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J.

MATTOSO
CÂMARA JR.

CONTRIBUIÇÃO
À ESTILÍSTICA
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PORTUGUES
ão, 32 Edição, revista o

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Coleção coordenada por


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CARLOS EDUARDO FALCÃO UCHÔA
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INDUSTRIA E COMÉRCIO « RIO DE JANEIRO


Copyright O 1977 by J. Mattoso Câmara Jr

Todos os direitos reservados e protegidos por Ao Livro Técnico S/A — Indústria e


Comércio pela Lei 5988 de 14/12 1973. Proibida a reprodução parcial ou integral
por quaisquer meios mecanicos, xerográf.co», fi tográficos erc., sem a permissão
Dor escrito da editora.

1978
14 Edição
MATTOSO CÂMARA E A ESTILÍSTICA
Reimpressues 1925e 1982

Cava: Adalberto Cabral de Miranda


Tendo como uma de suas diretrizes reeditar algumas obras de
Ao Livro Técnico S/A — Indústria e Comércio maior mérito da linguística e filologia brasileira, não poderia a coleção
Rua Vitória, 486/496 - 29 andar
de Ao Livro Técnico deixar de contar no seu elenco com trabalhos do
Rua Sá Freire, 36/40
São Crstóvuo - CEP 20930 Cento - CEP 01210 Professor Joaquim Mattoso Câmara Jr., realmente um marco na história
Tot. (021) 5180-4868 Tel.. (011) 221-9986 dos estudos lingúísticos em língua portuguesa, pioneiro que foi da ori-
Telex (021) 30472 ALTE BR São Paulo — Brasil
entação estruturalista no Brasil e em Portugal.
End Telegráiico: LITÉCNICO
nus de Januiro - Brasil Contribuição à Estilística Portuguesa, primeira das três obras de
CiP-Brasil. Catalogação -na-fonte Mattoso Câmara a serem republicadas por Ao Livro Técnico, é certa-
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ mente trabalho pouco conhecido dos atuais alunos dos nossos cursos
de Letras. Trata-se da tese com que o autor obteve o título de livre-do-
Câmara Júnior, Joaquim Mattoso, 1904-1970 |
C173c Contribuição à estilística portuguesa / Joaquim Mattoso cente em língua portuguesa na antiga Faculdade Nacional de Filosofia
Cámara Júnior. — 3. ed. rev. - Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, | da Universidade do Brasil, em 1952. No ano seguinte, “revista e um
1978 pouco ampliada”, a obra foi editada pela Organização Simões (Coleção
(Linguística e fitologia)
Rex), estando de há muito esgotada.
Bibliografia Desde cedo o Professor Mattoso Câmara manifestou o seu gosto
1. Lingúística 2. Português — Estilo 1. Título Il. Série. pelos estudos estilísticos. Remonta a 38 o primeiro artigo dele sobre
Machado de Assis, o autor escolhido para a maioria de seus ensaios re-
CDD - 410
469.019 ferentes à Estilística. Em 62, todos estes ensaios são reunidos no volu-
CDU - 82.01 | me Ensaios Machadianos, que integrarão também a coleção Lingiística
| 78-0212 80690:82.01 | e Filologia.
ea ml

Contribuição à Estilística Portuguesa divide-se em duas partes. A


primeira — O Conceito da Estilística — é uma breve síntese histórico-crí-
tica das principais correntes estilísticas da primeira metade do século
from XX. Na segunda — Aspectos da Estilística Portuguesa — o autor procura
ASSUCIAÇÃO FoUCACIONAL aplicar o que ele considera “a base verdadeiramente sólida da estilísti-
ca” a aspectos fônicos, léxicos e sintáticos da língua portuguesa.
VEIGA DE MEIDA
Para Mattoso Câmara “a base verdadeiramente sólida da estilísti-
BIBLIOTECA ca” foi a proposta por Bally: “a conceituação nos moldes de Bally é que

ama ARA [ner


vai ao ceme do assunto”, proclama ele na primeira parte da obra. Se- para introduzir os elementos emocionais no sistema intelectivo da
guindo a orientação do linguista suíço, o mestre patrício advoga então língua é que está na base do estilo, em última análise.” “Chega-se assim
uma “estilística da langue”, cujo objetivo último “é o balanço dos pro-
à conclusão de que se deve caracterizar o estilo — não pelo contraste
cessos expressivos (“efetivos” para Bally), em geral, de uma língua, in-
individual em face do que é coletivo, mas sim pelo contraste emocional
dependentemente dos indivíduos que dela se servem”. em face do que é intelectivo.” “O papel da estilística é depreender
Para melhor distinguir o seu conceito de estilo da langue saus- todos os processos linguísticos que permitem a atuação da manifes-
suriana, Mattoso Câmara se vale das funções primordiais da linguagem tação psíquica e do apelo dentro da linguagem intelectiva.” E mais:
estabelecidas pelo alemão Karl Bihler (colaborador das publicações do ainda neste artigo, a que remetemos o leitor, Mattoso Câmara insiste em
Círculo Lingúístico de Praga, que tão forte influência exerceu sobre o mais um ponto: “o estilo se caracteriza em regra por um desvio da
pensamento do linguista brasileiro). Considerando então a divisão tri- norma linguística assente.” “Parece-me que essa “deformação” é a
funcional de Biihler, ele identifica a langue de Saussure com a função consequência inelutável de se utilizar a linguagem representativa para
representativa do filósofo alemão: “A língua, no seu conceito saussuria- fins que não estão na sua essência (funções não-intelectivas da manifes-
no, se deduz apenas da função representativa, pois compreende a estru- tação psíquica e do apelo) e a que as suas formas só podem servir
tura, O esquema, o padrão ou a pauta que rege, em termos linguísticos, mediante uma adaptação.”
a nossa representação do mundo exterior e interior”. Ficam fora assim Por conseguinte, Mattoso Câmara propõe em relação à langue
do conceito de langue de Saussure as duas outras funções de Biúhler: a duas disciplinas linguísticas: a Lingúística propriamente dita, estudo da
manifestação psíquica e o apelo. Funções não-intelectivas, são elas língua enquanto sistema representativo, e a Estilística, ou Linguística
justamente que vão constituir para o nosso autor “a essência do esti- do estilo, estudo da língua enquanto sistema de expressividade.
lo”. Assim, para Mattoso Câmara, que defende, como vimos, uma “es-
tilística da langue”, o estudo linguístico amplo consistiria “em assina- Advirta-se que a posição de Mattoso Câmara em relação à Esti-
lar, ao lado de um sistema de fundo intelectivo (a que se restringiu lística nem sempre coincide com a de Bally. Um ponto de divergência
Saussure), um sistema de expressividade que nele se insinua e com ele muito importante é a colocação ante a língua literária. O autor do fa-
funciona inelutavelmente”. Valendo-nos de outro texto seu: “Se esta- moso Traité de Stylistique Française afasta da Estilística o estudo dos
mos certos nesta ordem de idéias, chegamos à conclusão de que o es- textos literários, pelo caráter consciente, refletido, elaborado, nada es-
tudo do estilo nos dá a contraparte linguística que nos faltava. Com ele pontâneo, em suma, destes. São palavras de Bally, extraídas do Traité:
temos a linguagem distribuída em torno dos dois pólos da representa- “Il y a là un fossé infranchissable entre 'emploi du langage par un indi-
vidu dans les circonstances générales et communes imposées à tout un
ção mental pura e da expressão psíquica lato-sensu (. ..). A estilística
groupe linguistique, et "emploi qu'en fait un poête, un romancier, un
vem complementar a gramática.”
orateur.” “... dans la création artistique la plus spontanée em apparen-
Em artigo (Considerações sobre o Estilo) publicado na revista Vo- ce, il y a toujours un acte volontaire”. “Cela suffit pour séparer à tout
zes (11, 1961) e posteriormente incluído em seu Dispersos (FGV, 1972, jamais le style et la stylistique.” Vê-se, pois, que Bally não identificava a
págs. 133-41), Mattoso Câmara ainda torna bem mais explícita sua Estilística com uma Lingiúística do estilo.
posição a respeito da Estilística. São deste breve ensaio os períodos que Já Mattoso Câmara não afasta absolutamente a língua literária da
a seguir citamos, para acompanhar o pensamento mattosiano neste Estilística. É observação sua: “cabe ressalvar que num poeta (...) os
campo da investigação linguística: “O estilo também pertence à língua, traços são mais típicos e mais nítidos, pois os processos estilísticos se
pois é um sistema simbólico que transponta do discurso”. “A solução acham a serviço de uma psique mais rica e especialmente educada para
o objetivo de exteriorizar-se.” O que o mestre brasileiro preconiza en-
tão igualmente para o uso literário é a sistematização dos seus recursos
expressivos: “Abrangem-se, destarte, todos os valores expressivos que se
acham em potencial numa língua e se podem realizar nas mais variadas
circunstâncias da atividade linguística.”
SUMÁRIO
Na segunda parte da obra, a que apresenta a contribuição mais
pessoal de Mattoso Câmara, o uso literário (com acentuada preferência
pelos escritores brasileiros do século passado) é que mereceu maior
NOTA PRÉVIA, IX
atenção do linguista brasileiro, sem contudo ter ele deixado de observar
o fenômeno estilístico no uso corrente. Louve-se a sua argúcia e sensibi-
O CONCEITO DA ESTILÍSTICA, 1
lidade para as análises com que documenta a estilística fônica, léxica e
1, Complexidade da Linguagem, 3
sintática da nossa língua.
2. A gramática comparativa, 4
Numa época em que os estudos estilísticos no Brasil rareavam (ao 3. A linguagem como fenômeno psíquico, 5
contrário do que ocorria na América espanhola, onde um Amado Alon- 4. Complexidade dos aspectos psíquicos, 6
so dedicou à Estilística grande parte de sua atividade), Contribuição à 5. A língua no conceito saussuriano, 8
Estilística Portuguesa é, sem dúvida, trabalho de inegáveis méritos. Em 6. As funções da linguagem, 10
sua primeira parte, sobressai-se o sempre atilado espírito crítico do au- 7. O estudo da língua como parte da linguística, 11
tor e a atualizada bibliografia de que também sempre se valeu em toda a 8. O conceito de estilo, 13
sua vasta produção intelectual. Já na segunda parte, a sua argúcia e sen- 9. Estilo e estilística, 14
sibilidade, já aqui assinaladas, para análises estilísticas, a par com a sua 10. Conseqiiências teóricas, 16
sólida formação lingiúística, fazem deste ensaio, ainda hoje, uma impor- 11. A estilística e a evolução linguística, 20
tante contribuição para uma Estilística da Língua Portuguesa — título 12. O método estilístico, 22
aliás inicial do trabalho e inegavelmente preferível ao que veio a ser ado-
tado.
Nesta 32 edição, colocou-se apenas a acentuação gráfica de acordo
com a Lei 5.765, de 18 de dezembro de 1971. ASPECTOS DA ESTILÍSTICA PORTUGUESA, 27
Reeditando Contribuição à Estilística Portuguesa, a coleção Lin-
gúística e Filologia de Ao Livro Técnico está certa de que estará colo- I ESTILÍSTICA FÔNICA, 29
cando nas mãos dos atuais alunos dos nossos cursos de Letras um dos
mais úteis trabalhos de mestre Mattoso Câmara. 1. Os traços estilísticos, 29
2. Acento e quantidade, 29
Rio de Janeiro, 3 de julho de 1977. 3. Variantes estilísticos, 35
Carlos Eduardo Falcão Uchôa. 4. A motivação sonora, 38
5. Motivação sonora que não decorre dos fonemas, 46
IH. ESTILÍSTICA LÉXICA, 49

6. Tonalidade afetiva, 49
7. Os sinônimos, 54
8. A linguagem figurada, 58
9. Valor estilístico dos sufixos, 60

NOTA PRÉVIA, À 2.º EDIÇÃO (1953)


HI. ESTILÍSTICA SINTÁTICA, 64
Este trabalho, sob o nome de Contribuição para uma Estilística
10. Sintaxe e estilo, 64 da Língua Portuguesa (talvez un peu long, como diria o personagem de
11. Duas aplicações do critério estilístico em sintaxe, 65 Pailleron) foi a tese com que obtive o título de “Livre Docente de Lin-
12. Lógica sintática e estilo, 70 gua Portuguesa” na Faculdade Nacional de Filosofia em 1952. Fiz en-
tão uma pequena edição de 150 exemplares, e os 50 que pus à venda,
logo se esgotaram. Agora, atendendo ao convite da “Organização Si-
IV. CONCLUSÃO, 75 mões;' faço esta 22 edição, revista e um pouco ampliada.

TRABALHOS CITADOS, 77
PARTEI
O CONCEITO DA
ESTILÍSTICA
1. Complexidade da linguagem.

Foi, sem dúvida, em grande parte a complexidade da linguagem


humana que retardou a constituição de uma ciência correspondente, ni-
tidamente organizada em seu conteúdo e em sua metodologia. E, mes-
mo, depois de firmada no quadro geral dos nossos conhecimentos, tem
sido um tema sempre renovado e sempre palpitante o da clarificação e
delimitação do seu assunto específico.

Trata-se, com efeito, de uma atividade — partida de um trabalho


mental, de que é a um tempo condição e consequência, executada por
meio de órgãos biológicos, que parecem à primeira vista terem-lhe sido
essencialmente destinados, transmitida fisicamente pelas vibrações que
produzem o som, e pressupondo uma comunhão de espírito em cada
grupo humano em que funciona, e em que se estabelece como uma das
manifestações primordiais.

Tem-se assim para objeto de estudo um fenômeno verdadeiramen-


te proteico. Dir-se-ia um desses blocos de cristal irregular e multipla-
mente facetados, cujos efeitos prismáticos dependem do ângulo de ob-
servação escolhido.

A psicologia individual, a biologia, a física acústica, a psicologia


coletiva, a sociologia solicitam a linguagem para o seu campo de inte-
resses, e o estudioso que procura isolá-la como tema, parece encon-
trar-se apenas diante de duas soluções opostas, mas igualmente negati-
vas: confinar-se numa das ciências, que vimos assim abarcarem a lingua-
gem; ou situar-se de maneira a abranger a todas, multiplicando, como
um ator experimentado, a personalidade científica. Soluções negativas
— evidentemente —, porque de uma ou de outra não é que haveria de re-
sultar uma ciência autônoma.
4 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 5

2. A gramática comparativa. Bopp a Hermann Hirt, desdobrou o método reconstitutivo das proto-
línguas (al. Ursprachen), mesmo quando ela se abalança a especulações
O estudo linguístico, nas primeiras décadas do século XIX, só se mais amplas.
consolidou com relativa facilidade, porque decorreu de um fato muito
particular e inadequado a uma possível investigação dentro das demais Essa obra ganhou ultimamente um novo surto em segurança e
ciências: a semelhança imanente de formas linguísticas em grupos soci- profundidade, deixando-nos entrever um estado linguístico pré-indo-eu-
ais lingúisticamente diversos como índice de uma unidade lingúística re- ropeu, acenando-nos com a possibilidade de uma cognação entre as lín-
mota, a ser indutivamente reconstituída. guas indo-européias e as semíticas e as camíticas, ou ainda depreenden-
do uma base mediterrânea a que o indo-europeu se superpôs. Mas con-
Houve com isso um subterfúgio teórico. Os primeiros lingúístas, tinuou sempre um estudo especial de paleontologia linguística, distinta
que numa restrição consciente se chamavam filólogos ou gramáticos do esforço para se chegar a uma ciência de princípios gerais para o fenô-
comparativistas, fizeram como esses generais que, de um ataque muito meno lingúístico, como é a física para os fenômenos da natureza,
limitado e muito parcial, quase improvisado como recurso fortuito,
criam pouco a pouco, sob as injunções do momento, um plano de con-
quista e consolidação ampla de terreno. 3. A linguagem como fenômeno psíquico.

Mas de um fato particular, explorado embora sistematicamente, Tal esforço, onde realmente se verificou, teve de encarar de início
não poderia sair, pelas leis do conhecimertto humano, a base de uma ci- o intrincado problema que resulta da suma complexidade do assunto
ência geral. Os que desenvolveram a gramática comparativa, apenas objetivado.
acantonaram-se, como o Cândido de Voltaire, no seu pequeno jardim,
deixando o imenso mundo da linguagem aos poderosos do dia, sem rei- Sabe-se, por exemplo, como foi, por muito tempo, cruciante o di-
vindicá-la propriamente na sua unidade essencial. lema entre os aspectos físicos e os aspectos psíquicos da linguagem.

Pode-se dizer, até, que fixaram mais um ângulo de observação, À existência, aparentemente incontestável, de órgãos humanos de
quando, mercê dos seus estudos, se depreendeu a noção de que a lingua- execução específicos, ou seja — o aparelho fonador, juntaram as pes-
gem muda paulatina e inelutavelmente no tempo, através das gerações, quisas médicas no século passado a tese da localização cerebral da facul-
e é, portanto, também muito tipicamente um fato histórico. A circuns- dade de que essa execução decorre, e as pesquisas linguísticas a de sons
tância de até então a história não ter tomado consciência do que há de apenas mecânica e biologicamente condicionados.
seu no fenômeno lingiúístico, criou a ilusão de se ter constituído um
assunto específico de ciência nova com essa exploração sistemática; e, Só muito recentemente se logrou, de todo, melhor do que resol-
uma vez reconhecido o equivoco, determinou a reação que vemos hoje ver, superar a dificuldade que assim se nos defrontava para colocar a lin-
de um Terracini, por exemplo, quando, propondo-se a responder ao guística entre as ciências do homem, fora do quadro das da natureza.
Que é a lingiiística?, acaba por diluí-la na história da cultura (LVIII-45).
Ninguém hoje põe em dúvida, quanto aos órgãos do chamado apa-
O verdadeiro esforço no sentido de uma ciência geral da lingua- relho fonador, que lhes cabe no corpo humano um conjunto de funções
gem não está a rigor na obra indo-europeísta, que, na linha de Franz biológicas primárias, a que a sua aplicação à fala se superpôs, encobrin-
6 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 7

do-as quase às vezes a uma observação perfunctória, como demonstra,


tendendo-se por simbolo, com Charles Morris, por exemplo, em sentido
entre outros, numa página singularmente lúcida, Maurice Grammont
amplo, sem qualquer alusão icônica (como se faz às vezes), aquilo que
(VII-22). Quanto à localização cerebral foram as próprias pesquisas mé- se substitui convencionalmente a qualquer coisa para funcionar em seu
dicas, que, com um Head, um Kleist, um Goldstein, vieram evidenciar
lugar (XXXVIII-23.7).
quão incorretamente se tinha armado a questão, quando de início se
atribuiu a zonas determinadas: do cérebro a sede da linguagem pela sim- Dificilmente, uma única metodologia e uma única conceituação
ples indicação de que delas depende o seu funcionamento. poderiam abarcar o estudo do exercício da linguagem e o desse simbo-
lismo que se lhe sotapõe.
Os órgãos vocais e as regiões cerebrais da linguagem são o resulta-
do de uma aplicação secundária, como — na comparação expressiva de É neste último que se circunscreve, instintiva e empiricamente, a
Edward Sapir — os dedos servem para tocar piano e os joelhos para o gramática, na sua accepção estrita de disciplina pré-científica, que se es-
ato simbólico da genuflexão (XLVIII-7).
tabelece para fins práticos num primeiro estágio especulativo de cultura,
como é a “gramática” na Grécia antiga e o “vyakarana” (i. é, analítica)
Finalmente, a própria linguística ultrapassou a sua concepção de
na velha Índia. O que aí se procura, em última análise, é trazer à tona
serem a voz e as articulações correspondentes meros fatos físicos e bio-
um conjunto de fenômenos que, nas sociedades verdadeiramente primi-
lógicos. As idéias fonêmicas, que hoje se substituíram às da fonética na-
tivas, atua espontâneo em nível inconsciente, ou melhor, para atender
turalística, ressaltam um novo aspecto da emissão dos sons da lingua-
aos reparos de Leo Jordan (XIX-72.4), intuitivo; porque — como assina-
gem, ao precisar que ao som propriamente dito se superpõe um valor
la Franz Boas — o uso automático da linguagem não dá oportunidade a
semiótico, que é o verdadeiro elemento linguístico.
raciocínios e interpretações secundárias, à maneira do que ao contrário
sucede com os demais fatos etnológicos (I11-63).
Com isso se afastaram os três fatores que pareciam pôr em cheque
a impressão espontânea — e cientificamente justa — de que, antes de tu-
A gramática, nestas condições, é uma disciplina descritiva, cuja
do e acima de tudo, a linguagem é de ordem espiritual, decorrente da
ascensão a ciência apenas dependeria de desvencilhar-se das considera-
capacidade humana para criar atividades superiores na base de uma utili-
ções de ordem prática e de apurar o rigor de exposição e método, a
zação complexa de órgãos e recursos que a natureza ministrou primaria-
exemplo do que muitas vezes ocorreu alhures, noutros âmbitos do co-
mente com outros fins.
nhecimento; hajam vista a zoologia e a botânica. E é o que colima essen-
cialmente a moderna escola linguística norte-americana, dita de Yale,
4. Complexidade dos aspectos psíquicos. nas diretrizes evolvidas a partir de Leonard Bloomfield e sugeridas pelo
levantamento e exame das línguas índias (1).
Situar a nova ciência no quadro noológico (para usar o termo de
À filosofia, entretanto, interessou o ato lingúístico como criação
Ampêre) ainda não resolve, contudo, o problema da exata clarificação e
quer coletiva, quer individual; e assim se esboçou uma ciência não mais
delimitação do assunto. Há aspectos múltiplos de ordem espiritual e mal
condizentes com uma unificação sistemática.

Assim, O trabalho mental que se consubstancia no ato lingúístico,


é um fenômeno psíquico que repousa num simbolismo preexistente, en- (1) O mais amplo e sistemático esforço neste sentido é o recente livro de
Zellig Harris sobre Métodos em Linguística Estrutural (X).
8 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 9

descritiva, mas de princípios causais, que não poderia absorver em si a nou-o tecnicamente a língua (fr. la langue), com que apenas consolidou
gramática, nem tão pouco nela se dissolver. e apurou o alcance de um termo vulgar. Opôs-lhe concomitantemente a
fala — ou, segundo sugeri há tempos e tem sido usado entre nós, o dis-
Tal é a antinomia que em Wilhelm Humboldt fundamenta a divi- curso (fr. la parole), como um campo complexo e confuso à margem da
são dicotômica do érgon e da enérgeia. A gramática encarou o produto linguística.
(al. Werk), ou érgon, e a própria gramática comparativa não saiu eviden-
temente deste âmbito ao estudar o produto na linha do tempo, em vez É fácil verificar, não obstante, com Kristen Moller entre outros
de surpreendê-lo numa de suas fases. Para Humboldt, ao contrário, o in- (XXXVII-92), como ao lado da oposição do plano coletivo ao plano in-
teresse está na atividade (al. Tátigkeit), ou enérgeia, isto é, — no traba- dividual, com que mais se tem impressionado a exegese para concordar
lho eternamente ocorrente do espírito para se expressar (XIV -44.5). ou discordar, há na língua assim depreendida a noção, pura e simples,
de um esquema de valores simbólicos, sobre que se desenrola a ativida-
Com isso, não ficamos confinados, necessariamente, na atividade de lingiiística. Em outros termos, a “língua” é um sistema organizado,
dos indivíduos, porque a enérgeia está latente no érgon sob o aspecto de enquanto o “discurso” é um conglomerado de fatos assistemáticos.
soma dos trabalhos psíquicos individuais. Apenas, há um deslocamento
O caráter de produto coletivo e o de produto sistemático, por par-
de valor no estudo gramatical, que passa a ser uma sintomatologia da
te da língua, coincidem até certo ponto pela circunstância da sua fun-
atividade linguística: as estruturas da linguagem humana, na sua diver-
ção social, que é estabelecer a comunicação entre os membros do grupo:
sidade, continuam a merecer análise, pois são outros tantos pontos de
o sistema é, em linhas gerais, comum a todos, porque as exigências do
vista da representação do universo (al. Weltansicht) por parte dos ho-
intercâmbio tendem a suprimir os desencontros de concepção esquemá-
mens (XIV-61). Nos termos de Leo Weisgerber (LXI-16 e passim),
tica de um membro a outro; mas não se trata, entre Os dois caracteres, de
temos diante de nós a pesquisa de um universo lingúístico (al. sprachli-
uma unidade de essência,
ches Weltbild) em que a cultura de um povo se entrosa, se reflete e se
alimenta.
A língua preexiste aos indivíduos — é certo —, como insiste Meil-
let nas diretrizes do seu pensamento durkheimiano (XXXV-230). Entre-
Vê-se assim como a concepção de Humboldt, com que direta ou
tanto, a personalidade de cada um de nós trabalha nessa matéria para in-
indiretamente se relacionam múltiplas correntes “etnolingúísticas””
tegrá-la em si, de sorte que a sistematização, em princípio, resulta indi-
urbe et orbe, acaba por passar por cima de uma segunda dicotomia, que
vidual. “A aquisição” — como diz Roman Jakobson — “não é uma sim-
é outro percalço na constituição de uma ciência geral da linguagem: a
ples cópia; toda imitação pressupõe uma escolha e, portanto, um desvio
que decorre de um plano individual em confronto com um plano cole-
criador em relação ao modelo” (XV-2).
tivo.

A possibilidade de uma língua individual, como traço de persona-


S. A língua no conceito saussuriano. lidade, está imanente no conceito de estilo, que vem sendo focalizado,
no âmbito literário especialmente, desde a Antiguidade clássica.
Foi justamente o embaraço que mais agudamente preocupou
Ferdinand de Saussure. Para dirimi-lo, concentrou-se conscientemente Ora, entre a língua, na sua significação saussuriana, e o estilo há
no produto, como instintivamente -já fizera a gramática, distribuindo-o certas antinomias profundas, independentemente da circunstância de
em assunto de estudo estático e assunto de estudo histórico. Denomi- uma ser em regra coletiva e o outro em princípio individual.
10 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 1

6. As funções
da linguagem. Foi essa redução, empiricamente feita, que deu oportunidade a
constituir-se o estudo gramatical, e para ela apelou a doutrina de Saus-
Para compreendê-las, essas antinomias, é preciso levar em conta, sure, a fim de fixar um objetivo nítido e uno para a linguística. Não se
com a Teoria Lingiiística de Karl Bihler (V-12ss), que a linguagem tem, trata senão de uma parte determinada, reconhece ele; mas é uma parte
pelo menos, três funções primordiais, que não se resolvem em unidade. essencial, e, “desde que lhe damos o primeiro lugar entre os fatos da
linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se
Ela é um meio precípuo de exteriorização psíquica, de manifesta- presta a nenhuma outra classificação” (L-25).
ção espontânea de estados dalma. Com isso não se confunde, evidente-
mente, o seu papel de meio de atuação sobre o próximo na vida em co- Teoricamente, justifica-se este ponto de vista pela circunstância
mum. Enfim, estrutura a nossa experiência mentada (para usarmos o de ser a representação mental, mais do que uma função, também a pró-
neologismo filosófico dos espanhóis), dando-lhe uma pauta para desen- pria essência da linguagem humana. É o que lhe permite, melhor do que
volver-se e uma forma para consubstanciar-se. Há para considerar, em os gestos e os gritos inarticulados, exteriorizar estados dalma, atuar so-
consegiiência, a manifestação anímica (al. Kundgabe), a atuação social bre o próximo, tanto quanto consubstanciar a nossa experiência do
ou apelo (al. Auslôsung ou Appell) e a representação mental (al. Dars- mundo dos objetos. Por isso, diante da conceituação tripartida de
tellung). Biihler, Friedrich Kainz decompõe a representação linguística no que
lhe cabe como natureza essencial (al. Darstellung, propriamente dita)
Wolfgang Kayser lembrou, recentemente, como as três funções,
e como função informativa (al. Bericht). A circunstância de podermos
assim destacadas, encontram correspondência na poesia, relacionando-
pela linguagem manifestar estados psíquicos ou influir no comporta-
-se-lhes, respectivamente, em essência, o gênero lírico, o drama e a épica
mento dos nossos semelhantes (Kundgabe e Appell) decorre, tanto
(XX11-336). É um índice interessante do que há de básico na tríade
quanto a transmissão de um nosso conhecimento (Bericht), do “mo-
funcional de Búhler, a qual assim se entremostra ainda no plano restrito
mento representativo”, que para todas as funções se encerra na lingua-
de uma aplicação sofisticada da linguagem, qual é a poesia, quando um
gem humana: ela é sempre “símbolo”, nunca um mero “sinal” de apelo
meio de comunicação ampla se reduz a matéria de uma mensagem de
ou um mero “sintoma” de exteriorização psíquica (XX-176).
arte.

A língua, no seu conceito saussuriano, se deduz apenas da função Tanto vale dizer com Cassirer que a linguagem é, antes de tudo,
representativa, pois compreende a estrutura, o esquema, o padrão ou a um produto intelectivo, e encontra a sua adequação plena na terceira
pauta que rege, em termos lingúísticos, a nossa representação do mun- função de Búhler. A manifestação anímica, em que insiste por exemplo
do exterior e interior. Resulta de um trabalho de intuição infra-racio- - Vossler, e a atuação social, de que partiu De Laguna para a sua conhe-
nal, mas de caráter intelectivo, que justamente a gramática se propõe a cida teoria sobre a origem da linguagem, se lhe impõem por extensão e
trazer para O plano da consciência, pondo-lhe em evidência os sistemas procuram adaptá-la a si.
de sons, de formas, de significações e de ordenação de elementos, ou -
sejam — o fônico, o mórfico, o semântico e o sintático.
7. O estudo da língua como parte da lingiiística.
A redução da linguagem a um dos seus aspectos, em que ela é o
produto da inteligência intuitiva, simplifica o problema da nossa aproxi- É inegável, não obstante, que para uma e outra é a linguagem o
mação científica diante do fenômeno lingúístico. veículo mais próprio e natural. A adaptação é das mais satisfatórias,
CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 13
12 J. MATTOSO CÂMARA JR.

O que o conceito saussuriano da língua afasta decisivamente de


e relega para um uso esporádico e secundário outros recursos, como os
si, se inclui, ao contrário, naquele conceito de estilo, a que hê pouco se
do olhar, da fisionomia, dos movimentos corpóreos, que passam a acom-
fez aqui referência.
panhar apenas a fala, à maneira do fundo musical que sublinha as pa-
lavras de um canto.
Vimo-lo, então, sob o aspecto de uma espécie de língua indivi-
dual, em contraste com a língua propriamente dita, que é, de maneira
Nestas condições, a restrição do estudo ao esquema intelectivo da geral, coletiva. Mas com isso não se esgota a sua conceituação, como lo-
língua importa, a rigor, numa mutilação do fenômeno linguístico. Até go se ressalvou de início.
certo ponto, se justificam os protestos de um Ginneken, de um Vossler,
de um Leo Spitzer ante essa maneira de delimitar a linguística.
8. O conceito de estilo.

É o intento de lhes ir ao encontro que tem sugerido, na base da


Em verdade, o estilo é a definição de uma personalidade em ter-
divisão entre língua e discurso, o esboço de uma lingiúística do discur-
mos lingúísticos.
so, cuja possibilidade o próprio Saussure admitira a título de concessão
marginal (L-38). Foi o que Sechehaye seriamente considerou na sua
Dele transuda, pois, um Weltansicht humboldtiana, sem dúvida; e
exegese sobre As Três Lingúísticas Saussurianas (LI-1.48).
por este prisma será uma língua individual, Abrange também, por outro
lado, todos os fenômenos específicos que aparecem em nossa linguagem
Sucede, porém, que o termo parole tem em Sausurre um alcance como meio de exteriorização e apelo. A rigor, são eles os fenômenos
muito heteróclito e confuso para uma' exploração científica dessa or- mais típicos da personalidade, pois o sistema representativo temo-lo de
dem. A sua grande vantagem é, justamente, englobar todos os elemen- usar em franca harmonia com o que a respeito impera em nosso grupo
tos da linguagem que prejudicam o esforço no sentido de um assunto social, Para nos tornarmos pouco inteligíveis, não é preciso sequer aí
homogêneq e uno, qual o conceito de langue logo ministra. uma criação individual propriamente dita; basta atermo-nos a alguns
traços que já estão exluídos do sistema em seu estado vigente, como
O problema fica mal colocado, quando se parte do segundo ter- exemplificam à sua custa os pedantes de todos os tempos.
mo da dicotomia saussuriana.
Como se define formalmente, porém, a grande parcela do estilo
que assim escapa ao conceito saussuriano da língua? Evidentemente,
A divisão trifuncional de Biúhler nos dá muito melhor fundamen- por uma linguagem que transcende do plano intelectivo para carrear a
to para a ampliação do campo da lingiística. emoção e a vontade.
A língua abarca a função representativa, que também está — é cer-
A língua nos fornece as formas para estabelecer (al. Darstellung)
to — na própria essência da linguagem; mas deixa de fora fenômenos es-
e dar a conhecer na comunicação social (al. Bericht) as nossas represen-
pecíficos da manifestação anímica e do apelo ou atuação social, embora
tações de um mundo objetivo e de um mundo interior. Mas ajunta-se-
ambas estas funções se desdobrem sobre a pauta do sistema intelectivo
lhe espontaneamente a exteriorização do estado dalma em que tais re-
das representações simbólicas. Ao lado da gramática, que trata desse sis-
presentações nos lançam, e o impulso de fazer o próximo partilhá-lo
tema, impõe-se uma disciplina referente ao que, assim, fica posto à mar-
conosco.
gem do estudo.
J. MATTOSO CÂMARA JR.
CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 15
14

um simbolismo mais amplo, que lhe permite consubstanciar estados


A língua absorve, destarte, uma carga afetiva que se infiltra em dalma profundos e o apelo de uma vontade ativa.
seus elementos e os transfigura por assim dizer. O adjetivo belo, por
exemplo, tem uma significação intelectiva e encerra um julgamento O sujeito falante rege-se por um sistema lingúístico de representa-
acerca do ser a que é aplicado; traduz uma determinada representação ções intelectivas que estabelece a comunicação pela linguagem, e simul-
desse ser (um bosque, digamos), distinta da que transmitira denso, ou taneamente o utiliza para satisfazer os seus impulsos de expressão.
grande, ou verde. Até aí, estamos na língua em senso estrito; mas dela
transborda o ato lingúístico, que é a enunciação do termo em dadas Nestas condições, a estilística defronta-se com três tarefas: 1) ca-
circunstâncias, porque nele se revela o entusiasmo de quem assim nos racterizar, de maneira ampla, uma personalidade, partindo do estudo
fala ou ainda o seu esforço para nos fazer participar desse entusiasmo. da linguagem; 2) isolar os traços do sistema lingúístico, que não são pro-
priamente coletivos e concorrem para uma como que língua individual;
O alcance representativo do termo se desdobra num alcance ex- 3) concatenar e interpretar os dados expressivos, determinados pela
pressivo, em que se integram as funções da manifestação psíquica e do Kundgabe e pelo Appell, que se integram nos traços da língua e fazem
apelo. É neste sentido que um foneticista, como Armando de Lacerda, da linguagem esse conjunto complexo e amplo de enérgeia psíquica.
considera entidades fonéticas distintas duas ou mais enunciações de
uma mesma palavra em distintas situações concretas (XXV-7.8). A primeira tarefa é que se objetivou há muito na crítica literá-
ria (2), e cria uma disciplina em que hoje coopera a linguística com fi-
Se estamos certos nesta ordem de idéias, chegamos à conclusão de guras como Vossler e Leo Spitzer. Na segunda, concentra-se especial-
que o estudo do estilo nos dá a contraparte linguística que nos faltava. mente Marouzeau no seu conceito e na sua aplicação da estilística, Com
Com ele temos a linguagem distribuída em torno dos dois pólos da re- a terceira, enfim, entramos na concepção de Charles Bally, e com ele
presentação mental pura e da expressão psíquica lato sensu na Dupla ampliamos o âmbito da linguística num néosaussurianismo cheio de su-
Função de que nos fala Paulhan sob os nomes de linguagem significati- gestões fecundas.
va e linguagem sugestiva (XLIII-1 7ss.).
Não se trata, contudo, de disciplinas a rigor separadas, nem cabe
A estilística vem complementar a gramática. falar em várias estilísticas de natureza distinta, como admite Wolfgang
Kayser (XXII-271 ss). A personalidade linguística caracteriza-se pelos
traços não-coletivos do seu sistema e pela manifestação psíquica que
9. Estilo e estilística.

A nova disciplina assim compreendida não coincide com uma pro-


blemática linguística do discurso, onde se emaranham todos os aciden- (2) A estilística literária, com caráter normativo e objetivo prático tal qual
tes, assistemáticos e inexpressivos, da formulação e da execução verbal. a gramática tradicional, é o âmago da “'retórica”” helênica ao lado da “gramáti-
Ao contrário, daí se depreende o estilo por uma delimitação, como faz ca” e do alamkarona hindu, ou estudo “ornamental” em face do vyakarana, ou
estudo analítico (ver pág. 14). Desvencilhada hoje dos fins estritamente práticos,
a gramática para depreender a língua. é comumente considerada como sendo a estilística propriamente dita e descarta-
da às vezes da linguística, como sendo disciplina “literária”, Cf. a atitude neste
Dos fatos da fala, que são uma ganga heterogênea e confusa, sentido de Sturtevant em sua recente Introdução à Ciência Lingiística (LVII —
64).
emerge o simbolismo representativo do sistema intelectivo da língua e
16 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 17

funciona em sua linguagem. Por outro lado, os traços não-coletivos do A título de ilustração, detenhamo-nos numa delas: o caráter ar-
sistema são fáceis ou, antes, inelutavelmente transpostos para o plano bitrário dos símbolos linguísticos, enunciado em termos categóricos
da emoção e da vontade expressiva. A liberdade que a língua faculta por Saussure (L-100). Sabe-se que com isso entendia ele a circunstância
num ou noutro ponto permite-nos ser originais continuando, pelo me- de não haver uma relação necessária entre a natureza das coisas e a dos
nos, inteligíveis; e essa oportunidade o nosso espírito logo aproveita sons que na língua as designam, como logo ressalta ante “a diferença
para o fim das suas exigências expressivas. entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes”.
Tanto vale dizer, por conseguinte, que a conceituação nos mol-
Com efeito, no âmbito daquele sistema, que caracterizamos como
des de Bally é que vai ao cerne do assunto. A depreensão da persona-
intelectivo e que, como vimos, Saussure tinha antes de tudo em mente,
lidade lingúística e o estudo das possibilidades de escolha nela repousam
é inconcussa a possibilidade de um qualquer grupo de sons significar
e dela se nutrem.
uma coisa qualquer. A associação entre um e outra depende apenas de
Compreende-se, por outro lado, que, assim como a língua, no uma convenção semiótica, que é tanto mais maleável e eficiente quanto
conceito saussuriano, se define primordialmente um sistema de “repre- maior é a autonomia dos elementos significantes em face dos significa-
sentações”” sobre ser um bem coletivo, também o estilo caracteriza-se dos, Se a vogal /a/ por exemplo, em virtude da sua sonoridade e do
como um conjunto de “expressões”, independentemente da circunstân- grande abrimento bucal de que decorre, estivesse necessária e exclusi-
cia de ser um predicado do indivíduo. vamente ligada às noções do claro e do brilhante, ficaria ipso facto tolhi-
da no amplo jogo mórfico em que se desdobra para caracterizar uma
Nem a individualização é aí, em regra, muito nítida e rigorosa. Es-
conjugação verbal em português, ou ser um prefixo negativo em grego,
tamos por demais impregnados na atmosfera social para apresentar a es-
ou ser O aumento verbal em sânscrito, e assim por diante; mesmo quan-
te respeito uma originalidade a cem por cento. “Muitas vezes” — co-
do coincidissem o valor interno, na língua, e a correspondência externa,
menta Sapir, encarando o tema da análise da linguagem do ponto de vis-
enfraqueceria ao primeiro esta motivação de outra ordem para a presen-
ta do estudo da personalidade — “temos a impressão de ser originais e
até aberrantes, quando, em suma, estamos apenas repetindo um padrão ça da vogal.
social com a mais ligeira das notas de individualidade” (XLIX-534).
Já do ponto de vista da linguagem expressiva não cabem tais con-
O estilo individual se esbate, assim, no estilo de uma época, de siderações.
uma classe, de uma cidade, de um país. E é desta sorte que se pode fa-
lar até no estilo de uma língua, como pôs em evidência Bally para o Um estado dalma tende a um contacto com o objeto do seu esti-
francês em cotejo com o alemão (este voltado para o sujeito falante, mulo, e cria-se uma harmonização de que a manifestação linguística re-
aquele orientado para o ouvinte) (11-202). sultante apresenta os vestígios. É o que ressalta do conjunto das inter-
jeições puras, onde a ligação com o mundo das coisas pode chegar até
à onomatopéia, que não é o nome intelectivo de um ruído, mas antes a
10. Consegiiências teóricas. exteriorização do prazer, do medo, da curiosidade que ele provoca.

A consideração de uma estilística, ou linguística do estilo, ao lado Aqui, ainda estamos, a bem dizer, numa zona de fronteira em re-
da linguística da língua (se é lícita a aparente tautologia), esclarece não ferência à linguagem humana plenamente elaborada. Se a manifestação
poucas questões intrincadas e controvertidas em matéria de linguagem. e o apelo são, entretanto, funções normais dessa linguagem, é fácil per-
18 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 19
ceber que a carga expressiva, estendendo-se a todos os elementos lin- fortuita, nos sons, do que podemos chamar um ambiente afetivo (a
gúísticos, forceja por anular o princípio da arbitrariedade, sob cuja tragédia shakespeariana quanto a tempest; a evocação da pirataria no
égide eles se constituíram. mar das Antilhas, à qual se prende o vocábulo inglês Aurricane; e as lem-
branças da experiência diária, associada com storm).
Isso acontece com tanto mais força quanto mais ele funciona co-
mo manifestação psíquica ou apelo, Compreende-se assim que na poesia
É essa tonalidade afetiva (ing. feelingtone) que cria a Tirania das
lírica, em que se consubstancia essencialmente a exteriorização de um
Palavras, de que nos fala Stuart Chase (LVI) e com que tanto se preo-
estado dalma, se apresente em grau elevadíssimo esse afã de relacionar
cupam os seus companheiros do semanticismo norte-americano às vol-
intensamente os conjuntos sonoros com os respectivos significados.
tas com uma “higiene da fala”. Um traço estilístico se introduz no sis-
tema representativo puro, desvirtuando-lhe o aspecto intelectivo e pre-
A maneira por que se dá o que podemos chamar a neutralização
judicando-lhe a função informativa ou Bericht.
do caráter arbitrário no som lingúístico, é múltipla e complexa em
mais de um sentido,
Temos, portanto, um dos propósitos da estilística na depreensão
Walter Porzig distingue no fenômeno três aspectos diversos, que desse mecanismo de motivações que a linguagem expressiva estabelece,
são — a imitação sonora, a transferência sonora e a correspondência ar- entre o significante e o significado, em contradição, por assim dizer,
ticulatória (al. Lautnachahmung, Lautubertragung, Lautgebarde) com a essência meramente semiótica dos elementos lingiiísticos.
(XLIV-21.).
O caráter em princípio individual do estilo explica, neste âmbito,
A primeira é o efeito mais ou menos onomatopaico. O resultado por que não se trata, em regra, de padrões sociais, generalizados regu-
larmente e nítidos. Como ressalva Sapir, as tonalidades afetivas são sus-
de uma elaboração psíquica mais sutil se revela na segunda, onde, na
base das sinestesias, outros predicados sensoriais, que não os ruídos, se
cetíveis de variar enormemente. O mesmo se pode dizer da transferên-
cia sonora, onde os valores cromáticos das vogais, por exemplo, se têm
transferem para os sons linguísticos. Finalmente, há a possibilidade de
criar-se uma correspondência entre o som lingiiístico e as modalidades revelado à experimentação científica caprichosos, fugidios e em muitos
dos movimentos articulatórios que o produzem; salientou-a Wundt pacientes praticamente nulos; basta citar o conhecido soneto de
com especial insistência na sua teoria da linguagem. Rimbaud, onde o subjetivismo atinge ao máximo, provavelmente — co-
mo aventa Svend Johansen — em virtude de uma experiência inicial e
Destarte, conforme o caso, a vogal /a/ se associa com um ruído personalíssima da infância do poeta, na base de uma cartilha de leitura,
forte e estridente, com um efeito de claridade brilhante por sinestesia onde cada letra, para cada vogal, se apresentava com uma cor conven-
entre som e cor, ou com uma impressão de amplitude em consequência cional determinada (XVII-56.8.).
da distensão muscular e do abrimento bucal que exige.
Até a imitação sonora é variável e incerta, o que é muito fácil pôr
Mas há motivações ainda mais fugidias, à maneira do que Sapir em evidência no exame e cotejo das onomatopéias.
destaca nos três sinônimos ingleses storm, tempest e hurricane: o pri-
meiro — simples e incisivo, o segundo — magnificente, o terceiro — im- Na realidade, a coesão estilística só se firma neste particular,
pregnado de uma rudeza direta (XLVIII-41.2). Já não se trata aí de uma quando o texto e a situação lingúística tendem a criar um ambiente afe-
relação entre a natureza dos sons e a das coisas, mas de uma absorção tivo comum, de que emerge um laço uno de motivação. Em outros
20 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 21

termos, para que o símbolo linguístico perca, apreciavelmente, dentro Põe-se em especial relevo o equilíbrio instável que caracteriza to-
da língua o seu caráter arbitrário, é preciso uma unidade de estados dal- do e qualquer sistema lingúístico, em virtude da própria circunstância
ma no grupo humano, fundamentada na convergência sutil e complexa de ser produto da inteligência intuitiva, constituído por contingências
de fatores psíquicos. em que não entra a ordenação de uma vontade racional. A evolução,
nestas condições, pode ser explicada em grande parte como a conse-
Os poetas líricos sentem o que há de precário e falaz nessa relação quência de um trabalho incessante de redisposições, onde cada mudan-
entre significante e significado, de que fazem o eixo da sua linguagem ça, que vem compensar um desequilíbrio, cria desequilíbrios outros,
expressiva, e raramente se contentam com a evocação que a situação e alhures, na rede de associações e contrastes do sistema.
o texto propiciam. Daí, a delicada técnica estilística que Grammont
tão bem analisa: “sucede-lhes muitas vezes que repercutem em torno Pode-se falar até, com Sapir, numa deriva (ing. drift), determina-
da palavra principal os fonemas que a caracterizam, de sorte que essa da pela conjunção de certos reajustamentos, porque os pontos fortes se
palavra se faz em suma a geratriz do verso inteiro em que figura; ou en- impõem aos fracos e tendem a remodelar o sistema num sentido, que,
tão, quando nenhuma palavra particular está em vista, acumulam nos para a linguística a posteriori, é satisfatoriamente delineável,
versos os fonemas mais próprios para pôr auditivamente em foco a
idéia a exprimir” (VIL-404), Ora, as solicitações da linguagem expressiva também não devem,
paralelamente, ser esquecidas. A cada passo, no discurso, deparamos
com o problema de transmitir a vibração de um estado dalma ou a força
de um apelo a formas que mais propriamente se prestam à representa-
11. A estilística e a evolução lingiística. ção pura. Há como que uma tensão perene no instrumento linguístico,
posto assim ao serviço das emoções e dos impulsos da vontade. Em
Outra questão para que pode contribuir o conhecimento da essên- cada um de nós, o estilo, em dados momentos, faz violência à língua e
cia e da importância do fenômeno estilístico é o que se refere à evolu- não poucas vezes a dobra no seu interesse.
ção das línguas,
Aqueles que, como Leo Spitzer, focalizam de preferência o aspec-
A lingúística hodierna, empenhada em ser uma ciência de conteú- to da exteriorização psíquica, estão em ótimas condições para bem
do próprio e auto-suficiente, tende a relegar para um plano secundário apreciar essa ação da expressividade nas mudanças de uma língua e a
possíveis causas de evolução, de ordem física, biológica, étnica ou so- onipresença da estilística na exata explicação de uma evolução lingúís-
cial. Concentra-se, principalmente, numa explicação fundamentada nas tica.
condições internas do sistema; donde a fórmula de Louis Hjelmslev:
“Toda ou quase toda explicação dada até agora das transformações dia- É, por certo, excessivo dizer que — “toda mudança histórica na
crônicas prende-se à lingúística externa. É chegado o momento de língua decorre do esforço para uma expressão pessoal” (LIV-428), mas
procurar as causas profundas dessas transformações no mecanismo in- é perfeitamente justo levar em conta esse esforço ao lado do critério es-
terno da própria língua” (XII1-286). truturalista.

Para tanto, parte-se — como era de esperar — da língua no sentido Um bom exemplo de interação dos dois fatores proporciona o la-
saussuriano, tim na “deriva” para o romance. Meillet, no seu clássico Esboço de uma
22 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO 'A ESTILÍSTICA PORTUGUESA 23

História da Língua Latina (XXXVI) ressaltou a linha evolutiva que con- terário, concentrarmo-nos num poeta ou num prosador de nota. Dada,
dicionaram ao sistema lingúístico latino as suas próprias disposições de por outro lado, a circunstância de que o estilo tende a ser um denomi-
formas e categorias. Não se esquece, entretanto, de assinalar as repercus- nador comum de um grupo humano coeso, podemos no mesmo sentido
sões que advêm de um constante esforço expressivo por parte de uma tratar de uma época, ou de uma escola literária, ou de uma classe social,
comunidade linguística de vida trepidante, como população urbana que ou investigar uma gíria, quer entendida como um calão de malfeitores,
era, e em incessante expansão e renovação étnica e política. E, mais re- onde se exteriorizam recalques e impulsos afetivos, quer ainda, lato-
centemente, Henry Muller nos faz volver os olhos para a revolução reli- -sensu, como um estilo popular coletivo. Neste último sentido amplo,
giosa do Império, com os novos cultos de Isis, Mitra, Hermes Trimegis- em que em geral se entende em inglês o termo slang, a gíria é compará-
to, orientados para um ansioso “soterismo” individual; todos eles e o vel à expressão literária pelo seu fundo estético e mais ou menos sofisti-
Cristianismo em particular, eclodindo num determinado momento his- cado, resultante que é de “uma disposição de ânimo altamente colori-
tórico, vão fornecer ao homem romano “um motivo transcedente de da, composta de certos elementos de vivacidade, chiste, acinte e petu-
exaltação” (XXXIX-30). lância” (XXII1-434).

Meillet já relacionara o aparecimento do artigo ao abuso estilísti- O ponto de vista que focaliza, antes de tudo, “a escplha que faz
co no emprego dos demonstrativos, decorrente das injunções da expres- dos elementos constitutivos de uma língua dada aquele que a emprega
sividade (XXXVI-256). Henry Muller relaciona a ascensão do acento de em determinada circunstância” (XXVI-198), desviará a pesquisa para a
intensidade ao misticismo e ao fervor religioso que passa a marcar com depreensão de uma língua individual ou de um grupo particular, como
um icto de insistência as sílabas tônicas, até então caracterizadas muito variante da língua comum, no conceito saussuriano.
mais pela altura (XXXIX-30.1). Tanto vale filiar num traço estilístico,
em última análise, a evolução fonética em geral com o seu rol de diton- Seremos, então, levados a insistir em certas anomalias inexpres-
gações, ensurdecimento de finais, africamentos, palatalizações. sivas quanto à exteriorização psíquica e ao empenho da atuação sobre
O próximo, mas porque marca de uma individualidade lingúística em
Temos assim firmada a importância e a posição da estilística na confronto com o uso geral. Por exemplo: a indistinção, no espírito de
ciência geral da linguagem. Alberto de Oliveira, entre os indicativos presentes dos verbos em -uir
(ditongo /uy/) e os subjuntivos presentes dos verbos em -uar (termina-
Resta dizer algumas palavras sobre o método mais conveniente ção dissilábica /u-i/), qual transparece quando faz flutues um ditongo
para o estudo estilístico. em rima com azuis:

12. O método estilístico. “Vem — segredava o luar — descerra uma por uma/as
pétalas azuis!/Dou-te um lago de espuma,/onde melhor flu-
É uma consequência do conceito de estilo, estabelecido no 8 8, tues” (R-204).
termos ante nós mais de um caminho e mais de um campo delimitado
de exploração. O contraste disso, com a pesquisa na base da linguagem expressi-
va, ressalta da diérese nos grupos vocálicos átonos, como recurso para
Visando à pesquisa da personalidade linguística, podemos fazer a uma motivação sônica do significado. Assim, a doçura dalma e a tensão
estilística de um sujeito falante especialmente dotado, e, no âmbito Ii- nervosa, implícitas em piedade e ansiedade respectivamente, é que con-
CONTRIBUIÇÃO À ESTILISTICA PORTUGUESA 25
24 J. MATTOSO CÂMARA JR.

A estilística é a ciência da linguagem expressiva, independente-


dicionam as pronúncias /pi-e-da'-di/e /ansye-da'-di/ no famoso soneto
mente do âmbito particular em que a expressividade linguística funcio-
místico de Antero de Quental:
na. Também aqui, — como Sapir assinala para o sistema representati-
vo — se pode dizer que — “Platão vai de par com um porqueiro da Ma-
“Num sonho todo feito de incerteza,/de noturna e indizível
cedônia, Confúcio com um caçador de cabeças do Assam” (XLVIII-
ansiedade/é que eu vi teu olhar de piedade,/e, mais que pie-
-234). Apenas cabe ressalvar que num poeta, da mesma sorte que em
dade, de tristeza” (S-38). Platão ou Confúcio no âmbito da linguagem representativa, os traços
são mais típicos e mais nítidos, pois os processos estilísticos se acham a
Não é crível, com efeito, que não houvesse aí um impulso psíqui-
serviço de uma psique mais rica e especialmente educada para o obje-
co, tanto mais que a diérese de piedade não é sistemática no poeta e en-
tivo de exteriorizar-se.
contramos, mais de uma vez, o vocábulo como trissílabo; nem é razoá-
vel explicá-la por exigência métrica, porquanto um virtuose do verso, É o método assim delimitado que convém ilustrar com alguns as-
como Quental, é senhor da métrica, e não seu escravo (3). pectos da estilística portuguesa, a fim de trazer para um plano mais
concreto as sumárias considerações que até agora foram aqui desenvol-
Se a essência do estilo está, como vimos, em ser uma manifesta- vidas.
ção psíquica ou um apelo por meio da linguagem, a base verdadeiramen-
te sólida da estilística é o balanço dos processos expressivos, em geral,
de uma língua, independentemente dos indivíduos que dela se servem.

Consiste em assinalar, ao lado de um sistema de fundo intelectivo,


um sistema de expressividade que nele se insinua e com ele funciona
inelutavelmente. Assim compreendida, é o complemento da exposição
gramatical, desdobrando-se, como esta, no exame dos sons, das signifi-
cações e das ordenações formais; apenas o sistema mórfico não parece
compadecer-se com uma exploração por este prisma, como criação cen-
tral, que é, da inteligência intuitiva que plasma a linguagem,

Abrangem-se, destarte, todos os valores expressivos que se acham


em potencial numa língua e se podem realizar nas mais variadas circuns-
tâncias da atividade linguística.

(3) Para se ver o absurdo de explicar a diérese como exigência métrica,


basta atentar que uma modificação mínima possibilitaria a sinérese, se o pocta a
preferisse: “é que eu vi os teus olhos de piedade,/ e, não só de piedade, de tris-
teza”. Da mesma sorte, se teria a diérese em ansiedade: “de indizível, noturna
ansiedade”,
PARTEII
ASPECTO DA ESTILÍSTICA
PORTUGUESA
I

ESTILISTICA FÔNICA

1. Os traços estilísticos.

Ao lado da fonologia, que se circunscreve à língua ou estrutura


linguística (langue, de Saussure; Sprachgebilde, de Bihler), foi previs-
ta pelo Círculo de Praga a estilística dos sons vocais, ou estilística fô-
nica (al. Lautstilistik).

Trubetzkoy reservou-lhe, porém, muito poucas páginas dos seus


Fundamentos da Fonologia, Nelas teve principalmente em vista mostrar
a conveniência de não incluir no conceito de fonema os traços expressi-
vos, em que se revela a manifestação psíquica ou o apelo. Para ele, em
franca divergência com Julius Laziczius, o fonema é um elemento semi-
ótico que, a serviço exclusivo da função representativa, figura na cons-
tituição das palavras e serve para distingui-las (LIX-19ss.).

Os traços estilísticos, ao contrário, revelam estados dalma e impul-


sos da vontade, latentes na enunciação das palavras, e, nesta base, dis-
tinguem como duas ou mais enunciações o que é uma palavra única pelo
prisma representativo.

É natural, portanto, que a estilística fônica aproveite primacial-


mente traços fonéticos que não estão sistematicamente utilizados nas
oposições e nas correlações dos fonemas e dos grupos fonêmicos.

2. Acento e quantidade.

Um desses traços estilísticos que logo ressaltam em português, é


o acento vocabular de altura inteiramente irrelevante — ao contrário
CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 31
30 J. MATTOSO CÂMARA JR.
decer. As duas restantes interessam a função da manifestação dos senti-
do que sucede com o acento de intensidade — para a caracterização das
mentos: em vez de trazer em si um empenho volitivo, exteriorizam um
palavras. Outro é a quantidade vocálica, que não figura no quadro es-
estado afetivo. Opôem-se, por sua vez, uma à outra, como índices res-
trutural das vogais portuguesás, dispostas em séries de abrimento bucal pectivos do estado de depressão e do de emoção pura e simples.
(/a-ê-e-i/, /ô-0-u/) e não em pares de longa versus breve, como em latim
clássico, grego antigo ou sânscrito. É que a altura descendente participa, complementarmente, até
certo ponto, do apelo num sentido negativo: revela a ausência da
A altura só interessa à fonologia em português para distinguir a vontade, ou melhor, o desânimo de fazê-la valer. A altura ascenden-
frase assertiva da interrogativa. Aí estamos no âmbito da entoação stric-
te-descendente, ao contrário, é o acento da mera expressão emotiva,
to-sensu, ou tom frasal, em comum com a grande maioria das línguas do
sem interferência de outra ordem funcional.
mundo: a asserção modulada num tom ascendente-descendente, e a per-
gunta num tom ascendente que se explica — segundo Paul Kretschmer
Todos os três tons se entrosam com o icto na sílaba tônica da pa-
— por ser, em última análise, toda pergunta a primeira parte de uma as-
lavra para fazer de uma mesma palavra, pelo menos, três enunciações
serção em potencial (XXIV-27-50).
expressivas distintas. Assim, numa frase — “Já não penso mais nisso!”,
independentemente da entoação frasal, há em cada sílaba tônica (já,
Dentro de cada palavra de uma frase, entretanto, temos também a
pen-, ni-) um acento de altura, que é em ascensão numa decisão categó-
altura para traduzir de maneira firme os mais variados estados dalma.
rica, em decréscimo numa atitude de desânimo, e de uma ascensão que
Podemos falar num sistema expressivo de acentos de altura, que o sujei-
decai gradualmente num trance sentimental.
to falante de língua portuguesa emprega e, como ouvinte, apreende in-
tuitivamente e com absoluta segurança.
O jogo tonal importa num alongamento da vogal que lhe serve de
base. Tanto em tom ascendente quanto descendente, ela tem uma dura-
A experiência diária, que nos dá distintas reações espontâneas,
ção maior que a fonológica, e é essa quantidade que facilita a gradual
conforme distintos tons de voz na emissão de um vocábulo, presta-se,
elevação ou o gradual abaixamento da voz. A vogal ascendente-descen-
neste particular, a ser investigada metodicamente para o fim de uma
dente, por sua vez, constitui duas moras ou sub-unidades prosódicas,
descrição satisfatória da altura expressiva.
porque se interpõe um ápice de altura durante a sua emissão nitidamen-
te circunflexa,
É uma tarefa, porém, que foge do nosso objetivo programático de
contribuição para a doutrina e o método geral da estilística portuguesa. Podemos admitir, portanto, na estilística fônica os traços do
Demais, requer uma preparação e uma documentação experimental, cui- acento de altura e da quantidade vocálica coordenados entre si. AO con-
dadosa, paciente e regularmente feitas, que aqui não foram previstas. trário, do ponto de vista fonêmico ou fonológico, não há vogais longas
em português, como não há tom silábico-vocabular.
Limitemo-nos a apresentar, como um sugerível ponto de partida,
uma distinção fundamental entre altura ascendente, altura descendente
e altura ascendente-descendente nesse quadro expressivo. Observe-se, por outro lado, a diferença entre o alongamento vocá-
lico de valor expressivo e o que resulta, na fala, de um lapso ou hesita-
A primeira tende a caracterizar a função do apelo: marca o inten- ção na formulação verbal. É este último que surpreendemos na emissão
to de atuar sobre o próximo, ou, noutros termos, de fazermo-nos obe- da partícula e (/i/), que se prolonga anormalmente enquanto se procura
32 3. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 33

uma palavra adequada para apor-lhe; ou, ainda, na sílaba inicial de uma A sua posição variável no corpo da palavra funciona — todos o
palavra que reflexão imediata nos induz a cancelar ou substituir. Aí te- sabem — para distinguir palavras constituídas pelos mesmos fonemas:
mos um mero acidente de execução, sem qualquer significação lingiú ís- válido e valido, jaca e jacá, ou entre forma nominal e forma verbal —
tica; é o caso típico do fato de “parole”, que fica à margem quer da lín- fábrica e fabrica, rótulo e rotulo, célebre e celebre, ânimo e animo,
gua, quer do estilo, conquanto possa ser característico de uma fala in-
dividual. Serve ainda para opor partículas átonas a formas nominais ou
verbais tônicas dentro de um sintagma: para aqui (prep. com adv.)
Grandes efeitos no ritmo poético, em português, dependem das — pára aqui (verb. com adv.), por certo (prep. com adv.) — pôr certo
quantidades vocálicas de valor estilístico. Elas, juntamente com a va- (verb. com adv.).
riável duração das pausas no interior do verso, alteram o tempo regular
do verso silábico e fazem da métrica, aparentemente rígida e invariável, Ora, a força das sílabas tônicas só funciona com plenitude abso-
um desdobramento rítmico que se pode cingir maleavelmente ao pen- luta no vocábulo isolado. Na frase, quando se encadeiam dois ou mais
samento e trazer harmonias inesperadas. vocábulos num contínuo fonético, que reflete a sua integração numa
unidade de sentido ampla, estabelece-se uma hierarquia de sílabas
A leitura silenciosa ou em voz alta recria esses efeitos pela obedi- tônicas em ordem progressiva: a última delas fica a do acento dominan-
ência aos alongamentos expressivos que do texto espontaneamente te do grupo, e as demais perdem, pelo menos em parte, a sua força, bai-
xando a subtônicas. É o que acontece em conjuntos de nome com qua-
emergem. Assim, impõe-se uma vogal longa, com altura ascendente-des-
lificativo, de nome com adjunto nominal, de verbo com complementos
cendente, no adjetivo só da exclamação com que se abre um verso de
modificadores essenciais: o belo livro /ube'lulivru/; o livro de Pe-
Raimundo Correia:
dro fuli'vrudipe'dru/; falei zangado [faley'zanga'du/.
“E ela tão só! ... Já pende fatigada,/ cheia de sono a
A mesma subtonicidade, em virtude do mesmo ritmo acentual
sua fronte linda” (H-122).
progressivo, aparece em vocábulos compostos, quando nitidamente sen-
tidos como tais, e até em derivados como nos advérbios formados com
Uma duração regular, sem acento tonal, com outro ritmo dentro
do mesmo metro, seria a da informação singela, possibilitada numa fra- o sufixo mente. A sílaba tônica radical se reduz a subtônica, mantendo
se em que o poeta desistisse da forma exclamativa: até, no caso de /ê/ ou /0/ aberto, este seu timbre, que se fecharia meca-
nicamente em posição átona (/formo'samen'ti/).
“Ela está só e pende fatigada, / cheia de sono a sua
fronte linda”. Já por aí se vê que a estilística fônica tem duas brechas para atuar
no âmbito da acentuação intensiva. De um lado, pode dar tonicidade a
Em referência à acentuação, o efeito estilístico não depende ape- uma partícula átona, em que se concentra a emoção ou o impulso voliti-
nas, aliás, da altura. O acento de intensidade também possui significa- vo: “Venha para aqui”, com a preposição pronunciada /pára/ de /a/ tô-
ção expressiva. nico e aberto, carreando um apelo incisivo. De outro lado, pode elevar a
tônica plena uma sílaba feita subtônica pela sua posição no sintagma:
Para compreender essa circunstância, é preciso atentar no papel “Um belo livro!”, com a força de emissão de be- em predomínio sobre a
exato da intensidade como elemento fonológico ou fonêmico. de li- numa inversão do ritmo acentual progressivo.
34 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 35

Em poesia, esse efeito ressalta imperativamente, impondo-se à lei- Fonologicamente, as sílabas iniciais átonas só apresentam, com
tura, quando o grupo fonético é cindido pela terminação do verso; as- efeito, a rigor, uma atonicidade relativa. Nelas há, por assim dizer, um
sim, o enjambement (ou encadeamento, se preferirmos a tradução, ado- resíduo de intensidade, que se torna bem sensível em cotejo com as áto-
tada por exemplo por A. Soares Amora) (LIII-142) é um processo de nas finais. É esta diferença que valoriza mais em posição proclítica do
que dispõe o poeta para fazer sentir, mesmo na página escrita, o pro- que em posição enclítica (como veremos adiante) o pronome átono
pósito de uma intensidade de caráter estilístico. adjunto ao verbo.

Raimundo Correia ilustra bem o enjambement a serviço dessa fi- Ora, o intento estilístico pode exagerar a situação fonética normal
nalidade expressiva em dois versos que aqui se colhem quase a esmo. e dar um apreciável acento intensivo à sílaba inicial de uma palavra, con-
centrando expressividade na raiz vocabular: “É formosa! /&for'mô'za/”.
Num deles ressalta emotivamente a preposição para, cuja primeira
sílaba se faz tônica, recebendo o icto métrico de sílaba final de verso, Numa sílaba inicial nestas condições a incidência de um icto mé-
e com um /a/ tônico e aberto passa até a rimar com o qualificativo cla- trico torna, também aqui, muito clara a inesperada tonicidade de fundo
ra enunciado antes: emotivo. É o que sucede no seguinte decassílabo sáfico de Augusto dos
Anjos:
“Para / dos deuses estudar a língua . . .” (H-180).
“Na ogiva fúlgida e nas colunatas” (C-149).
No outro o qualificativo infinda no interior de um sintagma, on- 4 8 10
de normalmente ficaria subtônico, concentra a emoção em virtude da
intensidade plena, também nitidamente imposta pela posição final no 3. Variantes estilísticos.
verso:
Outra tarefa típica da estilística fônica é o exame e a interpreta-
“Cerrase a noite em toda a curva infinda / dos ção do queto Círculo de Praga chama os variantes estilísticos. Entende-
céus...” (H-122). se com isso a alteração articulatória, de vogais ou consoantes, que não
interfere com a função distintiva de qualquer delas, ao mesmo tempo
Olavo Bilac, por sua vez, obtém o mesmo resultado com amargu- que envolve uma carga afetiva. O estilo aproveita, neste caso, o campo
radamente, onde exterioriza melhor o sentido doloroso do advérbio pe- de variação possível que cabe a cada fonema no quadro geral da língua.
la reelaboração acentual, fazendo recair na sílaba que seria normalmen-
te subtônica, o 2º icto métrico de um decassílabo sáfico: É o que sucede, quando emitimos o /r/, em determinadas circuns-
tâncias, com uma intensificação de vibrações, que lhe aumenta a dura-
“Rios, chorais amarguradamente” (F-300). ção e o “rolamento”,
4 8 - 10
Já o sibilo maior do /s/ ou do /z/, em posição pré-vocálica, ou o
Há, entretanto, uma intensidade expressiva ainda mais inesperada sibilo puro, sem efeito chiante, em posição pós-vocálica, classifica-se an-
e sutil. É a que corresponde ao acento inicial de insistência tão notável e tes como um traço permanente de indivíduos ou grupos regionais, sem
típico em francês. se associar com um estado dalma ou um impulso volitivo. É, portanto,
36 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 37

do ponto de vista da expressão, irrelevante mesmo quando decorre de o /1/ velar, que tem com a semivogal certa semelhança fonética. A
um esforço em esporádicas situações formalísticas, para parecer bem fa- existência das duas combinações-=- com /w/ e com /I/ — só persiste ho-
lante. je depois de vogal anterior, com em mau e mal, viu e vil, tendendo
elas — numa evolução noutro sentido — a-confluirem, mediante a vo-
calização do /1/.
Nas consoantes plosivas, de maneira geral, é um traço estilístico o
aumento da força articulatória, A impaciência nervosa pode revelar-se, Entretanto, dentro da estilística fônica, é preciso levar em consi-
por exemplo, no /b/ da exclamação — “Ora bolas!” por uma pressão la- deração um ditongo /ow/ em contraste expressivo com /o/ fechado. A
bial maior e um abrimento mais brusco, que acarreta até um leve sopro grafia, firmada pela tradição, não entra aqui evidentemente em linha de
ou aspiração. Assim, dentro da estilística fônica, podemos falar, para o conta. Qualquer palavra com /o/ — quer se escreva o, quer se escreva
português, numa espécie de plosiva enfática. ou — desdobra-se numa distinção estilística /o/ — /ow/, de sorte que
uma pronúncia /pow'di/, por exemplo, ao lado de /po'di/, para o pret.
Mais curioso ainda é, no âmbito do vocalismo, o contraste estilís- perf. de poder (escrita ortodoxa pôde), revela uma especial intenção
tico entre ditongo e vogal simples, que se surpreende em dois casos pelo enfática. Por isso, os nossos poetas rimam sistematicamente roxo e
menos, frouxo, louca e boca, avô e vou, enquanto a recitação oscila entre o di-
tongo e a vogal simples, de acordo apenas com a atitude estilística, em
Um deles parte da indistinção fonêmica entre /o/ fechado e o di- cada par desses tipos de rima.
tongo /ow/. Normalmente, tanto em Portugal quanto no Brasil, o diton-
go soa reduzido a vogal simples, e já não se pode falar na oposição do Dos demais ditongos decrescentes, aqueles em que figura a semi-
tipo — popa e poupa. A hesitação gráfica no pret. perf. de poder, que vogal /y/ (pai, lei, mói, boi, fui), em contraste com a vogal simples, pa-
vem de longe, (póde e poude), é disso um índice bem eloquente, Daí, a ra distinguir palavras (cf.: pá e pai, mó e mói, lê e lei), sofrem uma neu-
teridência popular a estabelecer a metafonia /o/ — /ô/ (do tipo — /ro- tralização neste contraste diante de consoante palatalizada. É que a pa-
lar'/ com /o/ fechado e átono — /rô'lu, rô'la, ró'lã/ com /ô/ aberto tôni- latalização, que produziu tanto as chiantes quanto as líquidas molhadas
co) em verbos com /ow/, como roubar. em português, decorreu historicamente do contacto com um /i/ assilábi-
co, e sincronicamente há uma correlação, por assim dizer, necessária en-
Assim, no quadro fonêmico dos ditongos já não figura, na realida- tre a semivogal e a consoante palatalizada.
de, o ditongo /ow/.
Com chiante pós-vocálica, como nos plurais dos nomes, a 'articula-
ção do iode é um acompanhamento mecânico de vogal, confundindo-
A pronúncia corrente, entre nós, do numeral doze, é de outra or-
se — pás e pais, alemãs e alemães. Daí, uma série de rimas com azuis e
dem. A articulação é aí nitidamente /dol'zi/, e parece assim tratar-se,
luz, traz e mais, vãs e mães, ou uma cacografia treis — tão radicada na
portanto, da sobrevivência de uma forma dialetal arcaica, saída da evo-
nossa tradição tabelioa e burocrática — em analogia com seis, justamen-
lução do /d/ pós-vocálico (duodecim — dodzi — dolzi), como em julgar
te porque não se sente contraste acústico da vogal simples para diton-
(indicare), melga (medicam), malga (madiga, metátese de magidam),
go entre uma e outra palavra.
portalgo (portalicum); é o mesmo /1/ velar de solto, solto, culto.

Quando, entretanto, se trata de consoante palatalizada de sílaba


Tanto vale dizer que as vogais posteriores arredondadas não se
combinam no quadro fonêmico com a semivogal /w/, mas apenas com seguinte, é possível uma pronúncia da vogal, que se ditonga ou não.
38 MATTOSO CÂMARA JR, CONTRIBUIÇÃO À ESTILISTICA PORTUGUESA 39

Do ponto de vista fonético, a diferença é irrelevante, como PrOv ai a de Quintiliano a respeito do /m/ — “littera mugiens”, que (confirma
Marouzeau) convém muito naturalmente ao mugido dos rebanhos e de
indiretamente as hesitações gráficas — pexe (arc) e peixe. baxo (arc)
e baixo, meixer (arc. e pop.) e mexer. feichar (pop.) e fechar. maneira geral à expressão de um ruído surdo (XXVII-28).

Em alemão, opõem-se analogamente as vogais anteriores — “cla-


Dessa possibilidade fonética, de par com a indistinção fonêmica,
ras” (al, hell) às posteriores arredondadas — “escuras” (al. dunkel); e
cria o intento estilístico valor enfático, mediante a ditongação da vogal
Jakobson separa as consoantes dentais — “estridentes”— das labiais e
nessa posição de contacto com uma consoante palatalizada em sílaba se-
posteriores — “abafadas” (fr. mát.) (4).
guinte.
Grammont distingue, na mesma base, a vogal aguda (port. /i/), a
Como no caso /o/ — /ow/, tem-se então /ba'xu/ e /bay'xu/, /de'xa
brilhante (fr. éclatante) (port. /a/, /8/, Jô/), a sombria (fr. sombre)
e [dey'xa/, [be'ju/ e /bey'ju/, assinalando apenas o ditongo uma atitude
(port. /o/, /u/), e enfim a velada (fr. voilée), em que “pela ressonância
de maior interesse e emoção. Ainda aqui, os nossos poetas rimam sem se
preocupar com as aparentes exigências da grafia, e a recitação joga es- nasal” o efeito expressivo correspondente fica um tanto “velado”
tilisticamente com as duas pronúncias. (VII-384). E as consoantes — acrescenta — não são menos expressivas
do que as vogais. Assim, sugerem um ruído menos ou mais seco, con-
forme entra ou não na articulação a vibração das cordas vocais, as
4. A motivação sonora. consoantes oclusivas ou plosivas; o /I/ é a consoante líquida por exce-
lência; o /r/ é por excelência a consoante dos sons vibrantes, com uma
Outro tema importante é a motivação sonora, que já aqui se deba- gama de matizes condicionados pela natureza da vogal com que se
teu teoricamente em face do princípio da arbitrariedade do símbolo lin- combina; o /f/ caracteriza um sopro mole (fr. mou), da mesma sorte
gúístico. Vimos, então, com Porzig, o aspecto tripartido que apresenta que o /s/ e o /z/ umsibilo eo /x/e o /j/ um chiado, como a observação
o fenômeno. vulgar já depreendera (VI1-387ss.).

À estilística fônica portuguesa cabe apreciar o caráter espontâneo Alhures, situando-se no que chamaríamos com Porzig a transfe-
expressivo das nossas vogais e consoantes, e neste particular são apro- rência sonora e a correspondência articulatória, aprecia o foneticista
veitáveis os testemunhos colhidos em outras línguas a respeito dos sons
da fala análogos aos nossos.
(4) Sabe-se que a fonética acústica tem sido postergada desde os princí-
pios dos estudos fonéticos no século passado. Só agora está desenvolvendo-se em
O critério acústico em fonética — ao contrário do articulatório, bases seguras (cf. especialmente a monografia sobre Fonética Acústica de Martin
que mais diretamente rege os estudos modernos nessa disciplina —, tem Joos) (XVIII), possibilitando o aparecimento de uma fonêmica pautada em con-
sido levado, por propósitos de nomenclatura principalmente, a ponderar trastes acústicos, que tem sido um dos grandes empenhos de Roman Jakobson.
Daí se poderá ascender a uma estilística fônica sistematicamente acústica, que
a impressão auditiva que tende a despertar um fonema. se deixa entrever nos Preliminares para a Análise da Fala, de Jakobson, Gunnar
Fant e Morris Halle, (relatório de suas pesquisas no Laboratório de Acústica
É o que já tinham feito os antigos gramáticos com os nomes de si- do Instituto de Tecnologia de Massachussetts) se partirmos dos contrastes aí
metodicamente estabelecidos para os fonemas: estridentes — doces, compactos —
bilantes para o /s/ e o /z/, chiantes para /x/ e /j/, vibrante e rolado para difusos, graves — agudos, cheios — aflautados (ing. flat), finos — amplos, tensos —
o /r/, líquidas para o /r/ e o /1/, ou com observações esporádicas como relaxados (XVI — 23, 27, 29, 31, 36).
40 J. MATTOSO CÂMARA JR.
CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 41
francês o valor dos fonemas para evocar estados dalma, aspectos natu-
Se lhe examinarmos de perto a configuração fonética, veremos,
rais concretos ou concepções abstratas, como, entre muitos
outros, os por exemplo, que em rolar as duas consoantes líquidas do radical cor-
sentimentos de cólera, admiração, dor, melancol
ia, as sensações de ar- respondem na sua articulação à idéia de um movimento desimpedido e
repio, roçamento, ronco, estalo, ou as idéias de fluidez,
lentidão, peso contínuo, e o arredondamento labial do /o/ se casa bem com a forma
amplitude, tenuidade (VIII-193ss.).
dos objetos que rolam. Já em clarim temos um leve efeito imitativo,
Tal estudo, entretanto, fica insatisfatoriamente vago, relativo e para o qual é responsável o /i/ agudo, secundado pela sonoridade do
precário, quando se circunscreve apenas aos fonemas isolados. /a/ e pelo grupo consonântico /cl/, onde a plosiva lembra o som que
Como
acentua ainda Grammont, é preciso que a acepção da palavra em que irrompe e a líquida o seu prolongamento ecoante e fluido. Luar é um
eles se acham, favoreça o efeito que está latente em cada um deles caso típico de transferência sonora: idéia do claro e do brilhante no /a/,
(VII-395). Quando isso acontece, a palavra se nos impõe na sua e a de uma doce fluidez no /I/, que a significação da palavra ajuda a evo-
motiva-
ção sonora, e à sua significação representativa se acrescenta
uma signi-
car. Compare-se-lhe, em contraste, noturno com a vogal “escura” por
ficação estilística. excelência, que é o /u/, enquadrada em sons consonânticos adequados,
como são as nasais e as plosivas surdas.
Sapir mostrou, por sua vez, quanto aquela pode depende
r desta É evidente que esses valores sônicos não ficam aderidos perma-
num inquérito metódico que partiu de vocábulos inventad
os, como nentemente às palavras em que assim os surpreendemos. É preciso que
mila, mela, mini, wela etc. É curioso, para nós, anotar o efeito
depreen- o estado psíquico do sujeito falante e o dos ouvintes tenham transposto
dido em alguns grupos — quando fictícios em inglês mas corresponden-
do com bastante aproximação a palavras portuguesas tradicio
a linguagem para além do plano meramente intelectivo. A frase pura-
nais, como mente informativa é neutra a esse respeito, e nela a motivação sônica se
mola (oceano à noite), mala (oceano resplandecente) e mina, cuja
indi- esvai.
cação de “água escorrendo por uma ravina através de rochas espalha
das
pelos lados” justificaria estilisticamente a nossa locução —
água de mi-
na (XLIX-71). Ao contrário, na poesia lírica as palavras a rigor nunca valem ape-
nas pelo seu significado representativo; em todas, ou quase todas, emer-
É óbvio que se tem de levar em conta (como fazem Grammont, ge o elemento sensorial acústico, e não raro a comunicação lingiúística
Marouzeau e Sapir) que “nem sempre há acordo sobre a qualidade da repousa praticamente nele. Nem sempre — é verdade — há uma motiva-
impressão auditiva” (XXVIII-18) por causa da base individual, mais ou ção sonora propriamente dita; mas sempre há, pelo menos, um conteú-
menos subjetiva, que é em princípio a do estilo. do estético determinado pelos sons constitutivos do vocábulo.

Há, não obstante, apreciável homogeneidade emocional numa co- O meio mais simples para obter efeito estilístico com o emprego
munidade lingiística, para que se possa falar, ainda aqui, de processos de palavra sonicamente adequada é recorrer às onomatopéias, isto é, aos
estilísticos coletivos. elementos vocabulares ainda à margem do sistema intelectivo, propria-
mente dito, da linguagem. Neles, que estão situados no pólo oposto das
palavras tradicionais de um simbolismo em princípio arbitrário, en-
Ninguém deixa de sentir o valor expressivo de um grande número contra o seu campo natural de exteriorização a comunhão psíquica com
de palavras portuguesas.
o mundo das coisas.
42 J. MATTOSO CÂMARA JR. 43
CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA

Vamos encontrar assim a poesia — como a linguagem infantil —


Fora do âmbito das onomatopéias, é igualmente possível por
desenvolvendo na base das onomatopéias o conteúdo da motivação so-
meio do acúmulo de palavras com um dado som expressivo, na técnica
nora. A intercalação de uma onomatopéia numa frase informativa, por
de que nos fala Grammont, atingirmos efeitos imitativos em alta escala.
exemplo, dá-lhe um inconfundível sainete expressivo:
Neste sentido estão muitos versos de Cruz e Sousa, já ressaltados por
Antônio de Pádua no seu estudo sobre a linguagem do poeta (XLI).
“Pela estrada plana, toc-toc-toc, / guia o jumentinho
uma velhinha errante...” (K-23). Mas Cruz e Sousa não é um bom exemplo neste particular. A sua
motivação sonora é em grande parte cerebral e não resulta de uma inte-
Manuel Bandeira explorou ao máximo esse processo em Os Sinos gração espontânea no mundo das coisas. Daí, sentir-se-lhe aquele siste-
(D-91. 4). Aí, as onomatopéias bem-bem-bem e bão-bão-bão, enquadra- ma “perigoso” de certos teoristas da escola francesa do simbolismo,
das em vocábulos de conteúdo intelectivo, pôem em primeiro plano a muito bem criticado por Svend Johansen: “dá preponderância aos sons
expressividade que neles está latente em virtude da sua constituição das letras e lhes estabelece a significação sem atender à tonalidade que
sonora: Belém, vem e tem passam a valer como imagem de um tanger se acha nos vocábulos a que elas pertencem” (XVII-62). É o que “sonne
de sino alegre e metálico; paixão, mãe, irmã, irmão passam a evocar creux” na famosa estrofe, cuja interpretação nos deixa a todos, como a
um dobre a finados; Bonfim e mim passam a símbolos de um som agu- Antônio de Pádua, um tanto perplexos (XLI-15):
do de desespero:
“Vozes veladas, veludosas vozes, / volúpias de violões, vozes
veladas, / vagam nos velhos vórtices velozes / dos ventos,
“Sino de Belém, pelos que inda vêm! /
vivas, vãs, vulcanizadas”.
Sino de Belém, bate bem-bem-bem.
Sino da Paixão, pelos que lá vão! / É que aí se atribuíu ao /v/, como elemento sônico isolado, a fun-
Sino da Paixão, bate bão-bão-bão. ção estilística que devia assentar, antes de tudo, na motivação implíci-
Sino do Bonfim, por quem chora assim? ta da palavra vozes, com o /0/ aberto brilhante e as consoantes lv/ e
Sino de Belém, que graça ele tem! / /z) coordenando-se pelas suas qualidades de sonora, labial, dental e si-
Sino de Belém, bate bem-bem-bem., bilante; o som do violão claro, langoroso, ou de um assobio argentino,
Sino da Paixão, pela minha mãe!/ Sino da Paixão, pe- esvaiu-se diante dessa insistência descabida de um só fonema, que, par-
la minha irmã! cela apenas do efeito total, açambarca o texto em afrontoso relevo.
Sino do Bonfim, que vai ser de mim? ...
A obra de Raimundo Correia é, ao contrário, um excelente cam-
“oco oo ne eo mio 0 o non o boto 00 0 400
eus0.8 us.
po de observação. Deste poeta, tão pouco original no pensamento e na
composição, se pode dizer que foi um lírico a cem por cento na manei-
ra por que soube integrar a sua linguagem na exteriorização psíquica,
Sino de Belém, / Sino da Paixão .../
que é, como já vimos, a base do lirismo.
Sino da Paixão, pelo meu irmão!
Há, por exemplo, uma adequação perfeita entre o aspecto paisa-
Sino da Paixão,/ Sino do Bonfim .../
gístico e a sua descrição verbal no verso:
Sino do Bonfim, ai de mim, por mim .../
Sino de Belém, que graça ele tem!”
“e uma flecha de luz trêmula oscila” (H-75),
44 J. MATTOSO CÂMARA JR. 45
CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA

— donde pelos significantes fônicos se depreende a imagem pictórica: centra na palavra longa e sugestiva paquidermes, apoiada no significado
fluidez (/1/ de todos os vocábulos significativos) num fino traço (/i/ de do qualificativo colossais. Então, irrompe o barulho claro dos galhos e
oscila) de um brilho tênue (/f/, /x/, /m/ e vogais de timbre fechado Jof, folhas que estalam, com os /a/ brilhantes em enfiada, de envolta com o
/u/, /e/) em movimento oscilante (/tr/ e caráter proparoxítono de trê- efeito imitativo do grupo consonântico /tr/ (“a estralada das árvores”).
mula). As palavras centrais luz, flecha, trêmula e oscila, pelo seu contac- Finalmente, o retorno à soturnidade primeira com os sons do verbo
to e pelo sentido global que formulam, estão aproveitadas ao máximo derruba, que fecha a descrição.
no valor expressivo que a sua própria configuração fônica propicia.
É a motivação sonora que especialmente justifica do ponto de vis-
Talvez seja o soneto Banzo a obra prima de Raimundo Correia ta estilístico a rima. O poeta se fixa, para ela, nos sons que a sua inten-
neste sentido: ção poética condiciona, ou num vocábulo que é praticamente evocado
pelos sons que encerra. O pensamento lógico da poesia decorre não raro
“Visões que nalma o céu do exílio incuba, / mortais visões!
dessa atmosfera sônica, que se estabelece por um impulso de exteriori»
Fuzila o azul infando .. . / Coleia, basilisco de ouro onde-
zação anímica; e se pode falar então, com Sapir, em — “O Valor Heu-
ando, / o Níger . . . Bramem leões de fulva juba ...
rístico da Rima” (XLIX-496.9). A insistência no som o torna, por sua
Uivam chacais... Ressoa a fera tuba / dos cafres, pelas
vez, o centro emotivo da composição e prepara a ambientação emotiva
grotas retumbando, / e a estralada das árvores, que um ban- do leitor ou do ouvinte.
do / de paquidermes colossais derruba .. . (H-189).
Há aí dois planos de motivação sonora: o plano visual da paisagem É um estudo estilístico dos mais fecundos o exame, conduzido
africana, sobre o qual, como sobre uma tela de fundo, se evocam os ruí- nestas diretrizes, das rimas de um determinado poema. Assim, na Tris-
dos da selva, a constituir o plano auditivo. teza de Momo de Raimundo Correia (H-88), os dois quartetos, que des-
crevem a risada que abala o Olimpo ante o espetáculo inesperado de
A palavra incuba marca de início a tonalidade soturna e sombria Momo chorando, põem em alternância as rimas /adas/ e /ia/, marcando
com a sua vogal nasal (velada), o /u/ (escuro), a plosiva velar (máte, co-
em imitação sonora os dois sons típicos e extremos de uma gargalhada
mo diria Jakobson) e o choque mole do /b/ labial. O /u/, repetindo-se
(ha, ha, ha... hi, hi, hi...) Nos tercetos, para acentuar os apupos, te-
insistentemente num Leitmotiv wagneriano, de par com outras vogais
mos a rima em /oa/ (ho, ho, ho . . .) ao lado de uma rima /aya/, em que
graves, como a posterior nasal de infando e bramem, abafa a luminosi- os dois /a/ interrompidos pelo iode assinalam, por correspondência ar-
dade áurea do rio, e por tudo paira essa cor que tão bem expressa o ad-
ticulatória, um fluxo que se expande pouco a pouco e por fim se espa-
jetivo fulva, cujos fonemas se valorizam pelo contacto com os de juba
lha avassaladoramente:
estilisticamente análogos, mal se entrevê o traço brilhante que corta o
ambiente com o /i/ agudo de fuzila, basilisco e Niger.
“Pela primeira vez, ímpias risadas/ susta em prantos o deus
da zombaria:/ chora, e vingam-se dele, nesse dia,/ os silvanos
No plano da evocação sonora, é igualmente a vogal grave que do- e as ninfas ultrajadas;/ trovejam bocas mil escancaradas,/
mina até quase o fim da descrição (uivam, tuba, ressoa, retumbando), e rindo; arrombam-se os diques da alegria;/ e estoura descom-
nela se perde o estridor do grito dos chacais, marcado discretamente posta vozeria/ por toda a selva, e apupos e pedradas. . J
por um só /a/ tônico brilhante. Mas a passividade soturna do ambiente é Fauno o indigita; a Náiade o caçoa;/ Sátiros vis, da mais in-
quebrada pela passagem dos elefantes, cuja massa pesada e tarda se con- digna laia,/ zombam. Não há quem dele se condoa!/ E Eco
46 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 47

propaga a formidável vaia,/ que além, por fundos boquei-


à do animal representado, conquanto haja diferença entre os dois ter-
rões reboa,/ e, como um largo mar, rola e se espraia .../(5)
mos, condicionada pelos fonemas constitutivos; à marcha regular e em-
baladora dos elefantes de uma caravana (fluidez do /1/ e leveza dos /e/
5. Motivação sonora que não decorre dos fonemas. anteriores) opõe-se o peso que esmaga e abafa, de um bando selvagem,
em coincidência com o som labial e os sons posteriores da primeira par-
As análises, acima esboçadas, já puseram em foco, incidentalmen- te do vocábulo paquiderme. Daí, o efeito impressivo do “bando de pa-
te, outras motivações vocabulares que não as dos fonemas. quidermes colossais” no Banzo, tão diverso de outro efeito não menos
feliz que se nos depara em Castro Alves:
Assim, vimos que a possibilidade entre o ditongo e o hiato, nos
grupos vocálicos átonos, tem utilização estilística para expressar, res- “Ou no dorso dos brancos elefantes / embala-se coberta de
pectivamente, tensão nervosa ou serenidade e doçura. É o que Antero brilhantes, / nas plagas do Indostão” (G-140).
de Quental põe em evidência no seu soneto À Virgem Santíssima,
Acrescentemos a importância do ditongo ascendente, resultante da si- O volume vocabular contribui, portanto, para melhor frisar o vo-
nérese, para motivar o significado do verbo ondear, como muito bem lume da coisa designada; e é este um resultado positivo dos advérbios
sentiram os nossos parnasianos e também se exemplifica no Banzo: em mente (6), que pode justificar, do ponto de vista estilístico, o vezo
de repetir à francesa o sufixo adverbial numa série de dois ou mais ad-
“*. «« basilisco de ouro ondeando” vérbios (como em Cruz e Souza —'*Sonoramente, luminosamente”). O
resultado negativo é o uso dos advérbios desse tipo para indicar peque-
— pois o impulso respiratório para a emissão uma das duas vogais suge- nez, pois aí — “ficamos quase chocados”: — como anota Marouzeau —
re o movimento de fluxo. “que um vocábulo de notável extensão não tenha um significado pro-
porcional à sua massa” (XXVIII-84).
Vimos, igualmente, a qualidade de proparoxítono concorrer para
a expressividade do adjetivo trêmulo, onde funciona estilisticamente a É ainda de Raimundo Correia, no Banzo, acima analisado, a uti-
articulação frouxa e pouco firme das duas sílabas pré-tônicas, que é pró- lização estética do polissilabismo de imensamente, que mais se des-
pria dos nossos esdrúxulos, um tanto raros e precários na língua. De ou- taca pela adjunção de imensa; as duas palavras, como gostava de ressal-
tro ponto de vista, esse tipo de acentuação se casa ao majestoso, ao so- tar em aula Jônatas Serrano, se engavetam uma na outra e prolongam
lene, ao hierático, e por isso são tão expressivos vocábulos como — es- em nosso espírito a idéia da imensidão, já preparada (acrescentemos)
plêndido, cálido, mármore, cúpula, sólido, áspide. pelo “*vulto enorme do baobá”, onde a correspondência articulatória
do /a/ e do /ô/ aberto também sugere a amplitude:
O volume da palavra polissilábica, por sua vez, carreia a idéia de
grandeza. Assirr, elefante e paquiderme têm a massa fônica adequada “Vai co'a sombra crescendo o vulto enorme/ do baobá ...
E cresce nalma o vulto/ de uma tristeza imensa imensamen-
Leia
(5) Dentro dos versos há outras motivações sonoras, que passo por alto; a
rima em /aya/, por exemplo, é fortalecida por vocábulos vizinhos com /a/ tônico, (6) Cf. as considerações estilísticas de Harri Meier a respeito dos advérbios
como propaga, formidável, largo mar. portugueses em — mente (XXXIV — 55,113).
48 J. MATTOSO CÂMARA JR.

Note-se, entretanto, que os monossilabos tônicos não condicio-


nam necessariamente a idéia de leveza e pequenez, como essas conside-
rações poderiam levar a concluir. A tonicidade de um monossílabo tô-
nico recebe maior força da concentração vocabular e presta-se a expri-
mir, por sua vez, a força e os conceitos correlatos. H

Em cão, por exemplo, entra uma carga afetiva de antipatia e vio- ESTILÍSTICA LÉXICA.
lência que torna a palavra mais própria do que cachorro para o insulto
e a apóstrofe atrevida, dentro da dicotomia sinonímica do uso brasilei-
6. Tonalidade afetiva.
ro. Aqui intervêm a mais, todavia, fatores de outra ordem, que dizem
respeito a uma estilística das significações, ou estilística léxica.
Do ponto de vista saussuriano, a palavra tem um significado inte-
lectivo, em que se apóia a função representativa da linguagem. Cão é um
E assim somos conduzidos a encarar um segundo aspecto do estu-
nome de um animal quadrúpede, que concebemos como uma classe de
do do estilo.
seres distinta de outras, como a dos gatos, a dos coelhos, a dos carncei-
ros, a dos lobos e assim por diante.

Um valor representativo desses nem sempre é bem delimitado e


nítido, pois as palavras da língua, com os seus significados, não resul-
tam de um raciocínio homogêneo e consciente sobre o mundo das coi-
sas, mas de uma atividade da inteligência intuitiva, procurando consubs-
tanciar experiências parceladas, sem a visão de um conjunto. Daí, o
conflito entre o léxico usual e a terminologia científica, onde entrou a
linha diretriz de um pensamento racional, Para a língua comum a ara-
nha é um inseto; a espiral e a hélice são equivalentes e assim “o fumo
sobe em espirais”, e a baleia pode perfeitamente ser um peixe, como
ressaltam Greenough e Kittredge a propósito do correspondente inglês
whale, lembrando que para o alemão a formação do vocábulo selou até
esta classificação para todo o sempre (Walfisch) (IX-51). É, aliás, um
conflito desses que tenta resolver conciliatoriamente a pitoresca canti-
ga popular:

“Caranguejo não é peixe./ caranguejo peixe é,/ caranguejo


só e peixe/ na montante da maré.”

O caráter vago e difuso de muitos significados permite certa liber-


dade no entendê-los. Especialmente em se tratando de palavras abstra-
so J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO A ESTILISTICA PORTUGUESA 51

tas, isto é, designativas de conceitos abstraídos das coisas concretas, não ções. Assim, a madrasta fica adstrita uma repugnância afetiva, malgrado
há a rigor coincidência semântica nas múltiplas línguas individuais de as boas madrastas que tem havido e continuará a haver pelo tempo em
uma comunidade lingiúística. fora; e tirano foi tão contaminado pela carga do ódio, que o próprio
significado intelectivo se alterou, e o historiador que fala objetiva e tec-
o mais importante, contudo, neste particular, é que ao significado nicamente da “tirania da Grécia antiga”, arrisca-se a não ser compreen-
propriamente dito se adjunge em cada palavra uma tonalidade afetiva, dido.
que funciona preponderante na Kundgabe e no Appell. A circunstância
de as duas funções estarem socializadas indica que essa tonalidade é É, essa tonalidade afetiva, resultante de uma sensação convencio-
quase tão coletiva quanto a representação intelectiva que na palavra se nalizada do ser designado, que determina o que Svend Johansen chama
encarna. Do contrário, o apelo cairia no vácuo e a manifestação psíqui- expressivamente “o mito coletivo das palavras” (XVII-231). Do seu
ca não encontraria a simpatia exterior que a estimula e até a orienta.
ponto de vista de estrita estilística literária, à margem da lingiística, ele
acentua o perigo de ceder o poeta a esse “mito” e assim cair no lugar
Vimos, ao tratar da estilística fônica, como a configuração sonora
comum, com grave dano para a sua “criação” estética. Contrapõe-lhe,
pode concorrer para uma tal tonalidade. Mas, desde a Parte I deste
trabalho, ficou ressalvado que há outras fontes para isso, provindas do por isso, “'o mito individual”, que recria esteticamente a palavra e a
“aclimata” em nova função. (XVII-232). O “mito individual” só fun-
próprio conteúdo vocabular.
ciona, entretanto, (ressalvemos por nossa vez) se é passível de sociali-
o
zar-se; ou, em outros termos, se contém um ponto de contacto com
Se procurarmos analisar mais de perto o fenômeno, verificaremos
“mito coletivo”, que lhe permite exercer o seu apelo eficientemente.
que o caracteriza certa complexidade imanente.
Dizemos, então, que a palavra empregada é sugestiva ou “incantatória”,
isto é, desperta em nós uma tonalidade afetiva inesperada e nova.
Logo de início ressalta a circunstância de que o vocábulo sofre o
contágio das sensações agradáveis ou desagradáveis que decorrem das
É na tonalidade afetiva que está o segredo do efeito estético dos
próprias coisas: céu tem a tonalidade de doçura e encanto; mar, de ma-
nomes próprios históricos ou literariamente clássicos. Há às vezes, em
jestade e trágica magnitude; da mesma sorte que em abismo transuda
parte, uma ação decorrente da configuração fonética, mas sempre, para-
um frêmito de pavor e em paixão um arrebatamento doloroso.
lelamente e em maior grau, a de aderência de lembranças extralingú ísti-
cas. Exemplos muito típicos são os nomes geográficos de lugares a que
Sucede, porém, que as sensações que as coisas do universo desper- se atribui encantamento paisagístico, delícia climática ou sedução míti-
tam não são iguais para todos os indivíduos nem iguais ou sequer se- ca; são eles que dão halo poético a — “a brisa de Misora” de Castro Al-
melhantes no correr de uma vida individual: o mar infunde ora encan- ves (G-140) e a — “as barbacãs e torres de Castela” de Alphonsus de
tamento, ora respeito submisso, ora medo franco, ora revolta; o abis- Guimarães (L-257). Os poetas parnasianos, como anteriormente Victor
mo apavora mas também atrai; a paixão é muitas vezes um gozo íntimo Hugo em França e Castro Alves no Brasil, exploraram ao máximo a to-
da alma; e do próprio céu disse o poeta, diante de uma criança morta nalidade do nome próprio, histórico ou lendário; e Bilac achou-a sufici-
ser — “aquele ninho que as mães adoram mas amaldiçoam”. ente para criar uma chave de ouro de soneto:

Daí não resulta uma tonalidade heterogênea e incerta, no sentido «... ao lado / do pendão de Balduíno, imperador do Orien-
absoluto, porque se dá na língua uma como que decantação de sensa- te” (F-241).
52 J. MATTOSO CAMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA s3

Chegamos, portanto, a uma primeira conclusão de estilíst


ica léxi- da língua literária: os primeiros assinalam intensamente a sua soaita
ca: a de que há uma tonalidade afetiva para as palavras,
decorrente de de; os segundos se esbatem numa luz discreta, embora não raro dese
uma natureza mais ou menos convencional atribuída às
coisas designa- de efeito estilístico, justamente pela circunstância de sugerirem a em
das. São as palavras “carregadas” na nomenclatura semanti
cista de S. I. ção em vez de impô-la.
Hayakawa (ing. loaded words) (XII-46).
Certos poetas líricos sabem tirar o máximo proveito expressivo de
A função informativa as evita ou procura empregá
a reduzi-las ao seu significado neutro. A express
-las de maneira i ias, como ledo, vernal, sazão, aura, falda, zagal,1, cílio
cílio,
ividade, ao contrário, o Se desnudar, oscular, lenir. São particularmente dignos
faz delas instintivamente cabos elétricos da mais RR
alta tensão. de nota os adjetivos para indicar cor ou matéria, de aspecto
como dureo, argênteo, cerúleo, ebúrneo, níveo, e ainda os compos o
A estilística léxica, entretanto, não se circunscreve
aí, estrutura vocabular excepcional em face da língua comum, como aq E
les em que o primeiro elemento é um radical erudito de final em i/ (ali
Há fontes de tonalidade outras, que se deve apreciar à luz
da so- gero, turícremo, tonitroante).
ciologia linguística.
Não raro, a expressividade decorre da circunstância de ser sentida
Em primeiro lugar, temos no inventário léxico de cada
indivíduo a palavra como antiquada e, por isso, adquirir a pátina emotiva; são Ê
as duas camadas que — com Bally — podemos chamar a dos vocábulos ouro velho e a pedra-sabão do nosso RR ae da
transmitidos e a dos vocábulos adquiridos (1-1 85ss.) Os i
um conceito sincrônico i do í
arcaísmo, q! ue é de fundo estilís
primeiros são os
que se ganham na infância, do meio doméstico, ao aprende
r a falar; com posto em evidência por Vendryes no seu estudo sobre As Tarefas da
eles se associam as lembranças da experiência infantil, Lingiiística Estática (LX-79).
e o seu significa-
do intelectivo pesa muito menos do que o conteúdo emotivo
que, na
base dessas lembranças, deles se desprende. Indicam
, antes de tudo, um expressivo a
sentimento, e só secundariamente um conceito, pois É curioso ressaltar a propósito o conflito
foi através da ma- vi e ço
nifestação psíquica e do apelo que eles se radicaram numa palavra, em virtude de ela pi
em nós.
issão usual e pela aquisição literária.
A segunda camada é, a esse respeito, um conjunto ERR das pi empregá-la de tal maneira que se a
dos imais intrin- oe e, Ê
cados. Encerra elementos hauridos nos mais diferentes o o valor literário. Como o valor usual não se anula
níveis da estrati- ça
ficação social. Contém os termos fundamentais da ativida persiste em surdina, resulta clara a intenção de sair da bitola ;
de da vida co- a
tidiana, ou “populares”, os que uma cultura mental — ral por exigência de uma psique supra-sensível, acima dos ps
direta ou indire- ;
tamente obtida — ministra, e, enfim, os que formam da emoção, em que se situa a tonalidade afetiva da accepçã
um acervo tido co-
mo impróprio por vários motivos. Os culturais, ou eruditos
, é que mais
acentuadamente destacam o seu conteúdo intelectivo, mas neles não É este o segredo do encanto da palavra dona, maior do que gi
vi-
bra menos por isso uma tonalidade afetiva.
o de senhora ou fidalga, sem esse conflito, nos versos de Alphonsus
ao
Guimarães. Assim, ainda, Raimundo Correia, a ter de cera
Assim, há uma oposição expressiva muito marcada entre palavra de unt iti
eruditismo frio e de uso praticamen te Ê artificial,
os ter- mento,
mos populares e um grupo de termos eruditos que se filiam no com uma tonalidade pesada de termo vulgar, preferiu ousada
na tradição e
s4 J. MATTOSO CÂMARA JR.
CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 55
mente barba, na sua accepção literária, ou melhor, arcaica, marcando
es- mente coincidências múltiplas, e a equivalência significativa de duas ou
te sentido pela adjunção de um adjetivo literário inconfundível:
mais palavras, possível em princípio, ainda é mais possível numa dada
situação linguística, onde só funciona uma parte do campo semântico
“Vi-te pálida e bela, / cismativa a esperar: sobre a janela /
fincado tinhas um dos cotovelos [ e, a barba sobre a mão
que cada palavra abarca. É fácil firmar, por exemplo, diferenças de
nevirrosada, / fitavas o horizonte .. .” (H-72).
acepção entre termos como luta e guerra, tomados isoladamente; mas
numa frase sobre “a guerra na Coréia” se pode usar, em substituição,
luta sem qualquer prejuízo do alcance informativo.
Sabe-se como outro poeta nosso, Augusto dos Anjos, jogou
com
uma terminologia científica, que saturou de tonalidade afetiva
e emba- Nessas condições, é a tonalidade afetiva que principalmente sepa-
ralhou com vocábulos populares para melhor contaminá-la nesse
senti- ra os sinônimos. A escolha do termo exato não é mais, muitas vezes, do
do:
que o senso estilístico de integrar cada palavra num estado dalma ou na
Porção de minha plásmica substância, / em que lugar irás vibração de um apelo.
passar a infância, / tragicamente anônimo, a feder?!...
/ Partindo, por exemplo, da diferença estilística entre beiço e lábio,
/ Aht Possas tu dormir, feto esquecido, / panteisticamente
dissolvido / na noumenalidade do Não-Ser!” (C-51).
Raimundo Correia nos fala nos “grossos beiços frios” dos Tritões
(H-61), onde a tonalidade do substantivo se soma ao significado do ad-
jetivo grossos, e, ao contrário, no “lábio purpurino” da sua bem-amada,
7. Os sinônimos. a quem cercam a beijam os anjos no céu (H-69).

A boa compreensão da tonalidade afetiva pode mostrar-se Num trabalho anterior, já tentei mostrar como Machado de Assis
muito procedeu no Quincas Borba diante da sinonímia brasileira entre cão e
útil na interpretação do fenômeno da sinonímia.
cachorro (XXX-298ss.56ss.72ss.).
É claro que os sinônimos não se distinguem apenas estilistica-
mente. São inegáveis quase sempre leves diferenças de ordem Não há entre nós a distinção significativa, que reserva em Portugal
intelecti- o segundo desses nomes para “o cão novo e pequeno”, como registra o
va, nas quais se baseia a opinião corrente de não haver sinônimo
s perfei- Dicionário de Cândido de Figueiredo (VI). Em compensação, o primei-
tos. É o que Karcevski coloca em termos mais exatos, quando
os faz re- ro é adquirido, segundo a terminologia de Bally, já aqui citada, e só apa-
sultar da generalização conceptual que está no cerne da linguage
m como rece transmitido na acepção de diabo: é o termo tradicional da língua li-
meio de comunicação social: “confundindo” duas situações
por fazer terária, clássico, consagrado. Assim, enobrece a frase e dá-lhe um cunho
abstração do que as distingue, tornamos intercambiáveis os
símbolos literário ou científico, ao mesmo tempo que se presta para os sentimen-
correspondentes (XXI-158).
tos fortes do ódio e do desprezo. Ao contrário, cachorro é a palavra fa-
É preciso atentar, porém, em que a classificação intuitiva e parce- miliar, que primeiro conhecemos em criança, a que aprendemos a bal-
lada do mundo das coisas — fundamento último do vocabulár buciar para designar o animal do nosso meio doméstico, com quem pu-
io de uma
língua — não favorece a delimitação rigorosa de termo a lávamos e corríamos. Não tem valor científico, e é preferida para frisar
termo, que a
gramática, em regra a posteriori, estabelece segura de si. Há o elo entre o animal e o dono, aproximando sentimentalmente aquele
necessaria-
deste, em vez de opô-los na escala zoológica.
56 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILIÍSITCA PORTUGUESA 57

Daí, a adequação estilística das duas palavras no seguinte trecho, fica estilisticamente, por exemplo, cliffs, em vez do port. penhasco, na
onde cão exterioriza a idéia “feia”, em Rubião, de que o Quincas Bor- frase entusiástica de Joaquim Nabuco sobre a Inglaterra:
ba tivesse fugido, prejudicando-o irremediavelmente, e cachorro a idéia
“.. . inatacável nos seus altos cliffs brancos, a cujos
“extraordinária” de que o animal tivesse sido vítima de um malvado, o
pés o mar se abre como uma trincheira” (P-108).
que naturalmente comove o dono perplexo:

As diferenças de tonalidade afetiva, que já vimos cabíveis em prin-


“— Quincas Borbal Quincas Borba! eh! Quincas Bor-
cípio para cada palavra, dentro de uma comunidade linguística, po-
bal — bradou entrando em casa.
Nada de cachorro. Só então é que se lembrou de ha- dem — é certo — uma ou outra vez criar discordância estilística entre o
vê-lo mandado dar à comadre Angélica. Correu à casa da sujeito falante e o ouvinte, entre o escritor e o leitor. No plano sincrô-
comadre, que era distante. De caminho acudiram-lhe todas nico, isso ocorre de maneira mais apreciável, quando não há uma homo-
as idéias feias, algumas extraordinárias. Uma idéia feia é geneidade psíquica coletiva, como, por exemplo, entre duas nações po-
que o cão tivesse fugido. Outra extraordinária é que algum lítica e culturalmente distintas que falam a mesma língua.
inimigo, sabedor da cláusula e do presente, fosse ter com a
comadre, roubasse o cachorro, e o escondesse ou matasse” Assim, entre Portugal e o Braisl, o sistema, definido do ponto de
(N-27. vista da langue de Saussure, é em linhas gerais o mesmo. Há, sem dúvida,
diferenças estruturais, e seria um erro desconhecê-las. Mas essas diver-
gências não dizem respeito às colunas mestras, únicas a considerar para
É igualmente a tonalidade afetiva que torna, às vezes, tão atraente a conceituação do que se chama uma “língua comum”, no sentido da
para o sujeito falante ou o escritor o emprego de uma estrangeirismo em
sociologia linguística.
que há, por motivos vários, certa vibração emocional. O critério grama-
tical de só usar um termo estrangeiro quando falta um vernáculo com a
mesma exata accepção, é inoperante do ponto de vista estilístico. Nessas condições, não é numa forma amámos, em vez de amamos,
para o pret. perf. de amar, na existência de um /e/ surdo, como variante
É inútil, por exemplo, reclamar contra o emprego de big no estilo posicional do /e/ átono final (variante que no Brasil é /i/), num contras-
dos nossos anúncios comerciais. A palavra traz em si aquela sensação da te de /oy/ para /o/ fechado em oiro-ouro, loiro-louro etc., na accepção
grandeza material que adere à nossa concepção das coisas norte-ameri- de várias palavras, ou na presença de lusitanismos, de um lado,e brasi-
canas, e o comerciante experimentado bem sabe que o apelo por meio leirismos, de outro, que está a separação entre as duas nações em ma-
dela tocará mais fundo na alma do público. téria de linguagem. Mais importante para isso são, na estilística léxica,
as tonalidades afetivas que portugueses e brasileiros emprestam dife-
Os galicismos de um Eça de Queirós ou os anglicismos de um rentemente a não poucos elementos do vocabulário comum.
Joaquim Nabuco não têm em regra outra causa senão a tonalidade afe-
tiva com que a exteriorização psíquica, pela admiração literária naque- Nenhum escritor português pode, por exemplo, ser considerado
le e pela admiração política neste, colora os termos franceses e os ingle- mais delicado e de mais fina sensibilidade do que Almeida Garrett. Não
ses, respectivamente. Como o leitor se integra facilmente na mentalida- obstante, sem certa ambientação, não nos seria possível escapar do de-
de da obra, o efeito é em regra positivo e bem sucedido. Assim se justi- sagrado que nos desperta num dos trechos mais patéticos do grande
ss 1. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 59

dramaturgo a palavra beiço, cuja tonalidade afetiva é para nós, como vi- sividade dos termos substituintes. As velas impressionam a nossa sensi-
mos em Raimundo Correia, tão diversa de lábio: bilidade pela sua evocação sobre a vastidão azul dos mares; o ferro é o
metal que caracteriza uma das tradicionais idades do mundo e traz em si
“Não é assim, meu irmão, não te cegues com a dor, a vibração dos males e das crueldades que nela se consubstanciam (“de
não te faças mais infeliz do que és. Já não és pouco, meu duro est ultima ferro”); a coroa é o nome de um objeto precioso e hie-
pobre Manuel, meu querido irmão! e Deus há de levar em rático, que fala à imaginação visual.
conta essas amarguras. Já que te não pode apartar o cálix
dos beiços . . .” (B-63). Em referência às metáforas, a qualidade estilística ginda se torna
mais óbvia.
Em matéria de fraseologia, essas diferenças de tonalidade entre os
dois povos, não menos que os desencontros entre lusismos e brasileiris- Para prová-lo bastam alguns ligeiros exemplos.
mos, criam os desajustamentos que justificam a tese de Aires da Mata
Machado sobre a existência de uma “fraseologia diferencial luso-brasi- Descreve-se como “um desfilar de formigas”” um comboio de au-
leira” (XXIX-57ss.). tomóveis vistos do alto, porque os nomes de animais estão naturalmen-
te envolvidos por um halo de simpatia (ou, noutros casos, repugnância)
e a máquina assim se entrosa no mundo dos sentimentos humanos, que,
8. A linguagem figurada. como mostram as fábulas e o totemismo, se estende ao mundo da fau-
na. Justamente por isso, dificilmente se ouvirá alguém descrever a for-
Outra parte do estudo semântico em que é imprescindível o pon- migas em marcha como um comboio de automóveis, porque seria pre-
to de vista estilístico, é o das chamadas figuras de linguagem. Concen- ferir a uma palavra cheia de sugestões latentes outra que apenas intelec-
tremo-nos, para algumas rápidas considerações, na metonímia e na me- tualmente rotula. Ora, no âmbito da informação pura, a possibilidade
táfora, incluindo na primeira, com Wolfgang Kayser entre outros, o que da primeira metáfora pressupõe a da metáfora recíproca.
se entende por sinédoque (XXI1-113).
É a tonalidade afetiva implícita nos nomes de animais que torna
É evidentemente chegar a menos do que meia verdade explicá-las, tão viva e sedutora a apresentação de uns pés femininos, patinhando na
no plano meramente intelectivo, pelas associações de idéias e pelo esfor- chuva, como um —
ço para ser claro e incisivo na informação.
“par de pombos, que a ponta delicada/ dos bicos metem
Trata-se em regra, muito mais do que isso, da substituição de uma nágua e doudejantes/ bebem nos regos cheios da calçada”
palavra com forte tonalidade afetiva a outra mais ou menos neutra nes- (H-109).
te particular. A relação entre os significados e as semelhanças implíci-
tas, que justificam respectivamente as metonímias e as metáforas, O efeito de “branca açucena”, “clícia mimosa”, “crisântemo de
atuam secundariamente na enérgeia lingúística que as cria. amor”, na poesia lírica, está analogamente em aproveitar o carinhoso
encanto em que se envolvem os nomes das flores. Assim, “talhe de pal-
Velhas metonímias, como vela por navio, ferro por espada ou meira”, dito de um porte feminino, não pode ter qualquer valor descri-
punhal, coroa por realeza, se beneficiam, antes de tudo, com a expres- tivo; a tomar a locução como informação objetiva, só teríamos a mais
60 J. MATTOSO CÂMARA JR. CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 61

desagradável das imagens. A sua função é apenas sugestiva, de acordo as significações que a eles se prendem. “É curioso” — observa a este pro-
com a nomenclatura de Paulhan já aqui citada. Em outros termos, a pósito Rodrigues Lapa — “que, de todos os derivados de livro, mencio-
tonalidade de atração e graça, concentrada na palavra palmeira, trans- nados pelos dicionários usuais, só dois não têm significado afetivo. São
põe-se para a mulher, sem haver o mais leve intento de fazer coincidir eles: livrete = livro pequeno, cademeta, e livreiro = o que trata com
as duas representações verbais — a da planta e a do ser humano. livros. Todos os outros têm, mais ou menos, valor sentimental” (XLVI-
110).
Quando a metáfora não se realiza, e, em vez da substituição de um
símbolo vocabular pelo outro, se fica no plano da comparação explícita Assim se destacam em nosso espírito certos sufixos como pode-
(A é como B, A parece B, A dir-se-ia B), O propósito informativo apare- rosos centros de carga afetiva, e o seu conteúdo é quase só nisso que se
- ce muitas vezes mais nítido e até preponderante. O cotejo pode ter, resume. Como elementos de formação vocabular, que essencialmente
antes de tudo, em vista esclarecer um conceito confuso ou vago por ou- são, a sua posição no interior do sistema lingúístico é muito mais mór-
tro facilmente apreensível. fica do que semântica: servem o mais das vezes, antes de tudo, para
transpor um radical de uma categoria de palavras para outra, e apenas
Ainda assim, entretanto, é a tonalidade afetiva no segundo termo um pequeno número deles — e ainda assim de maneira um tanto precá-
da comparação a causa última de ele ser verdadeiramente fácil; a emo- ria, inconsistente e vaga — encerra significação intelectiva, como em
tividade, ainda sopitada diante do primeiro termo, desperta então e es- douro (idéia nominal do lugar da ação), -ada (idéia nominal de golpe),
timula a inteligência. -itar (aspecto verbal iterativo) -ecer (aspecto verbal incoativo).

Por isso, para nos dar a idéia nítida do caráter retraído, agressivo Essa vacuidade nocional facilita o fenômeno da saturação afetiva,
e enérgico do Conselheiro Zacarias, nos empolga Joaquim Nabuco com e faz de muitos sufixos portugueses uma série de vigorosos elementos
a imagem de um navio misterioso, poético em última análise:
estilísticos. Haja vista o sufixo -ice, que “revela em geral forte afinidade
eletiva por adjetivos que exprimem vícios ou defeitos pessoais”
“A sua posição lembra um navio de guerra, com os
(XLVII-7), e envolve a informação em repugnância e desprezo, por
portalós fechados, o convés limpo, os fogos acesos, a equi-
meio de vocábulos dos mais “carregados”, como modernice, bachareli-
pagem a postos, solitário, inabordável, pronto para a
ce, gramatiquice.
ação” (Q-117).

A escolha da palavra derivada em função do sufixo serve, nessas


9. Valor estilístico dos sufixos condições, para os impulsos da exteriorização e do apelo. É pelo ele-
mento -al, por exemplo, sobreposto a angélico ou eterno, que se traduz
Até aqui consideramos as palavras como unidades estilísticas. o trance emotivo em Alphonsus de Guimarães, quando nos fala em
— “o vale angelical” (L-173) ou a vibração d'alma de Castro Alves na
imprecação a Deus nas Vozes d'Africa:
Há para assinalar a mais que a expressividade, comum a um grupo
de vocábulos da mesma configuração mórfica, contamina o elemento
típico formador. Tem-se assim uma tonalidade afetiva para os sufixos “Minha garupa sangra, a dor poreja,/quando o chicote
considerados em si mesmos, a qual não raro os distingue melhor do que do simum dardeja/o teu braço eternal” (G-140).
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A exploração do valor estilístico dos sufixos é bem apreensível “queima como ferrete” (naturalmente tendo em vista canalha, genta-
na oratória política, no jornalismo cotidiano e na gíria lato-sensu. lha, emporcalhar e assim por diante) (E).

Criações destas não vêm a ser, propriamente, um enriquecimento


Uma curiosa consequência é a cunhagem de novas palavras de
força expressiva. Encontramo-la na linguagem literária e na linguagem do vocabulário, embora possam manter-se e até fixar-se pela imitação
popular. entre estilos individuais. Valem por seu efeito de momento, como uma
comparação ou uma metáfora, e, como elas, não visam a radicar-se na
língua, senão a executar uma tarefa expressiva no discurso. Mostram,
Quanto à primeira dá-nos bons exemplos um artigo de Antônio de
não obstante, quão fundo, na linguagem, penetra a atividade estilística
Padua (XLII). Às vezes atua a tonalidade afetiva de um radical ou uma e como os impulsos da manifestação e do apelo podem insinuar-se até
motivação sonora, com ele agudamente assinala: mas a importância esti-
nesse âmbito da consubstanciação linguística dos conceitos, em que pe-
lística do sufixo raramente deixa de se fazer sentir: é ela, por exemplo, la intuição intelectiva se plasma o léxico de uma língua.
a responsável pelos adjetivos virential em Gilka Machado, alvoral em
Sousa Andrade, silencial e misterial em Alphonsus de Guimarães, cromal
em Hermes Fontes, ciprestal em Mário Pederneiras, açucenal em B.
Lopes, juncal e hostial em Cruz e Sousa, os quais Padua aprova ou con-
dena, levado por um sentimento subjetivo que nem sempre afina pelo
do poeta, sem atentar objetivamente que o impulso para o neologismo
partiu da tonalidade do sufixo -al, já aqui há pouco depreendida a pro-
pósito de angelical e eternal.

No âmbito dos termos de gíria, a colheita terá, evidentemente, de


volver-se para outro pólo da alma humana. Mas a base do processo é a
mesma. Assim, um sufixo -óide, usado em terminologia científica para
indicar numa dada coisa forma aproximada de uma figura geométrica
(esferóide, helicóide) ou de um protótipo (antropóide), associa-se com
a idéia de frustração e passa a ter uma tonalidade de comiseração zom-
beteira em molóide (homem sem aptidão para exercícios físicos), ze-
bróide, em que não há a agressividade da metáfora zebra, caprichóide
(desenhista esforçado mas desajeitado), cretinóide (rapaz tolamente
exibicionista).

Rui Barbosa, que, como orador político, não desprezou o recurso,


chegou a racionalizá-lo nas conhecidas considerações em que propôs,
em vez de politicagem ou politiquice, para qualificar os aspectos deplo-
ráveis da vida pública brasileira, o termo politicalha, que lhe parece —
CONTRIBUIÇÃO À ESTILÍSTICA PORTUGUESA 65

A situação favorece, entretanto, a intromissão do impulso expres-


sivo, com um critério de escolha orientado para a manifestação psíqui-
ca e para o apelo. E assim há uma estilística do mecanismo da frase, que
colabora com a estilística fônica e a estilística léxica na atividade da
linguagem.
ta
As gramáticas normativas, quando em matéria de sintaxe apresen-
ESTILÍSTICA SINTÁTICA tam uma formulação de regras estritas urbe et orbe, só conseguem fazê-
lo, suprimindo de um lado, arbitrariamente, variantes que a língua am-
10. Sintaxe e estilo. plamente tolera, e de outro lado abstraindo-se de quaisquer considera-
ções estilísticas. Em outros termos: só vêem na sintaxe relações neces-
O sistema de ordenação dos elementos lingiístico na frase, ou sin- sárias e cerradas. Criam uma norma artificial no seu caráter rígido e sur-
taxe, é muito menos cerrado do que o das formas e o dos sons pelo me- da às injunções da expressividade, com o único discutível mérito de
nos numa língua como a nossa. As possibilidades de escolha são aí nu- evitar hesitações a quem pretende apenas, fria e singelamente, servir-se
merosas, pois o princípio intelectivo diretor só se fixa realmente nuns
da pura linguagem de informação.
poucos pontos essenciais.
Mais consentânea com a complexa natureza do fenômeno lingúís-
Aproveitando uma nomenclatura da escola sintática de Ries com tico é a orientação de uma gramática normativa que, como a de Ante-
outra intenção que a de seus criadores (cf. IV-9.11), podemos enqua- nor Nascentes (XL), coloca sob a égide da estilística a exposição da vá-
drar teoricamente as condições gerais de estrutura da frase em dois pa- rios tipos de fenômenos sintáticos.
res opositivos de relações sintáticas. De um lado, temos a relação neces-
sária em contraste com a livre; de outro lado temos a relação cerrada em Diante da tendência atual do ensino escolar, tão voltado para as
contraste com a solta. Assim, em português, a concordância do adjetivo preceituações rígidas, seria até salutar a atitude de um sintaticista, que
com o seu substantivo é uma relação necessária, mas ao mesmo tempo substituísse a gramática pela estilística. Praticamente, em todos os âm-
solta, pois o adjetivo pode referir-se a mais de um substantivo e colocar- bitos da sintaxe, teria algo que nos dizer. E em vários até a nova apre-
se antes ou depois, longe ou próximo dele. Ao contrário, a relação sentação eliminaria ipso-facto a exposição gramatical.
entre a preposição e o nome regido é cerrada. Já o emprego dos tempos
verbais é muitas vezes uma relação livre; hajam vista o do presente como
futu E sd :
o ro, O presente histórico, o pretérito imperfeito em lugar do perfei- 11. Duas aplicações do critério estilístico em sintaxe.

Não é um trabalho metódico dessa ordem que se pode esperar se-


Já sabemos que a escolha, nessa conjuntura, não é necessariamen- ja feito aqui. Vale, entretanto, trazer à balha dois pontos nevrálgicos da
te um fenômeno estilístico. Não raro, tratar-se-á de variantes sintáticos doutrina sintática portuguesa para considerá-los sob esta luz.
como temos os variantes fonêmicos livres (/r/forte dental: /r/forte velar)
” a . .

e É variantes mórficos (anões: anãos; colorir: colorar: deságua: desa- Sabe-se como se tem debatido o emprego do infinitivo pessoal,
gua). : em face do impessoal, com resultados clarificadores muito pouco pro-
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porcionados aos ingentes esforços para estabelecêlos. Seria


o caso de Portugal. Aceita por algumas figuras prestigiosas brasileiras, como Rul
nos perguntarmos se não se trata, do ponto de vista gramatica
l, de uma Barbosa e Machado de Assis, passou essa regulamentação a preponderar
variação livre, que o critério estilístico tomou à sua conta,
pondo as no uso literário, servindo até de índice cultural do escritor. Raimundo
formas pessoais a serviço exclusivo das necessidades da
exprasão dos Correia, por exemplo, ao publicar as Poesias definitivas, fêz uma revisão
sentimentos e do apelo? metódica das suas produções transactas para pautar-se por ela. Hoje há
uma reação, ora discreta, ora franca, que se apóia em diversas considera-
À Em verdade, a única regra que parece inconcussa na matéria
é a ções teóricas, principalmente de base fonética; aceitando-se a tese de
que impõe o tipo invariável, quando se tem um infinitivo funciona
ndo que a colocação em Portugal assenta espontaneamente em regras sintá-
numa forma verbal perifrástica. Ainda aqui, entretanto, vemos
o impul- ticas rígidas (o que é muito discutível), explica-se a repugnância brasi-
so lírico de Gonçalves Dias preferir mais de uma vez o infinitivo
pes- leira dessas regras pela diferença rítmica da frase aquém e além-mar.
soal, sem que o seu uso individual provoque aquela “sanção do
ridícu-
lo”, de que — diz-nos Meillet — se fazem acompanhar as infrações
à Pode-se, entretanto, cingir mais de perto a questão. A próclise e a
norma espontânea da língua (XXXV-17). Ao contrário, há um apelo
ênclise das partículas átonas têm valores estilísticos diversos na base
genuíno à nossa emoção em versos como estes, em que a “incorre
ção” precisa das diversas configurações fônicas que uma e outra apresentam.
aparece robustecendo inegavelmente a frase, como aconteceria
com
um acento de insistência ou de altura, ou com o uso de uma pal
= Note-se, em primeiro lugar, do ponto de vista prosódico, a par-
regada de tonalidade afetiva:
EO tícula átona enclítica se comporta como sílaba átona final com o grau
Não sabeis o que o monstro procura? máximo de atonicidade. A partícula proclítica, ao contrário, tem aquela
Não sabeis a que vem, o que quer? atonicidade relativa que já vimos ser característica das sílabas átonas ini-
von ciais. Daí se criam possibilidades estilísticas distintas; o pronome átono
anteposto à forma verbal é ligeiramente mais enfático que o posposto €
Com que a tribo tupi vai gemer; é, além disso, suscetível de sofrer a intensificação acentual estilística
Hão de os velhos servirem de escravos, pelo exagero do seu resíduo de intensidade, que então evolui para o ic-
Mesmo o piaga inda escravo há de ser” (]-9). to nítido à maneira do acento de insistência em francês.
Podemos assim classificar o uso das duas formas do infinitivo, na
Em segundo lugar, — como já procurei ressaltar noutro trabalho
frase portuguesa, como um caso de relação sintática livre, de acordo
Para o Estudo da Fonémica Portuguesa (XXXII) —, a partícula proclí-
com a nomenclatura que de início adotamos.
tica não se comporta como uma sílaba inicial de vocábulo. Há entre ela
e o vocábulo em que se apóia, uma delimitação inconfundível, que faz
- É, por sua vez, um caso de relação sintática solta a colocação dos
pronomes átonos adjuntos ao verbo. sentir o conjunto como dois vocábulos justapostos.

Prova-o o tratamento das vogais /e/ e /o/ das partículas em cotejo


Não é aqui a ocasião para historiar e debater o doutrinamento
com as de uma sílaba inicial átona. Neste último caso, tem-se funcio-
das nossas gramáticas normativas neste âmbito. Basta recordar que há
nando o sistema vocálico átono de cinco vogais (/a/-/e/-/i/-/o/-/u/), on-
algumas décadas passadas se estabeleceu uma regulamentação rígida
em virtude principalmente do ensino de Cândido de Figueiredo dim de há oposição fonêmica entre /e/ e /i/ bem como entre /o/ e /u/;e as
vogais /e/ e /o/ conservam em princípio a sua individualidade fonética.
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Já no caso da partícula proclítica, a sílaba átona é interpretada como de A diferença prosódica e a diferença de junção sintagmática entre
fim de vocábulo, quanto ao quadro fonêmico, e, como nas demais síla- o pronome enclítico e o proclítico explicam por que a próclise oferece
bas átonas finais, dá-se a neutralização (al. Aufhebung, fr. neutralisa- maiores oportunidades à Kundgabe e ao Appell e tem tanta preponde-
tion) do contraste /e/-/i/, /o/-/u/ em proveito de um elemento arquifo-
rância na língua cotidiana.
nêmico /i/ e /u/, respectivamente. É o que logo se destaca, quando se
comparam as pronúncias de — me tente /miten'ti/ e metente (verbo
Na linguagem literária intervém um motivo, ainda de ordem esti-
meter) [meten'ti/, te será jtisera'/ e tecerá [tesera”/, se pára /sipa'ra/ e
lística, que fortalece um tanto o prestígio da ênclise. É a sensação do
separa [sepa'ra/, o lavo fula"vu/ e Olavo [ola'vu/. majestoso, do solene, do hierático, que já vimos estar associada com os
proparoxítonos em português.
Ora, a partícula, mantendo a sua individualiade em próclise (co-
mo sucede analogamente com as preposições e as conjunções), oferece Tocamos assim com o dedo á verdadeira causa do uso tantas ve-
as possibilidades mais inesperadas; haja vista uma pausa intencional en- zes incontido da ênclise no estilo de José de Alencar. É uma faceta da
tre ela e o verbo para destacar-se numa autonomia nítida, que marca a sua atitude romântica de fugir à vulgaridade através do refinamento es-
personalidade de quem por ela é designado. tético. Trata-se de um desses detalhes de linguagem que, no seu estudo
sobre Lingiística e História Literária, Leo Spitzer põe em foco como
ponto de partida para a exploração integral da psique de um escritor,
Não é por acaso que, na linguagem cotidiana, a próclise é de regra
na base da coordenação do seu sistema nervoso, do seu sistema filosófi-
com a partícula me em frase imperativa: “Me dá isso!”. É que assim se
co e do seu sistema estilístico (LV-135); e, em princípio, poderia ser
consegue pôr estilisticamente em realce a própria pessoa, numa afirma-
utilizado nos moldes em que utiliza Leo Spitzer “a instabilidade e va-
ção da tensão psíquica e da vontade. A construção — dá-me abumbra
riedade dos nomes dados a certos personagens (e a variedade das expli-
o pronome; daí pode resultar em última análise uma possibilidade
cações etimológicas apresentadas para esses nomes)”, no D. Quixote,
para a maior ênfase do verbo — é certo —, o que explica que João Ribei-
(LV-41) para evidenciar o “perspectivismo filosófico” de Cervantes, ou
ro considere a ênclise com o imperativo um índice da atitude volunta-
em que tira conclusões amplas do abuso do qualificativo grande na poe-
riosa e atribua à próclise o caráter de delicada insinuação (XLV-11.12).
sia de Paul Claudel (LV-198ss.).
A interpretação do saudoso filólogo sistematiza uma apenas das possibi-
lidades estilísticas da próclise. E a rigor não colide com a tese de que se
Sob esse aspecto, o gosto da ênclise do pronome átono com for-
assinala, pela individualidade vocabular do pronome, a personalidade
mas verbais paroxítonas (e com as oxítonas por extensão) se entrosa
psíquica do sujeito falante: essa personalidade se destaca como um cen-
com outros traços de composição e de linguagem de Alencar: o vocabu-
tro de interesse permanente, tanto no pedido mais suave quanto na or-
lário delicado e nobre, os neologismos eruditos (núbil, pubescência,
dem mais altiva.
exale adj., rofado, gárceo, enlance, aflar, justificados na Nota Final da
Diva) (A), a poética aclimatação dos termos tupis, a idealização lírica
Também não é por acaso, por outro lado, que os exemplos es- dos tipos femininos, a idealização mítica do índio.
pontâneos mais comuns de ênclise se verifiquem com o pronome de ter-
ceira pessoa (mormente quando se trata de se como índice de sujeito É, a rigor, a mesma motivação estilística que explicará o mesmo
indeterminado), o qual é em regra um objeto de pouco interesse para fenômeno nos nossos poetas românticos. Pode-se, por exemplo, tirar
nele se concentrar o nosso élan interior. da diversa colocação do pronome adjunto ao verbo a interpretação
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mais exata do espírito de dois trechos de Fagundes Varela: solene e nadas pelas forças expressivas da manifestação psíquica e do apelo. Os
majestoso, na enunciação de um desejo transcendente, o primeiro; e o gramáticos normativos falam a propósito em “construções excepcio-
segundo intimista e simples na descrição de um quadro de doloroso en- nais”, e trazem à balha, conforme o caso, o anacoluto ou a silepse: mas
canto: a linguística, do seu ponto de vista de Sírius, concluirá, antes, que ex-
ceção é a frase inteiramente lógica, posta a serviço da informação desa-
1) “Por que não sou a concha / que volve-se na praia?” paixonada e pura. Até num debate doutrinário, qual o das vantagens e
(1-44). desvantagens da propriedade literária, vemos Alexandre Herculano, im-
2) “E a trepadeira espinhosa /que se abraça caprichosa / à perceptivelmente, enveredar pela frase afetiva; para afirmar que — o di;
forca do condenado” (1-175). reito de propriedade não aproveita a um jovem pobre e idealista que se
inícia como escritor —, põe a idéia-sujeito numa exclamação isolada, a
que se segue uma pergunta enfática com a resposta sugerida em seus
12. Lógica sintática e estilo. próprios termos:

É em referência à concatenação dos elementos da frase, ou cons- “O direito de propriedade literária! Que aproveita es-
trução sintática global, que mais se evidencia a importância do impulso se direito a um mancebo desconhecido, em cuja alma se
estilístico. eleva a santa aspiração da arte ou da ciência e para quem, no
berço, a fortuna se mostrou avara?” (M-85).
Da função informativa desenvolveu-se uma disposição interna,
que se pode chamar lógica, em certo sentido, desde que surgiu e tomou Neste particular, a gramática grega soube compreender o anacolu-
corpo paralelamente à lógica formal, modelando-se por esta e não raro to, por exemplo, como um recurso natural de expressão, que se repete a
inspirando-a por sua vez. É um tipo de frase inteiramente intelectivo, cada momento na prosa de Platão, de Heródoto e de Tucídides; e é uma
que encontra o seu campo adequado na informação da língua escrita. ironia que os nossos clássicos, os quais não poucas vezes lhes seguem as
pegadas, sejam hoje utilizados como fornecedores de textos para a “aná-
Acontece, porém, que as exigências da manifestação psíquica e lise lógica”, que, assente na estruturação da frase singelamente informa-
do apelo se emaranham inelutavelmente em toda enunciação; e na tiva, foi elaborada, à margem do estudo vivo da língua, pelo racionalis-
linguagem falada, bem como em muitas ocasiões da linguagem escrita, mo unilateral e severo de Port-Royal.
atenuam e até sufocam o teor informativo. Domina-nos o que se pode
chamar com Wilhelm Havers o “pensamento emocional”, diante do A luta pela construção lógica da frase, em que hoje faz-fincapé o
qual “é raríssimo” “o pensamento que não é influído por preferências, ensino escolar, é útil, por certo, como contribuição para dar ao espírito
sentimentais e afetos” (X1-35). humano a objetividade intelectiva e à sua linguagem a qualidade de in-
formar plena, nítida e conscienciosamente. É preciso não esquecer, en-
Assim se compreende que, ao lado da frase intelectiva, figura a tretanto, que assim se contrariam tendências essenciais da alma o da fa-
frase afetiva num contraste que Bally já pôs no devido realce (1-23ss.). culdade lingúística do homem, e que se faz imprescindível, pois, dar
bastante elasticidade à disciplina da construção sintática para não defor-
Temos então ou construções inteiramente refratárias ao exercício mar e mutilar a capacidade de uma expressão ampla através da formula-
mental da análise lógica a posteriori, ou construções “lógicas” contami- ção verbal.
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Pode-se chegar a um resultado absurdo, por exemplo, quando se O vigor com que a expressividade procura abrir brecha no aspecto
exige das crianças uma absoluta coerência no tratamento em meio à intelectivo da informação, escrita especialmente, transparece no era
riqueza de tipos de referência à segunda pessoa do discurso que se nos volvimento do chamado estilo indireto livre para transmitir palavras de
apresentam em português. A mudança da forma de tratamento é con- outrem,
sequência natural de uma mudança de atitude psíquica diante do pró-
ximo, e pais e mães, no ambiente familiar, dão-lhes espontaneamente o A transmissão intelectualizada de uma asserção alheia se processa
por
modelo justo, ao ralhar severamente com o seu bebê, que esperneia ou pelo estilo indireto escrito, com a cláusula de infinitivo em latim,
ensaia um tapa: “Não, senhor, não quero isso!”. comum na narração aparente mente objetiva de César, ou
exemplo, tão
com a nossa oração integrante. Por meio do discurso indireto comunica-
É, por exemplo, pela variação do tratamento, como procurei res- se uma espécie de pensamento descarnado: “o leitor toma a
sti-
saltar alhures (XXXIII), que Machado de Assis frisa os tons cambiantes to do que disse a personagem, mas escapa-lhe a expressividade ee
de suas atitudes para com o leitor, nas contínuas referências que lhe faz ca, o fraseado típico, o molde sintático das frases citadas” (XXXI-20).
no correr de suas narrativas,

Assim, no Brás Cubas predomina o tratamento de 32 pessoa, mar- O discurso indireto que Bally e Marguerite Lips denominam “Yli-
cando o distanciamento altivo do defunto autobiógrafo em face dos vi- vre”, E. Lorck “discurso vivido” (al. erlebt) e Jespersen “discurso repre-
vos, que lhe aparecem um tanto difusos e desinteressantes; mas o tu sentado” (ing. represented) (XXX1-23), não é mais do que º resultado
intervém incoerentemente, de quando em quando nos momentos de de- de um esforço para fugir a essa contingência da linguagem informativa
sabafo impaciente ante o leitor “obtuso” (XXXIII-80), “ignaro”” sem abandoná-la totalmente no seu teor geral. Pois o discurso direto,
(id-79), ou, sarcasticamente “fino” (id., ibid.). Já na história do D. Cas- que reproduz ipsis-verbis a asserção alheia, procede a uma evocação em
murro, feita em tom de confidência, que o estilo sóbrio do escritor nos que a figura do narrador, como informante, se obumbra.
apresenta à maneira de uma conversação íntima, o leitor é o ouvinte
concretamente visualizado, a quem pelo tratamento de tu Bento San- É, por exemplo, pelo discurso indireto livre, destruindo o elo sin-
tiago aproxima emocionalmente de si; não obstante, aparece um trata- tático e criando um período autônomo, que o “D. Casmurro”, sem sair
mento de 32 pessoa, que por contraste assinala um distanciamento do primeiro plano diante do leitor, consegue nos dar cálido e pv o
momentâneo: apelo de sua mãe ao vizinho Pádua, perseguido pela idéia do suicídio:

“Abane a cabeça, leitor; faça todos os gestos da in- “Minha mãe foi achá-lo à beira do poço, e intimou-lhe
credulidade. Chegue a deitar fora este livro, se o tédio já que vivesse. Que maluquice era aquela de parecer que ia fi-
não o obrigou a isso antes” (0-140). car desgraçado, por causa de uma gratificação menos e per-
der um emprego interino? Não, senhor, devia ser homem,
É que a hipótese da incredulidade e pouca simpatia do leitor para pai de família, imitar a mulher ea filha (0-48).
com a narrativa o afasta afetivamente do narrador e cria um ambiente
coloquial menos íntimo, exatamente como o pai zangado (como há Esta construção sintática, tão tipicamente estilística, é um bom
pouco exemplificávamos) a dizer para o filho — “Não, senhor, não que- exemplo de como se entrosam o elemento individual e o coletivo em
ro isso!” matéria de estilo. Levando em conta o seu uso metódico e geral, Bally e
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Marguerite Lips o consideram um processo da “langue”, no sentido


saussuriano, em oposição a Jespersen, Theodor Kalepky, E. Lorck, G.
Lerch, que aí frisam, nos termos do terceiro destes autores, um arroubo IV
da imaginação, como a personificação e a metáfora, essencialmente de-
pendente da alma poética do escritor (XXX1-23). CONCLUSÃO
É que os discípulos de Saussure — como já foi ressaltado na Par-
te I deste trabalho — insistem demais no aspecto coletivo do conceito De um trabalho deste gênero, por mais modesto e perfuntório, es-
da “langue”. A oposição entre esta, como sistema intelectivo de formas peram-se forçosamente algumas conclusões, se não inteiramente novas,
e processos, e o estilo nos dá a solução do aparente impasse. O discurso pelo menos ainda não claramente firmadas antes e postas em seu devido
indireto livre é um recurso estilístico para preservar através da infor- relevo.
mação a manifestação psíquica e o apelo contidos numa asserção a que
nos reportamos. É individual, como todos os traços de estilo, no senti- Parece-me que a contribuição central, aqui feita neste sentido, foi
do que favorece a exteriorização do estado d'alma do narrador em uniís- situar metodicamente o estudo estilístico no âmbito da lingúística, con-
sono com o personagem citado; mas se apresenta, não obstante, como ceituando-o na base das três funções primaciais da linguagem. Daí emer-
um processo coletivo em virtude da homogeneidade da comunidade lin- giu, pelo menos, um conceito delimitado e preciso da motivação sonora,
gúística. a qual à primeira vista dá a impressão de contradizer a “arbitrariedade
do símbolo linguístico”. Vimos, ao contrário, que o símbolo é arbitrá-
rio enquanto representação pura, mas capta inelutavelmente uma moti-
vação sonora quando se põe a serviço da exteriorização psíquica e do
apelo.

A concepção linguística de uma estilística portuguesa concilia a


utilização dos textos literários com a observação direta da fala cotidia-
na, fazendo-nos compreendê-los como um material linguístico mais típi-
co e mais nítido, porque emanado de uma psique mais rica e especial-
mente educada para o objetivo de exteriorizar-se.

Tal foi o ponto de vista donde se procurou focalizar vários Aspec-


tos da Estilística Portuguesa. Daí, as sugestões, clarificações e interpre-
tações da parte II deste trabalho.

Depois das variadas e despretenciosas considerações a respeito da


estilística portuguesa, no seu funcionamento sincrônico, caberiam ou-
76 J. MATTOSO CÂMARA JR.

tras sobre a estilística diacrônica, cuja pertinência e importância foram


de início aqui ressaltadas.

O tema é tanto mais relevante quanto mais se têm contentado os


estudos sistemáticos da evolução do português a serem singelamente
gramáticas históricas, dentro do conceito que a lingúística histórico-
comparativa firmou no século passado. Aos trabalhos de J. Comu, J.J. TRABALHOS CITADOS
Nunes, J. Huber e Edwin Williams, ressalvados os seus méritos no âmbi- DOUTRINA
to em que se colocaram, pode-se aplicar a crítica que Serafim Silva Ne-
to formulou contra o último desses autores: “o estrito formalismo Bally, C. — Le Language et la Vie. Paris, 1926.
gramatical” (LII-13). Bally, C. — Linguistique Générale et Linguistique Française. Bern,
1950.
Hm Boas, Franz — Introduction, em — Handbook of American Indian
Entretanto, o assunto é tão complexo, tão ínvio ainda à pene- Languages, 1. Washington, 1911.
tração e tão pejado de problemas sui-generis, na sua técnica diacrônica, IV Blumel, Rudolf — Einfuhrung in die Syntax. Heidelberg, 1914.
em cotejo com a unidade sincrônica de orientação que aqui se adotou, Biúhler, K. — Sprachtheorie. Iena, 1934.
VI Figueiredo, Cândido — Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa
que cabe, a esta altura, dizer aos leitores como o rapsodo indiano de 1925.
Rudyard Kipling: “Isso já é outra história”. VII Grammont, M. — Traité de Phonétique. Paris, 1933.
VII Grammont, M. — Le Vers Français. Paris, 1947,
IX Greenough, James, and Kittredge, George —- Words and their Ways in
English Speech. New York, 1929 (reimpressão de 1901).
Harris, Zelling — Methods in Structural Linguistics. Chicago, 1951.
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