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ARTIGO

O CONCEITO DE RESSONÂNCIAS NO PROCESSO


DE FORMAÇÃO DO TERAPEUTA: DESCOBRINDO
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES NA PRÁTICA
TERAPÊUTICA

THE CONCEPT OF RESONANCES IN THE THERAPIST’S TRAINING PROCESS:


DISCOVERING POTENTIALITIES AND LIMITATIONS IN THERAPEUTIC
PRACTICE

RESUMO: O conceito de ressonância utilizado ABSTRACT: The concept of resonance used GIOVANIA MITIE
pela Teoria Sistêmica no âmbito clínico compre- by the Systemic Theory at the clinical context MAESIMA1
ende sentimentos mobilizados diante do que é comprehends feelings that emerge during what
abordado no espaço terapêutico. Tais sensações is elaborated in the clinical session. These feel-
MONICA BARRETO2
podem tanto contribuir para imobilizar o sistema ings can either contribute to paralyze the system
(cliente e terapeuta), quanto servir como um po- (client and therapist) or serve as an important
tente recurso ao terapeuta, dependendo, portan- resource to the therapist, depending, therefore, ADRIANO BEIRAS2
to, da implicação e postura do psicólogo frente on the involvement and posture of the psycholo-
às ressonâncias. Desse modo, buscou-se trazer gist in front of the resonances. In that way, it was
questões relacionadas ao seu uso como recurso, sought to elucidate questions regarding its use as 1
Universidade Federal do Rio
além de tratar da importância das ressonâncias a resource, besides discoursing about its impor- Grande do Sul, RS, Brasil
na formação do terapeuta. Por fim, alguns casos tance to the therapist studies. Lastly, some cases
foram expostos a fim de elucidar como as res- were debated in order to clarify how resonances 2
Universidade Federal de
sonâncias surgiram na prática clínica da autora e occurred during the clinical practice of the author Santa Catarina, SC, Brasil
do grupo do qual faz parte, assim como entre os and the group that participates, as well as in the
indivíduos que foram atendidos. clients who were being attended at the time.

PALAVRAS-CHAVE: Ressonância; Terapia Sistê- KEYWORDS: Resonance; Systemic therapy; Recebido em 21/01/2019
mica; Formação de terapeuta. Therapist training. Aprovado em 27/04/2019

1 Os trechos redigidos em
O que fazer quando nos deparamos com alguma questão própria importante primeira pessoa enfocam as
ou ainda não elaborada ao atender um cliente? Como agir quando uma situação reflexões e práticas da primeira
já vivenciada ou uma pessoa que recorde alguém significativo vai ao consultó- autora. Ressalta-se, contudo, a
participação de outro/a autor/a
rio? Essas perguntas me inquietavam quando comecei a realizar atendimen- tanto na redação do texto,
tos psicoterápicos e preocupava-me em compreender mais sobre esta temática, quanto como orientador/a das
tendo em vista o risco que a indiferenciação com o cliente pode acarretar ao práticas relatadas e da confec-
1 ção do artigo sendo, portanto,
processo terapêutico . coautores/as e supervisores/
Conforme fui iniciando os atendimentos, tanto individuais como de famílias, as. É pertinente agradecer à
pude perceber que em algumas situações sentia coisas diferentes, às vezes mais equipe de estagiárias/os que
participou dos atendimentos,
intensas, outras menos. E constantemente ouvia de meu supervisor a orientação
cujas reflexões e trocas contri-
para prestar atenção às reações relacionadas ao que está sendo trabalhado com o buíram significativamente para
cliente e verificar se há alguma sensação diferente na “barriga”, similar ao que An- a elaboração deste artigo.

http://dx.doi.org/10.21452/2594-43632019v28n64a07
dolfi (1996) sugeria. O interesse em es- cia em tal teoria, sendo importante
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tudar mais sobre essas sensações, que a ressaltar que esse foi primeiramente
princípio me pareciam imobilizantes, denominado como “intersecção”. A
surgiu principalmente da possibilida- atualização do termo para “ressonân-
de de utilizá-las como recursos e con- cia” visava à indicação de mais dina-
tribuírem para o desenvolvimento das micidade e foi realizada após Elkaim
habilidades do self do terapeuta. As (1998) ter tido contato com a contri-
sensações anteriormente mencionadas buição de Heinz Von Foerster. Elkaim
são compreendidas como ressonân- empregou o termo, no âmbito tera-
cias, que podem ser verificadas, por pêutico, como sendo agrupamentos
exemplo, na relação entre terapeuta e particulares resultantes da intersecção
demais participantes do sistema, con- de dois sistemas distintos em torno de
forme descrito pela Teoria Sistêmica um único elemento. Diferentes siste-
(Elkaim, 1990). mas humanos podem entrar em resso-
O termo ressonância é designado nância influenciados por um elemento
pelo Dicionário Aurélio como: “trans- comum, como, por exemplo, corpos
ferência de energia de um sistema os- vibrarem em função de uma frequên-
cilante para outro quando a frequên- cia (Andolfi, 1996).
cia do primeiro coincide com uma Apesar de o conceito de ressonância
das frequências próprias do segundo” ser abordado e conhecido pelos tera-
(Ferreira, 2009, p. 1747). Tal palavra peutas sistêmicos, percebe-se uma ca-
é proveniente da física e passou a ser rência na literatura sobre este tema de
utilizada também pela Teoria Sistêmi- modo mais específico. Tendo em vista
ca, uma vez que pode ser interpretada sua importância para a atuação clíni-
analogicamente no sentido de que a ca e, em especial, na formação do self
transferência de energia entre os siste- do terapeuta, considerou-se relevan-
mas distintos – o terapeuta e o cliente te tratá-lo de forma mais pontual em
– ocorre quando ambos estão em uma um artigo científico. Vale indicar que
mesma frequência. Portanto, apesar outras abordagens teóricas utilizam
de serem sistemas distintos, podem concepções similares à ressonância,
interagir e transmitir energias entre si porém com nomenclaturas distintas,
porque dividem algo de semelhante e como contratransferência (Zambelli,
partem de um lugar comum. Tafuri, Viana, & Lazzarini, 2013) na
O conceito de ressonância foi ini- Psicanálise e campo/contato (D’Acri,
cialmente utilizado pelo reconhecido Lima, & Orgler, 2007) na Gestalt. Con-
terapeuta familiar sistêmico Mony tudo, neste texto, pretende-se enfocar
Elkaim, situado mais precisamente no a concepção adotada pela perspectiva
movimento Construtivista. O pressu- da abordagem sistêmica e suas parti-
posto desse movimento enfatiza signi- cularidades.
ficativamente a percepção do sujeito Sendo assim, o intuito deste artigo
frente aos acontecimentos, questiona é relatar casos em que as ressonân-
o enfoque na objetividade, entende cias puderam ser percebidas no con-
o observador como parte do sistema, texto clínico, relacionando-os com
de modo que a afirmação do conheci- a formação do terapeuta, bem como
mento ser autorreferente é possibilita- dissertar sobre as potencialidades e li-
da (Filomeno, 2002; Elkaim, 1990). A mitações de seu uso na construção do
partir disso, nota-se que é coerente o self do terapeuta durante a prática de
surgimento do conceito de ressonân- aprendizado e formação clínica. Para

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tanto, será abordado primeiramente Tendo isso em vista, o terapeuta busca
O conceito de ressonâncias
o conceito de ressonância na Teoria compreender o “si próprio”, ao invés de no processo de formação do
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Sistêmica. Em seguida, sua utilização evitá-lo, uma vez que estará presente terapeuta: descobrindo
potencialidades e limitações
enfocada no processo de formação do na relação terapêutica (Elkaim, 2000). na prática terapêutica

terapeuta e, por fim, serão apresenta- Ademais, considerando que as descri- Giovania Mitie Maesima
Monica Barreto
dos alguns casos de atendimentos em ções que o terapeuta realiza advêm da Adriano Beiras
que as ressonâncias foram percebidas. intersecção entre o contexto que pre-
Os atendimentos trazidos neste artigo sencia e ele mesmo, é impossível que
foram realizados em uma clínica-esco- ele exclua suas propriedades pessoais
la vinculada a uma universidade fede- de sua descrição. Deste modo, Elkaim
ral por um grupo de alunos da gradua- (1990) propõe realizar o trabalho tera-
ção e pós-graduação em Psicologia da pêutico a partir da autorreferência.
referida universidade, sob a orientação O fato de o terapeuta ser o seu pró-
de uma supervisora local e um super- prio instrumento de trabalho confere
visor acadêmico. ainda mais importância à tarefa de se
prestar atenção aos sinais que percebe
em si durante o atendimento terapêu-
RESSONÂNCIAS COMO RECURSO tico. As trocas entre os clientes e o te-
rapeuta possibilitam a construção de
A utilização das ressonâncias no sentidos e significados que são nego-
âmbito clínico foi possível somente ciados no setting. Para que isso ocorra,
após a mudança paradigmática reali- a subjetividade do terapeuta é necessa-
zada pela Teoria Sistêmica, que ultra- riamente colocada (Andolfi, 2003).
passa a abordagem científica moderna O terapeuta passa a integrar o siste-
e propõe a adoção da visão paradig- ma observado, carregando consigo sua
mática pós-moderna. Neste sentido, a história de vida e suas experiências, as
pós-modernidade permitiu a supera- quais eventualmente poderão ser revi-
ção da ideia do terapeuta como obser- sitadas para colaborar na coconstrução
vador neutro, passando a compreendê- do processo terapêutico com o cliente
-lo como parte do sistema terapêutico (Rossato, 2017). Isto não significa que
e em relação com o outro (Rossato, o terapeuta relacional deve expor ao
2017). Deste modo, a atenção voltada cliente as similaridades que percebe
a como o terapeuta é afetado e afeta os consigo mesmo, porém pode utilizar
participantes nessa relação ganha im- os conhecimentos adquiridos em fun-
portância (Andolfi, 1996, 2003). ção da semelhança dos sentimentos
Inicialmente, os terapeutas sistê- para intervir no atendimento de modo
micos eram confrontados em função mais horizontal e potencializado. Esta
do uso da autorreferência, já que tal posição que o terapeuta passa a ocupar
postura vai de encontro com o pressu- dentro da relação permite que ele utili-
posto da neutralidade defendido pela ze suas próprias emoções como um re-
abordagem científica moderna (Vas- curso, ao invés de ter um caráter impe-
concellos, 2012). A autorreferência diz ditivo (Andolfi, 1996). Neste sentido,
respeito a uma postura adotada pelo é importante estar atento aos ecos que
terapeuta frente à compreensão da im- surgem ao se deparar com as questões
possibilidade de isentar-se e/ou colo- trazidas no processo terapêutico.
car-se como sujeito neutro no setting Uma vez que os sentimentos, as re-
terapêutico, configurando-se, portan- cordações e os gestos não intencionais
to, como um conceito pós-moderno. percebidos pelo terapeuta estão rela-

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cionados à sua história de vida e ao ções podem ser consideradas pontes
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sistema no qual tais fenômenos sur- comunicativas que indicam regiões
gem, o sentido e a função desses ele- com conteúdos densos e que carecem
mentos no sistema terapêutico podem ser investigados (Andolfi, 2003).
servir como objetos de análise e de in- Uma primeira reação possível do
tervenção. Para Elkaim (1990), as res- terapeuta ao se deparar com suas me-
sonâncias ocorrem quando uma mes- mórias evocadas e emoções poderia
ma regra se aplica simultaneamente à ser, simplesmente, desconsiderá-las,
família do paciente, à família do tera- por crer que prejudicariam o proces-
peuta, à instituição onde o atendimen- so terapêutico. Neste caso, o terapeuta
to é realizado, ao grupo de supervisão desperdiçaria um recurso precioso à
etc. Sendo assim, Andolfi (1996) pon- sua disposição e, mais uma vez, seria
tua que as ligações percebidas entre os considerado externo ao sistema. Por
subsistemas que compõem o sistema isso, compreender os acontecimen-
terapêutico devem ser consideradas e tos considerando a história pessoal,
exploradas: tecendo conexões entre as próprias
experiências e às do cliente, constitui
Cada troca comunicativa que tenha um recurso oportuno e benéfico (An-
significado evoca memórias diver- dolfi, 1996).
sas que dependem de nossa expe- Deste modo, é relevante pensar em
riência passada e na qual a percep- formas de refletir e trabalhar com as
ção é modificada de acordo com o ressonâncias. Elkaim (1998) propõe
modo como entramos no presente questões que o terapeuta pode fazer a
em relação com outras pessoas e si mesmo, tanto sozinho, após o aten-
com a sua história. Como terapeu- dimento, quanto com outros profissio-
tas relacionais, devemos compreen- nais, tais como:
der a relação entre razão e emoção
para operar uma redefinição. (An- Conheço já esse afeto em particular
dolfi, 1996, p. 69) ou esse tema específico? Se é este
o caso, quais são os ecos que essa
A posição do psicólogo relacio- emoção ou essa leitura do real sur-
nal – como colocado por Andolfi gida dentro de mim suscita em meu
(1996) – demanda uma capacidade espírito? (...) Em que aspecto esse
de auto-observação, distanciando- tema, que me parece essencial, é
-se e aproximando-se conforme sinta importante para o paciente? (p. 322)
necessidade. O psicólogo estabelece,
então, uma estrutura triangular que o Tal tipo de exercício está de acordo
permite se movimentar para dentro e com a autorreflexividade, que nada
para fora da relação – alternando tais mais é do que se questionar sobre os
posições – de modo que uma compre- significados dados ao que é dito no
ensão mais aprofundada é possibilita- setting terapêutico, considerando as
da. Este método é denominado como próprias emoções e afetos frente aos
“Terceiro planeta” por Andolfi (2003). acontecimentos. Este exercício possi-
As ressonâncias são um modo privile- bilita que o terapeuta esteja inserido
giado de acesso ao sistema, visto que nas questões trazidas pelo cliente e, ao
são espontâneas e derivadas das sen- mesmo tempo, não tome distância da
sações que o terapeuta sente surgir na situação, pois apesar de o terapeuta es-
comunicação. Tais sensações ou emo- tar refletindo sobre si mesmo, ele o faz

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a partir de um contexto, o qual é vin- ao terapeuta refletir se os sentimen-
O conceito de ressonâncias
culado às questões do cliente trazidas tos suscitados são úteis para a manu- no processo de formação do
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no espaço terapêutico (Andolfi, 1996). tenção das construções de mundo do terapeuta: descobrindo
potencialidades e limitações
Neste sentido, ao notar um tema cliente e quais são os riscos de refor- na prática terapêutica
Giovania Mitie Maesima
repetitivo, Elkaim (2005) propõe ao çá-las. Desse modo, o que o terapeuta
Monica Barreto
terapeuta questionar-se sobre qual a sente é uma ferramenta potente para Adriano Beiras
utilidade/função de ele sentir o que compreender o que está acontecendo
sente para o sistema terapêutico. As com o cliente (Elkaim, 2005).
sensações dão indícios ao terapeuta Ao mesmo tempo em que as res-
da utilidade para o sistema terapêuti- sonâncias podem vir a ser um poten-
co de sentir-se de determinada forma te recurso do terapeuta, a não cons-
em relação a um conteúdo, a um relato ciência dos sentimentos e temas que
ou a uma emoção expressa por algum eventualmente o atinjam pode ser
participante, sendo que tal utilidade prejudicial ao processo terapêutico.
pode estar relacionada com a manu- Caso o terapeuta não se sinta capaz
tenção da construção de mundo dos de se conectar consigo mesmo, suge-
clientes, com a conservação de cren- re-se que ele abdique provisoriamen-
ças, ou previnem o terapeuta de entrar te do caminho relacionado ao tema
em contato com o próprio sofrimento em questão, já que arriscaria se de-
e possíveis dificuldades. Desse modo, parar com preocupantes dificuldades,
compreender o terapeuta como parte como, por exemplo: invadir o sistema
do sistema é fundamental, já que pos- familiar trazendo questões que fazem
sibilita a reflexão sobre os próprios sentido para ele, porém, se mostram
sentimentos frente aos acontecimentos muito marginais aos integrantes da fa-
experienciados no espaço terapêutico. mília; causar grandes resistências em
Além disso, o terapeuta pode elaborar função de trazer temas inaceitáveis aos
uma hipótese sobre a sua ressonância clientes, entre outros. Desse modo, se-
e averiguá-la no sistema. Se a hipóte- ria mais proveitoso aguardar que este
se for confirmada, indicia que há uma tema aparentemente importante retor-
adequação e sintonia entre cliente e te- ne posteriormente na terapia, para que
rapeuta. Por meio desta aliança, novos se construa uma proposta conjunta a
caminhos podem ser experimentados partir dele (Elkaim, 1998).
(Elkaim, 2005). Estar atento às ressonâncias é um
É importante reiterar que as exercício que exige atenção e dispo-
ressonâncias diferem do conceito de nibilidade do terapeuta. Durante o
contratransferência empregado pela processo de formação, em geral, ini-
psicanálise. O psicanalista, ao utilizar o cia-se a reflexão frente às questões
recurso da contratransferência, reflete vivenciais do terapeuta, abarcando
sobre a utilidade de seus sentimentos temas que podem ocasionar resso-
para ele mesmo, questionando-se nâncias. Por isso, a seguir, será abor-
“Qual o significado do que eu sinto para dado o exercício com as ressonâncias
mim mesmo?” 2(Elkaim, 2005, p. 388). no período de formação do terapeu- 2 Tradução livre: “What is
O terapeuta relacional, por sua vez, ta. É relevante, contudo, ressaltar que, the meaning of what I feel for
atenta para a utilidade de seus senti- apesar de haver uma ênfase sobre o me?” (Elkaim, 2005, p. 388).
mentos pelo cliente refletindo “Qual é tema durante o período de formação,
a utilidade ou sentido do que eu sinto tal exercício deve acompanhar o te- 3 Tradução livre: “What the
3 usefulness or the meaning of
por você?” (Elkaim, 2005, p. 388). rapeuta por toda a carreira, por mais what I feel for you?” (Elkaim,
Portanto, as ressonâncias permitem experiente que este seja. 2005, p. 388).

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FORMAÇÃO DO TERAPEUTA ponsabilidade de ambos, isto é, dele e
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dos clientes. Ser capaz de identificar
O processo autorreflexivo deve suas próprias questões é uma com-
iniciar desde a formação do terapeu- petência que reverbera nos atendi-
ta e tenderá a evoluir com o tempo mentos que o terapeuta realiza, pois,
(Andolfi, 1996). Na formação é tra- a partir desta habilidade autorrefe-
balhada a capacidade do terapeuta renciada, o terapeuta poderá também
de se autorizar a tomar consciência identificar as competências das famí-
das emoções (Elkaim, 1998). Além lias (Ladvocat, 2014). Deste modo, o
disso, é importante que seja capaz de objetivo do trabalho de diferenciação
se diferenciar do sistema a que está é compreender os cruzamentos entre
atendendo e, ao mesmo tempo, con- clientes e terapeuta, a fim de evitar
siga permanecer em contato com o que as questões pessoais do terapeuta
seu “ponto interno”, possibilitando o se misturem com o que é trazido pe-
movimento para o externo conforme los clientes no atendimento. Por meio
sinta necessidade (Andolfi, 1996). A do exercício de diferenciação do self,
terapeuta de família Cynthia Ladvo- o terapeuta constata que os recursos
cat, ao expor um pouco do trabalho não são externos, mas concebidos
desenvolvido por Andolfi em relação dentro de si mesmo (Ladvocat, 2014).
ao self do terapeuta, ressalta a impor- O compartilhamento de histórias
tância de treinar os sentidos do tera- pessoais é comum durante o proces-
peuta, as ressonâncias e os episódios so de formação, sendo um momento
temidos que possam o ameaçar. Há rico ao terapeuta, no sentido pessoal,
três fatores importantes na formação: e uma oportunidade de crescer indi-
o aprendizado teórico sobre a terapia, vidual, interpessoal e profissional-
o aprendizado prático realizado por mente. Ainda, debruçar-se sobre as
meio do atendimento e da supervisão regras pessoais e mitos provenien-
e, por fim, utilizando-se da psicotera- tes das famílias de origem são tare-
pia pessoal, o aprendizado de ser tera- fas que oferecem um atalho para li-
peuta a partir de si mesmo e de todo dar com dificuldades profissionais.
o conhecimento adquirido anterior- Contudo, para isso o terapeuta deve
mente, que será absorvido conforme se mostrar disponível a expor-se no
sua personalidade (Ladvocat, 2014). grupo (Haber, 1990).
Compreender os impasses com Tilmans-Ostyn e Rober (2000) cor-
que o terapeuta se depara é muito im- roboram a importância de se debru-
portante, porque estão relacionados çar sobre as ressonâncias ao relatar,
com a história de vida dele. Por isso, como supervisores, aspectos viven-
é necessário debruçar-se sobre a in- ciais abordados em seus grupos de
tersecção dos genogramas, tanto o da formação. As atividades realizadas na
família em atendimento quanto o do formação contribuem para aumentar
próprio terapeuta, já que é neste pon- o autoconhecimento dos psicólogos
to de contato que a possibilidade de quanto ao estilo pessoal e os impac-
intervenção se dá. É essencial iden- tos que podem ocasionar nos clientes.
tificar as ressonâncias para não blo- Além disso, ressaltam que a percep-
quear o sistema e evitar pontos cegos. ção das ressonâncias relacionadas a
E, mais que isso, é um compromisso aspectos negativos pode ser utilizada
do terapeuta avaliar sua própria posi- pelo terapeuta como um trunfo na re-
ção, uma vez que o processo é de res- lação terapêutica.

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O papel do supervisor nesse pro- ocorreram em contexto de formação
O conceito de ressonâncias
cesso transcende incentivar os tera- de terapeutas com suporte de super- no processo de formação do
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peutas a seguir os caminhos que ele visores. Os atendimentos psicotera- terapeuta: descobrindo
potencialidades e limitações
trilharia em determinadas situações. pêuticos foram realizados em uma na prática terapêutica

Mais que isso, ele tem a função de clínica-escola de uma universidade Giovania Mitie Maesima
Monica Barreto
ajudar os terapeutas em formação federal, na modalidade familiar e de Adriano Beiras
a descobrir a melhor forma de uti- casal. Tais atendimentos foram efe-
lizarem suas próprias singularida- tuados em coterapia e em conjunto
des para atuarem como terapeutas com a equipe reflexiva4, baseada no
(Elkaim, 1998). Neste sentido, o formato proposto por Tom Andersen
processo de formação, essencial para (2002). A equipe era constituída por
o terapeuta, é construído conjunta- psicólogos supervisores, pós-gradu-
mente com os supervisores e grupo andos e graduandos de psicologia.
no qual está inserido. A disponibi- Reitera-se que todas as pessoas aten-
lidade do próprio terapeuta em for- didas na referida clínica-escola assi-
mação mostra-se como relevante ao naram um Termo de Consentimento,
processo, assim como seu processo no qual indicavam o aceite em ter
terapêutico particular. Nesse am- seus conteúdos clínicos eventualmen-
biente, espera-se que o terapeuta em te utilizados em artigos científicos,
formação comece a trilhar sua jor- sendo resguardado o sigilo referente
nada como terapeuta, descobrindo à identificação das mesmas.
seus estilos pessoais, potencialida- Os atendimentos familiares e de
des e desafios – sejam esses relacio- casal seguem a seguinte estrutura:
nados à sua história de vida pessoal pré-sessão, com duração de 20 mi-
ou a questões teórico-práticas. nutos; sessão, de uma hora; e pós-
-sessão, de 30 minutos. A pré-sessão,
4 A equipe reflexiva é um
que antecede os atendimentos, é o formato de atendimento pro-
PERCEBENDO E TRABALHANDO momento em que o planejamento posto pelo psiquiatra norue-
AS RESSONÂNCIAS: RELATOS DE da sessão é realizado pela equipe te- guês Tom Andersen no qual
uma equipe terapêutica ob-
CASOS rapêutica, sendo discutidos pontos serva o atendimento realizado
relevantes sobre o caso, bem como por um ou mais terapeutas
A partir deste tópico, a parte clíni- possíveis intervenções. Da mesma de campo (que atendem di-
ca prática será relatada a fim de abor- retamente os clientes) e, em
maneira, logo após o término do
um determinado momento, é
dar casos ou partes de atendimentos atendimento e sem a participação convidada a compartilhar suas
em que as ressonâncias foram nota- dos clientes ocorre a pós-sessão, que reflexões, relatando suas im-
das. Primeiramente será descrito um tem duração de 30 minutos. Neste es- pressões e sentimentos, assim
como pontuando dúvidas a
episódio que aborda as ressonâncias paço, há a disponibilidade para todos respeito do que observaram.
discutidas no grupo que realiza os os integrantes colocarem seus senti- Tal intervenção é observada
atendimentos psicoterápicos; poste- mentos, percepções e questionamen- pela família ou casal e tem o
objetivo de proporcionar mo-
riormente, em um atendimento de tos relacionados ao atendimento. Em vimento ao sistema terapêu-
casal em que se utiliza o modelo pro- geral, inicia-se com a dupla de tera- tico paralisado (formado por
posto por Elkaim (1990), para com- peutas de campo sendo convidada clientes e terapeutas de cam-
po), possibilitando-lhes outros
preender os sistemas em ressonância a compartilhar os pontos positivos
ângulos e perspectivas. Vale
e, por fim, em um atendimento indi- relacionados à sua atuação e ao que pontuar que há regras relacio-
vidual. O intuito da exposição de tais gostariam ou poderiam ter feito di- nadas ao modo como a equipe
trechos de atendimentos é comparti- ferentemente. Em seguida, os demais deve se portar perante a família
e que sua presença é acordada
lhar os caminhos seguidos para lidar membros também fazem suas colo- com os clientes desde o início
com as ressonâncias, sendo que todos cações. É relevante destacar que os do processo terapêutico.

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supervisores e o grupo corroboram TRABALHANDO AS RESSONÂNCIAS
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a compreensão de Andersen (2002) EM UM GRUPO DE TERAPEUTAS EM
de que não há certo ou errado, mas FORMAÇÃO
caminhos possíveis distintos.
Conforme mencionado, os mem- Uma questão que incentivou e mo-
bros da equipe reflexiva também bilizou o grupo foi a dificuldade de
expõem suas impressões e dialogam atender crianças. Em função disso,
entre si, sendo preciosas as contribui- o supervisor propôs um exercício a
ções trazidas por eles no sentido de todos os membros a fim de instigar
possibilitar um incremento nas per- a reflexão sobre a própria infância e
cepções dos terapeutas de campo a discuti-la em grupo. O exercício suge-
respeito do atendimento. Além disso, rido indicava que todos os membros
podem proporcionar feedbacks aos refletissem sobre sua infância e com-
terapeutas, contribuindo para uma partilhassem na supervisão seguinte
maior percepção acerca da atuação suas lembranças, trazendo consigo al-
dos mesmos. A equipe reflexiva pode gum objeto marcante desta época. Na
auxiliar também na compreensão supervisão, todos puderam contar um
das ressonâncias, uma vez que seus pouco sobre a própria infância, articu-
membros podem indicar as próprias lando tais experiências com a prática
ressonâncias, bem como as reações clínica no atendimento com crianças,
visíveis dos terapeutas, caso tenham sendo possível realizar reflexões e in-
se sobressaído no atendimento. dagações neste espaço. Essa atividade
Portanto, a pós-sessão é um espa- permitiu a reflexão sobre a “criança
ço em que há a disponibilidade de interna” e a prática clínica proposta
se abordar, dentre outras questões, por cada membro do grupo. O intuito
as ressonâncias. Em função do tem- foi trabalhar as dificuldades identifi-
po de duração, é improvável que se cadas no atendimento infantil a partir
discuta satisfatoriamente ou que se da percepção das ressonâncias, a fim
esgotem tais questões neste período, de utilizá-las posteriormente como
porém, pode servir como um espaço recursos. Tholl e Beiras (2017) rela-
para iniciar as reflexões a respeito das tam experiência similar, cujo contexto
sensações, incômodos, recordações e também é o de formação de terapeu-
emoções evocadas. Eventualmente, tas, ao atender a famílias com crianças.
tais pontos poderão ser retomados O exercício citado, o qual foi propos-
em supervisão posteriormente. to a partir da percepção das ressonân-
Tendo em vista que as ressonân- cias em um aspecto mais de incômodo,
cias são questões particulares e nem exemplifica um modo de lidar com
sempre são tratadas no grupo, não há tais sensações. Neste caso, foi dedica-
um espaço instituído para trazê-las do certo tempo para compreender as
obrigatoriamente, contudo, é pos- sensações próprias, conectado consigo
sível haver um aprofundamento do mesmo para, então, socializar as vivên-
grupo em algum tema motivado ini- cias pessoais e reflexões. Ao comparti-
cialmente por ressonâncias de um in- lhar com o grupo, este pode indagar,
tegrante. Isto ocorreu em nosso gru- respeitando a disponibilidade de cada
po e proporcionou um espaço muito um, e propor reflexões conjuntamente.
rico de aprendizagem e aproximação Este exercício demonstrou a potência
entre os membros, que será detalha- do trabalho das ressonâncias, neste
do na sequência. caso, com a colaboração do grupo.

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RESSONÂNCIAS EM UM No modelo que o autor elabora, há
O conceito de ressonâncias
ATENDIMENTO DE CASAL o Programa Oficial (PO), que corres- no processo de formação do
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terapeuta: descobrindo
ponde à demanda explícita do indi- potencialidades e limitações
Elkaim (1990) relatou no livro Se víduo em relação ao seu parceiro e a na prática terapêutica
Giovania Mitie Maesima
você me ama, não me ame alguns Construção de Mundo (CM), a qual Monica Barreto
exemplos de duplos vínculos recí- se relaciona às crenças que cada su- Adriano Beiras
procos a fim de abordar, deste modo, jeito tem sobre o destino das relações
as ressonâncias existentes entre os amorosas, baseadas em experiências
membros do casal. Por meio dessa anteriores que são comunicadas por
análise, o autor elucidou o funciona- mensagens não verbais. No espaço
mento das ressonâncias no casal. Os terapêutico, os indivíduos procuram
duplos vínculos seriam mensagens encontrar respaldo dos outros (te-
paradoxais transmitidas em nível rapeuta e outros membros) para as
verbal e não verbal que se contradi- próprias construções de mundo por
zem e, por consequência, implicam eles elaboradas, sendo relevante, por-
falha de compreensão em algum dos tanto, os terapeutas estarem atentos a
níveis (Elkaim, 1998). Este tipo de tais movimentos (Elkaim, 1990).
mensagem não é obrigatoriamente Um dos atendimentos realizados
incongruente, uma vez que segue as pelo grupo mencionado foi compre-
regras internas do sistema em que se endido e exposto a seguir a partir
manifesta. A este custo, a estabilida- deste esquema proposto por Elkaim
de do sistema pode ser conservada, (1990). É importante pontuar que es-
ainda que utilize regras supostamen- quemas desse tipo são apenas racio-
te contraditórias (Elkaim, 1990). Tais nalizações que podem eventualmen-
regras são construídas desde a infân- te contribuir para os terapeutas. Caso
cia, através de repetidas experiências, não sejam úteis é possível a realiza-
e contribuem para proteger o sujeito ção de outras interpretações e esque-
do sofrimento. Um exemplo de re- mas. Elkaim (1990) reitera que seu
gra geral, num contexto em que uma objetivo não é compreender o que
pessoa foi abandonada por alguém ocorre na realidade dos clientes, mas
que amava, seria: “se for amado, serei desenvolver um olhar sobre o siste-
abandonado” (Elkaim, 2005). ma que viabilize aumentar o campo
Ainda, para que os comportamen- das possibilidades. A identificação
tos de duplo vínculo no casal sejam e verbalização de intersecções entre
preservados e ampliados, devem ter distintas concepções do real permi-
uma função relacionada ao passa- tem o surgimento de mudanças no
do de um ou de ambos os membros sistema. Deste modo, visa-se à faci-
do casal, assim como com o sistema litação do aparecimento de outras
conjugal atual. A repetição ou am- construções do real, mais maleáveis
pliação de um comportamento ocor- e abertas (Elkaim, 1990).
re quando questões relacionadas à O casal atendido na clínica-esco-
história de vida de um dos membros la permaneceu em processo psico-
se atualizam no presente, assumindo terápico durante cerca de três anos
papel central em um contexto sistê- e seus nomes foram modificados
mico mais amplo. Visto que nos ca- neste artigo a fim de se assegurar o
sais os duplos vínculos são recípro- sigilo dos membros. O marido, Ta-
cos, isto se dá em ambos os sentidos deu, solicitava de sua esposa, Lia,
(Elkaim, 1998). carinho e cuidado. Ele cobrava essa

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atenção ampliando a questão para não sentia ter ao certo nenhum lugar
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o sexo também. No entanto, Tadeu, na família. Por isso, com Tadeu era
um cuidador “nato”, não aceitava ser “necessário” rejeitar para não ser no-
cuidado pela esposa e por meio de vamente rejeitada. Tal ciclo do casal
mensagens não verbais impedia que pode ser verificado na Figura 1.
Lia manifestasse essa forma de amor Desse modo, cada membro do ca-
por ele. Tadeu ocupava um lugar em sal falha em algum nível do duplo-
sua família de origem de ajudante -vínculo, ao mesmo tempo em que o
e cuidador. Apesar de ser o caçula, reforça e o mantém. O modo rígido
não recebia muita atenção, porque com que Tadeu cobra de Lia uma
a mãe, que criou os filhos sozinha, vida sexual conjugal mais ativa con-
trabalhava muito para sustentar a forta a sua recusa, permitindo que
família. Desse modo, Tadeu ocupava ela evite o perigo de ser rejeitada.
e recebia reconhecimento assumin- Este ciclo é uma maneira de um con-
do essa posição de cuidador. Se Lia fortar o outro e manter o sistema em
passasse a assumi-la também, onde/ homeostase, evitando, portanto, o
como ele ficaria? possível sofrimento trazido pela mu-
A esposa, por sua vez, rejeitava dança. É neste sentido que as regras
o pedido verbal de Tadeu, pois de- aplicadas valem para diferentes siste-
vido a questões relacionadas à sua mas e o casal aplicará suas regras re-
história familiar, acreditava que não lacionais de forma não consciente no
podia se apegar a ninguém, porque espaço terapêutico também, englo-
temia ser mais uma vez rejeitada. Lia bando o terapeuta. Tais regras não
era bastante distante de sua famí- dizem respeito apenas ao casal, mas
lia de origem e não foi reconhecida também às suas famílias de origem,
como filha pela mãe, nem como irmã assim como a aspectos mais amplos,
pelos irmãos. A única fonte de segu- como os socioculturais e políticos,
rança que tinha era a avó. Então, Lia por exemplo (Elkaim, 1990).

Figura 1. Ciclo do casal. (CM: Construção de Mundo; PO: Programa Oficial).

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É possível também incluir as res- o rapaz trazer visões de mundo muito
O conceito de ressonâncias
sonâncias da equipe e dos terapeutas contrárias às minhas, o desconforto no processo de formação do
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com relação a este ciclo do casal. Po- que senti se relacionava muito mais terapeuta: descobrindo
potencialidades e limitações
de-se pensar que, hipoteticamente, às posturas que ele tomava, de não se na prática terapêutica

um terapeuta que tenha vivenciado implicar com o que acontecia consigo Giovania Mitie Maesima
Monica Barreto
uma situação de abandono ou dis- mesmo, ao passo que culpabilizava os Adriano Beiras
tanciamento de um dos pais possa se outros. Além disso, pela primeira vez
mobilizar mais neste atendimento, me deparei com um cliente que fazia
tendo ressonâncias ligadas à história várias perguntas sobre mim durante o
de vida de Lia e/ou Tadeu, já que Lia atendimento, sendo, no meu ponto de
não foi assumida como filha por sua vista, um pouco invasivo. Alguns des-
mãe e Tadeu não recebia atenção de tes entendimentos aconteceram nos
sua mãe. momentos de supervisão, outros so-
zinha e grande parte durante a minha
terapia. O espaço da terapia foi mui-
RESSONÂNCIAS EM UM to importante para a compreensão
ATENDIMENTO INDIVIDUAL da ressonância deste caso. Nele pude
entender que as atitudes deste cliente
Há uma modalidade de atendimen- me remetiam a um ente familiar mui-
to individual realizada na clínica-es- to significativo em minha vida.
cola referida que tem características Este foi o episódio mais intenso, em
particulares: a duração é limitada a que a ressonância ficou mais eviden-
seis encontros e tem como objetivo te para mim e ampliou meu interesse
conter crises e situações de urgência, em aprofundar essa temática. Consi-
assim como, posteriormente, encami- dero muito importante refletir sobre
nhar o cliente, conforme a avaliação as sensações que surgem, sejam elas
do estagiário, aos serviços da rede pú- intensas ou não. Meu processo psico-
blica ou a clínicas sociais. Além disso, terapêutico contribuiu imensamente
não é necessário agendar previamente para o entendimento destes senti-
o atendimento, nem se inscrever, pois mentos, que estavam em um nível
ele ocorre similarmente a um plantão. emocional e só depois puderam ser
Neste sentido, não tem caráter psico- compreendidos também no racional.
terapêutico. Apesar dos incômodos iniciais, esta
Em um desses atendimentos, no experiência em particular foi bastante
qual atendi um rapaz apenas uma vez, significativa para a minha caminhada
percebi que senti algo – muito distin- como terapeuta, pois me instigou a
to e que nunca havia experienciado exercitar o olhar sobre mim enquan-
anteriormente – enquanto o atendia. to terapeuta relacional, possibilitando
Notei minha dificuldade de empati- experienciar meios de lidar com situ-
zar com ele e um grande desconforto ações desafiadoras e ao mesmo tempo
durante a sessão. Posteriormente, em comuns à prática clínica.
supervisão, compreendi que o perfil
que o rapaz me suscitava era de vítima
e senti sua abordagem como invasiva. REFLEXÕES FINAIS
Em função destas sensações nitida-
mente diferentes que senti, dediquei- Apesar da grande importância
-me a investigar melhor o que havia revelada no tema das ressonâncias,
se passado no atendimento. Apesar de poucas publicações acadêmicas fo-

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ram encontradas em âmbito nacio- movimento em si é bastante im-
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nal. A literatura em geral é descrita portante, especialmente na prática
em livros de reconhecidos autores clínica, contudo não garante que as
sistêmicos, porém pouco se sabe emoções serão compartilhadas com
sobre a reverberação de sua aplica- o outro. Por isso, percebo nas resso-
ção na prática atual dos clínicos no nâncias algo tão precioso, pois a co-
Brasil. Tendo em vista o desafio de municação transcende o racional e
olhar para si enquanto instrumento atua de alguma forma no emocional
de trabalho, que demanda cuida- e ainda diz respeito também à his-
do e responsabilidade, este artigo tória do terapeuta, suas vivências,
objetivou não só expor o processo identificações, receios e anseios.
autorreflexivo da primeira autora, A sensação corporal se anuncia ao
como também convidar os leitores a terapeuta, possibilitando que ele
fazê-lo, apontando a importância de fique atento a assuntos determina-
tal exercício. Além disso, mostra-se dos. Shotter (2017) utiliza o termo
também significativo no sentido de “estar impressionado” para designar
indicar possibilidades de manejo de os momentos em que algo diferente
algo que, em um primeiro momen- ocorre no espaço terapêutico, to-
to, pode parecer um grande limite, cando ou comovendo o terapeuta.
especialmente àqueles que estão ini- Surgem, nestes momentos, novas
ciando a prática terapêutica. possibilidades de interação no jogo,
O tema das ressonâncias se desta- as quais seriam mais finais e com-
cou para mim desde o início da mi- plexas. Tal designação remete às
nha atuação clínica, porque revela a ressonâncias do terapeuta, as quais
afetabilidade e enfatiza a importân- também foram compreendidas por
cia das emoções do terapeuta, colo- Andolfi (2003) e Elkaim (1990)
cando-o em uma posição de quem como momentos preciosos e opor-
também sente emoções e se sensibi- tunos ao terapeuta.
liza por algumas questões, sem, no Desse modo, as ressonâncias po-
entanto, desconsiderar sua respon- dem ser percebidas, dependendo do
sabilidade ao se inserir em um pro- ângulo de observação, como um pre-
cesso terapêutico. A compreensão sente à relação entre cliente e terapeu-
acerca das próprias emoções é um ta ou um paralisador diante do tema
pertinente exercício, consideran- em questão. Deparar-se com resso-
do as influências que essas podem nâncias intensas pode ser uma tare-
acarretar ao atendimento. Tal com- fa difícil ao terapeuta, sendo nesses
preensão envolve um conhecimento casos necessário realizar o exercício
sobre si muito grande ou, ao menos, de olhar para si a fim de descobrir ca-
uma disponibilidade para buscá-lo. minhos possíveis e potencializadores
O processo terapêutico do próprio proporcionados por sua identifica-
terapeuta mostra-se bastante im- ção. Ter este exercício em mente é útil
portante no sentido de permitir e aos terapeutas e, em especial, àqueles
facilitar o exercício deste trabalho que estão em formação, uma vez que
complexo, que envolve seres tão também contribuirá para o terapeuta
complexos como ele mesmo. descobrir, aos poucos, sua autêntica
A empatia é compreendida usu- forma de atuação.
almente como uma tentativa de Neste lugar de terapeuta em for-
colocar-se no lugar do outro. O mação, refletir sobre as minhas res-

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sonâncias tem sido um exercício REFERÊNCIAS
O conceito de ressonâncias
bastante potente e desafiador. Ain- no processo de formação do
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da, ao desenvolver este artigo, pude Andersen, T. (2002). Processos reflexi- terapeuta: descobrindo
potencialidades e limitações
compreender que as ressonâncias não vos (2a ed.). Rio de Janeiro: Insti- na prática terapêutica
Giovania Mitie Maesima
necessariamente precisam mobilizar tuto Noos.
Monica Barreto
demasiadamente o terapeuta, pois Andolfi, M. (1996). A linguagem do Adriano Beiras
há intensidades diferentes no modo encontro terapêutico. Porto Ale-
como elas tocam, assim como podem gre: Artes Médicas.
ser questões já trabalhadas e elabo- Andolfi, M. (2003). El psicólogo rela-
radas por ele. O exercício de estar cional: la construcción del tercer
atento às ressonâncias demanda e in- planeta. In Manual de psicología
centiva uma maior reflexão acerca de relacional: la dimensión familiar
si, das experiências de vida e das rela- (pp. 177-202). Bogotá: La Silueta.
ções familiares, o que contribui para a D’Acri, G., Lima, P., & Orgler, S. (2007).
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Neste artigo, os momentos da Paulo: Summus.
pós-sessão, as supervisões e a psi- Elkaim, M. (1990). Se você me ama,
coterapia particular da terapeuta não me ame: abordagem sistêmica
mostraram-se como espaços possí- em psicoterapia familiar e Conju-
veis para discutir as ressonâncias e gal. Campinas, SP: Papirus.
refletir tanto individualmente como Elkaim, M. (1998). Panorama das
em grupo, contribuindo diretamen- terapias familiares. São Paulo:
te para torná-las potencialidades ao Summus.
invés de impedimentos. Uma das Elkaim, M. (2000). Terapia Familiar
intenções deste artigo foi expor os em Transformação. São Paulo:
caminhos trilhados para compreen- Summus.
der as ressonâncias na formação do Elkaim, M. (2005). Observing syste-
terapeuta e nos diálogos com os/as ms and psychotherapy: what I owe
supervisores/as. Neste sentido, esta to Heinz von Foerster. Kybernetes,
escrita é um convite às leitoras e lei- 34(3/4), 385-392.
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