos meios acadêmicos
começo do século XX - os expressionistas, o porque achavam que era uma escola livre
Picasso. Falei: “vamos trabalhar com as nossas demais, uma escola licenciosa, podia tudo, as
origens afrobrasileiras, ameríndias e euro- pessoas eram “hippies”… A época política era
péias porque o Brasil é essa mescla, esse amál- muito conturbada. A própria Secretaria de
gama de culturas muito contundentes, muito Cultura tinha me retirado e depois me recolo-
fortes, muito expressivas”. Porque a escola era cou na escola. Nós ganhávamos um salário da
na realidade uma escola brasileira. Gerchman Secretaria de Cultura. Era uma escola gratuita
era da minha geração. Nós nos conhecemos e, nesse sentido, era uma escola livre. Várias
meninos, de colégio. camadas da sociedade, pessoas de gerações
diferentes e de condições financeiras dife-
CS - E tinha acabado de chegar de Nova York, rentes, pessoas pobres, pessoas mais ricas… O
de uma temporada longa. grupo era multidisciplinar, multiétnico e mul-
titude. Era uma escola de artistas plásticos, de
HE – Exatamente. Ele queria e deu condições artesãos e de artistas. Essa questão de artesão
de se criar dentro desse espaço urbano do Rio artista é muito importante porque lembra a
de Janeiro uma escola livre. Não dentro dos Bauhaus, os conceitos e preceitos da Bauhaus.
moldes acadêmicos como a Belas Artes ou O Gropius dizia que o artista tinha que ser um
como as universidades da época, mas uma es- artesão, ter a técnica. Então quando eu apre-
cola com um programa sofisticado, multi-dis- sentei o meu projeto que chamo de antropolo-
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gia do teatro eu não estava dizendo nada que bibliotecas disponíveis. Se queriam ver um
não conhecia antes porque tive uma formação filme de arte tinham que ir à cinemateca do
muito requintada, muito profunda. Nos anos MAM ou do Instituto Goethe. As pessoas se lo-
1960, quando voltei, fiz aqueles cursos incrí- comoviam muito mais, não ficavam plantadas
veis do Museu de Arte Moderna. Eram cursos em casa como todo mundo hoje fica diante do
livres também. Tinha dado aula na Venezuela computador, o que também é muito importan-
e uma passagem por Cuba. Então eu sabia o te. As pessoas tinham que se locomover pra
que estava falando, fazendo e dizendo, defen- aprender, elas tinham que ralar, pegar ónibus,
dendo minhas ideias. se associar à Biblioteca Nacional… Era uma
dinâmica que obrigava a pessoa a flanar mais
A Lina foi muito importante. Chegou a fazer pela realidade da cidade. As pessoas tinham
uma conferência sobre design. Era muito ami- que trabalhar com as mãos. A filosofia grega
ga do Gerchman e minha também. Nós con- existiu porque eles trabalhavam com as mãos.
versávamos muito sobre a programação dos Os grandes físicos e filósofos gregos foram
cursos, o que seriam esses cursos, o que era sempre filhos de pescadores, de camponeses,
criar uma escola? O Gerchman falava muito em que usavam sempre as mãos. O exercício, a
armazém de conhecimento, em atelier livre, criação, a arte, a techné... E isso foi retomado
mas também em informação. Apesar de se tra- na Bauhaus pelo Gropius. Ele falava que o ar-
balhar as vanguardas internacionais era uma tista tinha que ser um artesão, tinha que saber
escola voltada pra questão brasileira também. trabalhar com as mãos. A Celeida, com o barro,
com a argila, recriou um mundo. Havia uma
CS - O Gerchman relatou na entrevista con- questão ancestral, o ritual da criação. Isso se
cedida às filhas que a escola deveria oferecer tratava muito no começo da escola. E ela tinha
aos alunos livre acesso a todos os cursos. Po- uma relação bonita com o jardim que eu tam-
deriam entrar e sair quando quisessem. bém tinha. Minhas aulas muitas vezes eram
realizadas nas árvores, no lago, nas trilhas.
HE - Os alunos migravam de um curso pra outro. Era uma relação profunda com a natureza.
Tinham essa liberdade. Acho isso interessante Levávamos material orgânico para as salas
dentro da proposta de escola. Não ficavam pre- de aula. O Gerchman fez grandes palestras
sos a uma sala de aula e a uma disciplina. Mui- com o chão coberto de folhas e as pessoas sen-
tos saiam de um curso, depois frequentavam o tadas no chão. Isso é uma influência de Lina
meu, depois faziam curso com Santeiro, depois também. A Celeida também trabalhava essa
voltavam, faziam uma aula comigo… Era livre questão plástica do jardim por influência de
nesse sentido. A itinerância dos alunos era Lina que já tinha feito, nos 1950 e 1960, expo-
muito interessante. Era independente de qual- sições com o chão coberto de folhas. Ela tinha
quer trabalho universitário. essa relação profunda com a natureza. Quan-
do Lina construiu a Casa de Vidro, no Morum-
CS - Que autores vocês liam? Havia uma dis- bi, era um terreno desmatado como quase
cussão em torno de algum autor que os que toda grande São Paulo. Ela deixou crescer
motivasse? do nada, tudo. Ela não organizou o jardim. O
Parque Lage é um pouco assim também. É um
EH - Eu lia na época muitos ensaios de antro- jardim inglês que não é desenhado, a não ser
pologia, muita literatura também. Meu curso naquela área em frente à escola. Mas o resto
sempre envolvia literatura por conta do tea- era uma floresta. Não se ficava preso dentro
tro. É uma questão interessante porque nin- do espaço quadrangular da sala de aula. Eu
guém estudou como criar uma escola, como dava aulas no terraço, depois trabalhava com
desenvolver um trabalho. Eu acho que a gen- Celeida, íamos queimar barro, fazer buracos
te foi criando um método ou um não método, e fogueiras, fornos orgânicos. Muitos profes-
uma forma de se tratar essa questão: a arte, a sores foram criando ali a sua forma didática.
sociedade, a vanguarda… Ninguém era pro- Nesse sentido, eu acho que é livre. Na reali-
fessor. As pessoas tornaram-se professoras. dade, foi livre para os alunos mas sobretudo
Eu já vinha de uma experiência didática. O para os professores e artistas que exerceram
Gerchman vinha de uma atividade como artis- ali dentro a sua liberdade, sua criatividade,
ta plástico importante que foi e que é e, como sua transformação. Para mim foi um apren-
disse, muito culto. Quando fui professor não dizado também. Lia-se muito mais do que se
havia computador. Essa relação com o virtual lê hoje porque tinha-se mais tempo, porque
não existia. Quando meus alunos tinham que você não tinha o fascínio do computador que
estudar iam pra Biblioteca Nacional e outras abriu uma janela pro mundo. Naquela época
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você tinha que se reinventar a cada aula. Eu HE - Começou como Oficina do Corpo. O Ger-
comecei a trabalhar as lendas amazônicas, as chman inventou essa palavra. E aí houve uma
lendas ameríndias, Câmara Cascudo, contos reação de alguns professores que trabalha-
infantis Mundo Mundo, mitologia, estudo de vam o corpo, com a expressão corporal, como
símbolos… “O Homem e seus símbolos”. o Klaus Vianna, e a Angel Vianna. Eles não
achavam próprio a questão do corpo porque
CS - Você lia Jung, Mircea Iliade? eu trabalhava muito com música e o corpo em
movimento, com dança. Nada que os professo-
HE - Muito, quase toda a obra. Eram os autores res da Bauhaus não tinham feito. Na Bauhaus
que eu lia: Iliade, Jung, Bachelard. Eram os au- dançavam, se fantasiavam, faziam o balé triá-
tores da época. Sobretudo Iliade e Jung. Influen- dico, havia uma atividade física e lúdica dos
ciaram muitas pessoas, gerações inteiras. Falo professores. E eu exercia essa atividade. En-
muito do espaço sagrado, do espaço profano. Li volvia dança, música, o movimento espontâ-
toda a obra do Iliade e do Jung pra trabalhar a neo, o movimento não rigidamente coreogra-
alquimia. Citava-se menos, estudava-se mais. fado. Tudo isso era trabalhado na Oficina do
O mundo hoje, com raras excessões, é o mundo Corpo. Tanto que o Uirapuru foi uma ativida-
da impostura. Acho que há muitos impostores. de da Oficina do Corpo, com a música do Villa
Comecei a estudar mais ultimamente. O Black Lobos. Mas tinha também uma parte teórica
Mountain com Joseph Albers, que terminou em e artesanal de grandes painéis coletivos. Tra-
1957 ou 1958. O Black Mountain tinha poesia, balhar formas, cor, pintura corporal. O corpo
escultura, a geodésica, tinha festas, dançavam era muito importante para o meu curso. Como
assim como na Bauhaus. A antiga Escola de eu não era dançarino nem professor de dança,
Belas Artes também tinha seus saraus formidá- não tinha esse preparo. Gerchman inventou, a
veis. Pouca gente sabe mas no começo do século pedidos, esse nome Pluridimensional. Na épo-
XX, quando foi fundada, a EBA também teve seu ca nós rimos muito porque parecia uma piada.
momento festivo de saraus literários e artísticos. Hoje, é um termo muito interessante, correto
e de vanguarda porque trabalhava-se com
A relação afetiva que tenho com a escola é de as dimensões. Era um grupo grande de alu-
uma pessoa, de um professor que começou a nos da escola, alguns apareciam outros des-
descobrir a sua potencialidade, exercer sua apareciam. Alguns eram estudantes, outros
liberdade a sua criatividade. As coisas eram eram jovens marginalizados da periferia. Eu
sempre renovadas, não havia um programa. tive alunos muito pobres que encontraram no
Gerchman foi um artista dos mais requinta- Parque Lage uma residência, um lugar para
dos que conheci. Tínhamos uma relação muito se abrigar de toda a dificuldade que era viver
intensa e muito apaixonada pelo Brasil e pela naquela da época, ser uma pessoa pobre do
cultura e o que se podia fazer. subúrbio, violentada. Alguns até dormiam lá.
Encontravam uma casa, um lugar abrigado,
CS - E os estudo dos símbolos? viam coisas que nunca tinham visto. Tinham
muitos jovens marginalizados que apareciam
O estudo dos símbolos foi a partir do Jung. Por- e que ficavam agregados ali. Isso é uma coisa
que o Jung é o psicanalista dos artistas. Comecei interessante e socialmente muito importante.
a estudar a alquimia e questões da simbologia. Fiquei alguns anos com esse grupo grande.
Tenho um cartaz de um curso meu desenhado Fizemos conferências espetáculo em torno
pelo Gerchman com o quadrado, o triângulo e da piscina. Desde Paul Klee a Bumba meu Boi,
o círculo. Daí escrevemos sem nenhuma hu- Isadora Duncan, Mondrian.
mildade: “Análise simbólica” como se fossemos
Jung. Era uma coisa de ousadia da época. CS - Você acha que o modelo da escola, essa
ideia inicial criada por você, Gerchman, Lina,
CS - Celeida também citava muito Jung. Celeida e outros que vieram depois é um mode-
lo importante, com suas devidas adaptações?
HE - Muito. Aquela questão do “ovo cósmico” e
da terra… O que ela fazia com argila eu fazia HE - Acho que sim, com as adaptações, o mo-
com outras coisas também, com material orgâ- delo dessa escola inicial é muito importante,
nico e com o tinta. Cor sobre o corpo, pintura sobretudo para o Brasil de hoje. Nem todos
sobre o corpo. “As artes do fogo”. têm acesso à universidade. A situação univer-
sitária no Brasil é muito precária sobretudo
CS - Fale sobre seu curso, sua oficina Pluridi- pra quem está iniciando. Acho que uma escola
mensional. dessas pode orientar e nortear quem está ini-
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ciando. Nessas discussões sempre falava: não


pode ser igual a um curso universitário, com
lista de presença, com punições porque o alu-
no faltou e perde a bolsa. Não pode ser assim.
A escola tem que ser mais aberta. Há modifi-
cações, adaptações para o mundo de hoje que
é mais rápido e mais violento.

CS - Tinham encontros muito importantes.


Nas fotos do seu acervo e do acervo da escola
vemos o Mário Pedrosa, Lelha Gonzáles, Lygia
Pape, Alair Gomes… Ao contrário do que mui-
ta gente diz, era uma escola conectada.

HE - Exatamente! Quando o MAM incendiou em


1978 foi da escola que partiu o grande movi-
mento de restauração do MAM. Os cartazes fo-
ram pintados na escola. Houve uma marcha em
direção ao MAM. Era uma escola ativa. Crítica e
conectada em relação à realidade, à arbitrarie-
dade da época, do poder. Tanto que o artigo do
Wilson Coutinho “O Jardim da Oposição” é ótimo
nesse sentido e nós colocamos na exposição so-
bre a escola. Mas não se discutia tanto. Essa foi
a grande crítica que se fez a Gerchman porque
era uma escola livre nesse sentido, do exercício
da liberdade, da criatividade e da experiência.
Os professores se experimentavam com os alu-
nos. Acho que é um modelo interessante para
uma a escola. Eu sei que mudou muito. A his-
tória mudou, o país mudou, mas acho que é um
grande exemplo para os professores também.
E ela está aí até hoje.

BIBLIOGRAFIA

· COUTINHO, Wilson. O Jardim da Oposição. Rio


de Janeiro: Catálogo da exposição realizada na
Escola de Artes Visuais do Parque Lage, 2009.

· DE DUVE, Thierry; Fazendo escola (ou re-


fazendo-a?). Chapecó: Argos, 2012.

· READ, Herbert. A Educação pela Arte. São


Paulo: Martins Fontes, 2001.
- 281 -

MANTRAS DODECAFÔNICOS: VISUALIDADES MUSICALES

Leísa Sasso- SEDF - UnB


Belidson Dias - UnB

RESUMO: Palavras-chave: visualidades, música, inter-


disciplinaridade
Esse artigo aborda as possibilidades de diálo-
gos entre a educação em visualidades e a mú- RESUMEN:
sica nas práticas que criam eventos artísticos
e pedagógicos em sala de aula no contexto da Este artículo analiza las posibilidades de diálo-
Educação Básica na periferia de Brasília. A go entre la educación en las artes visuales y la
interdisciplinaridade dessas práticas peda- música en prácticas que crean eventos artísti-
gógicas tocam também no problema da poli- cos y educativos en la clase en el contexto de
valência no ensino da Arte e da impossibili- la Educación Básica en las afueras de Brasilia.
dade de formação de profissionais habilitados El carácter interdisciplinario de estas prácti-
em diversas linguagens artísticas, ao mesmo cas pedagógicas alcanza también el problema
tempo que também ampliam as relações en- de la versatilidad en la educación artística y
tre o ensino da música e das artes visuais em la imposibilidad de la formación profesional
hibridação. Em uma escola de Ensino Médio habilitada en diversos lenguajes artísticos, al
na periferia de Brasília, a professora Leísa mismo tiempo que ampliam la relación entre
Sasso utilizou o trabalho de John Cage, para la enseñanza de la música y las artes visuales
trabalhar a escuta sensível do silêncio e a en hibridación. En una escuela secundaria de
música aleatória produzida por esse artista la periferia de Brasilia, la maestra Leisa Sas-
e recuperada pela II Bienal de Arte de Lyon so utiliza la obra de John Cage, para trabajar
na França em diálogo com artistas que se- la escucha sensible del silencio y la música
gundo o título da própria Bienal: "E todos eles aleatoria producida por este artista y recupe-
mudaram o mundo". A professora se serviu rado por la Segunda Bienal de Arte de Lyon en
também da música atonal e das pinturas de Francia en el diálogo con otros artistas de la
Arnold Schönberg para transitar pelo mo- Bienal que bajo el título: "Y todos ellos cambia-
dernismo apresentando aos estudantes seus ram el mundo". La maestra también se sirvió
principais expoentes artisticos bem como uti- de la música atonal y de las pinturas de Arnold
lizou os mantras orientais para estabelecer as Schönberg para tránsitar por el modernismo y
relações existentes entre o modernismo e o presentar a los estudiantes sus principales ex-
resgate pelos artistas da época das obras ar- ponentes artísticos, tambien utiliza los man-
tísticas do oriente. A proposta de criação artís- tras orientales para establecer la relación en-
tica como desafio para os estudantes consistiu tre el modernismo y el rescate de los artistas e
em criar música e partituras visuais em que sus obras artísticas en esta era. La propuesta
toda a classe pudesse cantar lendo os signos de la creación artística como un reto para los
correspondentes aos acordes melódicos. O estudiantes fue la creación de una música y
envolvimento dos estudantes com a ativida- las puntuaciones visuales de forma que toda
de proposta possibilitou um transito bastante la clase pudiera cantar a partir de la lectura
fecundo entre as duas linguagens artísticas e de las señales correspondientes a los acordes
ampliou o repertório das artes visuais em diá- melódicos. La participación de los estudiantes
logo com as visualidades do cotidiano, como os con la actividad propuesta permite un tráfico
mangás japoneses e os clips musicais criados muy fructífero entre los dos lenguajes artísti-
pela professora. cos y amplió el repertorio de artes visuales en
diálogo con las visualidades de todos los días,
- 282 -

al igual que el manga japonés y clips musica- artística del posguerra. Fue compositor, es-
les creados por la maestra. critor, actor, artista, se movió entre las artes
visuales, la música, texto y representación,
Palabras-clave: visualidades, música, inter- un tipo descontento con los límites estableci-
disciplinariedad dos entre las áreas del conocimiento. Tenía lo
que Walter Mignolo (2003) llama "pensamien-
A principio de 2006, trabajé como maestra de to fronterizo", un trazado de ruta en el borde.
arte, ubicada en una Escuela Secundaria de Cage no caía en cualquier espacio por comple-
San Sebastião -DF. En una tarde de coordina- to, es una cosa y otra, a la vez, no es ni una cosa
ción pedagogica, un compañero me preguntó ni otra integralmente.
cómo haría para enseñar música o artes escé-
nicas, si mi formación fue en las artes visua- Así como la pedagogía cultural de Henry Gi-
les? Frente a la demanda del gobierno que re- roux, definida como pedagogía de los límites
queria enseñar el contenido curricular de las (Giroux, 2005, 2012), trabajar en la frontera
artes visuales, música, teatro y danza juntos, de la creación de la práctica educativa como
decididí aceptar el reto y trabajar con música una forma de producción política, es más una
en el bimestre. No queria apoyar el despro- oportunidad de subvertir el orden estableci-
pósito legal; pero demostrar que la disciplina do en la escuela y el orden cultural, al mismo
Arte podía moverse entre las visualidades, el tiempo, con el fin de relativizar conceptos
teatro o la música si articuladas con los clips predefinidos de lo que sea la música, las artes
de música, material publicitario, las redes so- visuales y la performance. Días y Fernández
ciales y películas que promuevan el diálogo colocan la pedagogía cultural, que me sirvo en
entre la representacion escenica, la música, mi trabajo, de la siguiente manera:
el diseño por ordenador, en un hibridismo sin
límites. Por lo tanto, estaba claro que se ne- Estas propuestas provocan perturbaciones que
cesitaría mucho más que utilizar la Abordaje redireccionan las relaciones entre el arte, la
Triangular, la teoría hegemónica, para poder educación y la política. Una pedagogía cultural
adaptar el contenido de los programas de se conecta a esta perspectiva como la que ocurre
artes visuales con la vida cotidiana de los es- en tensión fronteriza y mantiene una dinámica
tudiantes y la música. Trate de experimentar fluida con la cultura. Al final, se trata de enten-
otras posibilidades lo que en este contexto era der la pedagogía como una forma de producción
una necesidad. Pero mi intención era literal- cultural y la producción cultural como una forma
mente hacer "ruido" en la escuela. de pedagogía. (DIAS; FERNÀNDEZ, 2013, p 141).

Pensé en la cacofonía del mundo escolar y de- Esta relación política y poética entre la educa-
cidí trabajar, en un primer plan, el silencio, la ción y la cultura impulsaron el proyecto hacia
escucha sensible. Cuando pensamos en las ar- una producción artística e pedagogíca. El ma-
tes visuales, la música y el silencio, el trabajo terial visual sobresale a los otros sentidos y los
de John Cage brotó con gran fuerza. Entonces sentidos son afectados por la visión. Cage, sin
era una oportunidad para que los estudiantes embargo, propone la fusión de la audición y la
comprobasen el silencio, el producto visual y visión y ha utilizado objetos de la vida cotidia-
la música del viento, esa canción que normal- na en su música, los instrumentos no conven-
mente no se escucha. cionales, tales como radios, licuadora, bañera,
maceta, vaso de agua, entre otras baratijas. La
En el contexto de la escuela de la comunica- percepcíon visual de estos objetos tienen sen-
ción continua, que no se le permite salir del tido para entender el sonido inusual que no
verbo, "el colectivo se emborracha más en- tuvo su origen en los instrumentos musicales.
fermo, harto del lenguaje, adicto al ruido, por La audiencia de aquelos dias fue capturada
falta de estética, anestesiado" (Serres, 2001, por la percepcíon de los sonidos, así como los
p.87). Me gustó trabajar y partir de la estética estudiantes de hoy se quedan atrapados por
de John Cage para desintoxicarlos del ruido, o los "clips" musicales, donde la fusión de mú-
incluso aumentar el ruido para que se moles- sica y fragmentos visuales conquista a todos.
ten con él y darse cuenta de la realidad ruido-
sa, con otra sensibilidad. Un lunes llegué de forma muy teatral, con
sólo el diario de clase, me senté, lo que no era
John Cage, conocido en el mundo del arte habitual y les dije que hiciesen silencio. Los es-
como el anarquista del silencio, vivió en plena tudiantes se sorprendieron aún más, no era mi
modernidad y se encuentra en la vanguardia costumbre de proceder de tal manera solemne.
- 283 -

Antes de comenzar la clase dije a los estudian- que no tuvieron el mejor rendimiento, por el
tes que por lo general cuando alguien moría, se contrario, la poesía es casi siempre al margen.
cumple un minuto de silencio en su memoria y Por desgracia, la realidad educativa es selecti-
que mi propuesta era hacer aquella mañana va análiza Onfray:
4'33 de silencio. Quien murió? preguntaron.
Porque 4'33? querían saber los estudiantes. La escuela renunció este tema, ella se contenta
Me quedé muy seria y les informe que serían de reproducir el sistema de las élites, despues,
evaluados por esta actividad que sería un reto. para acelerar el movimiento y la fuerza centrí-
La propuesta fue escuchar el sonido del si- fuga. La mantequilla en el plato de la educación
lencio. Todo el mundo se echó a reír, pero me nacional envía los menos adaptado al margen,
mantuve callada, les adverti que prestasen en los bordes[...]al centro, los elegidos[...]a la pe-
atención a los sonidos que aparecen cuando riferia los domesticos, aquellos que van engro-
nosotros estuviesemos tranquilos para tratar sar la fila de fallidos, los impotentes y misera-
de describirlos, recrearlos en imágenes. Saqué bles (ONFRAY, 1997, p.56).
de mi bolsillo un cronómetro, lo que todavía dió
más seriedad al reto. Rara circunstancia crea- Alimentamos las almas de nuestros estu-
da, donde el ruido cesa, dice Serres "La última diantes con racionalidad pura y muy poca
fuente de ruido habita el colectivo[...]Cuanto imaginación y sensibilidad. A pesar de estar
más la gente se integra menos se lo oye; cuanto incluidos en este sistema injusto, es pertinen-
más molestado por el ruido, menos pertenece te considerar lo que Onfray llama de "estética
al grupo " ( 2001, p. 104-105). subversiva que quiere la risa y la provocación,
la ironía y el absurdo, el juego y la destrucción
Rogar a 45 estudiantes que se quedasen en si- y todavía la belleza" (1997, p.250). En este
lencio tanto tiempo fue duro para mí y aún más sentido, otro trabajo se hacia necessário para
difícil para ellos. Eran 4'33 minutos de agonía. involucrar a los estudiantes en una actividad
Un bromista hacia careta para provocar la risa con un formato más feliz, sonriente y atracti-
en los demás pero en general los estudiantes vo, probablemente menos reflexivo.
tomaron tan en serio que se quedaron con los
ojos cerrados. Incluso con la clase en comple- Entonces, la composición de una canción y el
to silencio, oímos una risa en la distancia, un coro provocaria la risa, la imaginación y quiza
toc toc de tacón alto nel pasillo, una mosca ha- la belleza. El dodecafonismo de Arnold Schön-
ciendo zumbido, el crujido de una silla y otros berg en el contexto de la modernidad podria
sonidos que no son habituales de oir. avanzar con el contenido, incluir el compositor
clásico en la cultura periférica. Relacionar el
Aún no se trataba de la música que hizo el si- plan de estudios com la vida de los estudiantes
lencio a la audiencia, escucha más sensible, en estas propuestas de pedagogías culturales,
silencio que aporta nuevos conocimientos. Al es para que el conocimiento tenga sentido, de
final del tiempo, la cacofonía de costumbre se modo que un abordaje más sensible ocupe el
instaló, así dice Serres "quien habla siempre tiempo, la cabeza y el corazón de los jóvenes. Ir
sufre: adicto a drogas anestesiado do que se más allá del racionalismo puro es siempre un
ha dicho" (2001, p 91), como si el reto propues- reto para el profesor.
to, el callar, era una tarea muy difícil, como si
privado de aire y respirar finalmente, como si La clase que siguió a la actividad 4'33 sirvió
la droga del hablar les faltara. para que los estudiantes entendiesen mejor
la actividad de la clase anterior. En primer lu-
Cuando se quedaron quietos, les pedí que es- gar sentimos, experimentamos para despues,
cribiesen lo que habían oído durante el silen- entender y analizar. Oímos composiciones
cio de 4'33 minutos y entregar la escritura o de Cage, al principio sin la imagen de su ac-
imágenes hasta el final de la clase. Poco a poco tuación, al dar visibilidad a su desempeño se
la sala volvió a silenciar. permitió el reconocimiento de sonidos hasta
entonces incomprensibles. Por consiguiente,
Pero creer que el poder de la experiencia es- las representaciones visuales de los artistas
tética y en la posibilidad de crear poiesis en el que componen la 2ª Bienal de Arte Contem-
contexto de la escuela donde haya un deseo poráneo de Lyon aparecieron en una línea
de trabajar en esta dirección, es en sí misma dialógica de imágenes. La obra pictórica de
circunstancia poética. No es raro, que entre Schonberg hace la transición de la imagen
400 estudiantes aparescan visualidades in- aun guiada por la representación de la rea-
creíbles y casi siempre de aquellos alumnos lidad del siglo XIX hasta el modernismo. He
- 284 -

presentado el trabajo de los artistas como un tisfacen las necesidades de este tiempo.
clip de MTV con la música dodecafonica de
Schoenberg ritmando formas que bailaban, Despues de Cage y de Schomberg introduje
corrían, paravam, silenciaban. los estudiantes a los mantras orientales que
se originaron en el hinduismo. Se trata sim-
Otra mañana ordené que se dividiesen en plemente de una silaba entonada, un poema
grupos y cada grupo pensase sobre la forma religioso cantado generalmente en sánscrito.
de transcribir sonidos a una partitura con có- Aproveche la oportunidad de introducir a los
digos inventados, como por ejemplo el dibujo estudiantes en el arte oriental que ha influido
de una olla que tendría que ser reproducido en el modernismo, mientras que los mantras
con el sonido plaf o un plato roto con el soni- eran entonados las pinturas de un cromatis-
do craft. Como prefiriesen. Los grupos dispo- mo envolvente y otros conceptos estéticos de
nian de 2 clases para crear una composición otras culturas en diferentes momentos histó-
músical y transcribir en códigos. Lo más difícil ricos podían ser apreciados.
es que el grupo tendría que reproducir en for-
ma de canto la partitura en imagines y toda la Presenté a los estudiantes varias represen-
clase tendría que reproducir la música creada taciones de arte oriental. Pero la imagen del
por los compañeros desde la lectura de la par- actor Morita Kanya VIII de 1794 pintado por
titura que se dibuja en la pizarra. Listo, el gru- Sharaku posibilitó informar a los estudiantes
po comenzó a emitir sonidos y el canto y la risa los orígenes del manga japonés y hallé en el
estalló, la alegría juvenil se hiso presente en trabajo de Okano Reiko y Onmyoji de 1994 la
la clase de arte. Una circunstancia inesperada articulación del pasado con el presente que
ha permitido la ocurrencia de música, o casi, era de interés de los estudiantes. Relacionar
en las clases de artes visuales. Estas articula- las imágenes de la historia del arte con los
ciones de los contenidos permiten situarnos mangas y mantras me parecíó una combina-
en las zonas fronterizas del conocimiento. ción astuta para involucrar a los estudiantes
y que se interesen por el arte oriental. En las
El arte aquí ampliada en su concepto se en- clases busco mostrar a los estudiantes otras
tiende como poder ético y estético, cuando se representaciones de diferentes culturas, para
articula la poiesis, praxis y theoria se puede fomentar actitudes de tolerancia y considera-
extrapolar sus fronteras como voluntad polí- ción de la alteridad, "por lo que usted acepta
tica de cambiar. Además, se ha de establecer el pluralismo, la convivencia democrática, el
un diálogo transversal con otros campos del respeto de las múltiples perspectivas que en-
conocimiento. La creatividad y el caos, la com- frenta el conflicto y integrando conocimien-
plejidad y la colaboración, pensamiento crítico tos y saberes diversos"(Fernández, 2015, en
y cambio, comunicación y conflicto son vías de prensa). En este sentido, valorar las diferen-
mano doble que perseguimos. tes representaciones artísticas, puede en el
contexto de las escuelas cambiar prejuicios,
La importancia de estar en el grupo, actuando incluyendo también las prácticas artísticas
como grupo promueve la alegría del momento, subalternas de Asia y África, por ejemplo.
el placer de la creación es magia que ofrece el
compromiso, la repartición y la entrega. Entre- Las clases siguientes fueron de actuación de
tener a la gente joven con nuevas ideas, envol- los grupos que se dirigían a la pizarra y escri-
verse con retos creativos, poner en tension las bian sus partituras. Cantavan mezclando jazz,
certezas impuestas impulsarlos hasta el límite mantras, música dodecafónica y atonal en voz
de sus posibilidades es reconocer el poder de la alta. Algo así como: AH Ba Uhh Vijig DU aii Bo
juventud de la transformación de las propues- Guu. La risa, aplausos y silbidos finalizaban las
tas educativas en apropiaciones sensibles. presentaciones. En las ventanas de las clases
vecinas estudiantes acudieron a ver las pre-
Michel Maffesoli (2014) dijo que no proyecta- sentaciones. Sonidos de: Oh Tic Bum Oh Tic EH
mos otro futuro que está por venir, no busca- entonados por cuarenta voces causó un albo-
mos la sociedad perfecta para mañana y que roto en la escuela.
las generaciones más jóvenes viven el presen-
te sin retrasos, lo que les da importancia es la Esta experiencia de aprendizaje era más una
intensidad de estar con los demás, para vivir ocasión de enlace de los planes de estudios, de
el momento, los jóvenes se adaptan, se ajustan diálogos entre las áreas del conocimiento y un
y debemos tener en cuenta este pensamiento reto no sólo para los estudiantes, pero espe-
para reordenar las metodologías que ya no sa- cialmente para el profesional de forma a es-
- 285 -

Fig. 1: Presentación ©Leísa Sasso

tablecer las conexiones entre poiesis, praxis y visuais & artísticos. Em: MARTINS, Raimundo
theoria, moverse a través de fronteras, entre e TOURINHO, Irene (Orgs.) Pedagogias Cultu-
los conceptos y discursos, entre las prácticas rais. Santa Maria: Editora da UFSM, 2014.
y los haceres pedagógicos y poética de per-
formances artísticas. Estos eventos tienen el · FERNÀNDEZ, Tatiana. Eventos Artísticos
potencial de cautivar, transgreden o trans- como pedagogia cultural. Brasília, Ed. Univer-
mutan la realidad educativa en la poesía mu- sidade de Brasília, 2015. (No Prelo)
sical al mismo tiempo en la poesía visual. La
poética ajusta esta intersección, no como una · GIROUX, Henry. Border Crossings: Cultural
búsqueda, sino como una consecuencia.Toda Workers and the Politics of Education. New
la producción de la educación como un pro- York: Routedge, 2005.
ceso de uno convertirse en persona y poiesis,
son procesos que deben ser considerados, ya · GIROUX, Henry. Dangerous Pedagogy in the
sea como vivencias y experiencias artísticas o Age of Casino Capitalism and Religious Funda-
como una posibilidad de rehacer historias de mentalist.Truthout.News Analysis. Wednesday,
sí mismo y nuestra relación con el mundo, en 29 February, 2012, 05:17. Disponível em:http://
el mundo y sobre el mundo. truth-out.org/index.php?option=com_k2&-
view=-item&id=6954:dangerous-pedago-
REFERÊNCIAS gy-in-the-age-of-casino-capitalism-and-reli-
gious-fundamentalism. Acesso em 23 jul. 2015.
· DACHY, Marc; RASPAIL, Thierry; PRAT, Thie-
rry. Et tous ils changent le monde: deuxième · MIGNOLO, Walter. Local Histories/ Global De-
Biennale d'art contemporain. Lyon: Fot, 1993. signs: Coloniaity, Subaltern Knowledges and
Border Thinking. NJ: Princeton University
· DIAS, Belidson; FERNÀNDEZ, Tatiana. Mapas Press, 2012.
de interseções na educação em visualidades:
Evento artístico como pedagogia. Em: Visualida- · ONFRAY,Michel. Politique du rebele: Traité
des, Goiânia v. 11 n.2 p. 137-161, jul-dez 2013. de résistance et d’insoumission. Paris: Édi-
tionsGrasset&Fasquelle, 1997.
· FERNÀNDEZ, Tatiana; DIAS, Belidson. Peda-
gogias Culturais nas entre viradas: eventos · SERRES, Michel. Os cinco sentidos; tradução Eloá
- 286 -

Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

Leísa Sasso é Doutoranda - Educação em Ar-


tes Visuais, Mestre em Arte, PPG-Arte (UnB).
Especialista em Gestão Escolar (UnB), História
da Arte (FADM), Licenciada em Artes Plásti-
cas (UnB). Foi Diretora do Centro Educacional
São Francisco em São Sebastião DF de 2008 à
março de 2015 (SEEDF). Prêmio Arte na Esco-
la Fundação IOSCHPE/Bradesco-2006, Prê-
mio Cultura Viva do MinC-2007. http://lattes.
cnpq.br/2572871221495786

Belidson Dias é Pós-doutor pela Universitat


de Barcelona (UB) Espanha, Doutor em Estudos
Curriculares em Arte Educação pela Universi-
ty of British Columbia (UBC) Canadá; Mestre
em Artes Visuais na Manchester Metropoli-
tan University (MMU) Inglaterra; Especialista
pela Chelsea College of Art & Design (CCA&D)
Inglaterra, graduado em Artes Plásticas, pela
Universidade de Brasília (UnB). http://lattes.
cnpq.br/9561648349509502
- 287 -

EXCESSOS E INTERVALOS DE APRENDIZAGENS COM A CIDADE

Tamiris Vaz - UFG


Raimundo Martins - UFG

Resumo nor facilitates learning, but provokes learning


dialogues with residents and with writing.
Empreender uma pesquisa que também se
faz cidade exige atenção tanto aos excessos Key words: learning, image, city.
quanto aos intervalos surgidos a cada novo
espaço de escrita percorrida. Neste texto, Excessos e Intervalos
trazemos uma discussão sobre os cuidados
que têm envolvido o aprender e o escrever en- A imagem é trazida aqui como um instrumen-
tre o que excede e o que silencia de conversas to de deslocamento de aprendizagens em uma
com moradores em espaços cotidianos na ci- pesquisa de doutorado¹. Ao pensar a cidade
dade. Transitando por autores que investigam pelas imagens produzidas em meio a ela, va-
autoetnografia e pesquisa educacional ba- mos descobrindo possibilidades de entendê-la
seada nas artes, este artigo, baseado em uma e de entender a nós mesmos como parte do
pesquisa de doutorado em andamento, pensa que a constitui. Para tanto, foram experimen-
percursos pela cidade como disparadores de tados percursos com uma câmera fotográfica
narrativas focadas mais no aprender do que em mãos, e, nesses percursos, movimentados
no ensinar, nos quais a imagem não explica devires que reinventam aquilo que a cidade
nem facilita a aprendizagem, mas provoca oferece, fazendo da fotografia uma dispa-
diálogos aprendentes com os moradores e radora de conversas com moradores, inter-
com a escrita. venções urbanas e escritas.

Palavras-chave: Tais aprendizagens não se dão por um poder


aprendizagem, imagem, cidade. intrínseco à imagem de revelar a cidade. A
imagem sozinha não diz nem produz nada
Abstract para a pesquisa. É preciso fazê-la dizer algo no
atravessamento com narrativas, colocá-la em
Undertake a research that also makes itself harmonia ou em tensão com ideias produzidas
a city requires attention both to the excesses ao longo da investigação, seja por meio de lei-
concerning intervals encountered in each turas, escritas ou de conversas.
new covered writing space. In this paper, we
present a discussion about the care involving Mas como movimentar aprendizagens com
learning and writing between what exceeds imagens no desenvolvimento de uma pes-
and what silences conversations with local quisa acadêmica? Que diálogos empreender
people in daily spaces in the city. Browsing by entre excessos e intervalos que emergem no
authors that investigate self ethnography and processo investigativo?
educational research based in the arts, this ar-
ticle, based on a doctoral research in progress, É pela exploração de elementos de dois ca-
think routes through the city as triggers fo- minhos metodológicos que tentamos produzir
cusing more on learning than on teaching, in algumas respostas para essas perguntas: a
such a way that the image does not explain autoetnografia e a pesquisa educacional ba-

1 - Pesquisa de doutorado intitulada ‘Aprendizagens em devir: entre visualidades de excessos e narrativas cotidianas’, iniciada em 2014
junto ao Programa de Pós Graduação em Arte e Cultura Visual, UFG
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Imagem 1: fotografias de percursos. Fonte: acervo da pesquisa

seada nas artes (PEBA). A aproximação com imagens não permaneçam estáticas enquan-
essas abordagens metodológicas não vem to registros de uma realidade. Partindo de
do intuito de neles encaixar a pesquisa, mas escolhas sobre que e como fotografar, foram
como um aporte para embasar determinadas priorizados enquadramentos nos quais as in-
escolhas e planejar estratégias de diálogos formações nem sempre estão evidentes, mas
e ações com os espaços e com a escrita. Uma dizem de um conjunto de sensações sobre algo
escrita autoral, que considere a influência do que acontece visualmente de forma múltipla
outro no desenrolar de nossas noções de mun- nos percursos. Por não serem representações
do, que emerja da experiência com a imagem evidentes, o modo de fotografar já deixa vazão
e convide o leitor a aprender de suas próprias para desencaixes interpretativos: as imagens
experiências nas provocações silenciosas ou mostram menos do que foi visto e, nesse va-
excessivas entre imagens e textos. zio de significados ela acaba oferecendo mais
possibilidades de apropriação por quem as vi-
Entre meu corpo e a cidade sualiza. São incompletudes que se alimentam
das singularidades do outro. São excessos que
A fotografia transpassa todas as etapas da in- encontram territórios de assentamento nas co-
vestigação e permite ensaiar respostas para nexões produzidas em narrativas dialogadas.
fazer indagações sobre o que aprendizagens
em devir podem produzir em uma pesquisado- Nos diálogos compostos por deslocamentos
ra e em uma pesquisa quando atravessadas por os conceitos de afecto e percepto, de Deleu-
visualidades e percursos urbanos. Começando ze e Guattari, entram na investigação como
por movimentos cotidianos nos arredores do ferramentas de narrativas entre cidade, fo-
bairro onde a doutoranda passa a residir na tografias, textos e aprendizagens. Quando
cidade de Goiânia, fomos observando as práti- fotografamos visualidades onde priorizamos
cas vividas pelos moradores. Das visualidades algumas recorrências que insistem cotidia-
recorrentes, selecionamos aquelas que, de al- namente, estamos fazendo escolhas a partir
guma forma, a provocam a pensar e aprender de percepções vividas. Para que essas ima-
atravessada por esses encontros. gens ressoem para além de um ‘eu’ fotógrafa,
elas precisam preceder a narrativa pessoal,
Ao selecionar acontecimentos visuais e tentar tornando-se elas próprias repletas de vida
movimentá-los através da fotografia, vamos (DELEUZE; GUATTARI, 1992). A partir dos
pensando em modos de fazer com que essas perceptos, daquilo que, por menor que seja, se
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Imagem 2: intervenções com narrativas. Fonte: acervo da pesquisa

agiganta da banalidade cotidiana, podemos sintam-se convidadas a se relacionar com ela


empreender movimentos narrativos provoca- a partir de si.
dores de novas sensações nos quais a visua-
lidade se destaca para ser recombinada com Afectos são deslocados na pesquisa quan-
outras imagens ou elementos textuais, pro- do, além da produção de narrativas escritas
duzindo estranhamentos, gerando perguntas em diálogo com as imagens, realizamos in-
e exigindo novas conexões. Produzir afectos tervenções urbanas com a técnica do lam-
é desempenhar a função de artista, movimen- be-lambe e observamos como as fotografias
tando esses perceptos a fim de que outras impressas se modificam pelos fluxos da cida-
pessoas, ao entrarem em contato com a obra, de, desde as pessoas que se deslocam por ela,

Imagem 3: conversa com moradora. Fonte: acervo da pesquisa


- 290 -

que rasgam, sobrepõem informações, até as e processado com a mesma intensidade com
intempéries do tempo, que modificam a mate- que foi enunciado, essas trocas envolvem ex-
rialidade do papel, sujam, amassam e o mes- cessos, aparentes exageros, sobras que não
clam às demais visualidades do cotidiano. sabemos onde encaixar, perguntas que ul-
trapassam condições de respostas. Ao mesmo
Nesse movimento, a imagem dispara pensa- tempo, envolvem também vácuos porque ad-
mentos que possibilitam a escrita de novas na- mitem nossa incapacidade e despretensão de
rrativas, somando outras conexões aos acon- compreender totalidades. No papel de dispa-
tecimentos visuais. Assim, as participações radora de pensamentos, pela imagem se “bus-
não linguísticas de quem habita a cidade al- ca o sentido denso e intenso das coisas e [se]
cançam dimensões inefáveis, tornando o sutil estuda formatos alternativos para evocar ou
mais vívido e significativo (BARONE; EISNER, provocar entendimentos e saberes”, tal como
2006). São experimentações através das quais Dias (2013, p.25) descreve os caminhos em-
vamos reconhecendo não apenas hábitos e preendidos pelos pesquisadores que utilizam
pensamentos específicos dos moradores, mas a Pesquisa Educacional Baseada nas Artes
os efeitos de suas práticas sobre a imagem e (PEBA). A aprendizagem, assim, se desenvol-
sobre quem pesquisa, quando nos colocamos ve pela provocação, pelo convite à dúvida, pelo
(a imagem e a pesquisadora) expostas às ins- retorno aos mesmos lugares e imagens justa-
tabilidades da rua. mente para percebê-los em processo, para du-
vidar de certezas anteriores e movimentá-las
Meses depois, em posse de imagens impres- em novos devires, deixando-se contaminar
sas, interpelamos alguns moradores e os con- pelas falas e ações dos outros.
vidamos a conversar sobre a cidade a partir
dessas imagens (segunda movimentação de Entre a escrita e o leitor
afectos). Isto se dá em diálogos mais diretos,
mas nem por isso mais completos e definitivos, Reconhecendo o corpo do pesquisador como
ao passo que cada pessoa inventa as imagens parte saliente do processo de investigação,
e a cidade a partir de si, somando novas possi- Spry (2001) acredita em um borrar de fron-
bilidades aos percursos já percorridos. teiras entre o pessoal e o social através da
interação. Esse social não diz respeito apenas
A aprendizagem que temos buscado nessa ao contexto no qual um autor se insere para
pesquisa decorre desses desencaixes dos en- realizar a pesquisa, mas também às suas ca-
contros com a cidade, experiências que não pacidades de produzir uma escrita que envol-
podem ser contempladas por um relato, nem va o leitor, que o provoque a pensar sobre seus
apreendidas por uma repetição de percursos, lugares nessa trama. Para provocar necessita-
mas que podem servir como disparadoras de mos antes ser provocados, realizar ações que
desejos. Ellsworth (2012), a partir de DeBolla, nos façam duvidar de certezas iniciais, que
apresenta o conceito de ‘eu aprendente’ (lear- nos enredem ao social para que nossas escri-
ning self) para tratar de caminhos de apren- tas não se limitem a contos confessionais.
dizagens que acontecem em movimentos/ Excessos e intervalos na narrativa criam cur-
sensações que borram fronteiras entre o eu, o vas, linhas diversas que escapam do relato
outro e os espaços. Nas palavras dela, linear, nos forçando a escrever por vazios
poéticos, acrescentando as incertezas da ex-
não posso decompor minha sensação/movimen- periência para que o leitor perceba as insta-
to desse cruzamento numa explicação dele, mas bilidades do processo e trace seus próprios
posso gesticular as coordenadas de sua passa- percursos de aprendizagem.
gem e convidar você junto, num itinerário – uma
pedagogia – designado para abrir um intervalo Convém enfatizar que uma tese não acontece
para que você caia para o lado de fora daquilo somente através da experiência com lugares
que já sabemos. Se esse intervalo se abrir para e pessoas e da escrita sobre isso. Ela envolve
você, e se você cair, o meu itinerário vai ser encontros com autores e conceitos que nos
transformado pelo seu, enquanto ele emerge acompanham e nos ajudam a desenvolver
em processo, e no caminho para um destino pesquisas coerentes e embasadas. Quando
unicamente seu. (ELLSWORTH, 2012, p.162, lemos, nos deparamos com leituras que nos
tradução livre) inspiram a escrever, não com as mesmas pa-
lavras que o autor utiliza, mas com um desejo
Sabendo que nesses itinerários nem tudo similar ao que o autor teve pelo leitor enquan-
pode ser dito e nem tudo que é dito é ouvido to escrevia (Barthes apud Oliveira, 2015). Não
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se trata de quais palavras utilizar, mas do de falar errado, o amendoim plantado pelo
quanto essas palavras, ao se conectarem às chaveiro na praça, o incômodo com os foras-
imagens, convidam o leitor a nos acompanhar teiros, a curiosidade sobre a arte contemporâ-
nesse processo de aprender. Oliveira (2015) nea, a árvore que não mais floresce porque
diz ainda que uma “escrita precisa estar per- foi podada, a cultura do medo trazida pelos
meada de vacúolos, de silêncios, para que o jovens de outros estados, a preocupação com
leitor tenha algo a dizer, e disponha da chance a perda, os lamentos, as saudades, os desejos?
de duvidar, contestar, refutar e acrescentar” Nos excessos de vida que ecoam de moradores
(p.451). Com isso, a escrita autoetnográfica quando percorremos a cidade, vamos enten-
parte de resíduos culturais ao mesmo tempo dendo, duvidando, provocando, escrevendo,
em que inscreve no texto resíduos a serem conversando e aprendendo a pesquisar com
explorados pelos leitores. Imagens que trans- imagens.
bordam sensações e pensamentos, que não
se identificam plenamente com os lugares de Referências
onde se desprenderam, ainda que conservem
uma familiaridade suficiente para dar início a · BARONE, Tom & EISNER, Elliot. A Pesquisa
uma conversa: ‘é uma praça’, ‘é um dia de sol’, Educacional baseada nas Artes. In GREEN,
‘é uma rua muito suja’. Judith; CAMILLI, Gregory; ELMORE, Patricia.
Complementary Methods in Educacional Re-
Spry (2001) entende que a abertura de uma search. Nova Iorque: Lawrence Erlbaum Asso-
forma estilística na escrita acadêmica introduz ciates Inc. 2006, p. 95-103 (Tradução: Leonar-
uma espécie de emancipação do corpo e da voz do Charréu).
através de um discurso que rompe limites e re-
gras acadêmicas e possibilita o que ela chama · DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a
de ‘pesquisa viva’, distanciada da dualidade filosofia. Rio de Janeiro: Ed.34, 1992.
entre mente e corpo. A autoetnografia, para
Spry (2001), precisa propor uma leitura tanto · ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning:
emocional quanto crítica, aliar poesia a um dis- media, architecture, pedagogy. Nova Iorque:
curso teoricamente bem embasado, interrogar Routledge, 2012.
as políticas que estruturam o pessoal, emergir
da experiência vivida pelo investigador, recon- · DIAS, Belidson. A/r/tografia como Metodolo-
hecendo e interpretando os resíduos que a cul- gia e Pedagogia em Artes: uma introdução. In:
tura inscreve na sua subjetividade. DIAS, Belidson; IRWIN, Rita (Orgs.). Pesquisa
Educacional Baseada em Arte: A/r/tografia.
O que a imagem e a palavra mostram é algo mais Santa Maria: Editora UFSM, 2013, p. 21-26.
que se conecta à experiência vivida. Isso porque
o que se vive é movente, é fluido e se compõe · IRVIN, Rita. A/r/tografia. In: DIAS, Belidson;
também pelo acontecimento da escrita. De acor- IRWIN, Rita (Orgs.). Pesquisa Educacional Ba-
do com a PEBA, a pesquisa pode ser provocação seada em Arte: A/r/tografia. Santa Maria: Edi-
artística, focada mais nos processos do que nos tora UFSM, 2013, p. 28-35.
resultados alcançados, criando, como diz Irwin
(2013), concepções expandidas dos eventos, · SPRY, Tami. Performing Autoethnography:
das condições e dos encontros, tendo em vista Embodied Methodological Praxis. Qualitative
que cada intervenção pode mudar e repensar as Inquiry, 7(6), 2001, p. 606-732.
práticas vividas em um contexto.
· OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Como “Pro-
Provocações Finais duzir Clarões” nas Pesquisas em Educação? In
Revista Educação Pública. Vol. 24, Nº 55. Cuia-
Seguindo as provocações de Ellsworth (2012), bá, maio/ago. 2015. p. 443-454.
tentamos nos jogar nos intervalos da pesqui-
sa-cidade, pois é caindo que nos arriscamos a Tamiris Vaz
aprender para além do programado. Não bas-
ta entender o que foi dito, é preciso encontrar Doutoranda em Arte e Cultura Visual pela
intervalos que nos levem para fora da palavra Faculdade de Artes Visuais da Universidade
proferida, que nos façam transbordar novos Federal de Goiás (UFG), Mestre em Educação e
itinerários através de visualidades já tantas Graduada em Artes Visuais pela Universidade
vezes percorridas, pensadas e aprendidas. Federal de Santa Maria(UFSM). Integrante do
Como aprender nos intervalos entre o medo Grupo de Pesquisas e Estudos em Arte, Edu-
- 292 -

cação e Cultura (GEPAEC/UFSM) e do Grupo


Cultura Visual e Educação (UFG).

Raimundo Martins

Doutor em Educação/Artes pela Southern


Illinois University (EUA), pós-doutor pela Uni-
versity of London e pela Universidade de Bar-
celona. Professor Titular e docente do PPG em
Arte e Cultura Visual da Universidade Federal
de Goiás (FAV/UFG). É pesquisador do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e
Cultura (PPGE/UFSM), Cultura Visual e Edu-
cação (PPGACV/UFG) e do Laboratório Edu-
cação e Imagem (PPGE/UERJ).
6.
VISUALIDADES
DIGITALES
Y CONSTRUCCIÓN
DE IDENTIDADES
- 295 -

O QUE PODE UMA DOCÊNCIA AO GARIMPAR HETEROGÊNEOS E APRENDER


NOS ENCONTROS COM SIGNOS?

Angélica Neuscharank - UFSM


Marilda Oliveira de Oliveira - UFSM

Resumo Una escrita producida en la pretensión de cap-


turar los heterogéneos que estaban presentes
Trata-se de um mapeamento da Dissertação en los encuentros con las tres escuelas donde
de Mestrado escrita sob o olhar das experi- actué, las clases de maestría, los estudios del
mentações docentes com relação a alguns es- Grupo de Estudios e Investigación en Arte,
paços e encontros que tive com signos, emitidos Educación y Cultura (GEPAEC) y la literatura
por pessoas, leituras, conversas, situações de de Proust. Tales desplazamientos fueron teji-
vida, fragmentos dos locais onde estive docen- dos con el propósito de pensar el ejercicio de
te, estudante e leitora. Uma escrita produzida la docencia como un proceso de colectar datos
na pretensão de capturar os heterogêneos que y aprendizaje por los encuentros con signos
estavam presentes nos encontros com as três (DELEUZE, 2010), que son conceptos proble-
escolas onde atuei, as aulas de mestrado, os es- matizados a lo largo de esta escrita. También
tudos do Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, se hizo necesario el tensionamiento con otros
Educação e Cultura (GEPAEC) e a literatura de conceptos, como: heterogéneos, atención car-
Proust. Tais movimentações foram tecidas com tográfica y memoria involuntaria. Estos com-
o propósito de pensar o exercício da docência ponen, junto con el método de la cartografía,
como um processo de garimpagem e a aprendi- una posibilidad para lo que denomino como
zagem pelos encontros com signos (DELEUZE, colecta de heterogéneos. Por lo tanto, no me
2010), que são conceitos problematizados ao propuse al ejercicio de la memoria reciente
longo desta escrita. Também se fez necessário en cuanto un rescate, sino de una memoria in-
o tensionamento com outros conceitos, como: voluntaria, que permitiera sobrevolar ciertos
heterogêneos, atenção cartográfica e memória acontecimientos y, así, potencializar algo que
involuntária. Estes compõem, juntamente com ya estaba naturalizado.
o método da cartografia, uma possibilidade
para o que designo como garimpagem de hete- Palabras clave: enseñanza; aprendizaje; en-
rogêneos. Portanto, não me propus ao exercício cuentros; signos; Proust.
da memória recente enquanto um resgate, mas
de uma memória involuntária, que permitisse COMO FUI COMPONDO A DISSERTAÇÃO...
sobrevoar certos acontecimentos e, assim, po-
tencializar algo que já estava naturalizado. Intento apresentar neste artigo, algumas ques-
tões advindas de minha Dissertação de Mestrado
Palavras-chave: docência; aprendizagem; defendida em junho de 2015, que me potenciali-
encontros; signos; Proust. zaram a produzir esta escrita, tais como: os movi-
mentos/deslocamentos que a docência realizou,
Resumen as escolhas de algumas experiências a partir dos
signos que forçaram meu pensamento a sair do
Se trata de una cartografía de Disertación de que estava naturalizado, trazer para o contexto
Maestría escrita bajo la mirada de las experi- acadêmico também uma educação não institu-
mentaciones docentes con relación a algunos cional/formal, pois compartilho da concepção de
espacios y encuentros que tuve con signos, encontros, e, portanto, trago afetos de outros con-
emitidos por personas, lecturas, conversacio- textos que compuseram este estar docente garim-
nes, situaciones de vida, fragmentos de los lo- peiro, um olhar para com os desconfortos, para o
cales donde fui docente, estudiante y lectora. que “não deu certo” ou o “inesperado” na docência.
- 296 -

Assim, para Deleuze; Parnet (1998) “um en- não adquiriu forma, sentido, representação.
contro é talvez a mesma coisa que um devir Já a memória involuntária enquanto as lem-
ou núpcias... Encontram-se pessoas (e às vezes branças dos encontros, do que produzimos de
sem as conhecer nem jamais tê-las visto), mas sentido forçados pelos signos; uma memória
também movimentos, ideias, acontecimentos, que independe de uma vontade, de um con-
entidades” (pág. 6). Encontrar-se é achar, cap- ceito prévio, mas do resultado de uma violên-
turar, roubar, mas sempre uma dupla captura, cia sobre o pensamento e está ligada às asso-
um duplo roubo, pois é o que acontece “entre” ciações passageiras, impressões, sensações...
dois elementos, não está no sujeito nem no ob-
jeto. Por isso, para perceber os encontros na do- A APRENDIZAGEM PELOS ENCONTROS
cência, foi preciso estar à espreita, ativar uma COM SIGNOS
atenção cartográfica, ou ainda, estar disponí-
vel a força de um movimento garimpeiro, puro Ser sensível aos signos, considerar o mundo
modo de garimpagem de heterogeneidades. como coisa a ser decifrada é, sem dúvida, um
dom. Mas esse dom correria o risco de permane-
Me propus a experienciar, dessa forma, um ol- cer oculto em nós mesmos se não tivéssemos os
har mais demorado sobre uma docência e uma encontros necessários; e esses encontros fica-
aprendizagem, sobre os espaços que circulava riam sem efeito se não conseguíssemos vencer
enquanto docente e discente, uma materialida- certas crenças (DELEUZE, 2010, p. 25).
de que surgiu a partir dos encontros com três
escolas da educação básica em que atuava, das Quando Deleuze nos apresenta uma aprendi-
aulas de mestrado, dos estudos do Grupo de Es- zagem que sucede das filosofias da diferença,
tudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura e um tipo de pensamento que não é da iden-
(GEPAEC), das leituras da obra Em busca do tidade e da representação, nos faz pensar em
tempo perdido de Marcel Proust e autores que todos os âmbitos envolvidos nos processos de
trabalham com as filosofias da diferença. aprendizagem, tanto no ser que interpreta os
signos, como onde são produzidos. Se decifrar
A problemática da dissertação foi pensada os signos é um dom, é dom não porque advém
a partir da seguinte questão: como produzir de algo divino, mas porque Deleuze nos pro-
uma docência pela garimpagem que se deixa põe observar o quanto é custoso ser sensível
atravessar pelas heterogeneidades e a apren- aos signos. Neste caso, as palavras decifrar e
dizagem pelos encontros com signos? Assim, interpretar utilizadas pelo filósofo, não estão
consiste em pensar uma docência que acon- vinculadas à leitura de imagem e ao desvela-
teça em vários lugares ao mesmo tempo, não mento de códigos, mas a força de um signo que
estando isolada pelo espaço da escola, e que ao movimenta o sujeito a produzir sentidos.
garimpar heterogeneidades também aprende,
pois ao emitir signos aos estudantes, tem en- Podemos encontrar nestas pistas, observações
contros com os que deles são produzidos. Pensa de Gilles Deleuze para uma “quase-teoria do
a aprendizagem pelos processos, pois a memó- aprender”, que difere da tradição ocidental
ria que está a falar, não é da ordem do resgate, centrada na recognição platônica. Nos livros
mas acionada pelas forças dos signos a pro- “Proust e os Signos” e “Diferença e Repetição”
duzir sentidos, ocorre no “entre”, entre as coi- percebemos esses ensaios de escritas embe-
sas, as pessoas e situações que vai encontrando bidas na discussão desta teoria do aprender
que não dizem respeito apenas à inteligência como um ‘encontro com signos’. O aprender se-
organizadora, mas o exercício da sensibilidade. ria assim, interpretar e interpretar seria expli-
car ou explicitar o signo enunciando o sentido,
Assim, a coerência dos conceitos trabalhados que vive enrolado no signo, no que nos força a
em relação à metodologia, dizem respeito a in- pensar, e só se pensa quando somos coagidos.
tenção por não fazer dos dados um decalque,
os mesmos não estavam prontos, não eram Considerando tais proposições, me ponho a
representados, mas pensados segundo sua pensar quem sabe como um estudante pode
composição. O conceito de heterogêneos foi tornar-se repentinamente ‘bom em latim’, que
escolhido devido sua ligação à garimpagem signos (amorosos, sensíveis, mundanos, artís-
e a pluralidade dos signos, sua multiplicida- ticos1 ou até mesmo inconfessáveis) lhe ser-
de como o informe, as impurezas, o que ainda viriam de aprendizado? Para Deleuze, nunca

1 - Formadores do sistema pluralista, Deleuze dispõe os signos em quatro grupos: signos mundanos, signos amorosos, signos sensíveis,
signos artísticos. Os signos mundanos – surgem nas relações sociais dos personagens da Recherche. Cada meio ou grupo tem seu sistema
- 297 -

aprendemos alguma coisa nos dicionários dos signos.


que nossos professores e nossos pais nos em- Alguém só se torna marceneiro tornando-se
prestam. O signo implica em si a heterogenei- sensível aos signos da madeira, e médico tor-
dade como relação. Não se aprende fazendo nando-se sensível aos signos da doença. A vo-
como alguém, mas fazendo com alguém, que cação é sempre uma predestinação com relação
não tem relação de semelhança com o que se a signos. Tudo que nos ensina alguma coisa
aprende. (DELEUZE, 2010, p. 21). emite signos, todo ato de aprender é uma inter-
pretação de signos ou de hieróglifos (DELEUZE,
Talvez não seja possível saber como uma pes- 2010, p. 4).
soa aprende, mas, de qualquer modo como
aprenda, poderá ser por intermédio de signos, O aprender pelos encontros com signos diz
não pela absorção e memorização de conteú- respeito a princípio, considerar não só uma
dos pré-estabelecidos. A Recherche de Proust matéria, mas um objeto e um ser como se emi-
é interpretada por Deleuze (2010) como uma tissem signos a serem interpretados. É nas
busca inconsciente e involuntária da verdade, relações, nos encontros com pessoas ou com
do conhecimento, um aprendizado que é dos coisas que ativamos o potencial de mobilizar
signos, uma busca pensada não apenas pelos em nós um aprendizado, ainda que não ten-
depósitos ou sedimentos da memória, mas hamos consciência durante o processo, pois é
pelas séries de decepções descontínuas, por “ao final que aquele conjunto de signos passa
essas rupturas que fazem o aprendiz se inte- a fazer sentido; e, pronto, deu-se o aprender,
ressar por outras coisas. somos capazes de perceber o que aprendemos
durante aquele tempo, que nos parecia perdi-
Se ensinar é ‘colocar sinais para que outros do” (GALLO, 2012, p.3).
possam orientar-se’, aprender é encontrar-se
com esses sinais. Isto é, Deleuze tira o acento da No entanto, disciplinar e educar os sentidos
emissão dos signos (o ensinar) para colocá-lo é um trabalho árduo. Em Proust e os Signos,
no encontro com os signos (o aprender), não Deleuze (2010) fala sobre o aprendizado como
importa por quem ou pelo que eles tenham sido uma dolorosa experiência do mundo, um du-
emitidos (GALLO, 2012, p.3). plo movimento de decepção e compensação
diante da exploração e interpretação dos sig-
O que nos movimenta a pensar que os proces- nos – o que ele chamou de “aprendizado de um
sos de aprendizagem pelos encontros com os homem de letras”.
signos não estarão mais sob a dualidade de
responsabilidade, do docente que deva ensinar Trata-se da aprendizagem que acontece expe-
nem no estudante que deva aprender, mas no rimentalmente, como um processo constituído
que ocorre quando ambos estão em contato. por meio da violência dos signos no percurso
Por isso, a relevância de potencializar os en- de toda a vida. Aprendizado que, neste caso, só
contros, para que o sentido se faça presente. encontrará a revelação final, a descoberta do
sentido espiritual ou da essência absoluta dos
Quando Deleuze fala a respeito do intérprete e signos na velhice, quando o desejo do verdadei-
das decepções, ele expõe duas ilusões que co- ro e a natureza reta do pensamento forem aban-
locam a interpretação em perigo, dificultando donados e as faculdades, adestradas (HEUSER,
o aprendizado: o objetivismo e o subjetivismo. 2013, p. 7).
No objetivismo, atribui-se ao objeto os signos
de que é portador. O próprio “objeto” traz o se- Os signos recortam o mundo sem formar re-
gredo do signo que emite e sobre ele nos fixa- lações entre continente e conteúdo, nem re-
mos, dele nos ocupamos para decifrar o signo. lações entre as partes e o todo. Se o caminho
O subjetivismo deposita nas associações sub- do aprendizado passa pelos signos mundanos,
jetivas, no sujeito, as ideias da interpretação amorosos, sensíveis, até chegarem aos signos

específico de signos, os seus maiores emissores de signos que criam a consistência dos grupos. Os signos amorosos assumem que apaixo-
nar-se é individualizar os signos que cada um emite, é também tornar-se sensível a esses signos, apreendê-los. Apaixona-se não por um
signo que a pessoa emite, mas um conjunto de signos, por isso, são como uma pluralidade, uma multiplicidade de mundos inacessíveis,
misteriosos e desconhecidos. Como um mundo secreto, uma caixa de mistérios, que disparam o ciúme e o sofrimento dos que amam.
Os signos sensíveis são formados pelos signos da natureza, exalam sensibilidades, heterogêneos. A estes signos, deve-se os encontros
que nos surpreendem por sensações, por memórias revisitadas, por vapores inexplicáveis. O quarto signo, são os artísticos, segundo
Deleuze, considerando a música, a pintura e a literatura. São estes signos que trazem o tempo redescoberto, tempo original absoluto que
compreende os outros.
- 298 -

Diário visual – estudante do 3º ano

da arte, tais como apresentados por Deleuze sar a docência a partir de experimentações,
(2010), este sistema não se dá de forma linear o que se experimenta ao fazer uma leitura,
e seqüencial. neste contexto a partir do encontro com um
livro, das significações produzidas no “entre”
O abandono do tempo cronológico e linear leitor e livro, dos significados diante de uma
pela coexistência, talvez seja um dos prin- obra repleta de signos, de uma escrita que
cipais temas que contribuem para pensar a Deleuze menciona funcionar como blocos
aprendizagem pelo encontro com os signos. de sensações, pois ao revisitar as páginas, os
Isso porque, se distancia do racionalismo car- parágrafos, ao realizar um trajeto não linear
tesiano e aborda a importância do corpo, em de leitura, iniciar por um fragmento que nos
específico a superioridade da memória cor- interessa, seja pelas últimas páginas ou pelo
poral sobre a do espírito. Faz-nos pensar tam- meio, a produção de sentido ocorre sempre na
bém em algumas padronizações referentes a diferença, independe de qualquer sequência,
esta temática, como: definição das etapas do circunstância, explicação e representação.
desenvolvimento humano, a fragmentação de
determinados conteúdos e a distribuição dos Em Busca do Tempo Perdido, distribuídos em
mesmos por séries (nas escolas) e semestres sete volumes, constituíram uma das materia-
(nas universidades), isso porque, ao pensar lidades da pesquisa, utilizados para pensar
nesta perspectiva de aprendizagem, ela in- a docência pela garimpagem, para pensar a
depende do tempo de escolaridade e de um relação dos signos com a aprendizagem. Não
possível amadurecimento humano. pretendi fazer uma análise da obra e nem utili-
zei todos os volumes, tampouco das relações do
A LITERATURA COMO UM DISPARADOR autor com os signos que à ele foram afetados,
QUE FAZ PENSAR A DOCÊNCIA no entanto, me pus a pensar nos meus encon-
tros com espaços, coisas e amores, esses signos
Em busca do tempo perdido, obra de Proust, produzidos na docência, nas leituras e na vida.
atuou por estas linhas de pesquisa para con-
versar com os autores das filosofias da dife- Concomitante as leituras, realizei alguns re-
rença e movimentar o que propus discutir em gistros escritos e fotográficos durante minhas
educação: a docência e a aprendizagem. Pen- aulas, seja como professora na escola ou como
- 299 -

Proust, Marcel. Em busca do tempo perdido: às sombras das raparigas em flor, 2006b, contracapa.

discente na universidade. Estando à espreita tar sozinho ou em meio a dois.


dos heterogêneos e de possíveis encontros com
estudantes, coisas e acontecimentos. Fiz esse Quero dizer que tais signos atuaram como
movimento de intérprete dos signos, utilizan- forças que fizeram pausas, como momentos
do da atenção cartográfica (KASTRUP, 2009) de aprendizagens solitárias e de desacele-
como uma concentração sem focalização, como ração na docência. Isso porque é um tanto
uma preparação para acolher o inesperado, confortável ao docente adentrar no ambien-
ativação de uma atenção à espreita - flutuan- te de trabalho, desenvolver o planejamento
te, concentrada e aberta - é um aspecto que se para a aula e consultar, mais ao final, o que
destaca na formação do cartógrafo. Ativar esse foi compreendido, permanecendo nessa sis-
tipo de atenção significa desativar ou inibir a tematização. É um processo naturalizado por
atenção seletiva, que habitualmente domina mim e por outros tantos professores, não ten-
nosso funcionamento cognitivo. do em vista o que acontece nas fissuras dessa
mecanização, o que naqueles encontros está
Ao garimpar nas muitas palavras e páginas ocorrendo e que faz fugir de controle certos
dos volumes de Proust, foi quase inevitável momentos, os signos que também nos afetam.
o encontro com os signos amorosos, talvez
porque essas relações, tão intensas para o Esse retiro voluntário, essa solidão desejada, dos
autor, atravessam facilmente aquele que está motivos de busca e de luta do espírito consigo
à espreita dos encontros com esta leitura. mesmo está presente em várias passagens do
Tais signos, que não são os mais importantes primeiro volume de Em busca do tempo perdido,
para mim, talvez nem para o autor e muito quando o narrador relata suas lembranças de
menos para Deleuze, aparecem enredados infância, como o episódio em que aceita uma xí-
na pesquisa porque compõem os movimentos cara de chá com o biscoito de madeleine, ofere-
de vida, fazem parte do que fui encontrando cido por sua mãe. Ao provar, o herói tem um so-
como garimpeira, do que fui produzindo de bressalto e sente “um prazer delicioso” invadi-lo.
sentidos. Além disso, me afetaram naquele Ocorre o despertar por uma experiência senso-
momento de escrita, propuseram um pensa- rial semelhante à que tinha quando sua tia-avó
mento sobre a docência que antes talvez eu lhe oferecia as mesmas iguarias nas manhãs
não tivesse observado, pois foi com os signos de domingo antes da missa em Combray. “Essa
amorosos que pensei sobre o aprender através lembrança involuntária, enterrada sob diver-
das experimentações, sobre o aprender ao es- sas camadas de esquecimento e indiferença,
- 300 -

lhe descortina subitamente uma outra possibi- Aprender diz respeito ao conjunto de recursos
lidade de acesso ao passado e a suas riquezas que contam das rememorações através dos
insuspeitadas (GAGNEBIN, 2006, p. 554)”. Ou signos culturais cujas técnicas de reflexão
seja, a memória involuntária realiza, com suces- surgem como uma tecitura e não mais como
so, aquilo em que a voluntária sempre fracassa: fatos sequenciais, pois seguem certas cons-
retém o passado puro, o ser-em-si do passado, tâncias e dizem muito sobre associações pas-
atinge o virtual e ultrapassa todas as dimensões sageiras, que deixam a memória renovada,
empíricas do tempo (HEUSER, 2010). sem espaço para o acúmulo, mas voltada para
a dinâmica de acontecimentos.
Ainda, a ideia do involuntário, muito elabora-
da pelo autor, é acentuada pelo olhar ao acaso A IMPESSOALIDADE DA NARRATIVA:
dos acontecimentos na narrativa. A persona- DESTITUIR A PRESENÇA DE UM “EU”
gem não aparece em busca de uma verdade,
mas, de repente, passa pela experiência. Mas O encontro com esta literatura, além de ser-
não se trata de um acaso de pura contingên- vir como disparador, compôs com a pesquisa
cia: “Como, porém, buscar o essencial, aquilo a partir de um exercício de desprendimento
que está liberado da imperfeição do tempo do ‘Eu autor’, isso porque a escrita foi pensa-
empírico e da matéria? Como acessar os sig- da a partir de minhas experiências, a partir e
nos? Como pensar?” (HEUSER, 2010, p. 125). com uma docência garimpeira, mas também
Para Deleuze, o pensamento abandona a ma- para além dela. Intentei produzir uma escrita
téria quando é coagido e forçado sob a ação em que o sujeito do enunciado não estava evi-
dos encontros. Ainda, o acaso dos encontros é denciado, mas abria espaço para que o leitor
que pode garantir a necessidade daquilo que pudesse se colocar, para que o mesmo pensas-
é pensado, que pode garantir a decifração dos se nas suas experiências docentes e nas suas
sentidos portados pelos signos e que a vida co- relações com os signos trabalhados.
municou através de uma impressão material,
porque é descoberto pelas sensações. Na obra de Proust, é possível perceber certa
ausência de referenciais precisos quanto à
A garimpagem na docência, dessa forma, per- temporalidade e espacialidade, que faz com
mite que a imprevisibilidade agencie os en- que a narrativa esteja à deriva dos encontros
contros pelo que acontece sem que tenhamos dos personagens com os signos que os violen-
querido ou previsto: não depende de decisões tam. Em inúmeros momentos, não é possível
conscientes, escapa ao controle de ‘nossa in- identificar se a personagem principal está
teligência’. Assim, pensando um pouco em adormecida, sonhando, se está recordando,
Deleuze, depende de estar à espreita acolher ou se aquela cena está de fato acontecendo,
o acaso, disponível à irrupção, ao exercício da como, por exemplo, em uma das passagens em
atenção cartográfica e, por isso, ao que pode que o ‘eu’ adormece e, no entanto, continua a
nos afetar: “ [...] trata-se de uma ascese da produzir pensamentos.
disponibilidade em vez de um treinamento
de controle, ou ainda de uma temporalidade Esta impessoalidade que marca a narrativa de
do kairos, do instante oportuno e fugaz, Proust – cabe ressaltar as relações com o que
em oposição aos planejamentos cronológicos Deleuze propõe sobre o sujeito transcenden-
(GAGNEBIN, 2006, p. 556)”. tal e do ‘Eu gordo’ – reforça “o fato que o ‘eu’ só
pode apreender a si mesmo enquanto sujeito
Nessa mesma linha, quando me aproprio das da enunciação do discurso” (GAGNEBIN, 2006,
leituras de Proust para pensar o conceito de p. 543), aquele que assume a palavra e dire-
aprendizagem pelos encontros com os signos, ciona-se a um outro, a um leitor que encontra
pode ser, pelo menos, por dialogar com a di- fissuras, espaços que permitem-no adentrar
ferente vertente de busca da verdade que o na voz narrativa.
autor defende. Para o mesmo, as verdades da
inteligência têm pouca importância, pois elas Portanto, Em busca do tempo perdido desafia
explicitam e repetem o que já era sabido. Tais muitas das definições dos gêneros literários,
verdades não são produzidas por mim, mas pois trata de uma escrita que cria um roman-
chegam até mim e me surpreendem, trans- ce, um ensaio estético-filosófico, um tratado
tornam, deixam-nos estupefatos, produzem de psicologia. O ‘eu’ que narra, é o mesmo que
‘um sobressalto’, um despertar. Dá-se um ex- reflete sobre si mesmo, que tateia o mundo pe-
travio da inteligência organizadora a partir de las palavras e pelos sentidos. Ninguém conhe-
uma sensação corporal. ce esse ‘eu’ que fala, e assim ele é mantido no
- 301 -

anonimato – sem dados biográficos, sem data com a docência (NEUSCHARANK, 2015, p. 10).
de nascimento, sem sobrenome. Há apenas
um nome de menino, ‘Marcel’, pronunciado Escolher a metodologia da pesquisa pode ser
duas vezes ao longo das milhares de páginas um processo difícil, que exige certo demora-
(GAGNEBIN, 2006). mento, pois diz respeito ao modo como pre-
tendemos operar a pesquisa, compor com ela,
Pensar tais relações na produção de uma pes- costurar os dados aos autores, aos encontros,
quisa é tentar sair de um “eu” egocêntrico a fim ao nosso pensamento, as nossas inquietações.
de ampliar as conexões, pensar as próprias Pesquisar a partir das nossas experiências,
experiências como uma produção coletiva, me parece uma das possibilidades escolhidas
que advém das muitas relações com outras e pensadas por vários pesquisadores no con-
pessoas, coisas e contextos, assim como Larro- texto atual em educação e arte, e em outros
sa (2011) nos propõe, é pensar a experiência âmbitos conceituais. Apesar desses camin-
como um modo de estar no mundo, um aconte- hos apresentarem certas semelhanças, penso
cimento que é exterior, estrangeiro e fora de que uma pesquisa se produz de vários modos,
nós, uma passagem, um risco, um atravessa- de forma singular, pois é necessário apaixo-
mento, uma aventura e um perigo. nar-se pelo método e entrar em sintonia com
os autores escolhidos.
EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA COMO UM
PROCESSO DE GARIMPAGEM Diante da naturalização de algumas ações
como docente, comecei a pensar a cartogra-
A proposta metodológica que me escolheu... fia, mais específico o que Kastrup (2009) fala
sobre a atenção cartográfica. A proposta me-
Um tanto cansada daqueles mapas estrategi- todológica me acolheu por permitir trazer
camente traçados, que demonstravam rotas algumas experiências desses espaços que
e possíveis percursos a serem seguidos, abra- transitava, de modo que o mapeamento das
cei-me ao ser cartógrafo e me permiti pensar mesmas pudesse sair do que acreditava ser
outras maneiras de encontrar preciosidades, uma rotina, da repetição do mesmo. Também
maneiras que movimentassem a atenção de me escolheu, por se tratar de uma metodolo-
cartógrafo, e até mesmo o olhar desatento, para gia que não possuí procedimentos a priori,
o heterogêneo. Sabia, ou pelo menos imaginava, pensa o processo, uma pesquisa que possa
quão doloroso seria largar o conhecido, o territó- brotar pelo meio, através dos encontros (DE-
rio. Para tanto, foi preciso abandonar a bússola LEUZE; PARNET, 1998), e se tratando dos
e também os astros, pois a cartografia, nesse mesmos, permitir-se reparar em detalhes e
caso, acompanha e faz, ao mesmo tempo, o des- situações que nos pareciam banais e pouco
manchamento de certos rumos – sua perda de potencializadoras.
sentido – e a formação de outros mundos que se
criam para expressar afetos. Assim, como seria o exercício da atenção car-
No garimpo, as melhores pedras são aquelas tográfica? Como se fazer cartógrafo nesses
ainda brutas, e meu interesse está na heteroge- espaços? Foram muitas inquietações, e talvez
neidade de cada uma, nos seus lados multiface- por ser um campo movediço e sem coordena-
tados, isso porque não há preferência pelo que das, a cartografia na pesquisa foi se fazendo
é normalmente entendido como precioso. Tudo ao longo dos encontros que tive e na produção
pode vir a ser precioso, tudo que se mistura ao dos dados (o pesquisador faz parte desta pro-
que se convencionou considerar precioso pode dução), pois me permiti estar à espreita de
potencializar algo, e a preciosidade das coisas uma aula, anotar coisas, escutar mais o que os
está nestes encontros que temos com elas, a estudantes tinham a dizer, o que antes ocorria
preciosidade depende do encontro, pois o que e eu achava que era um empecilho, ou algo a
para mim é precioso para o outro pode não ser. atrapalhar o planejado, agora passaria a ser
Desta forma, a garimpeira escreve por memó- um motivo de escrita, um encontro que força-
rias, por vivências, considera os signos que a ria meu pensamento, pois nada estava pronto,
movimentam e que a violentam a pensar a te- a produção de sentido dependeria de mim, da
mática e suas práticas. Não nos cabe encaixar minha abertura e do meu olhar.
essas relações como metáforas, mas cartografar
os encontros com os signos produzidos em ga- No entanto, trabalhar com a cartografia não
rimpos distintos, por pessoas com pouco tempo foi suficiente, porque ao realizar o exercício de
de estudo, por aquelas que há algum tempo es- mapear, eu acabava escolhendo questões que
tão nesse local e também pelas que trabalham me pareciam prontas, situações que davam
- 302 -

certo, que por sua vez, não condiziam com os uma pesquisa que se produza enquanto ri-
autores escolhidos (pensar uma educação por zoma – “um uso ativo de esquecimento e não
um viés não idealizado, progressista), aquilo de memória, de subdesenvolvimento e não de
que “não dava certo” não ganhava espaço. Des- progresso a ser desenvolvido, de nomadismo
se modo, pensei no garimpo, na procura pelo e não de sedentarismo, de mapa e não de de-
precioso, como esse processo acontecia, e como calque” (DELEUZE, 2006, p.35). Dar visibilida-
seria garimpar o que me acontecia nos espaços de na docência aos heterogêneos, o que ainda
que percorria, como garimpar se parecia com não ganhou sentido, ao inesperado, ao proces-
o movimento docente de procurar o melhor, o so, ao recolhimento do que vamos encontran-
certo, de tentar escolher o que nos agrada em do ao peneirar, selecionando o que nos afeta,
uma sala de aula, isso porque nos conforta, nos nos desacomoda.
traz “satisfação” profissional, e nos faz pensar
que estamos “acertando” como professores.

Em uma orientação coletiva2 o grupo me pro-


pôs pensar no que não era da ordem das pre-
ciosidades no garimpo, mas das heterogenei-
dades, e nomear as coisas que ia garimpando
com este conceito. A partir desta concepção,
comecei a pensar no garimpo não como uma
seleção, mas como movimento do que fazer
com o que encontramos e que ainda não gan-
hou forma, sentido, significação, aquilo que
ainda é bruto, que difere da ordem do certo e
do errado, do precioso e do descartável, mas
diz respeito ao que encontramos e faz inven-
tarmo-nos na docência.

Assim, denominei como agenciamento3 o mo-


vimento de combinação entre a garimpagem
e a cartografia, uma possibilidade metodológi-
ca que pensa o processo, o rizoma (DELEUZE;
GUATTARI, 1995) por se tratar das múltiplas
entradas e conexões em um processo de pes-
quisa e seu olhar para a docência, da produção
da materialidade através do que se recolhe no Diário visual – estudante do 3º ano
caminho, do que nos movimenta a partir dos
encontros. A garimpagem se recombina com
a cartografia porque é um movimento violen- REFERÊNCIAS
to, doloroso e trabalhoso, tudo perpassa pela
peneira do garimpeiro, não basta a atenção e · DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil pla-
estar à espreita como na cartografia, é preci- tôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. 1ª ed.
so recolher tudo o que encontramos, todas as [tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto
heterogeneidades, e depois, somente depois, Costa]. Rio de janeiro: Ed. 34, 1995.
inventar com o que se recolheu, nesse mo-
mento em que as coisas estão lado a lado, sem · DELEUZE; PARNET, Claire. Diálogos. São
distinção de valores e significações, que opta- Paulo: Escuta, 1998.
mos e produzimos o que nos é caro, precioso.
O agenciamento entre a garimpagem e a car- · DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição 2ª ed.
tografia, faz pensarmos as possibilidades de [tradução de Luis B. L. Orlandi e Roberto Ma-

2 - A orientação coletiva consiste em encontros entre os orientandos da Profa. Dra. Marilda Oliveira de Oliveira onde discutimos nossas
pesquisas, apresentamos ao grupo, este faz uma leitura prévia a apresentação, exatamente como no processo de banca e emite parece-
res contributivos com sugestões e alterações.
3 - Para Deleuze e Guattari (1995), criadores deste conceito, um agenciamento só ocorre na existência de dois ou mais corpos, isto porque,
ele é o próprio movimento que ocorre no ‘entre’, na combinação ou ligação de elementos díspares — sem qualquer hierarquia ou orga-
nização centralizada — trata-se de fragmentos ou fluxos das mais variadas e diferentes naturezas: ideias, enunciados, coisas, pessoas,
corpos, instituições.
- 303 -

chado]. Rio de Janeiro: Graal, 2006. · · Em busca do tempo perdido, vol. 2. À


sombra das raparigas em flor. São Paulo: Glo-
· DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2 ª ed. bo, 2006b.
[tradução Antônio Carlos Piquet e Roberto Ma-
chado]. Rio de Janeiro: Forense Universitária, Angélica Neuscharank
2010.
Doutoranda do Programa de Pós-graduação
· GAGNEBIN, Jeanne-Marie Gagnebin. Entre em Educação (PPGE) Linha de Pesquisa LP4 -
sonho e vigília: quem sou eu?. In: PROUST, Educação e Artes. Mestre em Educação pelo
Marcel. Em busca do tempo perdido, vol. 1. mesmo Programa (2015). Pós-graduada em
posfácio. No caminho de swann. 2006, pp. Tecnologias da Informação e da Comunicação
539-558. aplicadas à Educação (2013). Graduada em
Artes Visuais - Licenciatura Plena em Desen-
· GALLO, Silvio. As múltiplas dimensões do ho e Plástica (2011) – UFSM.
aprender. In Anais do Congresso de Edu-
cação Básica: aprendizagem e currículo. Marilda Oliveira de Oliveira
Florianópolis, 2012. Disponível em: http://
www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/ Professora Associada do Departamento de
pdf/13_02_2012_10.54.50.a0ac3b8a14ef8ae- Metodologia do Ensino, do Centro de Edu-
0dbf32e662762.pdf. Acesso: 10/04/2015. cação, da Universidade Federal de Santa
Maria, atua na Graduação nos Cursos de Li-
· HEUSER, Ester Maria Dreher. A Filosofia da cenciatura em Artes Visuais. Professora cre-
discórdia de Gilles Deleuze e a necessidade denciada no Programa de Pós-Graduação em
de uma educação dos sentidos: para pensar o Educação, Mestrado e Doutorado (PPGE/CE/
“momento da sensibilização” no ensino de filo- UFSM), na Linha de Pesquisa LP4: Educação
sofia. Revista Fermentario. N. 7, Vol. 2 (2013). e Artes. Coordenadora do GEPAEC - Grupo de
Disponível em: http://www.fermentario. fhu- Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cul-
ce.edu.uy/ index.php/fermentario. Acesso: tura da UFSM.
08/11/2014.

· HEUSER, Ester Maria Dreher. Pensar em


Deleuze: Violência e Empirismo no Ensino de
Filosofia. Ijuí: Ed. Unijuí, 2010.

· KASTRUP, Virgínia. O funcionamento da


atenção no trabalho do cartógrafo. In: PASSOS,
Eduardo; KASTRUP, Virgínia e ESCÓSSIA, Li-
liana (Orgs.). Pistas do método da cartografia:
Pesquisa-intervenção e produção de subjeti-
vidade. Porto Alegre: Sulina, 2009, p. 32-51.

· LARROSA, Jorge. Experiência e alterida-


de em educação. Reflexão e Ação. N. 2, Vol.
19 (2011). Disponível em: https://online.
unisc.br/seer/index.php/reflex/ article/
view/2444/1898. Acesso: 14/05/2016.

· NEUSCHARANK, Angélica. Uma docência


pela garimpagem: encontros com signos,
2015, f. 77. Dissertação (Mestrado em Edu-
cação) – Universidade Federal de Santa Ma-
ria, Santa Maria, 2015.

· PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdi-


do, vol. 1. No caminho de swann. São Paulo:
Globo, 2006a.
- 305 -

OCULTAMIENTO/REVELACIÓN: UN ESTUDIO SOBRE IMPACTOS E


INTER-RELACIONES ENTRE SUJETOS Y DISPOSITIVO TECNOLÓGICO
VISUAL DE VIGILANCIA EN ESPACIO PRE-DETERMINADO

Marcela Blanco Spadaro - FAV - UFG

Resumen La permanente vigilancia hacia los sujetos en


la sociedad contemporánea, no es algo nuevo,
Vivimos en una sociedad donde cada vez hay la música popular constantemente propor-
más cámaras registrándonos –vigilándonos. cionó grandes ejemplos de vigilancia social
Algunas veces determinan nuestra conducta, omnipresente. “Santa Claus Is Coming to
en general las naturalizamos o les restamos Town” es un ejemplo de ello. Este villancico fue
importancia. Correspondería repensar las compuesto en 1932 por John Frederick Coots
imágenes que proporcionan tales dispositivos; y Haven Gillespie, en una parte de su letra
profundizar el análisis, la crítica y la creación expresa lo siguiente: “Él te verá cuando estés
en las sociedades contemporáneas como so- durmiendo. Sabe cuando estás despierto. Él
ciedades -hiper-vigiladas-, convirtiendo, es- sabe si fuiste malo o bueno, así que sé bueno,
pacios cotidianos, íntimos y públicos, en luga- ¡por el amor de Dios! ”1
res susceptibles de ser observados.
Mirzoeff, considera las bases del impacto y Esta letra musical nos muestra un claro panop-
relevancia de las tecnologías visuales y sus tismo religioso, direcciona en este caso a los
consecuencias en la cotidianidad, basándose niños a comportarse bien, porque “Él” siempre
en ejemplos, como el secuestro de Jamie Bul- te esta observando, vigila cada instante de tu
guer en la ciudad de Liverpool o el atentado en vida, sabe si duermes o no, si te portas bien o
los Juegos Olímpicos de Atlanta. Dirá que “casi mal, en definitiva sabe todo. Y de esta manera
siempre hay alguien observando y grabando. se comienza a introducir conceptos de vigilan-
Hasta la fecha no se ha perseguido a nadie cia y control en los niños. Se empieza a infundir
por ello. La visualización de la vida cotidiana el miedo, si no haces tal cosa, acontecerá otra,
no significa que necesariamente conozcamos tienes que hacer lo que se debe, no salir del pa-
lo que observamos.” La investigación se centra drón de comportamiento, sino serás castigado.
en las condiciones visuales contemporáneas,
relacionadas con la subjetividad, con las re- Los años van pasando, las maneras de querer
laciones interpersonales, con las formas de vigilar y controlar a la sociedad son cada vez
control y vigilancia social. Baudrillard mani- mas evidentes. Internet nos vigila a través de
festaba el mundo entero ya no es real, vivimos nuestros clicks, Google es otro patrón de vigi-
en el orden de lo hiperreal y de la simulación, lancia cuando accedemos a una determinada
donde no se interpreta la realidad, sino que se pagina, los siguientes resultados serán simila-
intenta ocultar que ya no es necesaria. res a nuestro click original. Esto se debe a los
algoritmos, que es como si fuese un tejido, el
Palabras claves: Vigilancia; Imagen; Sociedad. primer click es la entrada de datos que activa
el paso siguiente, o sea el proceso. Este proce-
Este es un pequeño recorte de la investigación so es la salida de datos, es otro algoritmo que
que se inicio en el “Instituto Escuela Nacional de se codifica y manipula para que arroje cier-
Bellas Artes” y en estos momentos continua en el tos resultados de las paginas visitadas, pero
Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura también de ese proceso depende el resultado
Visual de la Faculdade de Artes Visuais (UFG). de esa información que nos arroje nuestra

1 - He sees you when you're sleeping. He knows when you're awake. He knows if you've been bad or good,so be good for goodness sake!
- 306 -

búsqueda es el ordenador desde el cual estoy moderna se desarrolla en la pantalla. En los


procurando los datos, el país, y el explorador países industrializados, la vida es presa de
que se utiliza para realizar la consulta. una progresiva y constante vigilancia visual:
cámaras ubicadas en autobuses, centros co-
Nuestra sociedad esta dominada por la tec- merciales, autopistas, puentes y cajeros au-
nología en todas sus expresiones, dispositivos tomáticos”. Como es el caso de la figura 1, un
de videovigilancia, Circuito Cerrado de Televi- dispositivo de seguridad vigilando un cartel.
sión, ya son parte del decorado de las ciudades
actuales. Pero que son los Circuito Cerrado de ¿Ambiente seguro?
Televisión (CCTV), es un sistema tecnológico
creado por la empresa Siemens AG, para el En las sociedades contemporáneas se afronta
ejercito alemán en 1942, estos querían conse- la dificultad del encierro, jamás se alcanzará la
guir monitorizar el lanzamiento de sus misiles libertad, esto se debe a la excesiva vigilancia.
V2. Consiste en un sistema formado por apa- Como señala (ALCANTARA, 2008, p.100) “ Pre-
ratos de vigilancia conectados a monitores o gúntese a si mismo ¿qué pensaría si cualquiera
televisores. Estos receptores de imagen están pudiera verle tal y como se despierta por las ma-
conectados a una unidad de almacenamien- ñanas, sin vestir, peinar ni duchar? ¿No le gus-
to para estas imágenes, todos los elementos taría poder controlar a partir de qué momento
que integran este sistema están entrelazados pueden verle las personas que le rodean? ”
entre si, por eso se llama circuito cerrado, ya
que las imágenes ingresan por la cámara, se Tomemos como ejemplo Londres, esta ciudad
muestran en un monitor y se almacenan en tiene 1 millón de cámaras que cuidan a sus ha-
un dispositivo. La primera aparición al mer- bitantes, pero en varias declaraciones el Comi-
cado comercial fue en 1949, promovida por sario en Jefe de la policía Mick Neville declaro
la empresa Vericon. Pasaron los años y este que “de los 296 casos de atraco que se registra-
sistema comenzó a ser cada vez mas popular, ron en un mes, solo 8 han sido resueltos con
ya no solo las entidades publicas las usaban, la ayuda de las cámaras”2, estos datos son de
sino que también las empresas privadas lo julio del 2015. Otras de las declaraciones que
incorporaron como una forma de controlar la impactaron a la sociedad son las de Ms. Porter,
seguridad de sus negocios. Comisionado de las Cámaras de Vigilancia en
Reino Unido, donde cuestionado por la BBC
La propagación de estos aparatos electróni- Radio Five Live ante la pregunta si había cáma-
cos se torno indiscutible en ciudades como ras inútiles o en desuso su respuesta fue "Creo
Londres, Madrid o Nueva York, urbes donde que, sin duda hay, porque sabemos que es un
sucedieron atentados terroristas y se coloca- hecho."3 Y agregó: "La actual autoridad local en
ron como elementos imprescindibles contra la región de West Midlands hizo una revisión
cualquier ataque terrorista y delictivo. Con- local y fue capaz de reducir las cámaras que
cordando con Mirzoeff, (2003, p. 17) “La vida eran ineficaces e inútiles a un cuarto de millón.

Fig. 1, cámara vigilando un cartel. Fuente: acervo personal.

2-http://www.eliberico.com/sonria-por-favor-le-estan-grabando.html
3-http://www.telegraph.co.uk/news/politics/11369485/Too-many-useless-and-ineffective-CCTV-cameras-in-Britain-says-surveillan-
ce-commissioner.html
- 307 -

Fig. 2, Fotograma film “1984”. Fuente: https://www.youtube.com/watch?v=PwdVxFF8FTs&list


=PL8373EEC6F76B0AE4.

Si eso se puede extrapolar en todo el país, creo “Nadie será objeto de injerencias arbitrarias
que podemos en realidad todavía mantener el en su vida privada, su familia, su domicilio o
equilibrio de excelente vigilancia, para no te- su correspondencia…”
ner una promulgación de la vigilancia que en
realidad no sirve para nada." La intimidad de las personas debido al desa-
rrollo de las nuevas tecnologías se vio trasfor-
Estas declaraciones es un claro resultado de mada, el incremento del universo informático
que la proliferación de sistemas de vigilancia ha dejado un vacío en este tema. Si tomamos
garanticen que la delincuencia descienda y de forma literal lo que expresa el articulo 12
que también hay demasiadas cámaras que no observamos que este derecho no se practica,
están generando mas que control constante. desde su proclamación hasta ahora la vida
Todo este mundo de la vigilancia social como to- contemporánea tuvo un gran avance. Los ex-
dos sabemos progresó de forma indiscrimina- traordinarios métodos de control y vigilancia
da a partir del 11 de setiembre de 2001, luego son uno de los motivos que puede ocasionar el
de los atentados en New York. Y a partir de ahí deterioro de la libertad individual y social, se-
comenzó una proliferación de la vigilancia y gún Zygmunt Bauman, (2004) una voluntad
abusos sociales. Dos ejemplos de esto, uno ocu- que nació como gracia, se esta disipando como
rrió el 25 de septiembre 2002, en Ohio, Estados resultado de la falta de derechos en lo que com-
Unidos. Bryan Brewer coloco una demanda pete a nuestra imagen y datos personales.
contra el hotel Marriott Knoxville, después de
encontrar una cámara oculta en una lámpara Telepantalla
del baño, descubrió la pequeña cámara de vi-
deo luego de notar un punto negro, al comienzo El fenómeno de la vigilancia contemporánea
creyó que era un insecto, pero resultó ser un nos lleva a comprender el modelo orwelliano
agujero por el cual grababan a las personas. de 1984 y como el Gran Hermano es una in-
Y el segundo ejemplo proviene de Merseyside, terpretación distópica de políticas manejadas
Inglaterra, ocurrido el 13 de enero del 2006. por un control autoritario de la sociedad en un
Dos operadores de cámara del consejo de CCTV futuro. En esta novela el control tecnológico es
espían a una mujer desnuda en su propia casa, elemental, la telepantalla ubicada en la ciu-
fue filmada durante varias horas con su novio, dad mostraba al Gran Hermano observando
cuando iba al baño, al desvestirse y mirar la te- todo, (Fig. 2) es una sociedad sin intimidad,
levisión solo cubierta con una toalla. donde no hay lugar para la privacidad, obser-
vando a los sujetos incesantemente.
Las constantes infracciones crecen día a día
poniendo en tela de juicio la privacidad, que es Han transcurrido mas de sesenta años de la
un derecho que posen todos los ciudadanos publicación de esta novela, podemos decir que
del mundo y que deben de disfrutar y cono- el Gran Hermano no solo se encuentra en las
cer. Por Resolución de la Asamblea General, calles, sino que se encuentra en todos lados y
las Naciones Unidas en 1948 adopta y procla- vienen de la mano de las nuevas tecnologías
ma la Declaración Universal de los Derechos que ejercen una vigilancia mucho mas pene-
Humanos. En el articulo número 12 anuncia trante que las cámaras de seguridad. Plan-
- 308 -

teando lo que Gilles Deleuze llama “sociedad Could the electronic mediation of visual cultu-
de control”: re through television be considered a “closed
system” unto itself within which viewers are
Reformar la escuela, reformar la industria, re- seduced and anesthetized by the visual tropes
formar el hospital, el ejército, la cárcel; pero todos of commodity culture? (GAROIAN; GAUDELIUS,
saben que, a un plazo más o menos largo, estas 2008, p.95-96)
instituciones están acabadas. Solamente se pre-
tende gestionar su agonía y mantener a la gente
ocupada mientras se instalan esas nuevas fuer-
zas que ya están llamando a nuestras puertas.
Se trata de las sociedades de control, que están
sustituyendo a las disciplinarias. "Control" es el
nombre propuesto por Burroughs para designar
al nuevo monstruo que Foucault reconoció como
nuestro futuro inmediato. (DELEUZE, 1999, p. 5)

Lo que Deleuze nos dice es que dejamos atrás la


sociedad disciplinar para darle paso al control.
En los siglos XVIII y XIX son ubicadas por Fou-
cault las sociedades disciplinares, se fundamen-
taban en el castigo por el encierro y la vigilancia.
Los sujetos se desplazan de un encierro a otro, Fig. 3. TV Buddha. Fuente: https://switchtalk.wor-
donde cada uno de esos sectores tendrá sus pro- dpress.com/2010/01/01/tv-buddha-1974/
pias leyes “primero la familia, después la escuela
("ya no estás en tu casa"), después el cuartel ("ya No existe la obviedad en el proyecto plantea-
no estás en la escuela"), a continuación la fábri- do por el artista, ninguno de los elementos son
ca, cada cierto tiempo el hospital y a veces la cár- lo que representan (GAROIAN; GAUDELIUS,
cel, el centro de encierro por excelencia.” 2008, p.97) "Paik desafió el concepto del cuer-
po como la "pantalla" en la que se proyectan
Podríamos señalar que nuestra vida gira en continuamente los códigos imperantes de
un entorno donde lo visual es preponderante, la cultura y a través del cual se determina la
concordando con Martins y Tourinho (2009) identidad." En esta obra Paik elabora una me-
las imágenes se nos presenta de un modo irre- táfora contemporánea de la función del cuer-
flexivo, los aparatos multimedia están al al- po humano, un cuerpo bombardeado con con-
cance de todos. Mirzoeff, plantea (2003, p. 23) ceptos, doctrinas culturales que constituirá
“la cultura visual no depende de las imágenes una identificación. El Buda es una proyección
en sí mismas, sino de la tendencia moderna a intrínseca de una imagen de un cuerpo que
plasmar en imágenes o visualizar la existen- esta siempre en constante transformación.
cia” . Esto pretende explicar que la sociedad Un cuerpo que se va adaptando, se va discipli-
busca representar las cosas que no son visua- nando a la sociedad en la que vive.
les, con la ayuda de la tecnología, porque de
otra forma no lo conseguiríamos ver. Con respecto a los dispositivos de seguridad
es interesante plantearse de que manera son
La reconocida obra TV Buddha, (Fig.3) de usados, el poder que ellos representan o el po-
Naum June Paik es analizada por Garoian y der que se hace creer que tienen a los indivi-
Gaudelius, donde concentran su atención, en duos comunes.
lo que ya Paik advertía en 1974. Los autores
crean una alerta crítica a la condición visual El Panóptico es la utopía de una sociedad y un
en la contemporaneidad. tipo de poder que es, en el fondo la sociedad
que actualmente conocemos, utopía que efec-
A reproduction, a ready-made statue of the tivamente se realizó. Este tipo de poder bien
Buddha sits gazing at an image of itself on a puede recibir el nombre de panoptismo: vivimos
television screen, which is mediated by a clo- en una sociedad en la que reina el panoptismo.
sed-circuit video camera. A solipsistic meta- (FOUCAULT, 1996, p.43)
phor, the Buddha stares ate the television as
the television stares back a the Buddha as the Para algunos como es el caso de Foucault vivi-
camera stares at the Buddha. What does TV Bu- mos en esa ilusión que Jeremy Betham fanta-
ddha signify with closed-circuit video system? seó en 1787 con su idea del panóptico (Fig.4),
- 309 -

no es preciso construir una gran torre, con el se convierte en el producto de una irreflexión
solo hecho de salir a recorrer las calles de la que pertenece a la plenitud de lo ilusorio, ple-
ciudad como un flanèur, deambulando, obser- nitud simulada, con un exceso de sentido en
vando, circulando de forma anónima por el un sistema que se autoproduce. La imagen ya
engranaje de la ciudad iremos percibiendo la no es el reflejo, ni desnaturaliza, ni enmasca-
utopía realizada. ra la ausencia de una realidad profunda, sino
que nada tiene que ver con la realidad, siendo
su simulacro.

Consideraciones finales

Acompañando las ideas de Deleuze (1999),


Garoian e Gaudelius (2008), Martins e Tourin-
ho (2009), Prada (2005) e Baudrillard (1978),
cabe aquí introducir el cuestionamiento so-
bre ¿quienes somos, tenemos el control de
nosotros mismos?. Y la respuesta radica en
la relación que tenemos con el otro. Entonces,
la comprensión radica en la empatía con los
otros individuos, de adquirir una cierta agu-
deza para así conseguir la capacidad de al-
canzar y percibir tan solo por un momento ese
estado ajeno a nosotros.

Referencias
Fig. 4. Diseño de Panóptico. Fuente: “Vigilar y castigar”,
2003. · ALCÁNTARA, J. La sociedad de control. Priva-
cidad, propiedad intelectual y el futuro de la
(MARTINS; TOURINHO, 2009, p.225) “câmeras libertad. Barcelona : El Cobre Ediciones, 2008.
de telefones celulares, satélites, jornais, revis-
tas e inúmeros outros dispositivos de multimí- · BAUDRILLARD, J. Cultura y Simulacro. Bar-
dia aumentam nossa visão, representam ideas celona: Kairós, 2012.
e ajudam os seres humanos a verem e a serem
vistos” coincidiendo con estos autores, la gran · BAUMAN, Z. Modernidad líquida. Buenos Ai-
oferta, el bajo costo de los aparatos tecnológi- res: Fondo de Cultura Económica, 2004.
cos crean un camino en el cual los sujetos ya
no tienen que tener ciertas circunstancias para · DELEUZE, G. Conversaciones 1972-1990. Va-
ejercer esa vigilancia, basta con poseer algu- lencia: Editorial Pre-Textos1999.
nos aparatos, todos estos facilitan de alguna
manera el panoptismo que Foucault describe. · FOUCAULT, M. La verdad y las formas jurídicas,
cuarta conferencia. Barcelona: Gedisa, 1996.
Hoy en día, los estudios de cultura visual ofre-
cen una perspectiva, en donde la condición · GAROIAN, Ch.; GAUDELIUS, Y. Spectacle Pe-
del ser y su imagen supera la realidad, a la dagogy. Art, Politics, and Visual Culture. New
que antes aquella se constituía como refe- York: State University of New York Press, 2008.
rente o medio, en esta postmodernidad como
menciona (PRADA, 2005, p.131) “lo visual se · MARTINS, R.; TOURINHO, I.(Org.) Educação
ha convertido en pensamiento, y ya no es su da CULTURA VISUAL: NARRATIVAS de Ensino
resultado, medio o lenguaje”. e Pesquisa. Santa Maria: Ed.da UFSM, 2009.

Baudrillard4 plantea que el mundo entero ya · MIRZOEFF, N. Una introducción a la cultura


no es real, vivimos en el orden de lo hiperreal visual. Barcelona: Paidós, 2003.
y de la simulación, donde no se interpreta la
realidad, sino que se intenta ocultar que ya no · ORWELL, G. 1984. Barcelona: Editorial DE-
es necesaria. Es de esta manera que lo visual BOLSILLO, 2013.

4-Esta idea Baudrillard la desarrolla en “Cultura y simulacro”, traducida al castellano en 1978.


- 310 -

Marcela Blanco

Licenciada en Artes Plásticas y Visuales por


la Universidad de la Republica (UDELAR). Ac-
tualmente cursando Maestría en Culturas da
Imagem e Processos de Mediação Universida-
de Federal de Goiás (FAV/UFG). Bolsista Cnpq,
integra el grupo de investigación en Cultura
Visual, Educación y Construcción de Identi-
dad, del Instituto “Escuela Nacional de Bellas
Artes” de la Universidad de la República (Mon-
tevideo – Uruguay).
- 311 -

CONVERSACIONES HIPERVISUALES. ¡ESO TAMBIÉN ES UNA VISUALIDAD!

Juan Sebastián Ospina Álvarez - UFG

Palabras clave: visualidades, conversaciones cación de uno de los estudiantes de la materia


hipervisuales, géneros. de núcleo libre Cultura Visual e Construções
de Gênero, ofrecida por la profesora Carla de
Este artículo tiene como objetivo reflexionar Abreu y en la cual hicimos pasantía la estu-
sobre la relación de las visualidades en la diante de maestría Nayara Joyse Silva Monte-
construcción de los géneros y la producción les y yo como estudiante de doctorado, ambos
de relatos hablados que no usan imágenes del programa de postgrado en Arte y Cultura
visuales pero que siempre se apoyan en vi- Visual de la Universidade Federal de Goiás. A
sualidades. La experiencia de la cual se deriva propósito, esa preocupación del estudiante, en
este texto corresponde a una de las primeras una de las sesiones que usé de este curso para
sesiones del trabajo de campo de mi investiga- realizar uno de los encuentros del laboratorio
ción doctoral realizada en el mes de diciembre que compone mi investigación doctoral1, me
de 2015 en la Universidade Federal de Goiás. motivó a escribir este texto y repasar viejas
Este encuentro hace parte de un laboratorio discusiones y recientes configuraciones de lo
vivo donde las narrativas de los participantes que se configura hoy día como contextos hi-
son materia deconstructiva sobre los géneros pervisuales.
y las visualidades. Uso como pretexto para
escribir este artículo la inquietud de un estu- Desearía centrar la discusión en las conversa-
diante que dejó percibir su preocupación, en ciones hipervisuales; sin embargo, considero
repetidas ocasiones, sobre la diferencia en- importante retomar las nociones de imagen,
tre visualidad, imaginario e imagen. Además, visión y visualidad, las cuales aún haciendo
aprovecho sus preocupaciones por el uso de parte de nuestro trabajo como investigadores
imágenes y desconocimiento de la aparición de los estudios de la cultura visual, a veces pa-
de innumerables visualidades en sus relatos reciera que las usamos/pensamos como sinó-
personales y grupales. Para narrar esta expe- nimos y de ese modo restringimos la potencia
riencia empleo algunas intervenciones de los de las visualidades, específicamente, como
y las participantes e imágenes producidas al ese “punto de encuentro entre las imágenes y
final de encuentro. Con las ideas, textos y fo- los imaginarios”. Punto de encuentro que revi-
tografías resultantes tejo algunas relaciones saré en la primera parte de este artículo y que
entre las palabras, las imágenes y las visua- conducirá las demás discusiones sobre las que
lidades, acciones que he denominado conver- delibero en este texto.
saciones hipervisuales y las cuales enmarcan
las reflexiones finales de esta ponencia. Usaré una discusión sobre los géneros y la per-
formatividad para ahondar sobre cuestiones
¿Por qué una clase de cultura visual concernientes a las imágenes y visualidades
omienza sin imágenes? sobre dichas construcciones, concretamen-
te sobre la masculinización de los discursos
¿Por qué una experiencia desde los estudios visuales y de las subjetividades. Recordemos
da cultura visual con pocas imágenes, con que los géneros son proyectos para moldear
poco arte? Esta fue una preocupación/provo- las subjetividades conforme los intereses so-

1-Este texto es un fragmento “bricolado” del avance de mi tesis de doctorado del programa de postgrado en Arte y Cultura Visual de la
Universidade Federal de Goiás.
- 312 -

ciopolíticos de los diversos contextos; si bien Hal Foster, crítico de arte que abordó de mane-
los discursos sobre estos se originaron en una ra amplia la crisis de la representación nom-
estrecha relación con las sexualidades, estas brada en la figura anterior, realizó en 1987
categorías van mucho más allá, interfiriendo, unas jornadas llamadas “Visión y Visualidad”.
inclusive, en la producción y consumo de imá- De ellas se derivaron numerosos textos y es-
genes visuales. tudios que pensaban el papel de campos como
la antropología visual, artes visuales y los
Revisando una antigua discusión nuevos, para la época, estudios de la cultura
visual, todos campos que comenzaron a usar
Comencemos por la provocación del estudiante el concepto visualidad en sus quehaceres.
que sentía la ausencia de imágenes, equiparán-
dolas con el concepto de visualidad. Aunque en Antes de llegar a ese soporte teórico que me
algunos momentos de la materia ya habíamos permite hoy día dar una respuesta mejor fun-
introducido las visualidades como materia damentada para aquel estudiante, considero
para los procesos pedagógicos desarrollados importante remitirnos a algunas definiciones.
en sala, aún persistía en los estudiantes la ne- Anna María Guash, por ejemplo, aporta la si-
cesidad de contacto con las imágenes visuales. guiente definición sobre visualidad,
A pesar de ser un asunto tratado con primor
desde hace algunas décadas, desde el llamado Una disciplina táctica que busca dar respuesta
giro pictórico ampliamente discutido por auto- al rol de la imagen como portadora de signifi-
res como Mitchell (2009) y Hal Foster (2001), cados en un marco dominado por los discursos
todavía persisten brechas en el tratamiento de horizontales, las perspectivas globales, la de-
términos como imagen, visión, visibilidad y vi- mocratización de la cultura, la fascinación por
sualidad, todos ellos conceptos imbricados pero la tecnología y la ruptura de los límites alto-bajo
que no se equiparan. más allá de toda jerarquizada memoria visual
(Guash, 2003, p. 12)
Revisar cada uno de los anteriores términos
no es el foco de este texto; sin embargo, de ma- En su definición, Anna María nos presenta
nera breve centraré la discusión en la relación una visión esperanzadora sobre un concepto
del término visualidad con los demás. Existen de visualidad, visión que también tuve du-
centenas de definiciones sobre lo que signi- rante muchos años pero la cual actualmente
fica visualidad, en mi caso, por ejemplo, en la coloco en duda, pues pareciera que cuando
época en que realicé el encuentro la presenté se habla de visualidades se están profesando
como un “punto de encuentro entre las imáge- procesos más democráticos y hoy reconozco
nes y los imaginarios”, un “punto de encuentro que no es así. Realizo de ese modo una errata
entre los estudios visuales y los estudios de conceptual, sin querer durante mucho tiem-
corte más antropológico” tal como aparece en po coloqué una connotación positiva en el
la Figura 1. Ahora bien, después de varias bús- concepto de visualidades y una connotación
quedas y exploraciones bibliográficas pienso menos positiva en los regímenes escópicos, de
que las visualidades son mucho más que ese hecho algunas veces los usé como antónimos
“punto de encuentro”, inclusive, ellas son las olvidando que dichos regímenes son sistemas
culpables, en el buen sentido, de la existencia de visualidades. Ahora bien, siempre estamos
de esos campos y conceptos mencionados. en proceso de articulación conceptual y la ma-
nera como usamos las palabras, las imágenes
y construimos discursos con ellas cambian.

John Walker y Sarah Chaplin (2002), por su


parte, consideran que los observadores no son
meramente sujetos con dos ojos; estos tienen
además mentes, cuerpos con diversos senti-
dos de percepción, géneros, personalidades
e historias de vida. Los autores discuten con-
siderablemente la diferencia entre visión y
visualidad, aportes que fundamentan la dife-
renciación que quiero presentar entre imagen
visual y visualidad. De esa forma, contemplo
Figura 1. Mapa conceptual para explicación sobre la imagen visual como una reproducción im-
visualidades.Fuente: propia presa o proyectada que conseguimos perci-
- 313 -

bir a través de procesos de visión, acción que cuencia, los imaginarios sociales conforman
ocurre por medio de acciones fisiológicas las representaciones y también hacen que las
pero que solamente gana sentido mediante imágenes visuales posean y generen sentidos
las diversas estructuras culturales e imagi- a través de creencias, valores y símbolos. De
narios que conforman las visualidades, el otro ese modo, dichas representaciones se equipa-
concepto que deseo discutir. En palabras de ran con los regímenes escópicos por conducir
los autores, una forma distinta de abordar la las miradas sobre los objetos y los sujetos.
visualidad es tratarla como un tipo de visión
socializada, es decir, la forma como se tornan En síntesis, realizando una revisión bibliográfi-
inteligibles los discursos. ca para el desarrollo de este punto del texto en-
cuentro que las discusiones sobre visualidades
Juan Martín Prada (2013), considera a las vi- están caminando en otra dirección. Ello no in-
sualidades como elementos conformadores dica que yo también deba hacerlo, pero sí llama
de las sociedades, es decir, aquellas narrati- mi atención esa nueva línea de pensamiento
vas que hacen que los procesos de comunica- que coloca sobre las visualidades una carac-
ción tengan diversos matices y condicionen terística negativa usada como pretexto para
los modos como los sujetos producen y con- pensar viejas cuestiones relacionadas sobre
sumen discursos. Esta perspectiva se conecta la dominación de las miradas. No se trata en-
con uno de los conceptos colocados en el mapa tonces que el término visualidad haya entrado
conceptual mostrado y que sería uno de las en desuso, sino que es una alerta para pensar
vías que permite ese “punto de encuentro” que las visualidades a partir de una postura crítica,
llamo visualidades, los imaginarios. una deconstrucción del término y una relativi-
zación de aquello que ya fue dicho sobre ellas.
En consecuencia, podemos considerar los ima-
ginarios como los conjuntos de representacio- Esta nueva percepción de las visualidades
nes simbólicas que determinan las normas y dentro de los estudios de la cultura visual tam-
las interacciones entre los sujetos. Estos tienen bién fundamenta el concepto que he acuñado
como función hacer que, de manera coordina- para este texto, conversaciones hipervisuales,
da, el orden de lo simbólico se mantenga. Los pues refuerza la contaminación positiva de los
imaginarios sociales decretan el lugar de las demás sentidos en los procesos de percepti-
representaciones en las instituciones sociales y vos. Esta perspectiva se distancia de la forma
cabe resaltar que estas negociaciones no siem- como presenté en la ocasión citada al inicio la
pre ocurren de manera tranquila ni equitati- definición de visualidad, pero al mismo tiem-
va. Cornelius Castoriadis (2007), en su trabajo po me ofrece soporte para pensar la propuesta
inaugurador sobre esta noción, reconoce tres metodológica de mi investigación.
componentes de los imaginarios sociales: las
religiones, los mitos y las ideologías. En la última década, a raíz de la diseminación
de medios de comunicación mucho más hori-
La propuesta de este filósofo presenta dos ti- zontales como las redes sociales y de la crítica
pos de imaginarios: los imaginarios instituidos a otros medios convencionales, normalmente
y los instituyentes. Los primeros están confor- liderados por las grandes élites económicas
mados por los discursos que profesan las insti- como la televisión, las contravisualidades, tér-
tuciones sobre y para los sujetos, mientras que mino acuñado por Nicholas Mirzoeff (2011),
los segundos son de alguna manera una opor- aparecen para colocar en jaque a las visuali-
tunidad de agencia para los sujetos, es decir, dades hegemónicas y repensar la autonomía
una respuesta de emancipación a la normali- de las miradas. El autor nos cuestiona del si-
zación y contra los modelos de representación guiente modo: ¿son las visualidades un tema
hegemónica. ultrapasado para hablar de discursos y auto-
ridad? De mi parte y siguiendo el ya usado es-
Las representaciones sociales, por lo tanto, quema de preguntar cuestiono: ¿De qué se ha-
son las formas designadas, a través del sen- bla cuando se hace mención a la autonomía de
tido común otorgado por los imaginarios ins- las miradas? ¿Existe dicha autonomía? ¿Qué
tituidos, para definir los bienes simbólicos y papel tienen aquí las visualidades?
físicos que hacen parte de nuestro entorno.
Ahora bien, ese sentido común no se refiere a Sin el ánimo de ofrecer una respuesta cerrada
lo comunitario y sí a las coincidencias que las a los anteriores interrogantes, considero que
instituciones disciplinantes logran mantener la autonomía de las miradas no se refiere a un
en diversos estratos socioculturales. En conse- proyecto individualizado o voyerista, al con-
- 314 -

trario, se trata de la posibilidad de hablar so- Además, contemplo dos conceptos que pue-
bre lo que vemos para los colectivos de los cua- den parecer obvios pero que decido resaltar
les hacemos parte, dejar trasparecer nuestras para continuar y mantener la deconstrucción
construcciones subjetivas y al mismo tiempo como un proceso de perturbación conceptual
posibilitar procesos intersubjetivos que naz- y política en su sentido más amplio. Eses con-
can de las márgenes (Mirzoeff, 2011). En ese ceptos son la masculinización de las miradas
sentido, se torna relevante revisar el plantea- y las visualidades sobre las masculinidades,
miento de Sergio Martínez Luna (2012) quien ello a pesar que sería más sensato hablar de
considera que masculinización de los sentidos, no sólo en
sentidos perceptivos sino también culturales.
En un contexto en el que la gestión de los ima- Lo anterior resulta no solo de los postulados
ginarios, la promiscuidad de las imágenes y la “anti-ocularcentristas” sino también por el
fuerza constitutiva de los signos trabajan den- tipo de narrativas usadas como material de
tro de los procesos contemporáneos de subjeti- análisis para la investigación, conversaciones
vación e identidad, se abre la cuestión acerca de hipervisuales.
la implicación de las prácticas visuales en esos
procesos de formación del yo y en la articula- Siguiendo la línea conceptual de las ideas dis-
ción ética de esos márgenes de autonomía para cutidas en el apartado anterior, aunque cuan-
la desobediencia o la modificación de los signi- do hago referencia a la masculinización de las
ficados (p. 27) miradas y a las visualidades de las masculini-
dades pareciera que hablo de un mismo asun-
No sólo encuentro interesantes los términos to, deseo mantener esa diferenciación para
nuevos, los considero apropiados para abor- discutir más adelante el proceso desarrollado
dar una temática de investigación en la cual con los y las participantes.
los procesos de normalización, censura, invisi-
bilización y el desconocimiento que esta trae, Deseo aclarar, también, sin intenciones de ce-
entre otras acciones, hacen que las visualida- rrar un asunto tan importante como el tratado
des sobre los estudios de género sean visua- aquí, la manera como contemplo las masculini-
lidades precarias y en este punto me apropio dades dentro de mi investigación. Observo las
del adjetivo “precario” bastante discutido por masculinidades como proyectos sociocultura-
la filósofa Judith Butler (2006; 2015; 2015a) les que se han vinculado y estudiado, principal-
para admitir que los estudios de género, por mente, a partir de su relación con las sexualida-
contemplar principalmente asuntos de las mal des en cuanto modos de poder. Por ese motivo,
llamadas minorías, se han constituido a partir las abordo como “permisos restringidos” para
de visualidades que minimizan su potencia. acceder a los discursos, tanto a su producción
como a su recepción. Como menciona Pablo Pé-
Masculinidades y visualidades rez Navarro (2008), tanto las masculinidades
como las feminidades, como actos performa-
La investigación doctoral que desarrollo está tivos de género, “son por tanto comprendidos
norteada por dos preguntas principales que como vehículos de transmisión de ciertos im-
envuelven los conceptos que conceptúan el perativos culturales, y el reconocimiento de
estudio, dichos interrogantes son: ¿De qué los mismos sólo se convierte en subversivo bajo
forma se configuran las masculinidades en determinadas condiciones” (p. 128).
las visualidades que usamos/usan para repre-
sentarnos? ¿Cuáles son las co-implicaciones de Los estudios de la cultura visual, como cam-
deconstruir las visualidades masculinizadas? po que problematiza cuestiones relacionadas
con las visualidades, se proponen realizar un
Abordo las masculinidades en dicha investi- trabajo pedagógico que movilice conceptos
gación a partir de varios caminos pero princi- fijados por las instituciones y subvertirlos,
palmente como proyectos escópicos que de- caso sea necesario, para preguntarnos por los
terminan las representaciones que usan los discursos que se desprenden de una imagen
sujetos para establecer relaciones de poder y visual, por las visualidades que interfieren
saber. Me interesa especialmente discutir con en la concretización de estas y por los proce-
los participantes de la investigación de qué sos intertextuales que presenciamos a través
forma las masculinidades, en cuanto proyectos de ellas. Todos estos puntos aproximan en mi
socioculturales liderados primordialmente por investigación los estudios de géneros con los
sociedades heteronormativas, determinan la estudios de la cultura visual.
producción de visualidades masculinizadas.
- 315 -

Las visualidades sobre los géneros aún reci- Logramos comunicarnos con los demás suje-
ben tímidas aproximaciones, al menos en lo tos a partir de las estructuras discursivas que
que concierne al contexto latinoamericano, están detrás de los signos que usamos como
región marcada por una tradición patriarcal y interfaces. En ese sentido, las visualidades
conservadora. Al respecto Valle Galera (2012) que edificamos sobre los procesos, las relacio-
considera que nes socioculturales, los sujetos y los objetos,
son las responsables de que se formen socie-
Los roles de referencia están presentes en la dades. En otras palabras, los imaginarios, des-
historia, la interacción social y en la cultura vi- critos anteriormente, permiten que las imá-
sual. Y parte de esta cultura visual la asimilamos genes visuales, en cuanto objetos, se tornen
a través de fotografías y vídeos que repetimos reales, por tanto, artefactos discursivos.
en nuestra cotidianeidad. Por eso, la fotografía,
el vídeo y la performance son medios predilec- Las conversaciones hipervisuales, desde mi
tos dentro del mundo artístico para trabajar perspectiva, guardarían relación con la dis-
cuestiones identitarias, porque trascienden la tribución o división de lo sensible acuñada por
obra artística y se convierten en herramienta Jacques Rancière (2009), en la cual interesa
que trasforma nuestra percepción del ser (p. 83) además de la distribución de los discursos, la
manera como estos son y pueden ser usados
La autora continúa su reflexión aportando lo en cuanto espacios de agencia para pensar,
siguiente, entre otras cuestiones, las subjetividades. Si
pensamos con detenimiento la propuesta de
En el intento constante de amainar estas fron- los estudios de la cultura visual y la renova-
teras opresoras del género, el arte ha señalado, ción conceptual sobre su materia prima, las
parodiado y deconstruido características que visualidades y contravisualidades o “visuali-
construyen la femineidad y la masculinidad, dades menores”, no resultará complicado que
aunque esta última no con tanto ahínco. Centra- cuando los crucemos con procesos educativos
do más el análisis en la presión que ha recibido estemos creando espacios de intervención,
la mujer y la construcción de una femineidad concepto de la feminista bell hooks (1994).
subyugada, ha dibujado una relación de opues-
tos dónde lo masculino es connotativo de opre- Dichos espacios contemplan las represen-
sión y dominio (p. 82) taciones e imaginarios de los actores de los
procesos educativos, son invitaciones a pen-
Al respecto, he decidido realizar un proceso sar de manera interseccional, invitaciones a
de deconstrucción de estos regímenes a tra- arriesgarse a saltar los obstáculos de las zo-
vés de algunos conceptos, nociones próximas nas de confort, oportunidades para escuchar
al campo de “lo visual”: visibilidad, sexualiza- historias de vida y conversar a través visuali-
ción, censura, autoría, entre otros. Si bien las dades. La profesora bell hooks, en ese sentido
sexualidades son un camino para abordar considera que
dichas construcciones culturales, he decido
estudiarlas a través de aquellas palabras que Es significativo que los que intentamos criticar
son a su vez enlaces con el campo de los estu- los prejuicios en el ámbito de la clase nos ha-
dios de la cultura visual. yamos visto impulsados a regresar a nuestros
cuerpos para referirnos a nosotros mismos como
Conversaciones hipervisuales sujetos de la historia. Todos somos sujetos de la
historia. Debemos regresar a un estado carnal
Existe una estrecha relación entre la imagen para deconstruir la orquestación tradicional del
visual y la imagen verbalizada, dicha relación poder en clase, negándole subjetividad a algu-
se compone de las visualidades que las tornan nos grupos para concedérsela a otros. Cuando
discursos y que hacen que estas adquieran reconocemos la subjetividad y los límites de la
sentido en la vida de las personas. Podemos identidad, trastocamos esa despersonalización
intercambiar, adquirir y construir conoci- que resulta tan necesaria en una cultura de do-
mientos mediante procesos de visualización minación. Por eso los esfuerzos encaminados a
de datos icónicos, lingüísticos (aunque las reconocer nuestra subjetividad y la de nuestros
letras sean también imágenes visuales), so- alumnos han generado críticas violentas y re-
noros, táctiles, entre otros. Esos datos cobran percusiones negativas (hooks, 1994, p. 139)
sentido cuando son incluidos dentro de las na-
rrativas que hacen parte de los contextos por Recapitulando, con la producción de relatos a
donde transitamos. partir de visualidades y la producción de imá-
- 316 -

genes visuales que contemplen esas conver- normativos y escópicos terminaron por pasar
saciones hipervisuales, intento aproximarme desapercibidos, invisibilizados y silenciados.
de prácticas de intervención que cuestionen Aprovecho en este punto, la advertencia reali-
las visualidades masculinizadas, una vez que zada por Martin Jay (2003) sobre los regímenes
analizar el contenido de las narrativas se escópicos diferenciados y su contribución para
convierte en una práctica para repensar las hablar de las subculturas visuales.
relaciones de poder. Cuando uso el término
cuestionar no hago referencia a una obliga- En las conversaciones hipervisuales realizadas
toria contestación, cuestionar es también una con el grupo de participantes de mi investiga-
forma de cercar un objeto para análisis, en el ción, las visualidades precarias, concepto que
caso particular narrativas. también ha comenzado a ser usado a partir de
posturas como las de la filósofa Judith Butler,
Propongo, también, las conversaciones hiper- como ya comenté, no se hicieron invitar, ellas
visuales como una forma de acercar el abor- aparecen en la mayoría de momentos. Entre re-
daje metodológico usado en mi investigación latos jocosos y otros menos amigables los y las
(Figura 2) con la temática central del Coloquio participantes reconocieron cuáles discursos los
Internacional Educación y Visualidad que en erigen, usaron imágenes visuales, reflexiona-
su quinta versión tiene como tópico principal ron sobre los imaginarios instituidos en nues-
de discusión las Investigaciones Pedagógicas tras sociedades, utilizaron sus experiencias
en Contextos Hipervisuales. Dicha conexión para hablar de contravisualidades, pensaron
me ha permitido reflexionar sobre el papel de en las porosidades de “lo normativo”.
las visualidades y las nuevas respuestas fren-
te a este tipo de construcciones que no siem- A continuación presento dos ejemplos de imá-
pre “conversan” de todos ni para todos. genes visuales producidas después de algunas
conversaciones hipervisuales con el grupo de
investigación. Las temáticas centrales del en-
cuentro del cual surgió este material fueron la
perfomatividad y los actos performativos sub-
versivos, ambos conceptos desarrollados por
Judith Butler (2007) en su texto El género en
disputa. Cada grupo, conformado por entre 5 y
6 personas, debía realizar un ensayo fotográ-
fico que narrara las situaciones conversadas
en el primer momento del laboratorio.

Una de las temáticas recurrentes durante el


encuentro fue la visualidad construida sobre
la hipersexualización de las personas homo-
sexuales. Resultado de preconceptos hete-
ronormativos, esencialistas y religiosos, el
imaginario instituido que se ha construido, so-
bretodo del hombre homosexual, lo presentan
como alguien promiscuo, tal como comentaron
Figura 2. Mapa mental del proceso metodológico los y las participantes a la hora de exponer las
Fuente: propia fotografías. El grupo consideró esta situación y
aprovechó, además, una grafiti que muestra un
Las conversaciones hipervisuales, de ese modo, juego de palabras que mezcla el nombre de su
consideran las visualidades menores como ciudad, Goiânia, con la palabra gay (Fotografía
discursos que también interesan. Resalto en 1). Esta nueva palabra o sobrenombre para la
este punto de la discusión los aportes de Ser- ciudad trae consigo una carga de mitos, una vi-
gio Martínez Luna (2012), quien para pensar sualidad precaria que remite a la homosexua-
esas “visualidades menores” se remite a Gilles lidad masiva de los habitantes de esa ciudad
Deleuze y Félix Guattari con su texto Kafka: imaginada llamada Gayânia.
por una literatura menor para llamar nuestra
atención sobre la potencia y necesidad de con- Este sobrenombre se repite en diversos sopor-
siderar esas visualidades construidas por otras tes, él señala y estigmatiza, inclusive dentro
culturas visuales, contextos que por no ser de un campo universitario donde se promulga
contemplados dentro de los grandes centros el respeto y la diversidad. Tal como ocurrió con
- 317 -

Fotografía 1. Imagen realizada por participantes de la investigación


Fuente: Archivo de la investigación

Fotografía 2. Imagen realizada por los participantes de la investigación


Fuente: Archivo de la investigación

la palabra queer que terminó por ser un con- ron un relato de una de sus compañeras quien
cepto reivindicador podría ocurrir lo mismo al inicio de la conversa habló de las miradas no
con Gayânia como una ciudad que armoniza siempre cordiales que obtiene por no depilar
con la homosexualidad. Ahora bien, los relatos sus axilas. De manera jocosa, esta estudiante
de bullying y homofobia por parte de los estu- contó cómo una vez que iba en el bus hacia
diantes demuestran que su connotación aún la universidad usó como “arma antiacoso” sus
no resulta tan positiva. axilas peludas. Varios hombres la miraban de
manera lasciva y cuando ella les mostró sus
La segunda imagen producida por el grupo axilas todos se quedaron callados, imagino
tuvo como origen las conversaciones sobre que a la mente de estos hombres llegaron mu-
visualidades relacionadas con los feminismos, chas imágenes que conforman visualidades
liderazgo femenino y acoso (Fotografía 2). sobre el “cuerpo deseable” de una mujer.
Muchas visualidades sobre patrones de esté-
tica femenina fueron discutidas en la sesión.
Con la intención de registrar un acto perfor-
mativo subversivo, los estudiantes aprovecha-
- 318 -

Conversemos… de Janeiro: Civilização Brasileira.

Para finalizar quisiera advertir que esta apro- · Butler, J. (2015a). Relatar a si mesmo. Crítica
ximación entre el campo de los estudios de la da violência ética. (R. Bettoni, Trad.) Belo Hori-
cultura visual y los estudios de género aún se zonte: Autêntica.
encuentra en proceso de construcción y se ha
tornado en un trabajo casi artesanal donde he · Butler, J. (2006). Vida precaria. El poder del
ido cortando, pegando, superponiendo, entre- duelo y la violencia. Buenos Aires: Paidós.
lazando, transcribiendo, imprimiendo y mu-
chas más acciones que implican experimentar · Castoriadis, C. (2007). La institución imagi-
y proponer un laboratorio sobre géneros y vi- naria de la sociedad. Buenos Aires: Tusquets
sualidades. He trabajo en aras de reunir pre- Editores.
misas, consensos y disensos de ambas áreas
con unas realidades específicas provenientes · Foster, H. (2001). El artista como etnógrafo.
de los y las integrantes de la investigación. En H. Foster, El retorno de lo real: la vanguar-
Realidades transitorias que otorgan el carác- dia a finales de siglo (A. Brotons Muñoz, Trad.,
ter particular de mi estudio, pues si bien ellas págs. 175-207). Madrid: Ediciones Akal S.A.
abarcan problemáticas universales, nuestras
conversaciones hipervisuales, siempre con- · Galera de Ulierte, V. (2012). Fotografía: Mas-
textualizadas, logran relativizar y perturbar culinidades no binarias. Los excluidos y des-
las masculinidades en cuanto identidades de activadores de la violencia de género. Arte y
género, las visualidades en cuanto proyectos Políticas de Identidad, 6, pp. 75-98.
que construyen realidades y experimentar
con la unión de esas dos nociones que son el · Guash, A. (2003). Los estudios visuales. Un
nudo gordiano de mi investigación. estado de la cuestión. Estudios Visual (1), pp.
8 - 16.
Las visualidades nos han permitido pensar la
acción de mirar a través de conceptos como el · hooks, b. (1994). Establecer una comunidad
poder, los discursos, los textos, los procesos docente. Un diálogo. En b. hooks, Teaching to
intertextuales e intersubjetivos. Del mismo Transgress: Education as the Practice of Free-
modo que la performatividad de las institu- dom (G. d. Las lindes, Trad., pp. 129 - 166). Lon-
ciones sociales juega un papel decisivo sobre dres-New York: Routledge.
las subjetividades, las visualidades hegemó-
nicas también lo hacen. Por este motivo, con- · Jay, M. (2003). Campos de fuerza. Entre his-
templar las contravisualidades o visualidades toria intelectual y la crítica cultural. (A. Bixio,
menores nos permitirá reconocer otras narra- Trad.) Buenos Aires: Paidós.
tivas, otras formas de narrar vidas.
· Martínez Luna, S. (2012). La visualidad en
Por último, abro una serie de interrogantes cuestión y el derecho a mirar. Revista Chilena
que me acompañaron durante el proceso de de Antropología Visual (19), pp. 20-36.
escrita de este texto y que dejan provocacio-
nes para futuras lecturas y conversaciones: · Mirzoeff, N. (2011). The Right to Look: A
¿Cuál es el costo de apegarse a neologismos? Counterhistory of Visuality. Carolina do norte:
Ahora, ¿Cuál es el costo de no abordarlos por Duke University Press.
lo menos como provocación conceptual? ¿Va-
mos a continuar usando los conceptos anterio- · Miskolci, R. (10 de setembro de 2015). OS
res? ¿Las problemáticas actuales continúan ESTUDOS QUEER ENTRE OS SABERES IN-
conversando con esos términos? SURGENTES. I Seminário Queer - Cultura e
Subversões da Identidade . São Paulo, Brasil:
Referencias Bibliográficas SESC São Paulo.

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Trad.) Barcelona, España: Paidós Ibérica S.A. Madrid: Ediciones Akal S.A.

· Butler, J. (2015). Quadros de guerra. Quando · Pérez Navarro, P. (2008). Del texto al sexo.
a vida é passível de luto? (S. T. De Niemeyer Judith Butler y la performatividad. Madrid,
Lamarão, & A. Marques da Cunha, Trads.) Rio España: EGALES S.L.
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gen: aproximaciones al universo audiovisual
desde la comunicación, el arte y la ciencia (pp.
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· Rancière, J. (2009). A partilha do sensível:


estética e política (2ª edição ed.). (M. Costa Ne-
tto, Trad.) São Paulo, Brasil: EXO experimental
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· Walker, J. A., & Chaplin, S. (2002). Una intro-


ducción a la cultura visual. (Á. Mata, Trad.)
Barcelona: OCTAEDRO S.L.

· Yanes Córdoba, V. (2007). La narrativa vi-


sual como metodología del sentido: articu-
lación metodológica e implicaciones tera-
péutico-educativas. Arteterapia. Papeles de
arteterapia y educación artística para la in-
clusión social , 2, pp.233-246.

Juan Sebastián Ospina Álvarez

Candidato a Doctor en Arte y Cultura Visual


en la Universidade Federal de Goiás, Brasil.
Magister en Diseño y Creación Interactiva y
Diseñador Visual de la Universidad de Caldas,
Colombia. Investiga principalmente las áreas
de los estudios de género y estudios de la cul-
tura visual.
- 321 -

“ESSA NÃO SOU EU”: UM ESTUDO SOBRE AS CULTURAS JUVENIS


DO CORPO NO ESPAÇO ESCOLAR

Karina Dias Silveira - PPGE - UFSM


Leonardo Charréu - PPGE - UFSM

Os jovens, conectados com o mundo digital, vens se relacionam com seus corpos, através
através das redes sociais, se veem bombardea- de ideais de beleza presentes nos artefatos
dos por imagens de corpos estetizados, trans- culturais midiáticos e nos regimes de visua-
formados, cravejados de concepções estéticas lidade que os atravessam. Devido ao formato
do que é culturalmente aceito. De que forma do trabalho, irei me deter, neste momento da
os jovens lidam/investem em sua aparência, pesquisa, nas questões referentes ao corpo e
delineando assim seus ideais de beleza frente à mídia que os jovens enfrentam nos dias de
a estes artefatos culturais midiáticos? A partir hoje, deixando a possibilidade de outros apro-
deste questionamento inicial, busco nesta pes- fundamentos para um momento mais avança-
quisa um aprofundamento nas questões refe- do da pesquisa.
rentes ao discurso dos jovens em relação ao
corpo na atualidade, atravessados por ideais Para tanto, me questiono incialmente: Quais
presentes nas diversas mídias, tais como re- são as intencionalidades dos jovens manifes-
presentações de gênero, beleza, classe social. tadas através de seus corpos? De onde surgem
Tenho por um dos objetivos desta investigação suas concepções sobre o que é belo? Bauman
reconhecer como as representações midiáti- (2008, p. 8) aponta que “todas as sociedades
cas do corpo, construídas por meio das peda- são fábricas de significados”. Se valendo des-
gogias culturais, circulam hoje dentro dos es- ta afirmativa: Que significados temos hoje
paços escolares. Proponho a discussão a partir perpassando os corpos desses jovens? Que
das representações de beleza propagadas sujeitos estão sendo criados a partir dessa
pelas redes sociais e blogs, de como os jovens avalanche midiática em função de imagens
investem em práticas corporais para serem estetizadas?
considerados “belos” e que cânones e modelos
são utilizados. Disponho-me a investigar as O desafio desta pesquisa é o de evitar pers-
formas de embelezamento do corpo utiliza- pectivas preconceituosas relativas às micro-
das pelos jovens, bem como os discursos mi- políticas do corpo e não se deter na dicotomia
diáticos e artefatos culturais que perpassam moralista do certo ou do errado. Em nossa
suas concepções em ambiente escolar a sele- sociedade sabe-se que o apelo pela singulari-
cionar. Pretendo trazer a voz dos estudantes dade pode conduzir-nos à falência dessa von-
para a presente pesquisa, consequentemente, tade de ser original, quando as singularida-
procuro utilizar os discursos gerados em con- des começam a ser norma. Pode-se dizer, em
versas em grupos focais, dirigidas a partir de outras palavras, que a oferta de todas essas
um roteiro específico, como dados principais imagens corresponde a um desejo de ser di-
a serem analisados numa base qualitativa de ferente dentro de certa igualdade aparente.
estudo de caso. Enquanto buscam se agrupar, para se senti-
rem socialmente inseridos em determinadas
Palavras-chave: Culturas do corpo, Cotidiano, tribos, os jovens buscam ao mesmo tempo se
Cultura Visual. diferenciar dos demais, contudo se parecendo
muito com os que os cercam. Conforme Victo-
O presente trabalho propõe um recorte em rio Filho (2013, p. 8)
meu projeto de pesquisa, onde pretendo apon-
tar, a partir das culturas do corpo, do cotidiano Nas escolas, nas cidades, a determinação ju-
e da cultura visual, a forma pela qual os jo- venil se realiza de variados modos, sobretudo
- 322 -

comportamental, para demonstrar valores con- As imagens, dispositivos visuais que invadi-
trários e agir com oposição, sugerindo deserção ram o século, vieram com força total para ficar
e afirmando suas diferenças. Nessas práticas, e para desestabilizar territórios na contem-
nem sempre notadas, não são as formulações poraneidade. Se antes produzir uma imagem
discursivas os atos mais pregnantes. É o cor- exigia equipamentos que não eram acessíveis
po que tem a preferência dialógica na comu- a todos, hoje em dia pode-se dizer que a popu-
nicação juvenil. É com ele que será dito como lação tem nas mãos, em seus smartphones, um
veem o mundo e a si próprios, posicionando-se poder sobre a produção da imagem.
sobre o que é relativo às suas vidas. Corpo ordi-
nariamente natural transformado em um atri- Dessa forma, ao produzir e controlar o acesso
buto monumental da cultura contemporânea. a suas imagens, o jovem tem a possibilidade
de filtrar e manipular as formas pelas quais
O ideal de beleza do corpo, construído históri- deseja se mostrar e ver o mundo. Justamente
ca, social e culturalmente através dos séculos, neste viés entram os critérios de estetização,
se configura de diferentes maneiras, con- de como podem ser produzidas imagens so-
forme a sociedade, o tempo e o lugar. Em um cialmente aceitas, que estão dentro de deter-
mundo permeado por imagens, os artefatos minados limites, estrategicamente “invisíveis”,
culturais cada vez mais tendem a idealizar e a ou presentes nas redes sociais.
homogeneizar a beleza de diferentes formas.
As redes sociais alimentam, e muito, o apelo às Talvez no cenário atual, no que tange princi-
imagens e ao que é socialmente aceito como palmente as culturas jovens, de certa forma,
belo. Cria-se um perfil, um ser que “habita” exista uma colonização. Uma colonização
este mundo das imagens, que as manipula e é, estética (Jameson, 1996, p.46 apud GASTAL,
talvez, manipulado por elas. 2006, p.115) das formas de como o corpo
deve/pode se apresentar. Pelo viés do ves-
Conforme Didi-Huberman (1998, p. 105) “só tuário, dos cabelos, das maquiagens, as redes
podemos dizer tautologicamente Vejo o que sociais permitem manipular as imagens – da
vejo se recursarmos à imagem o poder de im- forma que se desejar.
por sua visualidade como uma abertura, uma
perda – ainda que momentânea – praticada Klein (2009) aborda historicamente a ascensão
no espaço de nossa certeza visível a seu res- das marcas no decorrer das décadas, deixando
peito”. E é exatamente daí que a imagem se clara a forma pela qual as mesmas se valem de
torna capaz de nos olhar. A afirmação “essa diferentes recursos para sua progressão den-
não sou eu” abre brechas para que se pense tro do mercado e como vão adentrando a escola
sobre quem realmente somos, como achamos de forma crescente. Para a mesma autora
que somos vistos, e quem queremos deixar
ver-nos (Rose, 2001, p.28). De qualquer forma, embora as marcas pareçam estar em toda parte
o corpo é sempre o suporte dessas transitorie- – nos shows da garotada, ao lado delas no sofá,
dades e desejos de ir e vir, entre quem eu sou e no palco com seus heróis, em seus grupos de
quem eu quero ser, ou parecer ser. discussão on-line e em seus campos de futebol e
quadras de basquete -, por um longo tempo uma
Diante do apelo midiático constante sobre importante fronteira da juventude sem marca
corpos e desejos, o jovem se percebe em uma permaneceu intacta: um lugar onde os jovens
rede de transitoriedade, que para além de sua se reuniam, conversavam, fumavam, escreviam,
adolescência, lhe propõe um ir e vir baseado formavam opiniões e, o que era mais enlouque-
no que é culturalmente aceito. Martins (2015, cedor, ficavam por ali parecendo cool por horas a
p. 107) coloca que fio. Este lugar é chamado de escola. E, claramen-
te, as marcas tinham de ir às escolas (2009, p.11).
Essas imagens circulam em um fluxo cada vez
mais intenso, ocupando os espaços-tempos do Neste sentido, a escola aparece como o ponto
mundo contemporâneo e seus cidadãos, forne- de encontro de ideais convergentes e diver-
cendo-lhes as ferramentas com as quais possam gentes, possibilitando que as diversas tribos
mediar suas relações entre si, e de si com o mun- circulem neste espaço de interação e de cons-
do, um mundo não mais representado nessas trução – de conhecimento formal e informal.
imagens, mas expandido por elas porquanto Viver na escola implica a adoção de determi-
configurem uma nova dimensão desse mesmo nadas posturas – que podem ou não desafiar
mundo. o que é instituído. As imagens são negociáveis,
os jovens podem partir delas como dispositi-
- 323 -

vos de interação com seus colegas, como po- so, a Modernidade dá-se a ler a partir das miría-
dem usá-las como referência. A capacidade des de signos que se afirmam mais reais do que
de produzir e difundir as imagens em tempo o real, e se lhe substituem. Uma nova dimensão
real, bem como obtê-las a partir dos espaços da realidade se oferece por meio da universali-
virtuais, passa a pôr em questão as práticas dade do espetáculo, e o homem se faz essencial-
escolares e a forma pelas quais os estudantes mente visão, em detrimento dos outros sentidos.
passam a lidar com o mundo iconográfico que As imagens tornam-se o mundo (mídia, tecnolo-
está em sua volta. gia de ponta, fotografia, vídeo...). Elas o simpli-
ficam, corrigem suas ambivalências, aplainam
Conforme Martins e Tourinho (2014, p. 12) suas sinuosidades, tornam-no legível (frequen-
temente destinado apenas aos especialistas).”
As pedagogias culturais aspiram empossar as (Le Breton, 2016, p. 241)
práticas educativas com a energia e eficácia das
coisas vividas, tomando partido dos efeitos, usos Para as considerações das imagens em re-
e rumos que elas vão concebendo e projetando lação ao corpo, me apoio nas ideias de Le Bre-
em nossas identidades e subjetividades. É um ton (2016, p. 7), que através de uma visão an-
campo que não se aparta da escola, porém, vê tropológica, menciona que “viver consiste em
a ‘escola’ para além de um lugar fixo, com fins reduzir continuamente o mundo ao seu corpo”.
pré-determinados. Alarga-se, com as pedago- O corpo é único, e de uso individual, sua estru-
gias culturais, a consciência de onde, como e tura individualista faz dele o recinto do sujei-
por que se aprende, pois elas enfatizam que, to, o lugar do seu limite e de sua liberdade (Le
querendo ou não, continuamos aprendendo, Breton, 2016).
independentemente do lugar onde estejamos,
dos recursos que dispomos e manipulamos, das Todos estes fenômenos que afetam a vida dos
pessoas com as quais interagimos. jovens ocorrem dentro de uma ideia de cultu-
ra que é revista por Bauman (2012, p.28) par-
A cultura visual, no que tange as imagens, tindo do principio de que
abre um leque para possibilidades de se
pensar a partir dela. Abordar o contexto da (...) a cultura, como tende a ser vista agora, é tanto
cultura visual implica em “considerar que as um agente da desordem quanto um instrumento
imagens e outras representações visuais são da ordem; um fator tanto de envelhecimento e ob-
portadoras e mediadoras de significados e po- solescência quanto de atemporalidade. O trabalho
sições discursivas”, como aponta Hernandez da cultura não consiste tanto em sua autoperpe-
(2011, p. 33). Por outras palavras, as imagens tuação quanto em garantir as condições para fu-
deixam de ser apenas meros artefatos repre- turas experimentações e mudanças. Ou melhor, a
sentacionais, elas condensam ou exprimem cultura se “autoperpetua” na medida em que não o
os posicionamentos dos sujeitos que as expe- padrão, mas o impulso de modificá-lo, de alterá-lo
rimentam, quer como produtores, quer como e substituí-lo por outro padrão continua viável e
consumidores e são, em muitos casos, deter- potente com o passar do tempo. O paradoxo da cul-
minados e condicionados por elas. tura pode ser assim reformulado: o que quer que
sirva para a preservação de um padrão também
Uma boa parte das imagens artificiais que enfraquece seu poder. (Bauman, 2012, p. 28)
hoje circulam no espaço midiático são sobre
o corpo ou o têm como tema, implícita ou ex- Para aproximação com o campo de pesquisa
plicitamente. São incontornáveis em qualquer e considerações a partir do que acaba sendo
pesquisa sobre sociedade contemporânea, e vivenciado ao pesquisar, optei pelo viés do es-
um bom numero das obras bibliográficas so- tudo de caso. A vida dos estudantes dentro da
bre metodologias de pesquisa já contemplam escola implica a adoção de posturas frente às
significativos capítulos sobre investigar com demandas, e neste caso olhar especificamen-
imagens (Bauer e Gaskell, 2002) te para determinado ambiente proporciona a
aproximação com o objeto de estudo. A meto-
“As imagens tornaram-se hoje as peças para a dologia qualitativa conhecida como “estudo de
convicção de uma realidade sempre mais eva- caso”, definida por Stake (1998, p. 11) traz que
nescente. O mundo faz-se amostragem (e, por-
tanto, demonstração); ele organiza-se, antes de De um estudo de caso se espera que abarque a
tudo, nas imagens que lhe dão a ver. Da mesma complexidade de um caso particular. Estudamos
maneira que o desenrolar do crime decifra-se in um caso quando tem um interesse muito especial
abstentia pelos indícios deixados pelo crimino- em si mesmo. Procuramos o detalhe da interação
- 324 -

com os seus contextos. O estudo de caso é o estu- · KLEIN, Naomi. Sem logo: a tirania das mar-
do da particularidade e da complexidade de um cas em um planeta vendido. Rio de Janeiro:
caso singular, para chegarmos a compreender Record, 2009.
a sua atividade em circunstâncias importantes.
O investigador qualitativo destaca as diferenças · LE BRETON, David. Antropologia do corpo.
sutis, a sequência dos acontecimentos no seu Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
contexto, a globalidade das situações pessoais.
· MARTINS, Alice Fátima. Imagens do cinema,
Será por meio do diário de campo, grupos de cultura contemporânea e o ensino de artes vi-
discussões e análises a partir de determina- suais. In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de (org.).
dos dispositivos visuais (com destaque para as Arte, educação e cultura. Santa Maria: Ed. da
fotografias), que pretendo desenvolver a pes- UFSM, 2015.
quisa em andamento. Num primeiro momento
serão sujeitos da amostra (e colaboradores) · MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Orgs.).
cerca de dez estudantes do ensino médio, na Pedagogias culturais. Santa Maria: Editora da
faixa etária dos 13 aos 17 anos, provenientes UFSM, 2014.
de uma escola pública.
· STAKE, Robert. Investigación con Estudio de
Até agora, com as primeiras abordagens e ob- Casos. Madrid: Morata, 1998.
servações no espaço escolar, pode-se afirmar
que existe um terreno fértil a partir dos su- · ROSE, Gillian. Visual Methodologies: an intro-
jeitos que foram observados. Neste ambiente duction to the interpretation of visual mate-
emergem visualidades e características cor- rials. Londres: Sage Publications, 2001.
porais que podem ser interessantes para con-
tribuições com este trabalho. Vale ressaltar Karina Dias Silveira
que a continuidade da pesquisa, vai provavel-
mente necessitar de uma maior abrangência Atualmente é Mestranda do Programa de
e uma profundidade de conceitos, bem como Pós-Graduação em Educação – PPGE UFSM
de uma maior articulação e aperfeiçoamento (Santa Maria, RS, Brasil) – Linha de Pesquisa
metodológico que a continuidade das nossas Educação e Artes. Possui graduação em Licen-
leituras poderá proporcionar. ciatura em Artes Visuais pela Universidade
Federal de Santa Maria (2013). Especialista
Referências em Gestão Escolar - Orientação e Supervisão,
pela Universidade Barão de Mauá – Curitiba,
· BAUER, Martin; GASKELL, George (Eds.) Pes- PR, Brasil.
quisa qualitativa com texto: imagem e Som. meninakaka@hotmail.com
Um manual Prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
Leonardo Charréu
· BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individuali-
zada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Licenciado em Artes Plásticas pela Faculda-
Janeiro: Zahar, 2008. de de Belas Artes da Universidade do Porto
(1990). Mestre em História da Arte pela Facul-
· BAUMAN, Zygmunt. Ensaios sobre o concei- dade de Ciências Sociais e Humanas da Uni-
to de cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. versidade Nova de Lisboa (1995). Doutor em
Belles Arts pela Universitat de Barcelona, e
· GASTAL, Susana, Alegorias Urbanas, o pas- Doutor em Ciências da Educação pela Univer-
sado como subterfúgio. Campinas: Papirus, sidade de Évora (2004). Atualmente é Profes-
2006. sor Adjunto do Departamento de Artes Visuais
da UFSM, RS, Brasil.
· HERNANDEZ, Fernando. A cultura visual leonardo.charreu@gmail.com
como um convite à deslocalização do olhar e
ao reposicionamento do sujeito. In: MARTINS,
Raimundo; TOURINHO, Irene (Orgs.). Edu-
cação da cultura visual: conceitos e contextos.
Santa Maria: Editora da UFSM, 2011.
- 325 -

JUSTIÇA SOCIAL E EDUCAÇÃO:


PROBLEMAS DE GÊNERO NAS ARTES VISUAIS

Carla de Abreu - FAV - UFG

Resumo Introdução

Este artigo explora algumas reflexões e co- Escrevi este artigo motivada pelos recentes
nexões entre o ensino de artes visuais e prá- acontecimentos políticos no Brasil cujas con-
ticas de justiça social, centrando-se, especial- sequências reverberam diretamente na área
mente, nas questões de gênero e sexualidade e da educação. Em Montevideo, por ocasião do
no papel do docente de ampliar o conhecimento V Coloquio Internacional Educación y Visua-
sobre a diversidade cultural. Parte-se da ideia lidad, fiquei sabendo que a presidenta Dilma,
que a educação em cultura visual, ao romper depois de uma morte longa e anunciada, foi
com a neutralidade das imagens, incentiva os afastada do cargo, assumindo o posto máximo
professores e professoras a valorizar a plura- do Executivo, o vice, Michel Temer. Voltei ao
lidade dos produtos culturais e dos repertórios Brasil dia 12 de maio, primeiro dia do país sob
que influenciam as percepções imagéticas do nova administração. Pessoalmente, um dia
alunado, com a intenção de experimentar es- triste e com péssimas expectativas que aca-
tratégias que sejam capazes de desafiar hege- baram por concretizar-se. Senhor Temer ins-
monias, favorecer novas interpretações e criar tituiu um governo prioritariamente masculino
possibilidades de novas identificações e de no- e conservador. O indicado para a pasta de edu-
vos referentes. cação foi o deputado Mendonça Filho, um dos
principais críticos aos programas sociais des-
Palavras-chave: educação em cultura visual; envolvidos por Lula e Dilma, filiado ao partido
diversidade; gênero; justiça social Democratas (DEM), com um legado histórico
ligado ao conversadoríssimo máximo no país.
Resumen Antes mesmo da consumação do golpe polí-
tico, o cenário já era preocupante. Em 2015,
Este artículo explora algunas reflexiones y grupos católicos e evangélicos lideraram uma
conexiones entre la educación artística y las campanha nas Câmaras Municipais brasi-
prácticas de justicia social, con especial aten- leiras com o intuito de evitar que a palavra
ción a las cuestiones de género y la sexuali- “gênero” fizesse parte dos Planos Municipais
dad y en el papel del profesorado de ampliar de Educação, repetindo o que já foi visto em
el conocimiento sobre la diversidad cultural. 2014, durante a discussão do Plano Nacional
A partir de la idea de que la educación en cul- de Educação, quando o lobby conservador
tura visual, al romper con la neutralidad de las também suprimiu a palavra do texto final.
imágenes, invita a los profesores y profesoras a
valorar la diversidad de los productos cultura- Em Alagoas, em 26 de abril de 2016, foi apro-
les y de los repertorios que influyen en la per- vado o projeto de lei, ironicamente chamado
cepción visual del alumnado, con la intención “Escola Livre”, cujo teor proíbe o professorado
de experimentar estrategias que sean capaces da rede pública estadual de expressar opi-
de desafiar hegemonías, fomentar nuevas in- niões em sala de aula, baseado em uma supos-
terpretaciones y crear posibilidades de nuevas ta “neutralidade” ideológica. Talvez os políticos
identificaciones y de nuevos referentes. não percebam é que definir o que pode ou não
ser dito em sala de aula, também é uma forma
Palabras-clave: educación en cultura visual; de ideologia. Neste caso, a busca pela “impar-
diversidad; género; justicia social cialidade” fica escondida atrás de um viés jurí-
- 326 -

dico, onde a censura atua, legitima e legaliza A educação da cultura visual, perspectiva
a reprodução dos discursos normativos. Mas, desde onde me posiciono como docente, ofe-
como trabalhar os contextos sociais e ser ideo- rece ferramentas com potencialidade para
logicamente neutro? Uma frase atribuída a desaprender os conhecimentos socialmente
Paulo Freire contribui a pensar essa questão: construídos e destaca “as múltiplas represen-
“não existe imparcialidade. Todos são orienta- tações visuais do cotidiano como os elementos
dos por uma base ideológica. A questão é: a sua centrais que estimulam práticas de produção,
base ideológica é inclusiva ou excludente?” apreciação e crítica de artes e que desenvol-
vem cognição, imaginação, consciência social
As pressões e êxitos dos grupos conservado- e sentimento de justiça” (DIAS, 2012, p. 61).
res significam um retrocesso para os direitos Em outras palavras, o ensino de artes visuais
humanos e desvelam a dificuldade de parte a partir dos estudos culturais, dos estudos fe-
significativa da sociedade brasileira em re- ministas, dos estudos de gênero e da cultura
conhecer as diferenças e defender os gru- visual, pode ser um lugar sedutor para buscar
pos que não comungam com as construções caminhos inovadores, mais justos e adaptá-
culturais da maioria. As ausências e silêncios veis às complexidades do nosso tempo atual.
do Poder Público e da própria sociedade re-
forçam a necessidade da Educação de rever Atualmente, posicionar-se criticamente no
os marcadores responsáveis pelas injustiças Brasil tornou-se vital em face dos discursos
sociais, tais como a sexualidade, o gênero, a retrógados que voltaram a ganhar força e
raça, a cor da pele, renda, origem e repertório espaço nos contextos políticos e, consequen-
cultural, de modo que possamos reconhecer temente, na educação. A situação exige um
e nos aprofundar nos desafios vinculados às esforço extra para imaginar alternativas que
desigualdades e experimentar estratégias ca- superem o pessimismo e o imobilismo diante
pazes de favorecer novas interpretações que do recrudescimento das iniciativas de contro-
desestabilizem as narrativas hegemônicas. le sobre os processos educacionais. Os fatos
pedem ação e, a imparcialidade, não é uma
Nesse cenário preocupante torna-se urgente postura viável. Os silêncios, historicamente,
as discussões sobre a importância em des- fazem parte dos conteúdos curriculares e as
envolver a convivência pacífica com a diver- omissões também são formas de educar. Com-
sidade cultural, seja ela qual for, inclusive bater a apatia e o cinismo político, nesse mo-
diversidade de opiniões. Temos a nosso favor mento, exige mais do que boa vontade, exige
o privilégio de trabalhar na área de artes, um mobilização política.
campo de estudos que favorece a difusão da
ideia da heterogeneidade das práticas hu- Neste artigo, apesar de ciente das várias es-
manas e oferece diferentes modos de pensar, truturas que reproduzem as injustiças sociais,
representar e imaginar as situações vividas. o foco será as construções de gênero e sexua-
Ensinar e estudar “artes” é falar sobre a vida, lidade no contexto educacional, especialmen-
as práticas humanas e propor formas de ima- te nas artes visuais, dado a emergência em
ginar outras maneiras de ser, fazer e saber. problematizar essas questões e refletir sobre
as práticas docentes que podem desestabili-
A educação da cultura visual, especialmente, zar os discursos hegemônicos e pluralizar os
tem um compromisso conceitual com a va- conteúdos nos processos de ensino e aprendi-
lorização da diversidade e das diferenças. É zagem em artes visuais.
uma perspectiva empenhada em revelar as
operações invisíveis de poder que sustentam Conectando o ensino de arte visuais,
a rede de privilégios e direitos desiguais, atra- gênero e justiça social
vés da reflexão crítica e de práticas atentas às
especificidades locais e os obstáculos que difi- A justiça social é por definição complexa e
cultam os ideais de justiça social. A ênfase se controversa, nunca é neutra e varia conforme
centra nas experiências dos sujeitos e nos sig- os contextos de cada indivíduo. Em realidade,
nificados subjetivos que cada pessoa constrói não há consenso, e os clamores por justiça ins-
de suas vivências (sociais e pedagógicas). Isto tituem uma torre de babel sempre susceptível
significa questionar a suposta neutralidade a críticas e insatisfações. Portanto, sua com-
da arte e dos artefatos culturais e, assim, pro- preensão exige reconhecer a impossibilida-
blematizar os significados naturalizados pro- de de estabelecer uma declaração universal
movedores dos estereótipos, dos preconceitos que englobe todas as experiências e reivindi-
e das discriminações. cações. Bem como, a impossibilidade de prever
- 327 -

métodos de ensino que promovam a justiça so- os futuros professores e professoras de artes
cial em diferentes contextos educacionais. visuais se sentirem desafiados a pensar à luz
de novas condições. Obviamente, atuar desde
O debate sobre as relações entre justiça social essas premissas traz implicações que dizem
e arte/educação não é algo novo. Desde 1970 respeito a forma como estipulamos a relação
podemos encontrar literatura que relaciona docente/estudante.
a arte/educação com as questões sociais e,
hoje, existe um farto material de pesquisa1. Para exemplificar, em várias ocasiões, muitos
No Brasil, essa questão ressurge em um mo- estudantes expressaram abertamente (ou em
mento histórico particular do contexto políti- privado) suas preocupações sobre as questões
co, cujas consequências repercutem por toda de gênero e sexualidade. As narrativas des-
a sociedade, criando um estado de incertezas crevem situações pessoais específicas de dis-
e desesperanças. Posicionar-se frente a esses criminações socais e familiares quando suas
novos desafios tornou-se especialmente rele- ações não correspondem aos papeis de gênero
vante para o futuro da arte/educação; em rea- tradicionais. Em um mundo onde o binarismo
lidade, para a educação como um todo. sexo/gênero ainda exerce uma poderosa in-
fluência discriminatória na vida das pessoas,
O lugar desde onde reivindico práticas de jus- esses relatos não surpreendem.
tiça social é a sala de aula do curso de Licen-
ciatura em Artes Visuais. Faço parte do grupo Apesar do consenso sobre a impossibilidade
docente que pensa que todas as pessoas têm da neutralidade nos discursos sobre a Arte e
direito às mesmas oportunidades de reali- sobre as próprias imagens, também é comum
zação acadêmica, independentemente da aos docentes de Licenciatura em Artes Vi-
sua origem social ou privilégio adquirido. Tal suais da Faculdade onde atuo expressarem
disposição pede respostas pedagógicas diver- suas dificuldades em elaborar conteúdos que
sificadas para combater os efeitos das discri- explorem criticamente os marcadores de gê-
minações baseadas na raça, classe, sexuali- nero e sexualidade nos processos de ensino e
dade, orientação de gênero, idade, aparência aprendizagem. As falas descrevem receios e
física, capacidades e crenças religiosas. Min- inseguranças, quais recursos e metodologias
ha noção pessoal de justiça social exige iden- usar e como usá-los de maneira adequada.
tificar e problematizar as formas complexas Essas narrativas me incentivam a buscar es-
como esses marcadores sociais atuam silen- tratégias para validar essas experiências e
ciosamente nos processos de ensino e em seus buscar conteúdos que problematizam as re-
conteúdos curriculares, sustentando e repro- presentações visuais desde os marcadores de
duzindo os discursos que promovem as des- gênero e sexualidade.
igualdades no campo das artes visuais.
Minha compreensão sobre a variável ‘gênero’
Como vários estudiosos sugerem (DUNCUM, está alinhada às perspectivas dos estudos fe-
2011; ELLSWORTH, 2005; hooks, 1994; RAN- ministas e da teoria queer, nas quais este con-
CIÈRE, 2008), a arte é uma forma particular- ceito é pensado não como uma característica
mente potente para ativar uma compreensão fixa, mas sim dinâmica e multidimensional.
mais ampla sobre os mecanismos que pro- O gênero, como explica Butler (2007; 2002), é
movem as desigualdades sociais e suas con- uma construção cultural, é o que fazemos em
sequências na vida das pessoas. Construir momentos concretos. Mas é também uma cons-
conhecimento usando a cultura (áudio)visual trução incorporada. Seja qual for o contexto,
como dispositivo para a reflexão, contribui em encontros presenciais, pelo telefone ou na
para transformar o sistema de privilégios e internet, quando interagimos com outras pes-
opressões, fazendo visíveis outras histórias, soas ativaremos esses padrões de comporta-
vozes e experiências que ficaram à margem mentos com os quais fomos nos familiarizando
dos discursos de poder e saber. Escutar as através de sua repetição frequente.
vozes silenciadas implica problematizar o sis-
tema normativo e criar oportunidades para Nesse processo a heterossexualidade é apre-

1-Alguns exemplos: ATKINSON, D., & DASH, P. (eds). Social and critical practices in art education. Stoke on Trent, UK: Tretham Books,
2005. / BERSSON, R. Why art education lacks social relevance: A contextual analysis. Art Education, 39(4), 1986, 41-45. / FREEDMAN,
K. Social perspectives on art education in the U.S.: Teaching visual culture in a democracy. Studies in Art Education, 41(4), 2000, p. 314-
329. / ROSE, K. & KINCHELOE, Joe L. Art, culture, & education: Artful teaching in a fractured landscape. New York: Peter Lang, 2003.
- 328 -

sentada como o modo mais “natural” de ser, Para diluir as incertezas e os receios dos e das
reproduzido e mantido por meio de práticas so- estudantes, sempre que possível, promovo a
ciais reiterativas. É o que Judith Butler (2007) ideia de que não existe uma masculinidade
chamou de “performatividade de gênero”, um ou feminilidade pré-estabelecida, mas sim
elemento construído em um universo discursi- uma série de maneiras de performar o gêne-
vo, moldado por múltiplos discursos políticos e ro, expressões estão presentes em várias pro-
práticas sociais que se atravessam mutuamen- duções artísticas, de diferentes épocas. Neste
te. Neste sistema, o binário masculino/femini- cenário, busco valorizar as produções de ar-
no é a linha principal de classificação identi- tistas mulheres, bem como criar espaço para
tária e funciona como uma extensão da lógica a visibilização de artistas gays, transexuais
que fundamenta a inteligibilidade cultural da ou queer que usam o gênero e a sexualidade
subjetividade, do ser centrado em um “eu” fixo, como fonte inspiradora para suas criações.
coerente e portador de uma “essência” natural.
Desde meu ponto de vista, é essencial ofere-
Esta ilusão de permanência teve e tem con- cer outras narrativas para as futuras profes-
sequências reais, baseadas em regras cul- soras e professores entrarem em contato com
turais que indicam “quem” e “o que” podemos a pluralidade dos repertórios visuais e criar
ser. Se pensarmos pelo âmbito dos repertórios possibilidades que despertem a consciência
visuais e desde uma perspectiva pós-estru- das normas impeditivas das ações humanas,
turalista de análise, as visualidades também que boicotam a imaginação, o bom-senso e a
são ativamente construídas e culturalmente criatividade. Diversificar os conteúdos dos
determinadas pelos contextos políticos e so- planos de ensino e explorar visualidades mais
ciais. Funcionam como roteiros-guias para a heterogêneas pode transformar os desejos
estabelecimento de formas de ver, ser e estar e oferecer olhares novos sobre nossas cons-
nas sociedades. Em outras palavras, orientam truções sociais. Normalmente, esses e essas
nossas maneiras de perceber a realidade ou, artistas não estão nos livros, nos acervos de
usando um termo de Baudrillard (1991), cons- museus ou nos catálogos das grandes galerias,
troem “hiperrealidades”, do mundo, de nós muito menos, nos currículos oficiais do ensino
mesmos e dos outros. Adquirem, portanto, um formal. Essa situação cria uma circunstância
sentido que vai além de sua materialidade e na qual o conhecimento deriva da prática e de
produzem efeitos e afetos sobre as subjetivi- pesquisas em outros canais de informações,
dades dos visualizadores. como a internet, por exemplo.

Entretanto, qual seria a relação que precisa Paul Duncum (2011), no artigo “Engaging Pu-
ser construída para desestabilizar as noções blic Space: Art Education Pedagogies for So-
estereotipadas nas visualidades e diminuir as cial Justice”, discute as formas como os artistas
desigualdades em minhas práticas docentes? estão usando os espaços digitais para ilustrar
Qual concepção de “justiça de gênero” tem o e criticar o mundo, onde a internet é suporte
alunado? Como pluralizar os conteúdos e, ao e inspiração para a intervenção política e a
mesmo tempo, atender o conteúdo conceitual ação social. O autor também destaca as for-
das disciplinas curriculares? Como formar mas como artes/educadores(as) têm utilizado
professores e professoras de artes visuais os espaços digitais para envolver o público de
preocupadas em subverter as normas e ao forma crítica nas questões de justiça social.
mesmo tempo sobreviver em um campo sur- Duncum nos recorda do papel histórico dos
preendentemente tradicional? espaços públicos e enfatiza a internet como
um lugar importante para encontrar camin-
Esses são alguns questionamentos que fazem hos alternativos para o diálogo democrático e
parte do meu cotidiano como docente. Sem a ação coletiva.
nenhuma resposta a essas inquietações e,
parafraseando a Gandhi, penso que o auto- Lamentavelmente, as questões que envolvem
conhecimento pode ser um caminho coerente sexualidade e gênero ainda configuram um
para fazermos as mudanças que queremos terreno arenoso e, muitas vezes, o professo-
no ensino de artes visuais, pois, ao identificar rado prefere não mostrar essas referências
os pré-conceitos que nos autolimitam em al- visuais para evitar potenciais conflitos com
gumas situações, teremos mais ferramentas o alunado, os pais, consigo próprio ou com a
para fazer novas significações sobre os valo- própria instituição. Evitando o conflito, esse
res internalizados e muitas vezes ignorados. comportamento gera uma espécie de cumpli-
cidade com os discursos conservadores que
- 329 -

pensam o sexo como pecado e, a sexualidade Quando pensamos em tudo aquilo a que o sexo
não heteronormativa, como um distúrbio mo- pode se referir, quando pensamos que mesmo
ral. Ao mesmo tempo, ignora a pluralidade de quando não estamos falando de sexo direta-
representações identitárias contemporâneas mente, ainda assim conseguimos produzir, de
que fogem dos modelos hegemônicos, se mul- forma indireta, significados eróticos, esbarra-
tiplicam e colorem nossas salas de aulas. mos num curioso limite: a insistência dominante
na estabilidade dos corpos, no corpo como um
Valorizar as diferenças e diversificar os fato e na transmissão de informações óbvias.
conteúdos no ensino de Artes Visuais Essa insistência tem mais a ver com a fantasia
que supõe que os corpos dizem o que eles que-
A arte sempre foi um terreno de muitas con- rem dizer e querem dizer o que eles dizem.
testações e transgressões. Seus objetos, ima-
gens e artefatos foram e são, como diz Imanol Britzman, ainda em relação à insistência na
Aguirre (2006), “condensadores de experiên- noção das identidades fixas e corpos homo-
cias”, intricadas, localizadas e muitas vezes gêneos, chama a atenção à cultura da escola
perturbadoras. Penetrar nesse condensado, que “faz com que respostas estáveis sejam es-
significa permitir-se devir em novas expe- peradas e que o ensino de fatos seja mais im-
riências, para questionar as visualidades na- portante do que a compreensão de questões
turalizadas e pensar naquelas que ficaram de íntimas” (2000, p.85). Tal prática incentiva e
fora dos conteúdos curriculares, procurando abre espaço para o professorado e estudantes
diluir os estereótipos por meio da reflexão crí- ocultarem suas próprias questões íntimas e
tica sobre as camadas de significados escondi- interesses pessoais. O bloqueio interno, pro-
dos nas imagens e nos artefatos culturais. duto direto da performatividade de gênero e
da crença fictícia no gênero binário, continua
Valorizar a diversidade das práticas humanas a fazer muitos estragos.
significa identificar as estruturas, culturas,
atitudes, comportamentos e opressões que Neste sentido, parece inevitável pensar em
operam na conformação das desigualdades como concebemos a educação dentro do con-
sociais. Significa, também, trabalhar desde a texto onde atuamos, porque este posiciona-
interculturalidade e o respeito por uma edu- mento vai interferir diretamente nas relações
cação onde todas as pessoas possam se sentir construídas em sala de aula. Pensar o “tipo” de
representadas e não apenas aquelas “ajus- professor ou professora que se quer ser e quais
tadas” às normas de moral e bons costumes, são as premissas e limitações que interferem
diluindo qualquer tipo de preconceito e as nas escolhas temáticas, obriga o professorado
restrições nesse imenso leque que constitui a a repensar suas próprias crenças e, conse-
cultura humana. quentemente, nos preconceitos internaliza-
dos e seus reflexos nas práticas pedagógicas.
Fomentar a ideia da diversidade como um Afinal, a consciência da “agência” é a chave
bem cultural leva o alunado a pensar em po- para transformar os desejos e resistir aos dis-
sições mais relativistas e posicionar-se em cursos de poder atrelados ao ensino de artes
um contexto social mais amplo e plural. No visuais. Dessa forma, teremos mais ferramen-
entanto, apesar de existirem pesquisas sobre tas para reconhecer o valor da diversidade na
as problemáticas de gênero e sexualidade no construção dos conhecimentos e perceber as
contexto da educação em artes visuais, como diferenças apenas como formas distintas de
os estudos de Belidson Dias (2012; 2013) e Lu- expressar as experiências humanas.
ciana G. Loponte (2005), ainda são poucas as
inciativas que buscam identificar as relações Os conhecimentos levados às salas de aula no
desiguais nas arquiteturas do ensino em artes contexto do ensino de artes visuais, em geral,
visuais no contexto brasileiro. estão impregnados pelo véu de fumaça da he-
teronormatividade, das normas que impõem
A dificuldade de trabalhar gêneros e sexua- as representações heterossexuais como as
lidades dissidentes em sala de aula ou as únicas possíveis e reforçam a ideia do mundo
questões relativas às subjetividades fora das como um lugar binário, onde somente exis-
estruturas normativas, esbarra na noção fixa te a possibilidade de ser mulher ou homem,
e fictícia da estabilidade das identidades e sem gradações ou outras alternativas. A con-
dos corpos, como apontou Deborah Britzman sequência de apresentar a heterossexuali-
(2000, p. 87): dade como padrão dominante das narrativas
visuais não é trivial, ao contrário, faz parte
- 330 -

da manutenção do jogo de poder que defen- criadoras e inventivas das subjetividades indi-
de a noção de gêneros estáveis, baseados em viduais e coletivas e formam parte daquilo que
padrões de masculinidades e feminidades somos e construímos. Romper com o círculo
pré-moldadas, fabricadas para o consumo e vicioso da heteronormatividade no ensino de
reprodução dos comportamentos normativos. artes visuais significa desconstruir os marca-
dores sociais e trabalhar com conhecimentos
O efeito dessa prática é que muitas pessoas híbridos, heterogêneos e inclassificáveis, por
não se dão conta de como suas decisões coti- meio de visualidades e conhecimentos que
dianas não são totalmente livres e racionais. criam possibilidades de novas identificações e
Estão influenciadas pelas respostas condi- a criação de novos referentes.
cionadas que mantém a indústria dos dese-
jos e dos comportamentos que sustentam as Apesar de algumas pessoas ainda acredita-
estruturas socioculturais. Promover a com- rem que a arte é apolítica, a censura que lhe
preensão de como a cultura visual constrói é comumente imposta, indica que ela pode ser
os gêneros ajuda a entender o mundo através tudo, menos neutra. Aliás, como podemos ser
dessas construções sociais, relacionadas às neutros se somos seres subjetivos, cujas visões
representações e expectativas em função da de mundo são construídas ao longo de nossas
sexualidade, da raça, idade, da religião, classe experiências e a partir das várias instituições
social e capacidades específicas, elementos sociais? A esse respeito, recordo da suspensão
mutantes de acordo com o tempo e o lugar. de exposição "A Besta e o Soberano", organi-
zada pelo Museu de Arte Contemporânea de
Identificar e desvelar os significados invisí- Barcelona (Macba), em 2015, cujo alvo re-
veis desses condicionamentos sociais deve- pressor caiu sobre a obra “Haute Couture 04
ria ser uma questão central nos processos de Transport”, da artista austríaca Ines Doujak.
ensino e aprendizagem em artes visuais. Não Essa escultura já havia sido exposta na 31ª
podemos seguir, consciente ou inconsciente- Bienal de São Paulo sem grandes problemas,
mente, a discriminar formas alternativas de mas, ao chegar na Espanha, não passou pelo
expressão e de representação, pois essas vi- crivo do diretor do museu, sr. Bartomeu Marí,
sualidades também são resultado das ações que exigiu a retirada da obra. Os curadores

A obra “Haute couture 04 Transport”, da artista Inés Doujak. Foto: EFE/Toni Garriga2

2 -Fonte: http://www.publico.es/culturas/macba-abierta-exposicion-escultura-rey.html
- 331 -

responsáveis pela exposição Paul B. Preciado, silenciosos. Operam intercruzando as coisas,


Hans D. Christ, Iris Dressler e Valentín Roma influenciando a construção das subjetivida-
se recusaram a fazê-lo e, por esse ato de des- des e perpetuando velhos modelos de repre-
obediência, Roma e Preciado, que dirigiam o sentações ao longo do tempo. Historicamente,
“Programa de Estudos Independentes” no MA- essas construções sociais tiveram e têm con-
CBA, foram demitidos. sequências particularmente perversas sobre
as mulheres, as identidades fora das classifi-
Censura ideológica. Censura política. Censura cações heterossexuais e muitos outros grupos
à liberdade criativa e de expressão. Censura discriminados pelas mais diversas razões, to-
às produções de artistas dissidentes no con- das elas provenientes da incapacidade de con-
texto das artes visuais. viver pacificamente com as diferenças.

A escultura mostra a líder feminista boliviana A arte/educação, como veículo e instrumen-


Domitila Barrios sodomizando o monarca rei to para a compreensão do mundo, não deve
Juan Carlos I. Este, aparece mastigando (ou deixar de fora as narrativas alternativas que
vomitando) umas ervas. Sobre ele, capacetes também fazem parte do escopo cultural mun-
de mineradores ou de soldados nazistas. Um dial. Se desejamos preservar e fortalecer a de-
cachorro da raça pastor alemão também sodo- mocracia, é preciso assumir a responsabilida-
miza a Domitila. A obra, claramente, fala dos de de promover o diálogo com as pluralidades
oprimidos, do soberano e da besta, e faz um das desobediências civis, das representações
recorte delicado e sensível de nossa complexa identitárias e dos diferentes modos que as
estrutura política globalizada: pessoas encontram para viver suas vidas.

A arte politicamente engajada nos obriga a pen- As relações entre arte e narrativas dominantes,
sar criticamente e tem o potencial de construir patriarcado e discriminações, ações políticas e
diferentes formas de olhar para contextos parti- práticas de resistência contra os discursos se-
culares de opressão. No entanto, embora a arte/ xistas, racistas, machistas e homo/transfóbicos
educação tenha mudado radicalmente desde o são temas potentes para serem discutidos em
fim do século 19, noções formalistas de ensino salas de aula, justamente porque os contextos
ainda insistem em enfatizar a conformidade e a do século 21 exigem reformulações de nossos
neutralidade nos conteúdos curriculares. Conti- conceitos sobre sexualidades, orientações de
nua-se a ensinar a arte feita por mãos brancas, gênero, representações, famílias e relaciona-
estrangeiras, sob o domínio da energia mas- mentos. Temos que pensar diferente porque
culina. Nessa reprodução de conhecimentos o mundo está radicalmente diferente. A edu-
estandardizados são esquecidas as produções cação da cultura visual ajuda entender os con-
nacionais, locais, as de nossos vizinhos da Amé- flitos e ambiguidades da pós-modernidade e
rica do Sul e as de artistas dissidentes que não desenvolver estratégias que têm potencialida-
se engajaram do circuito das artes legitimadas. de para valorizar as diferenças e incentivar a
construção de uma cultura onde a diversidade
Apesar do potencial temático, os assuntos in- não seja um problema social.
cômodos geralmente ficam invisibilizados nos
processos educacionais. O motivo? Estão fora do Basta observar o mundo a nosso redor para
cânone de visualidades bem-comportadas, inte- perceber que o cenário das identificações está
ligíveis ou politicamente corretas. Essa tendên- cada vez mais diversificado e inclassificável.
cia demonstra a dificuldade de trabalhar temas Se queremos entender as subjetividades dos
considerados polêmicos e ignora a potencialida- jovens sujeitos que transitam pelas salas de
de dos estudos visuais para produzir novas sig- aulas é importante ter em conta as aborda-
nificações e desvelar alguns dos problemas que gens heterogêneas, as práticas que ampliam
fazem parte do cotidiano das pessoas. os referenciais pré-fixados sobre as formas
de “ver” o mundo, principalmente para refletir
Em minhas experiências, poucas, porém inten- sobre os indicadores sociais baseados em es-
sas, tenho descoberto que para desconstruir tereótipos e categorizações, detonadores de
os ideais normativos se faz necessário reivin- tantas injustiças sociais. Trabalhar a justiça
dicar novas formas de olhar os imaginários social no ensino de artes visuais significa cola-
socioculturais e incentivar a criação de novas borar na construção de uma sociedade demo-
subjetividades para “ver” o mundo. Ao mencio- crática, onde as pessoas possam deslumbrar
nar o termo “imaginários”, me refiro aos siste- igualdade de oportunidades e de realizações
mas de poder explícitos, onipresentes, embora pessoais. Significa, também, contribuir com a
- 332 -

formação de sujeitos comprometidos em re- · DUNCUM, P. Engaging public space: Art edu-
velar os mecanismos invisíveis e as formas es- cation pedagogies for social justice. Equity
corregadias que o poder usa para reproduzir and Excellence in Education, 44, n. 3, 2011, p.
seus discursos. 348–363.

É um momento politicamente importante para · ELLSWORTH, E. Places of learning: Media,


entendermos o contexto educacional como um architecture, pedagogy. New York, NY: Rout-
espaço para praticar a diversidade e um lugar ledge, 2005.
especial para explorar estratégias que criem
possibilidades de contra discursos e/ou na- · hooks, b. Teaching to transgress: Education
rrativas alternativas às representações domi- as the practice of freedom. New York, NY:
nantes. Discutir as visualidades desde a pers- Routledge, 1994.
pectiva dos problemas, das discriminações, do
contraditório, do polêmico, do estranho e do · LOPONTE, L. G. Gênero, educação e docência
abjeto, colabora para a construção de novas nas artes visuais. Educação e Realidade, Porto
alteridades, o respeito às singularidades hu- Alegre, 30, 2005. 243-259.
manas e às diferenças individuais. Problema-
tizar estas questões facilita entender a estre- · RANCIÈRE, J. Aesthetic separation, aesthetic
ita relação entre as visualidades e o território community: Scenes from the aesthetic regi-
cultural onde as discriminações de gênero e de me of arts. Art and Research, 2, n. 1, Summer
sexualidade foram ou são negociadas. 2008, p. 1-15. Disponível em: <http://www.
artandresearch.org.uk/v2n1/ranciere.html>.
Referências Acesso em: 27 mar. 2016.

· AGUIRRE ARRIAGA, M. Hacia un imaginario Carla de Abreu


para el futuro en educación artística. Actas I
Congreso Internacional de Educación Artísti- Doutora em “Artes Visuales y Educación”
ca y Visual. Sevilla: Colegio Oficial de Doctores (2014), pela Facultad de Bellas Artes, Uni-
y Licenciados en Bellas Artes de Sevilla. 2006. versidad de Barcelona, Espanha. Atualmente
p. 22-31. é professora na Faculdade de Artes Visuais/
UFG. Pesquisa as temáticas que revisam e re-
· BRITZMAN, D. Curiosidade, sexualidade e fletem a cultura visual desde os dispositivos e
currículo. In: LOURO, G. L. O corpo educado: sistemas simbólicos que conformam a trama
pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: cultural. Investiga, principalmente, os assun-
Autêntica, 2000. p. 83-111. tos: gêneros e visualidades, identidade e sub-
jetividade e pedagogias de resistência.
· BUTLER, J. Cuerpos que importan. Sobre los
límites materiales y discursivos del "sexo".
Trad. de Alcíra Bixio. Barcelona: Paidós Ibéri-
ca, 2002.

· BUTLER, J. El Género en disputa. El feminis-


mo y la subversión de la identidad. Trad. de
Maria Antonia Muñoz. Barcelona: Paidós Ibé-
rica, 2007.

· DIAS, B. ARRASTÃO: o cotidiano espetacular


e práticas pedagógicas críticas. In: MARTINS,
R.; TOURINHO, I. Cultura das Imagens. Desa-
fios para a arte e educação. Santa Maria: EDU-
FSM, 2012. p. 55-73.

· DIAS, B. Derivações: práticas investigativas


entre Teoria Queer e pesquisas baseadas em
arte na educação da cultura visual. In: MAR-
TINS, R.; TOURINHO, I. Processos & Práticas
de Pesquisa em Cultura Visual e Educação.
Santa Maria: UFSM, 2013. p. 115-134.
- 333 -

AS VISUALIDADES INTERATIVAS DOS ROBÔS PARAIBANOS


NO ROBOCUP JR. DANCE

Rosângela Pacífico Matias - UFPB - UFPE - PMJP


Erinaldo Alves do Nascimento - UFPB

Resumo Robótica Pedagógica na Rede Municipal de


João Pessoa-PB (RMJP).
Este artigo enfatiza aspectos conceituais de
robôs, robótica, robótica pedagógica e visua- As suas pretensões podem ser resumidas na
lidade interativa. Configura-se como um re- seguinte indagação: como é o processo edu-
corte da pesquisa de mestrado “Visualidades cacional de projetar, construir e apresentar
interativas dos robôs paraibanos no Robocup robôs pela RMJP no campeonato nacional Ro-
Jr. Dance”. A pesquisa objetiva compreender boCup Jr. Dance??
como são as visualidades interativas dos ro-
bôs da Rede Municipal de João Pessoa-PB, no O objetivo é conhecer o processo educacional
campeonato nacional RoboCup Jr Dance. Fun- de projetar, construir e apresentar robôs pelas
damenta-se nos princípios da Educação da RMJP nos campeonatos do Robocup Jr. Dan-
Cultura Visual e da Robótica Pedagógica. ce. Este evento é uma categoria do RoboCup e
uma derivação do RoboCup Jr., que é a de maior
Palavras-chave: visualidade interativa - ar- atuação da RMJP. O evento pretende introduzir
tes visuais - robótica pedagógica a robótica entre crianças e jovens da RMJP.

Resumen No evento Robocup Jr. Dance, as equipes são


desafiadas a planejar, programar e executar
Este artículo plantea los aspectos conceptua- robôs para apresentações, de dois minutos,
les de los robots, robótica, robótica pedagógica devidamente coreografadas com musicali-
y visualidad interactiva. Es una parte de la in- dades. O júri elege o vencedor pelos critérios
vestigación "Visualidades interactivas de los de programação, inovação, caracterização e
robots paraibanos en RoboCup Jr. Dance”. La coreografia. Os robôs devem ser “autônomos”,
investigación tiene como objetivo comprender com traje temático e movimentos sincroniza-
como son las visualidades interactivas de los dos. Não podem ultrapassar o espaço e o tem-
robots de la Rede Municipal de la ciudad de po pré-estabelecidos.
João Pessoa -PB, en el campeonato nacional
RoboCup Jr Dance. Los principios son funda- Na RMJP, as aulas de robótica são semanais. Os
dos en la Educación de la Cultura Visual y en monitores de informática, em parceria com pro-
la Robótica Educativa. fessores, diretores e equipe pedagógica, traçam
metas para usar a tecnologia. A produção dos
Palavras-chave: visualidade interativa – ar- protótipos serve-se das artes para competir.
tes visuales - robótica pedagógica
Duas equipes participam da pesquisa: “Educ-
Introdução dance”, da Escola Municipal Moema Tinoco,
no bairro Funcionários II, e “RobôApolo”, da
A pesquisa de mestrado “Visualidades inte- Escola Apolônio Sales de Miranda, em Cruz
rativas dos robôs paraibanos no Robocup Jr. das Armas, na cidade de João Pessoa/PB. Fo-
Dance” está sendo realizada no Programa ram escolhidas porque ambas participam do
de Pós-graduação em Artes Visuais (UFPB/ campeonato Robocup Jr. Dance, sendo uma
UFPE), entre 2015 e 2017. Discute a possibi- iniciante e a outra mais experiente.
lidade de conexões entre as Artes Visuais e a
- 334 -

Figura 1: desenho autoral- Bordado de memórias escritas. Fonte: acervo pessoal

De abordagem qualitativa, a pesquisa recorre re-se ao estudo e à utilização de robôs. Integra


a um hibridismo na coleta de dados, usando a diversas áreas, como a engenharia eletrônica,
observação etnográfica, grupos focais, entre- matemática e inteligência artificial, entre ou-
vistas semiestruturadas, registros fotográ- tras (RIBEIRO, 2006. P.8).
ficos e desenhos coloridos sobre o processo.
Esta coleta foi realizada nas visitas às escolas Em decorrência, a robótica pedagógica pode
e no RoboCup Jr. Dance 2015. ser entendida nos seguintes termos:

A pesquisa vem usando os quatro momentos é uma atividade que reúne construção de robôs
adaptados da “metodologia viva” (PLA, 2013, e pode ser desenvolvida na escola utilizando kits
p.155-171): 1° conversando sobre os robôs comercializados no mercado brasileiro ou sucata
(projeto); 2°Conversando com Robôs (cons- eletrônica. A aula geralmente é direcionada para
trução); 3° Conversando a partir dos robôs a construção de um protótipo e, posteriormente,
(apresentação RoboCup Jr. Dance, em Uber- é feita a programação através do computador e
lândia/MG, entre 29 de outubro a 01 de no- um software de programação. A montagem é o
vembro de 2015); 4° Conversar para além dos momento onde os alunos utilizam blocos, peças
robôs (pós-evento). ou placas que se movimentarão autonomamente
após serem programados através do software no
Desenhos e outras formas de produção de computador (CABRAL, 2010, p. 29).
imagens, junto com a escrita, conectam as
reflexões. Baseia-se em princípios da a/r/to- Segundo a Secretaria de Educação de João
grafia, tida como um conector de diferentes Pessoa (SEDEC), a cada ano, há um aumento
modos de registrar o pensamento. no número de escolas da RMJP comprometi-
das com o desenvolvimento de projetos rela-
Em suma, enfatiza-se, neste artigo, o entendi- cionados com a Robótica Pedagógica. Essas
mento conceitual sobre robôs, robótica, robóti- experiências robóticas têm diferentes moti-
ca pedagógica e visualidade interativa. vações. Entretanto, para esta pesquisa, o in-
teresse está focado na participação dos robôs
Robôs, Robótica e Robótica Pedagógica das equipes da RMJP no Robocup Jr. Dance.

A característica principal de um robô é a au- Visualidade interativa


tomação, ou seja, a habilidade da máquina de
verificar seu próprio funcionamento, produzir O termo visualidade interativa é um conceito
mediações e criar correções, sem a necessida- construído para sintetizar o foco da pesquisa
de da interferência do ser humano. Isso con- em relação às ações das equipes da RMJP no
diz com Matarac (2014, p. 16), quando diz: “um Robocup Jr. É uma maneira de olhar o pro-
robô pode ser definido como um sistema au- cesso de apresentação de robôs pela ótica do
tônomo que existe no mundo físico, podendo Ensino de Artes Visuais e pela perspectiva da
sentir o seu ambiente e agir para alcançar al- Educação da Cultura Visual.
guns objetivos”. Esse princípio de automação,
faz-nos entender que nem toda máquina que Trata-se de um complexo percurso, que inclui
executa tarefas é um robô. Existem máquinas o ato de projetar, construir e apresentar os
aspirantes a robôs e os robôs “autênticos”. robôs, com vistas à encenação inventiva, pau-
tada na interação máquina-humano. Atenta
A robótica é um campo de conhecimento en- para a conexão entre a temática escolhida, o
carregado de planejar e construir robôs. Refe- espaço/tempo de apresentação, a trilha sono-
- 335 -

ra e os elementos, humanos e robóticos para


interação no palco.
O termo decorre da junção de dois outros con-
ceitos: visualidade e performance. Visualida-
de pode ser compreendida como:

diferentes tipos e modalidades de imagens,


abrangendo as mais corriqueiras até as “pre-
servadas” em renomados museus, reconhecidas
como ‘obras de artes’, produzidas em diversos
contextos culturais e temporais. Envolvem tam- Figura 3: estudante interagindo com objetos não
bém as possíveis maneiras de interpretar as robóticos da apresentação. Equipe EducDance, em
diversas imagens (NASCIMENTO, 2012, p. 315). 30/10/2015- Uberlândia/MG Arquivo pessoal

A visualidade dos robôs envolve a configuração 2 Visualidade interativa entre humano-huma-


visual associada com repertórios interpretati- no: a preocupação é com a disposição dos ato-
vos derivados do contexto social e cultural. res humanos no espaço. Por exemplo, o casal
que dança durante a apresentação tem que fi-
O conceito de Performance provém do campo car atento para não danificar ou atrapalhar os
das artes visuais. Trata-se de uma modalidade robôs. Alcança interação, mas não pontua;
de criação artística, que emergiu na década de
1970, cuja característica principal é a explo-
ração teatral do corpo. Consiste numa ação pre-
viamente planejada, na qual o público somente
observa. Atrai a atenção para o artista e os ma-
teriais que utiliza para “chocar” o público.

A pesquisa, a partir do enfoque que adota, en-


tende o robô como um produto ou artefato pre-
dominantemente visual. A contextualização
cultural está diretamente relacionada pela
escolha do tema da apresentação. Esta escol- Figura 4: estudantes interagindo no palco do campeonato.
ha temática, juntamente com a musicalidade, Equipe, em 30/10/2015- Uberlândia/MG Arquivo pessoal
conduzem as etapas de projetar e de construir
robôs para, depois, apresentá-los no palco do 3 Visualidade interativa entre humano-públi-
campeonato. co: as equipes lançam brindes ou fazem movi-
mentos que animam os visitantes. Objetivam a
Para analisar a visualidade interativa, a pes- dinamização e o envolvimento do público, mas
quisa leva em consideração os seguintes crité- não pontuam. O público, ao aplaudir, provoca
rios: escolha temática, personagens, plasticida- confiança na equipe. O cuidado com a escolha
de ou caracterização dos robôs, performance, sonora garante uma maior participação do pú-
acessórios do palco; vestimenta dos atores hu- blico. Quanto mais popular e atual for a trilha
manos, planos de fundo; trilha sonora e mate- musical, mais o público costuma interagir;
rial auxiliar específicos dos sensores.

Além dos critérios elencados, a análise ainda


contempla cinco tipos de visualidades intera-
tivas, pautadas na interação entre humanos,
máquinas e adereços do palco, que estão dis-
postas adiante:

1 Visualidade interativa entre humano-ade-


reços: movimentos humanos dos adereços
elaborados de acordo com o enredo idealizado.
No campeonato em foco, os adereços não têm Figura 5: estudantes interagindo com o público,
importância tecnológica. Alcançam interação, distribuindo brindes, durante o campeonato. Equipe
mas não pontuam; EducDance, em 30/10/2015- Arquivo pessoal
Uberlândia/MG
- 336 -

4 Visualidade interativa entre humano-má- Assim, a presença das artes, no campeonato


quina: a interação entre robôs e humanos e nas atividades, configura-se como uma “tá-
proporciona a atenção do júri e aumenta as tica atrativa” para inserir outros discentes e
condições de uma maior pontuação. Alcança docentes, tornando o estudo da robótica mais
pontuação significativa; prazeroso e envolvente. Inclusive, a partici-
pação das meninas, nestes projetos, é motiva-
da pela presença da dança e das visualidades.
As visualidades dos robôs assumem carac-
terísticas das personagens diversas, coeren-
tes com as temáticas das equipes, tais como:
mágico, dinossauro, Luiz Gonzaga, cartola
mágica, entre outras. A tecnologia robótica é
complementada com materiais alternativos.
O cenário, integrado com a performance e
a musicalidade, auxiliam na construção dos
processos interpretativos.
Figura 6: estudantes interagindo com robôs durante o
campeonato. Equipe EducDance 30/10/2015- Arquivo Atenta-se, também, que práticas educativas,
pessoal Uberlândia/MG associando a robótica e a arte, favorecem as
“atividades em grupo”; a “concentração” e o “in-
5 Visualidade interativa entre máquina-má- teresse” dos estudantes; geram possibilidade
quina: esse momento requer um aprofun- de inserir estudantes no mercado de trabalho
damento sobre a robótica. A visualidade e a mecatrônico.
performance também são tratadas atenta-
mente e interativamente, sem obstruções na Apreende-se que os projetos robóticos, dire-
apresentação. Pontuação máxima. É a maior cionados à participação no campeonato Robo-
expectativa do júri. Cup Jr. Dance, salvo os interesses mercadoló-
gicos, contribuem para qualificar e visibilizar
a escola pública.

Referências

· CABRAL, Cristiane Pelisolli. Robótica educa-


cional e resolução de problemas: uma aborda-
gem microgenética da construção do conhe-
cimento. 2011 Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Faculdade de Educação. Progra-
ma de Pós-Graduação em Educação. Disponível
Figura 7: robô mágico acionando o robô bola mágica, em:<http://hdl.handle.net/10183/29314>.
sem contato humano, durante o campeonato. Equipe Acesso: 21 outubro 2015.
EducDance, em 30/10/2015- Arquivo pessoal
Uberlândia/MG · MATARAC, Maja J. Introdução à robótica. Edi-
tora UNESP. São Paulo, 2014.
Para concluir...
· NASCIMENTO, Erinaldo Alves do. Cultura
Até o momento, a partir da coleta de dados, das imagens e os desafios dos Referenciais
algumas considerações podem ser destacadas Curriculares do Ensino Fundamental do Esta-
sobre a participação da RMJP no Campeonato do da Paraíba-Arte. In: MARTINS, Raimundo/
RoboCup Jr. Dance. É importante evidenciar Tourinho, Irene (org.). Cultura das imagens:
que o material robótico, utilizado pela RMJP, é desafios para a arte e para a educação. Santa
um produto pedagógico e mercadológico. Em Maria: Ed. da UFSM, 2012.
razão disso, a visão empresarial da robótica
pretende atingir professores de diferentes · PLA, Alfred Porres. Conversações na aula de
campos de conhecimento. O processo pedagó- cultura visual. In: Raimundo/Tourinho, Irene
gico pretende promover processos de ensino (org.). Processos e práticas de pesquisa em
e de aprendizagem por meio da robótica das Cultura Visual e Educação. Santa Maria: Ed.
escolas envolvidas com o projeto. da UFSM, 2012.
- 337 -

· RIBEIRO, Célia Rosa. RobôCarochinha: um es- Rosângela Pacífico Matias


tudo qualitativo sobre a robótica educativa no
1° ciclo do Ensino Básico. Universidade do Min- Mestranda do Programa de Pós-graduação
ho. Instituto de Educação e Piscologia. 2006. Associado em Artes Visuais – UFPB/UFPE;
Especialista: Arte Educação e Cultura – IESP;
· Competição Brasileira de Robótica (CBR). Dis- Docente na Educação Básica – PMJP; Gradua-
ponível em: <http://www.cbrobotica.org/?lan- da em Artes Visuais – UFPB; Membro do Gru-
g=pt> Acesso em: 02 abril 2015. po de Pesquisa em Educação e Artes Visuais
– GPEAV/UFPB.
· RoboCup Federation. Disponível em: <http://
www.roboticstoday.com/institutions/robo- Erinaldo Alves do Nascimento
cup-federation-> acesso: 23 março 2015.
Doutor em Artes - ECA-USP; Mestre em Biblio-
· Robocup Junior Dance. Disponível em: <http:// teconomia – UFPB; Graduado em Educação Ar-
www.cbrobotica.org/wp-content/uploads/ tística - UFRN. Professor do Departamento de
dance_2015.pdf> Acesso 20 maio2015> Artes Visuais – UFPB - do Mestrado em Artes
Visuais da UFPB/UFPE. Autor do livro “Ensino
do desenho: do artífice/artista ao desenhista
auto-expressivo” (2010), de artigos e capítulos
de livros. Integra o Grupo de Pesquisa em Ensi-
no das Artes Visuais – UFPB - e o Grupo de Pes-
quisa em Educação e Visualidade - UFG
- 339 -

DA INVENÇÃO DE INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA ESTENDIDA:RELAÇÃO


ENTRE JOVENS E EDUCAÇÃO NO ADVERGAME “SALVANDO A FONTE”

Jordana Falcão Tavares - UFG


Raimundo Martins - UFG

Resumo: del concepto de infancia y los cambios socioe-


conómicos que contribuyeron con que el espí-
Este artigo é parte da pesquisa de doutora- ritu de ‘ser joven’ sea un ideal para diferentes
mento sobre a representação imagética da grupos de edad. Después, el trabajo se centra
noção de juventude em “Salvando a fonte”. En- en la descripción y análisis del juego digital
tende-se por advergame jogos digitais criados desarrollado por la marca de refrescos “Fan-
para promover uma marca. O texto discute ta” que es guiado en la acción de un grupo de
como se configurou historicamente a ideia de adolescentes que tratan de devolver la alegría
juventude tal como a entendemos hoje e deba- perdida de un universo ficticio. El objetivo es
te aspectos sobre a representação de jovens reflexionar sobre qué construcciones se utili-
contemporâneos no referido jogo. Retomamos zan para representar el concepto de juventud
a invenção do conceito de infância e aborda- contemporánea en esta narrativa visual, así
mos algumas mudanças socioeconômicas que como lo que dicen las ausencias que se perci-
contribuíram para que o espírito de ‘ser jovem’ ben en el advergame.
se tornasse um ideal para indivíduos de dife-
rentes faixas etárias. Após uma breve con- Palabras clave: Advergames; juventud; re-
textualização, o trabalho foca na descrição e presentación visual; educación.
análise do jogo digital desenvolvido pela mar-
ca de refrigerantes “Fanta” cujo mote se pauta “Salvando a fonte” é o nome do advergame
na ação de um grupo de adolescentes tentan- desenvolvido para a marca de refrigerantes
do devolver a alegria perdida a um universo Fanta dentro do universo ficcional de “Mais
fictício. O objetivo é refletir sobre que cons- Fanta, mais diversão”. Nesse ambiente virtual
truções são usadas para representar a noção são ambientados comerciais, cartazes e ou-
de juventude contemporânea nessa narrativa tras peças promocionais, inclusive o jogo que
visual, bem como sobre o que falam as ausên- compõe a ação de marketing. A publicidade
cias percebidas no advergame acerca desta em torno do refrigerante criou uma realida-
representação. de fantástica na qual a diversão é imperativo
para seu público alvo: os jovens. A represen-
Palavras chave: Advergames; juventude; re- tação da juventude contemporânea em “Sal-
presentação visual; educação. vando a fonte” (figura 1) é o objeto de pesquisa
de doutorado que dá origem a esta reflexão.
Resumen: Nesse recorte, tendo em vista que educação
e imagem norteiam os debates do evento, va-
Este artículo es parte de una investigación mos apresentar como se configurou historica-
doctoral sobre la representación imagetica del mente a ideia de juventude tal como a enten-
concepto de la juventud presentado por el ad- demos hoje e debater construções e ausências
vergame "Guardando la Fuente". Advergames que representam a relação entre os jovens
son juegos digitales diseñados para promover contemporâneos e a escola no jogo já citado.
a una marca. El texto analiza cómo se há con-
figurado historicamente la idea de juventud
como la entendemos hoy y debate aspectos de
la representación de la juventud contemporá-
nea en ese juego. Reanudamos la invención
- 340 -

Figura 1 - Vista do site Fanta em que se pode acessar o advergame “Salvando a fonte”

Inventando a infância to da infância enquanto as condições sociais


agiam contra a sobrevivência dos pequenos.
A tese de que a infância não é natural, mas cul- Para ele, a cristianização foi responsável pela
tural, foi tratada pelo historiador francês Phi- mudança de costumes, pois se acreditava que
lippe Ariès (2011) em seu livro História Social antes do batismo as crianças não tinham alma,
da Criança e da Família. Ariès defende que a mas o sacramento lhes conferia relevância di-
criança foi ganhando importância junto à famí- vina e social.
lia e à sociedade apenas depois da Idade Média.
Publicações dos séculos XV ou XVI menciona- As roupas infantis demonstram a pouca atenção
vam diferentes fases da vida humana como dada às crianças, pois até o século XIII só exis-
terminologias para os cientistas da época: tiam trajes de adultos em diferentes tamanhos.
Somente no século XVII surgem as roupas especi-
As ‘idades’, ‘idades da vida’ ou ‘idades do homem’ ficas para criança, mas comum aos dois gêneros:
correspondiam no espírito de nossos ancestrais a
noções positivas, tão conhecidas, tão repetidas e Tornou-se impossível distinguir um menino de
tão usuais, que passaram do domínio da ciência uma menina antes dos quatro ou cinco anos, e
ao da experiência comum. Hoje em dia não temos esse hábito se fixou de maneira definitiva du-
mais ideias da importância da noção de idade nas rante cerca de dois séculos. Por volta de 1770,
antigas representações do mundo. A idade do ho- os meninos deixaram de usar o vestido com
mem era uma categoria científica da mesma or- gola aos quatro-cinco anos. Antes dessa idade,
dem que o peso ou a velocidade o são para nossos porém, eles eram vestidos como meninas, e isso
contemporâneos (ARIÈS, 2011, p. 4). continuaria até o fim do século XIX: o hábito de
efeminar os meninos só desapareceria após a
A palavra criança, por exemplo, é citada em Primeira Guerra Mundial, e seu abandono deve
uma publicação do século XVI para designar ser relacionado com o abandono do espartilho
uma pessoa aos 24 anos, já em outra, do século das mulheres: uma revolução do traje que tra-
XVII, fala-se de um jeune enfant (uma jovem duz a mudança dos costumes. (...) A informação
criança) de 14 anos. “A ideia de infância esta- fornecida pelo traje confirma os outros teste-
va ligada à ideia de dependência. (...) Só se saía munhos da história dos costumes: os meninos
da infância ao se sair da dependência” (ARIÈS, foram as primeiras crianças especializadas.
2011, p. 11).
Surge também, em meados do século XV, o
As condições demográficas, econômicas e so- zelo pela inocência. Jean Charlier de Gerson,
ciais na Idade Média acarretavam grande mor- religioso e intelectual, deu início a uma re-
talidade infantil. Era extremamente comum forma moral que condenava as brincadeiras
que bebês não chegassem aos 7 anos e sua corporais (que poderiam tornar-se sexuais) e
morte tornava-se quase banal. Ariès (2011) se a masturbação infantil, censurava situações
surpreende com a precocidade do surgimen- de contato entre crianças e adultos, tais como
- 341 -

dividir camas, hábito corriqueiro até o mo- cordando com Sibilia. A partir daí a juventude
mento (apud ARIÈS, 2011, p. 80 e 81). O pudor continuou a ser considerada como o intervalo
e a decência passaram a regular a lida com entre a infância e a vida adulta, entretanto,
a criança de modo que no século XVII livros não como fase de maturação física e emocio-
eram editados para adequar-se às crianças, nal, mas segundo um “modelo conformista de
divertimentos divididos em bons e maus, juventude, o ideal de adolescência como pe-
criadagem e educadores deveriam vigia-las ríodo livre de responsabilidades, politicamen-
seguindo rígidos limites e com o mínimo de te passivo e dócil” (FEIXA, 2004, p. 41).
contato físico.
As crianças viram jovens
Sibilia (2012, p. 32) argumenta que tanto a in-
fância quanto a escola são produto da moder- A juventude produto da industrialização e
nidade: “para que houvesse escola, tinha que da modernidade, para Campos (2007), é uma
haver crianças; por isso diante da necessidade categoria ocidental, inventada política, midiá-
histórica de realizar o projeto modernizador tica e academicamente no século XX. As in-
anunciado pelas revoluções científicas, in- vestigações especificamente voltadas a esse
dustriais e democráticas, foi preciso ‘inventar’ grupo etário ganham força a partir da segun-
as duas”. Para Ariès (2011), a vida escolástica da guerra, quando ser jovem “entra na moda”.
também foi significativa para a invenção da Feixa (2004) explica, contudo, que, ou antes
infância. Na Idade Média, os colégios e escolas disso ou em outros arranjos sociais diferentes
eram lugares de formação de clérigos em que do que estamos inseridos, o período que pre-
se misturavam meninos de várias idades – as cede a vida adulta já recebia atenção especial.
meninas eram excluídas. Para as mulheres
a infância era normalmente mais curta, pois Em seu levantamento, Feixa (2004) apresenta
tinha fim com o casamento que podia aconte- estudos antropológicos de culturas primitivas
cer logo aos 13 ou 14 anos. – ou seja, sem Estado – nos quais a adolescên-
cia está ligada a um segundo nascimento, uma
Por volta do século XV os colégios viraram vez que morre a criança para nascer o adulto.
instituições educativas e a partir daí veio a ne- Os púberes, passam por ritos que marcam sua
cessidade de dividir os alunos de acordo com maturidade sexual e comprovam sua com-
o nível de aprendizagem. No século XVII, aos petência como provedores. Essas cerimônias
10 anos um garotinho era considerado apto marcam o fim da infância definindo os papeis
a entrar na escola. Antes disso era conside- dos indivíduos e organizando essas sociedades.
rado incapaz de acompanhar o conteúdo mi-
nistrado. Assim, a primeira infância, período Nas sociedades em que o Estado era proe-
no qual a criança é totalmente dependente, minente, como por exemplo entre os antigos
frágil e tola, se prolongou até os 10 anos. Nos gregos e romanos, a hierarquização social, a
colégios, mantinham-se grupos separados por divisão de trabalho e a urbanização possibili-
idades: 10 a 14, 15 a 18 ou 19 a 25 anos. Todas taram o surgimento de um grupo etário espe-
essas idades se encaixavam numa segunda cializado. Parte da população dedicava-se a
infância que era substituída, visando uma tarefas não produtivas e formação militar na
formação profissional, pela vida adulta. Nem efebia, na Atenas do século V a.C. A instituição
todos tinham acesso ou interesse pela vida dedicava-se a formar militares, mas logo pas-
escolástica, assim seu período na infância era sou a enfatizar os aspectos educativos (FEIXA,
estendido até o momento em que se tornasse 2004, p. 27). A imagem dos jovens efebos pas-
adulto desempenhando um serviço laboral ou sou a ser vinculada ao amor erótico, a ânsia de
militar (ARIÈS, 2011). saber e o desejo de reforma e beleza.

Até o século XVIII, portanto, a infância ence- Na Idade Média, como explicado no tópico
rrava com a independência econômica, no anterior, cria-se a criança antes do moço(a),
caso dos homens, ou com casamento, no caso que Ariés (2011) relata ser o menino ou me-
das mulheres. Esse cenário mudou porque o nina, entre os 7 ou 9 anos, que deixavam
“conceito de adolescência, que se estende em suas famílias para viver com outras. A ideia
certos países até o final da juventude (hoje em era formar-se em um ofício e aprender sobre
dia não hesitamos em chamar adolescente a relações sociais e outros aspectos da vida na
um moço de 20 anos), tem uma origem e uma prática. Poucas pessoas dispunham do ensino
história que coincidem com a modernidade e escolar que recebia e misturava gente de to-
a industrialização”, diz Kehl (2004, p. 91) con- das as idades. Tão logo se tornasse financeira-
- 342 -

mente independente – ou casasse, no caso das O mercado percebeu aí uma oportunidade e


garotas -, o individuo chegava à vida adulta. segmentou o consumo produzindo conteúdo
e produtos destinados a esse público – tais
Durante a industrialização da Europa, com o como moda, lugares de ócio etc. -, o teenager
capitalismo suplantando o feudalismo, quatro marketing. A comunicação de massa reite-
instituições incidiram sobre o jovem (FEIXA, rou essa ideia legitimando a representação
2004). Família, escola, exército e trabalho de uma cultura juvenil em filmes e músicas,
foram reconfigurados. A família começou a por exemplo. Com isso os jovens passaram a
cultivar um sentimento cada vez maior de identificar-se mais com seus pares etários do
responsabilidade e respeito pelos filhos que que com membros de classes ou etnias. Essa
se tornaram dependentes moral e financei- geração vivenciou ainda a crise do puritanis-
ramente por mais tempo (ARIÈS, 2011). Junto mo e a revolução sexual proporcionada pelos
a isso, a escola se especializou como lugar de anticoncepcionais, o que permitiu relações
educação, se converteu em instrumento de afetivas outras além do casamento.
iniciação social e ganhou a responsabilida-
de de afastar os jovens do mundo adulto ao O papel do capitalismo na “invenção” da juven-
mesmo tempo em que os preparava para ele tude foi, de acordo com Kehl (2004), decisivo.
(FEIXA, 2004). Para a autora, o jovem passou a ser conside-
rado cidadão quando percebido como consu-
Com a Revolução Francesa veio a obrigatorie- midor em potencial: “essa longa crise, que alia
dade do serviço militar. Longe de suas famílias, o tédio, a insatisfação sexual sob alta pressão
jovens de várias origens conviviam e desse hormonal, a dependência em relação à família
modo desenvolveram a consciência de geração. e a falta de função no espaço público, acabou
Servir ao exército também passou a equivaler por produzir o que as pesquisas de marketing
a um rito (Idem). Por fim, os avanços técnicos definem como nova fatia de mercado” (p. 91).
da industrialização diminuíram a necessidade
de mão de obra dispensando especialmente O jovem contemporâneo e a sociedade de
crianças e requisitaram mais preparação téc- controle
nica. Dessa forma, os jovens foram excluídos do
mercado e voltaram para as salas de aula. O século XX ainda não parece um passado
distante quando nem chegamos ao final da
Com a necessidade de mais tempo de for- segunda década do século XXI. Mas as reno-
mação sob a tutela dos pais, dá-se o “desco- vações tecnológicas que se popularizavam por
brimento” dos adolescentes na primeira me- volta dos anos 1990 marcaram as gerações
tade do século XX. É por essa época também nascidas nessa década de forma definitiva.
que o conceito se democratiza abarcando A era do computador de mesa da família com
pela primeira vez mulheres e se estendendo acesso discado a internet transformou-se ra-
para classes operárias e zonas rurais (Ibid.). pidamente no tempo da conexão à rede quase
A marcha adolescente é barrada pelas gran- ubíqua, por meio de aparelhos celulares estri-
des guerras, mas encontra caminho aberto no tamente pessoais.
pós-guerra.
Sibilia (2015, p.17), ao refletir sobre a geração
Para Feixa (2004) o pós-guerra permitiu que screenager1, afirma as mudanças trazidas pe-
a juvenilidade ganhasse destaque na metade las tecnologias incidem sobre várias instân-
final do século. O crescimento econômico e o cias da vida, inclusive sobre sua organicidade:
estado de bem-estar social privilegiaram os “Hoje proliferam outros modos de ser e de na-
jovens incrementando seu poder de compra, rrar o que somos: novas definições de vida, dos
além de oferecer possibilidades de formação, corpos e das subjetividades, em sintonia com
tempo livre e serviços específicos. Com mais as mudanças ocorridas no campo tecnocien-
dinheiro e tempo, os jovens promoveram o tífico”. Para a autora os screenagers são parte
enfraquecimento da autoridade familiar e da sociedade de controle e para entender o
outras formas de controle, tomando, ainda que isso significa é preciso antes falar sobre a
que precariamente, as rédeas da própria vida. sociedade disciplinar.

1 - A geração screenager “(...) nasceu [a partir da] na década de 1980 e interage com os controles remotos, joysticks, mouses, internet, pen-
sam e aprendem de forma diferenciada. Aprendem com a descontinuidade, aceitam que as coisas continuem mudando sem se preocupar
com um final determinístico” (RUSHKOFF, 1999, p. 33 in ALVES L., 2005).
- 343 -

De acordo com Sibilia (2015), instituições mo- Sérvio (2015) busca interseções entre a teo-
dernas como a escola e a indústria, se alinha- ria da sociedade do espetáculo, de Debord,
vam para conformar as massas em sujeitos e a sociedade do consumo, de Deleuze, para
socialmente controlados e plenamente ope- entender por que a sociedade contemporânea
rantes na linha de montagem. Sérvio (2015, valoriza mais a flexibilidade do que o molde.
p. 134), detalhando este argumento, comple- Em uma análise sucinta, podemos dizer que
menta explicando que: uma sociedade do espetáculo baseada no mo-
delo de produção capitalista isola as pessoas.
Com a modernidade, a queda das monarquias A publicidade, como parte dessa estrutura,
e a consolidação do modelo burguês, cresce impulsiona o consumo. Enquanto Debord
a necessidade de um poder que agisse sobre acredita no conformismo e homogeneidade
os corpos, não para destruí-los, mas, para tor- da sociedade do espetáculo, Deleuze pensa
ná-los dóceis e úteis, produtivos. Isso dependia que uma sociedade de consumo vai além da
da introjeção de valores que justificassem a conformação, pois os indivíduos produzem
necessidade de uma ordem para um progresso ativamente sentidos outros ao consumo que o
incessante. mercado trata de capitalizar. Ainda de acordo
como Sérvio (2015, p. 334)
Desde a arquitetura panóptica à regulação do
tempo, os mecanismos de vigilância sujeita- Na sociedade de consumo, a permissividade de
vam todas as pessoas a regras. As tecnologias certa flexibilidade de ação para os indivíduos
de biopoder modelavam a vida seguindo os é componente que alimenta o sistema. Neste
preceitos modernos de ordem para progresso: momento de intensa flexibilidade, as massas
tornam-se amostras, dados, mercados que
Os organismos humanos foram adestrados para precisam ser rastreados, cartografados e ana-
alimentar as engrenagens da produção fabril e lisados para que padrões de comportamento
as fileiras dos exércitos nacionais. Por isso tais possam ser percebidos. Hoje, vigiar não signi-
corpos não eram apenas dóceis, mas também fica apenas confinar, regular, mas interceptar,
úteis, já que respondiam e serviam a determina- ver, ouvir e interpretar. Da posse desses dados,
dos interesses econômicos e políticos (SIBILIA, por meio de estudos qualitativos e quantitati-
2015, p. 32). vos, empresas buscam constantemente criar
estratégias para sobreviver em mercado extre-
Nessa organização social as identidades eram mamente competitivo e gerir um crescimento
fixas e, em notável medida, atreladas à cida- econômico com regularidade.
dania e ao trabalho. Entretanto, a disciplina
perdeu força numa nova ordem em que a eco- Cartões de crédito e débito, transferências au-
nomia de mercado passou a ditar as regras. tomáticas e informatização do sistema finan-
A lógica capitalista pós-moderna lançou ao ceiro modernizaram os fluxos econômicos. O
desuso o conceito moderno de propriedade, atual mercado trabalha com grande voracida-
por exemplo, já que “é uma instituição lenta de para lançar novos produtos e serviços que
demais para se ajustar à nova velocidade da possam representar subjetividades por meio
nossa cultura” (RIFKIN, 2001, p. 5, apud SIBI- de símbolos. De acordo com Hebdige, (1976,
LIA, 2015). Assim a estabilidade das identida- apud CAMPOS, 2007, p. 114), é a associação de
des foi desgastada dando lugar à fluidez da uma estética a uma ideologia, ou estilo, porque:
lógica da identificação (CAMPOS, 2007). Se a
organização social em que estamos inseridos A identificação das identidades socioculturais
está pautada pelo consumo, mais vantajoso é dos jovens é realizada em grande medida, à cus-
que o mercado possa atender várias buscas ao ta da ostentação e manipulação simbólica dos
invés de uma só demanda: tênis Adidas ou Nike, das calças Levis, da MTV,
da Shakira, dos Arcade Fire, dos piercings ou
Na sociedade, a permissividade de certa flexi- dos fanzines, independente do local do mundo
bilidade de ação para os indivíduos é compo- onde tem origem como objeto ou mito coletivo.
nente que alimenta o sistema. Neste momento
de intensa flexibilidade, as massas tornam-se O apelo e o acesso à juventude são reforça-
amostras, dados, mercados que precisam ser dos pelos mass media. Por meio do consumo
rastreados, cartografados e analisados para que é possível afiliar-se a uma ideia de juventu-
padrões de comportamento possam ser percebi- de, independente da faixa etária. Como disse
dos (SÉRVIO, 2015, p. 333). Kehl (2004), essa noção juventude é somente
um estado de espírito que externamos. Bau-
- 344 -

man (2011) e Canclini (2006) concordam que predominantemente gadgets eletrônicos. O


a sociedade disciplinar composta por trabal- tópico seguinte propõe uma análise da relação
hadores transformou-se em uma sociedade construída entre a “galera Fanta” e a ideia de
de consumidores na qual consumir equivale escola no jogo.
a existir. Sibilia (2015) adjetiva tal existência
como a de consumidores controlados. Isso por Salvando a fonte: onde fica a escola?
que aparelhos teleinformáticos nos conectam
virtualmente a tudo. Toda e qualquer ação que Pode parecer contraproducente escolher ana-
fazemos são controladas: lisar a relação proposta pelo jogo entre edu-
cação e a ideia de juventude ali representada
O modo de funcionamento associado aos novos quando o universo de Fanta omite a escola.
dispositivos de poder é total e constante, opera Entretanto, o interesse parte exatamente de
veloz e em curto prazo. Sua impulsividade e ubi- tentar entender a ausência dessa instituição
quidade costumam ignorar todas as fronteiras: cuja presença é inegável para a maioria dos
atravessam espaços e tempos, devorando tudo o adolescentes. Antes de iniciarmos a análise é
que poderia ter ficado de fora e desativando al- necessário apresentar ao leitor o advergame
ternativas que se interpõem em seu caminho. Por do qual falamos até aqui.
isso, apesar da leveza e dos tons coloridos com
que costuma se apresentar, a nova configuração A figura 1, no início deste texto, apresenta uma
socioeconômica e política pode ser vista como “to- vista geral do site na qual é possível acessar todo
talitária” num novo sentido: nada, nunca, parece o universo que envolve “Salvando a fonte”. A na-
estar fora de controle (SIBILIA, 2015, p. 29). rrativa é baseada no desaparecimento da diver-
são, pois na cidade fictícia Utopia há um relógio
A juventude contemporânea tem íntima re- que marca a hora da diversão começar. O relógio
lação com o consumo e se posiciona associan- quebrou e a falta de diversão está transforman-
do sua imagem a marcas, estilos e, em grande do os habitantes do lugar playless, que passare-
proporção, a artefatos tecnológicos. Entre eles mos a chamar de entediados. Cinco ambientes
os games, que motivam esta investigação. Para compõem o jogo: Utopia, um lugar ensolarado
Moita (2005) os videogames são símbolos de e colorido, com prédios e casas, praia, parque
uma geração globalizada, sem apego a tra- de diversões, circo, fliperama e outros espaços
dições regionais e para a qual o lúdico está des- de lazer; a Cidade, que antagoniza Utopia, está
territorializado: “Esses jogos representam para em ruínas e sem vida; a Casa de Todd, equipada
a cultura lúdica infantil e juvenil não só o que com muita tecnologia e objetos para diversão;
há de mais moderno e inovador em matéria de a Cachoeira e a Floresta de frutas onde os per-
diversão eletrônica. Também aparentam ser a sonagens se aproximam de uma natureza fan-
expressão cultural do processo de mundiali- tástica; da primeira, a cachoeira, escorre Fanta
zação” (ORTIZ, 1994 apud MOITA, 2005). e a segunda é composta por árvores de laranja.
Além desses espaços, é possível acessar no site
Atenta a essa juventude a marca de refrige- o ranking com a pontuação dos jogadores, um
rantes Fanta desenvolveu o advergame “Sal- perfil no qual o jogador pode caracterizar-se
vando a Fonte”, pois nesse universo fantásti- como personagem do jogo, a descrição de cada
co só existem jovens e suas identidades são membro da “galera Fanta” (figura 2) e um comic
construídas em grande parte por suas posses, book que descreve a história em inglês.

Figura 2 - Maude, Gigi, Todd, Floyd, Tristan e Andy, parte da "galera Fanta".
- 345 -

A dinâmica escolar da Idade Média em quase ma leva uma vida offline apartada da internet,
nada se atualizou. Continua pautada na trans- mas também online usando aparelhos como
missão do saber do professor para o aluno, a smartphones e as redes de relacionamentos
exigir disciplina e docilidade se contrapondo para criar de personas online.
à índole exploradora do jovem de hoje. Mes-
mo estranhando seu corpo discente da atua- Essa representação virtual é uma exigência
lidade, a escola ainda é importante lugar de da sociedade de controle baseada na lógica
aprendizado e sociabilidade (SIBILIA, 2012) capitalista contemporânea em que tudo ali-
e, por esta razão, merece nossa atenção em menta o mercado. Assim, se o sujeito moderno
relação aos desafios pelos quais tem passado. era disciplinado e entre suas características
desejáveis estava o autocontrole e a normati-
Se a escola foi determinante para a própria zação, o sujeito contemporâneo deve ser ele
invenção de infância e definidora para o en- mesmo gerido como marca, criando uma ima-
tendimento do conceito de adolescência, como gem pública por meio da qual seja possível
observamos anteriormente, parece que as ins- expressar-se (SIBILIA, 2012). Entre os proble-
tituições educacionais perderam em impor- mas enfrentados pela escola frente ao aluna-
tância na contemporaneidade. Corroborando do de hoje, a autora chama a atenção também
os argumentos de Feixa (2004) e Kehl (2004) para os alunos menos “performáticos” nas
sobre o enfraquecimento da autoridade em salas de aula e a transformação de traços de
relação à juventude de hoje, em Salvando a personalidade em desvios: “aloja-se também o
fonte, nem família, nem escola tem lugar. Em problema da timidez com uma ‘falha’ cada vez
oposição a essa ausência, há nessa represen- mais intolerável, que chegou a ser catalogada
tação midiática uma proliferação de alusões como patologia passível de tratamento neuro-
ao divertimento - dança, namoro, esportes etc. químico” (p. 73).
- e aos apetrechos tecnológicos - celulares e
computadores. Numa sociedade fortemente midiatizada, fas-
cinada pela incitação à visibilidade e instada
Para Canclini, as identidades hoje são muito a adotar com rapidez os mais surpreendentes
mais organizadas a partir do consumo e dos me- avanços tecnológicos, em meio aos vertiginosos
dia do que das instituições democráticas, como processos de globalização de todos os mercados,
era na modernidade – ou na sociedade discipli- entre em colapso a subjetividade interiorizada
nar. As identificações se baseiam em considerá- que habitava o espírito do ‘homem-máquina’,
vel proporção sobre discursos midiáticos: isto é, aquele modo de ser trabalhosamente con-
figurado nas salas de aula e nos lares durante
Para muitos homens e mulheres, sobretudo, os dois séculos anteriores (SIBILIA, 2012, p.49).
jovens, as perguntas próprias dos cidadãos (...)
são respondidas antes pelo consumo privado Utopia está mais para um espaço de atuação
de bens e meios de comunicação do que pelas das personas online. Ali as imagens pessoais
regras abstratas da democracia ou pela partici- devem ser construídas para serem consumi-
pação em organizações políticas desacreditadas das por jovens. A escola tradicional torna-se
(2006, p. 14). desnecessária e obsoleta nesse sentido, pois
seu modelo disciplinar pouco mudou e conti-
Sibilia (2012) acredita que o enfraquecimento nua dando pouco ou nenhum espaço de visi-
do papel do Estado e o afrouxamento das ins- bilidade a essas marcas pessoais em processo
tituições de controle como família e professor de autogestão. No jargão publicitário, a escola
geram um descompasso entre a realidade dos não seria o veículo certo para o tipo de mensa-
jovens de hoje, notadamente ligados ao consu- gem – jovialidade - que se quer transmitir ao
mo e às tecnologias, e a escola, que permane- público alvo – os pares.
ce, em grande proporção, estruturada sobre a
lógica disciplinar moderna. A geração perso- A educação escolástica sempre preconizou
nificada no jogo é a screenagers. Esses sujei- atenção e consciência pela seleção dos estímu-
tos estão constantemente ligados por meio de los a que se ater. Ler e escrever pressupõem
aparelhos celulares, computadores ou tablets um tempo linear e o avanço gradativo. Para o
e usam a internet como um espaço tanto pri- sujeito contemporâneo os estímulos são tantos
vado – quando substituem os diários por blogs, e tão sucessivos que pouco chega a se alojar na
por exemplo - quanto público - ao compartil- consciência, suas “vivências são dominadas pela
har músicas, vídeos, imagens etc. Para Palfrey percepção” (SIBILIA, 2012, p. 119). A lógica hoje
e Gasser (2008 in PESCADOR, 2010) essa tur- é o esfacelamento e a sobreposição sem neces-
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sariamente a composição de uma narrativa úni- vidade e o prazer, inclusive nos ambientes labo-
ca, como nos videogames. Em “Salvando a fonte”, rais. E, é claro, também nos outrora circunspec-
por exemplo, existem algumas possibilidades de tos territórios escolares. (...) Sem esquecer, por
entender os acontecimentos. Há um comic book outro lado, que tudo isso se dá numa cultura que
contando a história em que tudo se baseia, mas enaltece a busca da celebridade e a satisfação
ele tem pouco destaque, pois o que se pressupõe instantânea, exaltando valores como a autoesti-
é que os jogadores recomponham a história à ma, a aparência juvenil e o gozo constante.
medida que exploram os espaços e jogos:
Ao omitir a escola em Utopia, Fanta não dimi-
No caso dos videogames, por exemplo, quan- nui a importância da juventude como período
do se aprende a usá-los, é claro que ocorrem de preparação para o mercado de trabalho,
aprendizagens e pensamentos, mas estes não mas destaca valores atualizados para tanto.
parecem ser reflexivos, conscientes e racionais, Sociabilização, criatividade, experimentação
baseados na explicação ou na interpretação, e e realização, por exemplo, são reafirmados
sim em “uma eficácia operativa que não necessi- como necessários para o desenvolvimento in-
ta de consciência” (SIBILIA, 2012, p. 119 e 120). telectual e afetivo dos jovens, ainda mais em
se tratando de um espaço de interação virtual.
Esse novo jovem consumidor de Fanta tem
sido rascunhado a partir da reconfiguração Para concluir
socioeconômica neoliberal tanto quanto da
revolução tecnológica. Em se tratando da es- Embora não haja escola em “Salvando a fonte”,
cola, sua dinâmica de aprendizagem é tam- abordar a relação entre educação e a noção de
bém fragmentada e contingente, ou seja, em juventude é importante para pensarmos sobre
grande parte, motivada pela necessidade de os desafios para educadores nos dias de hoje.
responder a uma provocação: Mesmo sendo desinteressante para os scree-
nagers e com altas taxas de evasão, a escola-
Esta geração não consegue simplesmente ficar ridade continua sendo determinante para a
parada, sentados em seus lugares, enquanto o colocação profissional (FRIGOTTO, 2004) tanto
professor discorre em aulas expositivas. Para quanto é um espaço essencial para a criação
eles, por exemplo, não faz sentido ler um manual de laços sociais (SIBILIA, 2012).
de um aplicativo ou de um jogo para saber usá-
lo. Os nativos digitais preferem, num processo Em um cotidiano marcado por tecnologia, co-
de tentativas e erro, ir se apropriando da lógi- nexão, fragmentação e pela crise na produção
ca do programa ou do jogo, para utilizá-lo. Esse de sentidos, a escola permanece proporcio-
processo pode revelar uma forma de aprendi- nando a sociabilidade juvenil e permitindo aos
zagem, que não é baseada em informações/ins- jovens a conformação de novos significados
truções (que seria dada pelo manual), mas numa produzidos em conjunto:
busca que parte daquele que precisa aprender,
fuçar, explorar (a forma como o programa fun- É por esse motivo (para conectar-se) que, às
ciona). (PESCADOR, 2010, p. 4) vezes, os jovens continuam a assistir às aulas,
mesmo que o confinamento tenha perdido seu
Embora não haja no cenário a educação ins- sentido e que a situação de aprendizagem nun-
titucionalizada, o estilo de vida encenado no ca chegue a se consolidar: haveria nesse gesto
advergame “Salvando a Fonte” parece ir ao outros motivos, como o mero fato de “estarem
encontro do que esperam os jovens e valoriza juntos” compartilhando a coesão mínima, por
o mercado de hoje, pois se baseia na esponta- que isso seria preferível à intempérie e à disper-
neidade, na aprendizagem por engajamento são de um tempo-espaço desprovido de muros e
(aprender fazendo) e na autorrealização. Ain- outras ancoragens (SIBILIA, 187)
da de acordo com Sibilia (2012, p. 48):
Para além do apelo social que a escola tem junto
Nossa época convoca as personalidades a se aos jovens, é preciso que sua organização seja
exibir em telas cada vez mais onipresentes e repensada para capitalizar as características
interconectadas. (...) os novos ritos trabalhistas da contemporaneidade a favor do engajamen-
requerem outras habilidades e disposições cor- to dos alunos na própria formação. Esta análise
porais e subjetivas, ao mesmo tempo em que de “Salvando a fonte” tem por intenção apontar
desprezam certas capacidades ou aptidões an- como a mídia enxerga os jovens e listar os arti-
tes valorizadas, mas que são consideradas cada fícios dos quais ela se vale para conseguir cati-
vez menos úteis. (...) Hoje se estimulam a criati- var esse público. Não estamos propondo que a
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escola transforme-se ela mesma em espetácu- · SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico. A al-
lo divertido e interativo, apenas que docentes e quimia dos corpos e das almas à luz das tec-
pensadores da educação atentem para as men- nologias digitais. Rio de Janeiro: Contraponto,
talidades que agora se apresentam de forma a 2015.
manter-se a abertos para as atualizações por
que passa a sociedade. · SIBILIA, Paula. Redes ou paredes. A escola
em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Con-
Referências bibliográficas traponto, 2012.

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É graduada em publicidade pela Universidade
· ARIES, Philippe. História social da criança e de Fortaleza, especialista em Teorias da cultu-
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Ceará, Mestre em Arte e Cultura Visual pela
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(FAV-UFG). É pesquisador do Grupo de Estudos
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