Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
Os poliquetas são bem conhecidos dos pescadores, que os utilizam como iscos, e de alguns
empresários, cuja actividade se baseia na cultura de certas espécies. No entanto, a grande diversidade
deste grupo é-lhes provavelmente pouco conhecida.
Os poliquetas (Classe Polychaeta) constituem o maior grupo incluído nos Anelídeos. As cerca de
8000 espécies apresentam uma grande diversidade de formas e estilos de vida que se refletem nas
mais de 86 famílias descritas. São, na sua maioria, animais marinhos com menos de 10 cm de
comprimento e com diâmetro de 2 a 10 mm. No entanto, certas formas intersticiais podem possuir
apenas 1 mm de diâmetro com um comprimento de 70 cm ou mais, enquanto outras espécies podem
atingir 1 m. Muitos poliquetas apresentam uma coloração espectacular, com tonalidades de vermelho,
rosa, verde, laranja, etc.
Em termos genéricos, o seu corpo é perfeitamente cilíndrico, com segmentos semelhantes, que
correspondem internamente a compartimentos celomáticos separados por septos. Os poliquetas têm
numerosas e variadas estruturas quitinosas, as sedas, característica que lhes confere a designação
(poly, muito + chaeta, cerdas). Estas têm um papel importante na locomoção, na fixação ao tubo e no
suporte da musculatura dos parápodes. Estes últimos são apêndices laterais, usualmente um par por
segmento, que permitem aos poliquetas deslocar-se eficientemente sobre o sedimento. Muitas
espécies, no entanto, vivem enterradas, sendo nesse caso os parápodes bastante reduzidos.
A região anterior do corpo, o prostômio (Lobo -oral que contém o gânglio cerebral e os órgãos
sensitivos mais importantes. É limitado posterior e ventralmente pelo peristômio), possui em muitas
espécies apêndices sensoriais bem desenvolvidos. Segue-se o tronco, com um número variável de
segmentos, e o pigídio, onde se situa o ânus. A boca situa-se ventralmente entre o prostômio e o
primeiro segmento do tronco (peristômio-
O primeiro verdadeiro segmento, imediatamente posterior ao prostômio de um anelídeo; geralmente
não possui apêndices locomotores). No entanto, os diferentes estilos de vida dos poliquetas fazem
com que esta estrutura de base sofra vários graus de modificação. Os poliquetas podem ser errantes ou
sedentários. Os poliquetas errantes incluem espécies estritamente pelágicas (vivem na coluna de
água), outras que se deslocam sobre o fundo entre as rochas e outras que se enterram activamente no
sedimento ou ocupam temporariamente tubos que permanecem fixos no mesmo local. Os poliquetas
estritamente sedentários vivem permanentemente enterrados no sedimento estabilizado por muco, em
tubos ou em galerias.
Aspectos externos
A espécie representada, Nereis diversicolor, é muito comum nos nossos estuários e lagoas, onde pode
ser explorada como isco para a pesca. É vulgarmente conhecida como Serradela e fornece-nos um
bom exemplo para descrever um poliqueta típico.
Ao observarmos esta espécie, sobressai o seu corpo alongado e achatado dorsoventralmente. São
também bem evidentes a cabeça, na região anterior, e o pigídio (A extremidade posterior de um
poliqueta denomina-se pigídio e pode apresentar formas variadas em diferentes espécies. O pigídio,
tal como o prostômio, não é um segmento (tal torna-se claro ao observar o desenvolvimento dos
poliquetas), mas pode estar fundido com um ou mais segmentos posteriores. Estes segmentos perdem
todas as partes dos seus parápodes, excepto os cirros ventrais que constituem os longos cirros anais
típicos desta região e facilmente observáveis em Nereis. O ânus é uma abertura, relativamente larga,
situada dorsalmente em relação aos cirros anais.)contendo o ânus, na região posterior. Entre estas duas
regiões, existe um tronco longo, constituído por unidades repetitivas (até cerca de 200), os segmentos
ou somitos, que se individualizam uns dos outros por meio de sulcos circulares. Em cada segmento,
surge lateralmente um par de projeções de aspecto foliáceo, os parápodes (pequenos pés),
extremamente importantes na locomoção. O corpo está revestido por uma cutícula quitinosa,
segregada pela epiderme subjacente e com aspecto iridescente. Tal é devido à existência na cutícula de
estriações microscópicas que difratam a luz. Ao longo do tronco são visíveis o vaso sanguíneo dorsal
(com a aparência de um fino traço vermelho) e o tubo digestivo (subjacente ao vaso circulatório, com
uma cor esverdeada).
Vamos analisar com mais detalhe a estrutura externa desta espécie. Para tal clique nos vários
componentes da legenda.
Em "Diversidade de poliquetas" poderá verificar-se que a forma do corpo destes animais pode variar
deste padrão típico. Tal está relacionado com os hábitos e habitats das diferentes espécies.
Aspectos internos
A espécie Nereis diversicolor apresenta uma estrutura interna típica de um anelídeo. Observam-se
claramente o amplo celoma e os diferentes compartimentos celomáticos, resultantes da divisão do
celoma por meio de septos transversais. Estes são compostos por duas camadas de peritoneu, uma do
segmento anterior e a outra do posterior, e por tecido conectivo entre as duas camadas. Como uma
adaptação a esta divisão do corpo, várias estruturas do sistema nervoso, circulatório, excretor,
musculatura, etc., têm também uma disposição segmentar.
Os poliquetas possuem um conjunto vasto de órgãos sensoriais que variam nas diferentes espécies
consoante o seu estilo de vida.
Se observarmos a região anterior de Nereis, podemos ver a maioria das estruturas sensoriais dos
poliquetas: antenas, palpos, cirros tentaculares, cirros dorsais (dos parápodes) e olhos. Não
representados na figura, mas muito importantes para os poliquetas, são ainda os órgãos nucais, os
estatocistos, receptores tácteis vários, distribuídos por todo o corpo, bem como outras estruturas
sensoriais cuja função ainda permanece desconhecida.
Na maioria dos poliquetas o transporte depende do movimento de fluídos quer de um sistema vascular
sanguíneo (hemolinfa) quer do celoma. Excepções surgem em espécies com septos internos reduzidos
ou em espécies de pequenas dimensões, nas quais o sistema celómico é o único responsável pelo
transporte interno de substâncias alimentares e oxigénio a todo o corpo.
A espécie representada, Nereis diversicolor, possui um sistema vascular típico. Os vasos mais
importantes incluem um vaso mediano-dorsal, longitudinal, que transporta a hemolinfa no sentido
anterior, e um vaso mediano-ventral, longitudinal, que a transporta no sentido posterior. Em cada
segmento, o vaso ventral origina, por um lado, um par de vasos parapodiais ventrais, que alimentam
os parápodes, a parede do corpo e os nefrídios, e por outro, vários vasos que se distribuem em volta do
tubo digestivo. Por seu turno, o vaso dorsal recebe um par dorsal de vasos parapodiais e um par de
vasos provenientes do tubo digestivo. Trocas de hemolinfa ("sangue") entre estes vasos ocorrem
através de redes de capilares.
É interessante notar que a hemolinfa oxigenada circula primeiro pelo vaso dorsal, garantindo uma
distribuição prioritária à região anterior do corpo, ou seja, à cabeça, estruturas sensoriais, estruturas
alimentares e gânglio nervoso anterior.
Muitos poliquetas têm pigmentos respiratórios que são usualmente uma forma de hemoglobina
(vermelha), ou a clorocruorina (verde), ou ambos. Diferentes pigmentos, ou mesmo diferentes formas
do mesmo pigmento, têm capacidades distintas de reter e ceder oxigênio e, assim, os tipos de
pigmentos respiratórios estão em parte relacionados com o estilo de vida das espécies, em regra
reflectindo a sua capacidade de sobrevivência a períodos de depleção de oxigénio. Por exemplo,
alguns poliquetas intertidais, que vivem enterradas no sedimento, fixam e armazenam oxigénio
durante a maré cheia e dissociam-no durante a maré vazia. Essa capacidade, diminui-lhes o stress
potencial à depleção de oxigénio durante os períodos de maré vazia. Outras espécies têm mais do que
um tipo de pigmento, por exemplo uma forma de hemoglobina para situações "normais" e outra que
fixa e liberta oxigênio em condições de stress. Outras espécies, ainda, convertem o metabolismo
aeróbio e anaeróbio, quando o meio se torna anóxico.
Tais características (e outras), atribuíveis a determinadas espécies de poliquetas, permitem-nos utilizar
estes animais como bioindicadores das condições ambientais do meio onde se encontram.
Sistema Excretor
A excreção é um processo pelo qual os animais mantêm a estabilidade do seu meio interno.
Tipicamente, o sistema excretor dos poliquetas é constituído por um par de nefrídios, localizados no
celoma de cada um dos segmentos. Cada nefrídio possui uma extremidade num dos segmentos e a
outra, de comunicação com o exterior, no segmento seguinte. Entre elas existe um túbulo, mais ou
menos complexo, localizado neste último segmento.
Contudo, em certos grupos de poliquetas, que têm septos incompletos ou os perderam, o número de
nefrídios é mais reduzido; logicamente, se o celoma é contínuo não há necessidade de haver um par
destes órgãos em cada segmento.
Algumas espécies tubícolas e sedentárias, como os Serpulídeos e os Sabelídeos, têm apenas um par de
nefrídios, localizado na região anterior, que se liga a um ducto comum que abre para o exterior por
meio de um nefridióporo situado junto à cabeça. Assim, estes animais garantem que as substâncias
nocivas ao seu organismo são libertadas no exterior do tubo onde vivem.
Consoante o desenho corporal dos poliquetas, estes podem possuir protonefrídios ou metanefrídios.
Tal está intimamente relacionado com a existência ou não de um sistema vascular de transporte
interno. Assim, os poliquetas em que este não existe ou é reduzido possuem protonefrídios, enquanto
que os poliquetas com sistema vascular (a maioria) possuem metanefrídios.
Para além dos nefrídios, o tecido cloragógeno, que envolve o tubo digestivo, e alguns vasos
sanguíneos dos poliquetas, bem como os celomócitos, podem também ter um papel acessório na
excreção.
A maioria dos poliquetas vive em meio marinho. No entanto, algumas espécies são encontradas em
água doce e outras - espécies tropicais de Nereídeos (muito poucas), vivem enterradas no solo,
podendo ser consideradas espécies terrestres. A osmorregulação apresenta poucos problemas para a
maioria dos poliquetas, sobretudo para as espécies subtidais, já que vivem num meio relativamente
constante sob um ponto de vista osmótico. No entanto, as espécies da zona intertidal podem ter que
suportar variações bruscas de salinidade, sendo ou tolerantes ou possuindo mecanismos de regulação.
Alguns poliquetas, como Arenicola, suportam variações da concentração em sais dos seus fluídos
corporais em função das variações do meio, de modo a mantê-las semelhantes. Estas espécies têm, na
generalidade, metanefrídios simples, com pequenos ductos e pequena capacidade de reabsorção e
regulação. Tal facto opõe-nas às espécies osmorreguladoras, como por exemplo muitos Nereídeos
estuarinos, que possuem metanefrídios com capacidade selectiva bastante elevada, permitindo-lhes
manter mais ou menos constante (dentro de determinados limites) a concentração em sais dos seus
fluídos corporais, independentemente das modificações do meio ambiente.
Nefrídios
Os nefrídios são os "rins" dos invertebrados. São basicamente estruturas tubulares que se comunicam
com o exterior por meio de uma abertura (poro), o nefridióporo. A extremidade interna do túbulo pode
ser fechada entroncando em células terminais (solenócitos, células-chama) e denomina-se
protonefrídio ou aberta no celoma através de uma espécie de funil ciliado (o nefróstoma) e
denomina-se metanefrídio.
Os nefrídios têm como função transferir para o exterior substâncias nocivas ao organismo e manter o
ambiente interno estável; funcionam na excreção e osmorregulação.
Alimentação
Os poliquetas têm estratégias alimentares muito diversificadas.
Outras espécies não ingerem o sedimento, mas com o auxílio de estruturas especializadas, órgãos
bucais ou palpos, selecionam do sedimento o material orgânico ou partículas de determinadas
dimensões, usualmente as mais pequenas. As partículas pequenas têm uma razão superfície – volume
maior do que as de maiores dimensões, sendo assim possível possuírem proporcionalmente mais
material orgânico aderente à superfície – são poliquetas detritívoros selectivos.
Algumas espécies de poliquetas utilizam a sua probóscide, que pode ou não possuir mandíbulas, para
capturar animais vivos – presas - e são por isso denominadas carnívoras. A probóscide pode ainda ser
usada para recolher material vegetal, e as espécies dizem-se herbívoras, ou pedaços de matéria
orgânica em decomposição, e as espécies denominam-se necrófagas.
Nem sempre é fácil atribuir uma estratégia alimentar única às espécies de poliquetas. Muitas há que
variam a sua estratégia alimentar em função da disponibilidade de alimento e algumas não têm
qualquer especificidade. Estas últimas denominam-se omnívoras.
Reprodução
Todos os poliquetas têm um extraordinário poder de regeneração, podendo substituir partes do corpo
perdidas ou danificadas. Não é de se admirar que alguns poliquetas se reproduzem assexuadamente. A
reprodução sexuada é, contudo, bastante comum.
Reprodução sexuada
A maioria das espécies de poliquetas, tanto quanto se sabe, reproduz-se apenas sexuadamente
possuindo na generalidade sexos separados (espécies gonocóricas). O hermafroditismo é conhecido
apenas em poucas espécies de Serpulídeos e Nereídeos de água doce.
As gônadas dos poliquetas são órgãos específicos mas a sua localização e número varia nas diferentes
espécies. Ocorrem usualmente no tecido conectivo associado a estruturas como septos, vasos
sanguíneos e revestimento do celoma.
Usualmente, os gâmetas são lançados no celoma, sofrem maturação no fluido celômico e são
posteriormente lançados para o exterior de vários modos: via ductos específicos que se desenvolvem
durante a fase de maturação sexual, via nefridióporos, via aberturas anais específicas, ou via ruptura
da parede do corpo, após a qual o adulto morre.
Algumas espécies, contudo, possuem fertilização interna e os seus ovos podem ser libertados na
coluna de água ou ficar retidos no tubo ou nos vários refúgios onde essas espécies vivem. Noutros
casos, são colocados em massas gelatinosas que são presas ao tubo ou a outras estruturas.
Muitos poliquetas em que a fertilização ocorre externamente e cujo sucesso depende de vários
factores, nomeadamente de características do meio e da predação, desenvolveram processos que
asseguram elevadas taxas de fertilização. Um dos fenômenos mais interessantes é característico de
certos Silídeos, Nereídeos e Eunicideos bentônicos, sendo conhecido por epitoquia.
Alguns povos de certas ilhas próximas dos locais onde este fenómeno ocorre conseguem prever este
acontecimento e capturam os epítoques de algumas espécies, constituindo tal facto um acontecimento
festivo.
A epitoquia é vantajosa por vários motivos. Primeiro, porque os indivíduos não reprodutores
permanecem protegidos nos seus refúgios e assim os predadores nunca poderão devastar uma
população inteira. Segundo, porque desta forma as espécies aumentam enormemente a probabilidade
de encontro dos gâmetas e consequentemente da fecundação, garantindo também o desenvolvimento
do embrião num meio propício. Terceiro, porque ao limitar a um curto período a reprodução de um
vasto número de indivíduos, este fenómeno proporciona aos predadores um enorme banquete, onde
podem comer gulosamente, e ainda deixar um grande número de epítoques e embriões em
desenvolvimento, que vão garantir a futura geração de poliquetas.
Alguns poliquetas usam a sua capacidade de regeneração para se reproduzirem assexuadamente. Esta
resulta numa variedade de padrões de regeneração, incluindo cadeias de indivíduos (como mostra a
figura) ou brotos externos, que posteriormente se separam, ou simplesmente novos indivíduos
formados a partir de múltiplos fragmentos do corpo. A reprodução assexuada nos poliquetas parece
estar sob o mesmo tipo de controle que a regeneração.
Diversidade de poliquetas
Apesar da sua enorme diversidade, diferentes famílias de poliquetas desenvolveram estilos de vida
semelhantes (modos de locomoção, de alimentação, habitats… ). Tal reflecte-se não só no seu
comportamento mas também na sua estrutura interna e externa. Esta é uma forma interessante de
analisar a diversidade dentro dos poliquetas. As diferentes espécies aqui apresentadas ilustram
praticamente todos os grupos adaptativos e permitem abordar as diferentes estratégias alimentares
dentro dos poliquetas. Algumas delas bastante curiosas!
http://www.biorede.pt/page.asp?id=400
Locomoção
Os poliquetas, tal como os oligoquetas, possuem uma compartimentação interna que permite isolar
hidraulicamente cada um dos segmentos.
Muitas das espécies de poliquetas desenvolveram parápodes, onde se inserem sedas, que podem ser
utilizadas em maior ou menor grau na locomoção, como se fossem remos ou pequenos pés. Actuam
conjuntamente com os músculos circulares e longitudinais e são particularmente bem desenvolvidos
em espécies activas que se deslocam entre os detritos do fundo, enterrando-se raramente.
Os poliquetas que se enterram no sedimento e que têm parápodes pouco desenvolvidos deslocam-se
por contracções peristálticas, à semelhança das dos oligoquetas, sendo estas, no entanto, bastante
menos potentes.
Nas sanguessugas (Hirudíneos) a ausência de parápodes e sedas e sobretudo a redução do celoma faz
com que estes animais se desloquem de modo diferente do dos outros anelídeos.
Em Portugal, a apanha destas espécies tem uma regulamentação e uma fiscalização muito escassa.
Esta é uma situação que é urgente modificar de modo a evitar o desaparecimento das espécies e a
diminuição da riqueza dos ecossistemas. A apanha revolve todo o sedimento, destruindo as espécies
de invertebrados aí existentes, e cria instabilidade no sedimento não propiciando condições para o
estabelecimento e desenvolvimento dos animais. Imagens como a apresentada são comuns na Ria de
Aveiro e em geral em todos os ecossistemas estuarinos.
Os poliquetas fazem parte da dieta alimentar de muitas espécies, algumas diretamente exploradas pelo
Homem. Têm como maiores predadores os peixes e as aves, estas sobretudo para as espécies que
habitam a zona intertidal. Várias espécies de poliquetas estabelecem relações de comensalismo ou de
parasitismo com outras espécies, umas vezes como hóspede, outras como hospedeiro.