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Paradigmas do envelhecimento na Beira Interior

Notas sobre o envelhecimento

Envelhecer faz parte da natureza humana e é uma inexorável condição da vida. Assim como
ninguém nasce sabendo, ninguém detém o domínio da vida, o que a torna um grande desafio.
Não é possível dominar a grande maioria das doenças antes que elas aconteçam e sobre a hora
da morte, pouco se sabe. Além disso, boa parte da existência humana é vivida de maneira
despreocupada ante o envelhecimento, como se esse dia jamais fosse ocorrer.

Neste espectro de vivências e aprendizados, prevalece uma valência indispensável para a


longevidade: a saúde. Tão imperceptível como efêmera, a saúde é condição fundamental para
que a vida possa ser fruída da melhor forma possível. Fora questões imprevisíveis, manter o
corpo saudável é uma das tarefas mais importantes quando se pensa no envelhecimento. Já
que não é possível parar o tempo, é possível retardar seus efeitos.

Todavia, há um momento de ruptura. Um lapso de tempo da vida humana em que algo de


diferente acontece e, a partir deste momento, instala-se a chamada velhice. Com ela, surgem
as limitações e a dependência.

Em Portugal a terceira idade começa aos 65. É assim desde os anos 1940. Para a Organização
Mundial de Saúde, considera-se idoso já a partir dos 60 anos. A verdade é que a esperança
média de vida tem crescido ininterruptmanente nos países industrializados. Neste momento
em Portugal é de aproximadamente 78 anos para homens e de quase 84 para as mulheres,
enquanto que no Brasil é de 72 anos para os homens e de 79 anos para as mulheres. A
diferença entre a esperança de vida e o marco inicial da terceira idade decorre de duas
variáveis. Primeiro, porque a esperança de vida é um dado estatístico. Já o marco inicial da
terceira idade, é um atributo legal, previsto geralmente nos programas governamentais.

Limitações e dependência

No livro de José Saramago, “A Caverna”, há uma passagem que diz: “É bem verdade, que nem
a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe”. Esta sentença talvez oculte sua
verdadeira raiz: a saúde. Afinal, o “saber” prescinde da experiência e o “poder” requer
condições, demanda saúde.

O ser humano passa a vida a aprender. Paixões, vitórias e desilusões, tudo se transforma em
aprendizado, um emaranhado de experiências e emoções. Não poder fazer o que se sabe, o
que se adquiriu nas vivências da vida, talvez seja uma das maiores limitações e privações que
um ser humano possa sofrer e quiçá, o ponto em que o homem se descobre velho.

Durante todo o seu curso, a vida é tangenciada de limites e o envelhecimento constitui um dos
poucos de que somos incapazes de reverter. Afinal, a vida é feita de perguntas e não raro, as
mais simples, podem ter grandes desdobramentos, como entender os conceitos de limitação e
dependência.
Entendendo os conceitos

José Martinez de Oliveira, professor na Faculdade de Medicina da Universidade da Beira


Interior entende que é preciso saber separar os termos “dependência” e “limitação”. Segundo
ele, “as limitações ocorrem por diversas razões. Ao longo da vida as pessoas vão se
estragando”, resume. O estilo de vida, muitas vezes inadequado, acaba provocando algumas
dessas limitações. Para José Martinez, este é o grande problema de velhice. Já a dependência,
é uma consequência, uma evolução negativa do conjunto das limitações humanas, que
causam, inclusive, a tão temida perda da liberdade.

Ao longo das últimas décadas, especialmente após 1960 com a descoberta da pílula
anticoncepcional, as famílias deixaram de ser numerosas, processo que teve grande impacto
na demografia dos países desenvolvidos. Este fato, aliado aos avanços da medicina, promoveu
um alongamento da esperança de vida. Com efeito, tivemos nas últimas gerações, uma
diminuição da base da pirâmide etária (mais jovens) e um incremento em seu topo (mais
idosos), fruto do envelhecimento tardio da população, conforme demonstram os gráficos.

Este aumento na população de mais idade, trouxe consigo desafios novos, desconhecidos em
tempos passados: o avanço das tecnologias, a diminuição da população rural, o
desenvolvimento das grandes cidades e os novos estilos de vida. A alimentação, que antes era
baseada em produtos naturais, deu lugar aos industrializados. Todas essas mudanças,
alimentares e comportamentais, acabaram por causar reflexos na saúde das pessoas mais
velhas e a própria medicina teve de enfrentar este desfasamento interno, assim entendido o
tempo entre o surgimento de uma problemática em saúde e a adoção de medidas de resposta.

Com efeito, há hoje uma série de novos recursos capazes de mitigar os efeitos de algumas
limitações da idade. A robótica, os avanços da medicina e as novas tecnologias são um bom
exemplo. Mesmo assim, os profissionais da saúde são unânimes em dizer que o cuidado com a
saúde física e mental constitui a melhor forma de evitar essas limitações e a consequente
dependência.

Outro investigador que corrobora esta ideia é Mário Marques, professor do Departamento de
Desporto da UBI. Este investigador defende que o exercício deve fazer parte do quotidiano de
todas as pessoas. Na sua visão, o ser humano tem sua génese voltada para atividade física: “O
homem foi feito para o trabalho, para o esforço”, conclui.
A busca pelo conforto e pelas soluções de pequenos problemas da vida, como utilizar um
controle remoto, acaba por contribuir no enfraquecimento do corpo humano. Quando se é
jovem, estes mecanismos dão agilidade às tarefas da vida. Porém, à medida que se envelhece,
proporcionam um enfraquecimento do conjunto ósseo-muscular, debilitando o
condicionamento físico e reduzindo a qualidade de vida na terceira idade.

Estatística aliada ao envelhecimento

Muito mais do que uma questão pessoal ou familiar, o envelhecimento se torna um problema
social quando os idosos constituem boa parte da população. Este é o caso de Portugal e, mais
ainda, o caso da Covilhã e da região da Beira Interior. Os dados estatísticos relacionados com a
terceira idade apontam diretamente para o problema. Os municípios da região, em especial a
Covilhã, apresentam resultados preocupantes e as linhas de tendência parecem dizer muito
sobre o envelhecimento da população local.

Participação de pessoas com 65 anos


ou mais população total
30,0%

20,0%

10,0%

0,0%
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Covilhã Centro Portugal

Fonte: Instituto Nacional de Estatística

Olhando especificamente para a Covilhã, percebemos que a mesma se encontra deslocada em


relação à sua região, bem como em relação à média do país. Assim, ao analisarmos mais
especificamente a evolução etária da população na última década, percebemos que há uma
leve queda na quantidade de indivíduos da chamada “população ativa” (entre 24 e 64 anos) e
um incremento na população idosa. Na base da pirâmide, nota-se uma diminuição de crianças
e jovens e uma certa constância no número de jovens e adultos.
Fonte: Instituto Nacional de Estatística

A análise dos dados da região convida a refletir e demonstra a relevância do tema, apontando
para a importância de implementação de ações que visem mitigar os efeitos da limitação física
e da dependência de idosos e fazendo com que a estatística se torne aliada da ciência. Através
dos índices de envelhecimento é possível calcular a dependência total, a dependência dos
jovens, dos idosos, a longevidade e a sustentabilidade potencial.

O que revelam os números

O índice de envelhecimento, por exemplo, apresenta a relação entre a população idosa e a


população jovem. Em termos percentuais, indica quantos idosos, maiores de 65 anos, existem
para o mesmo grupo de pessoas com idade entre zero e 14 anos.

Tomando por base uma pessoa que hoje tem 61 anos, no ano de seu nascimento (primeiro ano
da base de dados) o índice de envelhecimento era de 27,5%. Significa dizer que, há exatos 61
anos, havia aproximadamente 28 idosos por grupo de 100 pessoas com idade entre zero e 14
anos. Passados 61 anos, a população portuguesa apresenta hoje incríveis 182,7%. Significa
dizer que são praticamente 182 idosos para um grupo de 100 pessoas de zero a 14 anos.
Índice de Envelhecimento Populacional em Portugal
300
250
200
150
100
50
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Covilhã Centro Portugal

Fonte: Instituto Nacional de Estatística

Se comparado o índice de envelhecimento geral da Covilhã com o de Portugal, o município


possui cerca de 100 idosos a mais do que a média do país, que é de 187. São números
alarmantes, visto que na última década, o número era de 190 idosos para um grupo de 100
pessoas com idade entre zero e 14 anos. Em 10 anos, ocorreu um crescimento de mais de 50%
neste índice.

Novamente percebe-se o perfil da Covilhã, muito acima da média portuguesa e um pouco


deslocado da média da região em que se encontra. Talvez estes números passem
despercebidos quando se anda pelas ruas da Covilhã, sempre ocupadas com o público jovem
que frequenta a universidade. Porém, esta população nem sempre é considerada como local
para fins de contagem nos censos.

Influenciada pelos avanços da medicina e da tecnologia, em Portugal a esperança de vida ao


nascer, que na década de 60 era de aproximadamente 63 anos, aproxima-se hoje dos 81 anos.
Não se sabe até que ponto esta curva irá crescer, mas percebe-se uma tendência natural para
haver um contingente cada vez maior de idosos.

Esperança de Vida ao Nascer em Portugal


90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1981

1990
1960
1972
1975
1978

1984
1987

1993
1996
1999
2002
2005
2008
2011
2014
2017
2020

Homens Mulheres

Fonte: Instituto Nacional de Estatística


Outros dados, como o índice de dependência, também são importantes na tomada de
decisões. Ele calcula a relação entre a população idosa (mais de 65 anos) com a população em
idade ativa (dos 15 aos 64 anos). Em 1961 este índice era de aproximadamente 13% enquanto
hoje está próximo dos 37%.

Ainda que em sentido contrário, o índice de sustentabilidade potencial demonstra que a


quantidade de pessoas por idoso, na faixa entre 15 e 64 anos, reduziu-se em 5,3, passando de
8 pontos em 1961 para 2,7 em 2021. Como consequência, há cada vez menos pessoas em
idade ativa com potencial para cuidar dos idosos.

Índices de Sustentabilidade Potencial


e de Dependência dos Idosos
40

30

20

10

0
1967
1961
1964

1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
2009
2012
2015
2018
2021
Índice de dependência idosos
Índice de sustentabilidade potencial

Fonte: Instituto Nacional de Estatística

Cuidar exige cuidadores

À medida que aumenta a longevidade, também diminui o número de pessoas em idade ativa.
Essa é outra conclusão preocupante. Justamente, aqueles que poderiam amparar os idosos em
seu momento de dependência, tornam-se cada vez menos numerosos.

O exemplo de Maria Fernanda talvez seja representativo quando analisamos a população idosa
da Covilhã. Viúva, com mais de 75 anos, mora sozinha em uma casa não projetada para a sua
idade. Os filhos, como muito se ouve falar na Covilhã, deixaram a cidade em busca de
oportunidades. Moram em outros países e restringem as visitas para as datas mais
comemorativas, como o Natal.

E foi em uma tarde de sol, no final do outono, que Fernanda contou como é sua vida solitária
na Covilhã. Na oportunidade, apanhava azeitonas nas oliveiras plantadas no Jardim das Artes.
“É uma tradição na minha família. Colhemos as azeitonas para comermos na noite de Natal.
Daí vou preparando-as, retirando a sua acidez a cada dia que passa. Quando os meus filhos
vierem elas já estarão prontas”. Enquanto os dias vão passando, Maria Fernanda busca na rua
afastar o isolamento da vida solitária. À medida que a acidez de suas azeitonas vai diminuindo,
diminui também o tempo de espera para reunir a família.

Com ar realista e demonstrando otimismo, conta que “na rua eu caminho, eu vejo pessoas,
colho azeitonas. É um bom exercício. Em casa, a cabeça começa a ter pensamentos que nem
sempre são saudáveis”, conclui.
Outra moradora da Covilhã, Maria da Luz, também tem no Natal um momento de
convergência. Nascida em Moçambique e moradora da Covilhã desde a tenra idade, a
professora aposentada dedica seu tempo à confecção de artesanato com temas natalícios, que
todos os anos são vendidos na Feira de Natal do Pelourinho. Maria da Luz, diferentemente de
Maria Fernanda, ainda tem uma das filhas que mora consigo, mas nem sempre é esta a
realidade dos demais idosos da Covilhã.

No contexto comportamental, nem todos os idosos apresentam o mesmo pensamento de


Maria Fernanda e Maria da Luz, que são mulheres ativas e com um certo propósito definido.
Há muitos que permanecem calados, isolados e com atividades reduzidas. Após os anos de
pandemia, estima-se que este problema tenha se agravado. Mesmo diante desses números, é
preciso saudar as boas iniciativas. E neste quesito, a região da Covilhã também se destaca,
positivamente.

São diversas as iniciativas existentes na região com o enfoque na proteção e no amparo da


população da chamada melhor idade. Embora se saiba da existência de outros, destacam-se
cinco iniciativas interessantes, que apresentam abordagens específicas e, em alguns casos, são
complementares.

A experiência da GNR

Ainda que não esteja diretamente relacionado à saúde, o “Apoio 65 – Idoso em Segurança” da
GNR é, sem dúvida, um programa de amparo. Dirigido aos cidadãos séniores, é uma iniciativa
pública promovida pelo Ministério da Administração Interna e visa apoiar a população idosa
vulnerável. Em especial, aqueles que vivem mais afastados ou isolados dos centros
populacionais mais activos. O foco principal é garantir condições de segurança e tranquilidade
às pessoas idosas, prevenindo e evitando situações de risco.

As premissas do programa incluem, para além do reforço de policiamento dos locais públicos
mais frequentados por idosos, a criação de uma rede de contactos directos e imediatos entre
os idosos e a GNR. Em caso de necessidade, há colaboração com outras entidades que prestam
apoio à terceira idade.

Em notícia publicada pelo Jornal Forum da Covilhã, em novembro de 2022, a GNR informou ter
sinalizado mais de 44 mil idosos que vivem sozinhos ou em situação de isolamento na região.
Durante a operação, os militares realizaram uma série de ações que privilegiaram o contacto
pessoal com as pessoas idosas em situação vulnerável.

Na Operação ‘Censos Sénior’, também da GNR, foram realizadas 305 ações em sala e 3.017
ações porta a porta, abrangendo um total de 26.527 idosos. Desde 2011, a GNR tem vindo a
atualizar a sinalização geográfica, proporcionando “um apoio mais próximo” à população
idosa, o que contribui para “criar um clima de maior confiança e empatia entre os idosos e os
militares da GNR”, servindo a iniciativa para também aumentar o sentimento de segurança.

O exemplo da Mutualista Covilhanense

Dos programas existentes, o da Mutualista Covilhanense é o mais antigo. Sua história remonta
aos anos 30, quando se chamava Associação de Socorros Mútuos Operária Covilhanense. Os
registros apontam os objetivos de sua criação: “amparar os fracos que caíssem na doença”.
Mais tarde, por meio da união de valências altruístas, juntou-se com a “Associação Protetora
dos Operários” formando a “Associação de Socorros Mútuos - Mutualista Covilhanense”.
Em 1998 a Mutualista implantou um Centro de Dia voltado para o atendimento de idosos. Um
mês após a abertura, passou também a atender com apoio domiciliário. Atualmente, dispõe de
uma estrutura residencial com 40 camas, além de acolher 36 idosos no Centro de Dia. A
estrutura dispõe de equipamentos físicos e humanos para atender até 80 idosos em apoio
domiciliário.

Em 2016, deu-se início ao atendimento através de uma unidade móvel de saúde que presta
assistência médica, apoio social e psicológico, tendo como público algo as freguesias rurais da
Covilhã. E para além dos cuidados pessoais, a instituição dispõe de uma farmácia social,
habilitada a comercializar com descontos de até 10% os medicamentos não sujeitos a receita
médica.

A entidade proporciona ainda de algumas ações sociais e que também atendem ao público da
terceira idade. São eles o “Programa de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas” e o “Programa
Cuida com Amor – Protege com Afeto”. O primeiro, com abrangência nos municípios da
Covilhã e Belmonte, visa fornecer alimentação às pessoas carentes. Já o segundo, decorrente
da pandemia, está em atividade desde 2020 e busca auxiliar os idosos em tarefas do dia-a-dia,
além de atendimento médico por meio de vídeo consultas.

Além destas duas iniciativas, a Mutualista também participa de outros dois programas, o
“Ouviste – Ver melhor, ouvir mais” e o “Horizonte das Demências”. Aberto à população em
geral, o programa visa dar apoio às famílias com idosos em processo de demência.

Iniciativas da UBI – Stop Aging

Quando o assunto envolve a terceira idade, outra entidade que também merece destaque é a
Universidade da Beira Interior, que apoia e protagoniza alguns programas. O Stop Aging é um
destes. Marca registrada do Departamento de Ciências do Desporto da UBI é Coordenado pelo
professor Mário Marques, e tem por finalidade o fortalecimento corporal de idosos.

“Há cada vez mais idosos e com isso, cada vez mais doenças, naturais no envelhecimento. Esta
é a razão do programa, evitar doenças por meio da área do treino”.

O professor salienta a existência de inúmeras ações que apontam para o fortalecimento


corporal dos idosos por meio da prática de atividades físicas. A ideia central do programa é
levar ao público da terceira idade a aplicação dos treinos realizados por atletas de alto
rendimento.

O Stop Aging surgiu a partir da tese de doutoramento desenvolvida pelo investigador Diogo
Marques. Denominada “Treinamento Resistido em Idosos: A Importância do Volume e da
Velocidade de Movimento” obteve sucesso em sua aplicação experimental na Santa Casa de
Misericórdia do Fundão e acabou por ampliar as proporções do estudo, aumentando a
abrangência. Recentemente, o programa foi selecionado entre mais de 230 projetos, e passou
a dispor de apoio financeiro, através da Fundação La Caixa, do Grupo BPI. Estudos
preliminares, coordenados pelo professor Mario Marques, apontaram para resultados
bastante satisfatórios.

“Com trabalho multidisciplinar, percebeu-se em alguns casos, a estagnação de processos


degenerativos do cérebro”.

O programa, que já possui abrangência internacional, é também aplicado na Noruega.


“Embora cada população apresente suas características biológicas, a matriz do programa
favorece qualquer região. Em Espanha, por exemplo, estudos realizados junto a Universidade
de Navarra, que já é referência nesta área, demonstraram que o treino proporcionou o
fortalecimento do sistema ósseo dos idosos”.

O professor destaca que há marcadores no sangue capazes de indicar o nível e o grau de


demência, ainda em estágios preliminares. Mesmo assim, há grande dificuldade em se
produzir resultados efetivos.

“Temos estrutura, temos know how, temos pessoal habilitado e mesmo assim é difícil
convencer as pessoas em aderir aos programas”.

Para o coordenador do Stop Aging, as instituições que cuidam de idosos não foram projetadas
a ter estrutura para esta prática. No Fundão, por exemplo, montaram uma espécie de mini
ginásio, específico para atender aos idosos, enquanto na Covilhã ainda é necessário deslocar o
público alvo até o departamento de desporto. Isso tudo dificulta o convencimento, o que
resulta na dificuldade de retenção do pessoal. Além dos treinos funcionais, o programa está a
desenvolver aplicações para telemóveis. Em uma delas, o idoso poderá obter auxílio de como
obter ganhos físicos a partir da realização de tarefas do cotidiano, como sentar e levantar de
uma cadeira, por exemplo.

De negativo, Mário Marques destaca que o poder público tem imensa dificuldade em
vislumbrar a dimensão dos problemas dos idosos. “Se fosse possível quantificar a relação de
investimento nessas práticas, em contrapartida com os gastos atuais em saúde com os idosos,
perceberiam como o treino é capaz de promover economias em grande escala”, conclui.
Tratamentos comuns, como os decorrentes de quedas e que muitas vezes imobilizam
definitivamente os idosos, seriam facilmente evitados com o fortalecimento muscular e ósseo,
que são uma das maiores causas de morte em idosos.

“O exercício físico é a melhor pastilha contra os efeitos do envelhecimento” defende Mário


Marques. O ser humano é feito para estar em movimento, em atividade. Está em seu DNA. Os
músculos possuem um poder que vai além da questão física. Produzem e excretam substâncias
que fortalecem o corpo e a mente. O professor é enfático: “Age pior do que o malfeitor aquele
que nada faz. Só há um lugar onde se pode ganhar massa óssea e muscular: no ginásio.”

Os ensaios do Stop Aging também identificaram uma carência de políticas públicas locais,
sejam elas regionais ou governamentais. Para piorar, os serviços de saúde não costumam
utilizar seu banco de dados de forma proativa, vez que em poucas consultas um médico seria
capaz de traçar o futuro de uma pessoa em sua terceira idade.

Os benefícios do treino funcional em idosos são inúmeros. Um estudo espanhol demonstrou


que o mesmo proporcionou a idosos de mais de 80 anos a redução no consumo de
medicamentos e, em alguns casos, até mesmo a eliminação destes fármacos.

“O sofá acaba sendo o inimigo número 1 dos seres humanos e as tecnologias, ao mesmo tempo
em que facilitam a vida, contribuem para que o sedentarismo avance na terceira idade. Trata-
se de um problema sério, mas as pessoas ainda não tomaram a iniciativa de melhorar suas
práticas”.
Iniciativas da UBI – Programa MAIS

Além do Stop Aging, o Departamento de Ciências do Desporto da UBI também atua junto a
terceira idade através do MAIS. Um programa que surgiu a partir de um projeto piloto na área
do envelhecimento ativo, em parceria com a Câmara Municipal e a junta de freguesia de
Erada. O objetivo do trabalho, bastante semelhante ao Stop Aging, tem foco em um dos
principais fatores de limitação e dependência dos idosos: as quedas. Com o fortalecimento
muscular, pretende-se combater o isolamento e promover um envelhecimento saudável e
ativo dos moradores da freguesia da Erada.

O projeto consiste na realização de duas sessões semanais, de 45 minutos cada, por um


técnico especializado, disponibilizado pelo município, que vai, junto aos idosos, realizar
exercícios de fortalecimento da musculação. Maria Dulce Esteves, docente da UBI, em recente
entrevista ao Jornal Forum da Covilhã, salientou outras vertentes do projeto:

“É importante haver uma prevenção na casa dos idosos, para evitar as quedas. Muitas vezes há
situações de risco, como tapetes soltos, condicionantes que podem ser rapidamente resolvidas
e diminuir o risco de quedas. Esta intervenção também permitirá dar alguma informação aos
idosos sobre os riscos que podem ter as suas casas e como podem eliminá-los.”

Além das ações preventivas, há uma terceira área de intervenção, voltada a permitir
momentos de convívio e interação social. O projeto será desenvolvido, durante um ano, junto
dos 20 idosos que já estão integrados na valência de apoio domiciliário, da Associação de
Apoio à População Eradense. A matéria publicada apontou, segundo o vereador José Miguel
Oliveira, que há intenção em alargar o projeto a outras freguesias mais afastadas da sede de
concelho.

“A ideia é fazer crescer este programa para outras freguesias e instituições, criando a resposta
que está preconizada no nosso plano de desenvolvimento desportivo, que é promover hábitos
de saúde e de vida saudável nas várias faixas etárias, das crianças aos mais idosos.”

Iniciativas da UBI – ageINfuture

Por mais que os números apontem para a necessidade de cuidar do público da terceira idade,
há diversos programas de apoio que visam mitigar os efeitos do envelhecimento. Muitos
apresentam particularidades e partilham semelhanças.

Porém, de todos os programas analisados, há um mais recente, desenvolvido pela UBI em


conjunto com os institutos politécnicos de Castelo Branco, da Guarda e de Viseu. Trata-se do
“ageINfuture”, uma plataforma de apoio que tem por objetivo principal promover um novo
paradigma de envelhecimento no interior da Região Centro, que envolve as regiões da Beira
Baixa, Beiras e Serra da Estrela e Viseu-Dão Lafões.

Para além deste núcleo central de instituições de ensino superior, também estão estabelecidas
parcerias com múltiplas entidades que representam as áreas da Governança, Comércio e
Indústria, e Sociedade Civil e Forças de Segurança (Polícia de Segurança Pública e Guarda
Nacional Republicana), além do Centro Académico Clínico das Beiras, num contexto da
Quádrupla Hélice da Inovação. Mesmo em fase inicial, os trabalhos do ageINfuture já fazem
parte da rede RePEnSA – Rede Portuguesa de Envelhecimento Saudável e Ativo e do
Observatório Nacional do Envelhecimento.
Para o professor José Martinez de Oliveira, o programa surgiu da ideia de propor uma solução
de melhoria de vida para os idosos e aponta que há muitas soluções que precisam ser
implementadas para proporcionar mais autonomia aos idosos. O ageINfuture pode ser uma
porta de acesso a esses componentes, conclui.

A coordenadora do programa, professora Assunção Vaz Patto, destaca que mesmo não
estando ainda em plena operação, a iniciativa já foi contemplada pela Comunidade Europeia
como modelo de Centro de Referência Europeu.

O programa abrange seis áreas, sendo uma delas a de economia social. Propõe-se a reincluir
idosos no mercado de trabalho e também no empreendedorismo, a fim de os manter ativos
através do trabalho. Outra forma de atividade diz respeito à reinserção dos idosos em cursos
universitários, aproveitando a capacidade ociosa das instituições de ensino.

Os promotores entendem que é necessário habilitar profissionais para realizar o processo de


digitalização das aldeias. São sítios com considerável contingente idoso. Porém, não há quem
queira trabalhar com os idosos, ressalta Assunção. Na sua concepção, é preciso treinar os
idosos para o futuro, enfrentando a inércia natural deste público. A professora entende que é
necessário introduzir esses conhecimentos desde a fase que antecede a universidade.

“As pessoas com 60 anos têm um brutal conhecimento. Os idosos são mais de um terço da
população. É preciso ter paciência com eles e mudar a filosofia dos lares de idosos. Muitos
deles infantilizam os idosos, retirando-lhes a autonomia”.

O ageINfuture – Centro de Referência para o Envelhecimento Ativo e Saudável do Interior da


Região Centro está a empenhar-se em promover o desenvolvimento de atividades
mensuráveis e multidimensionais e que empenhem todas as instituições-base e parceiros de
uma forma integrada, tendo como objetivo último preparar o envelhecimento e melhorar a
qualidade de vida da pessoa idosa, num contexto de Envelhecimento Activo e Saudável numa
zona envelhecida e de baixa densidade populacional – o Interior da Região Centro.

Um longo caminho

Quanto maior o público da terceira idade, maiores são os desafios, pessoais e coletivos.
Mesmo assim, é louvável que exista uma considerável quantidade de iniciativas voltadas ao
bem estar social dos idosos.

O uso do conhecimento científico, a exemplo do Programa ageINfuture, que reúne grandes


academias do pensamento na região, se aliado à eficácia já comprovada dos programas
desenvolvidos pelo Departamento de Ciências do Desporto da UBI, tende a produzir
importante mais valia para o segmento.

No entanto, ressalvada a atuação da Mutualista Covilhanense, que possui experiência


centenária no assunto, ainda existem etapas importantes que precisam ser vencidas. Muitas
das iniciativas referem-se ao problema de adesão aos programas. Por mais que sejam os
maiores beneficiários, o público da terceira idade conta contra si, um fator comum que está
relacionado ao potencial de acomodação por que passam grande parte dos idosos. Acesso às
políticas públicas, acolhimento, práticas de perseverança, entre outros fatores emocionais, se
mais bem implementados, tendem a produzir melhores resultados, otimizando a eficiência dos
recursos envolvidos.
Não restam dúvidas sobre a importância destes programas no âmbito social. Porém, quando
analisamos a similitude, os canais de distribuição, as eventuais capacidades ociosas envolvidas,
bem como as interações com o público alvo, seria interessante se os programas pudessem
atuar de forma integrada. Como exemplo de iniciativa abrangente, destaca-se o programa
ageINfuture, de caráter mais institucional e político, que conta com o reconhecimento da
Comunidade Europeia.

Os números falam por si. Há um problema relacionado ao envelhecimento demográfico. Neste


sentido, novas estruturas familiares produziram nas últimas décadas um refreamento no
crescimento populacional. Aliado à tecnologia, aos avanços da medicina e dos programas de
apoio, ocorreu um aumento significativo da esperança de vida nos últimos 50 anos, fazendo
com que a população idosa aumentasse seu contingente.

Questões humanitárias decorrentes do isolamento, da vida em sociedade e da natural


tendência de acomodação, fazem com que surjam doenças e questões que precisam ser
enfrentadas pelo sistema público de saúde. Sob a ótica externa, é possível perceber que há
espaço para se obter mais resultados, especialmente se os processos de trabalho forem
organizados em uma matriz de atuação capaz de ampliar a atuação e a frequência. Manter os
idosos em permanente atendimento, respeitando suas particularidades é uma forma de
transformar esta realidade e com estes programas, a vida tende a ser plena também na
terceira idade.

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