Você está na página 1de 6

COMO ENSINAR E APREENDER NAS ESCOLAS DE HOJE?

UMA PROPOSTA
METODOLÓGICA A PARTIR DA PEDAGOGIA DA PROBLEMATIZAÇÃO1

ÉDER DA SILVA SILVEIRA2

É comum perceber o posicionamento de alunos em relação ao ensino de


determinadas disciplinas como algo “chato”, “cansativo”, que “tem muito texto” ou “tem que
decorar muitas coisas”. Também não é novidade questionamentos do tipo: ”Para que serve
isso? Qual é o significado disso? Onde vou usar esse conteúdo em minha vida? Por que é
necessário aprender isso”?
Certo é que “um grande número de jovens vive a escola como uma passagem
obrigatória, uma imposição do meio familiar e da sociedade, e não como uma experiência
significativa da qual eles poderiam tirar um proveito pessoal” (TARDIF e LESSARD, 2006, p.
257-258). Em parte, isso ocorre devido à deficiência das respostas dadas a essas perguntas
ou, simplesmente, à ausência de respostas. Concordo com Castoriadis (apud
HENGEMÜHLE, 2008, p.18) quando salienta que, na educação, dois princípios devem ser
firmemente defendidos: “todo processo de educação que não visa desenvolver ao máximo a
atividade própria do aluno, é mau; todo sistema educativo incapaz de fornecer uma resposta
racional à pergunta dos alunos – por que deveriam aprender isso? – é defeituoso”. O que se
constata é uma grande dificuldade em dar significado ou (re)significar aquilo que se ensina e
se aprende. Esta dificuldade, juntamente com a desvinculação entre o componente curricular
que se trabalha e a Educação, vem agravando o problema e contribuindo para que jovens
profissionais iniciem suas carreiras incentivando a reprodução e não reconstrução do
conhecimento.
Por que as práticas pedagógicas na Educação Básica mudam tão lentamente (ou não
mudam) frente a vastos referenciais teóricos disponíveis atualmente? A ausência de leituras,
de conhecimentos teórico-pedagógicos, de uma concepção clara de Educação e do
componente curricular, bem como do conhecimento da história do componente curricular e

1
Excertos retirados de Silveira (2009).
2
Doutorando em História pela Unisinos, Mestre em Educação pela PUC-RS, Docente do Curso de História da
Ulbra São Jerônimo. E-mail: dersilveira@yahoo.com.br
dos conteúdos ministrados que o compõe são importantes fatores-problemas quando se fala
em uma metodologia de ensino capaz de responder à pergunta acima.
Paradigmas epistemológicos e metodológicos na trajetória do ensino fazem-nos
refletir sobre a prática docente e os elementos envolvidos nos processos cognitivos dos
alunos. Dessa reflexão, percebe-se que independentemente do paradigma em questão3, do
ponto de vista didático pedagógico, a aprendizagem só se torna relevante e ocorre numa
perspectiva mais perene quando é significativa para o aluno. Nesse sentido, proponho uma
oficina sobre metodologia de ensino através de uma pedagogia da problematização.

A Pedagogia da Problematização parte da base que, em um mundo de


mudanças rápidas, o importante não são os conhecimentos ou idéias nem os
comportamentos corretos e fáceis que se espera, mas sim o aumento da
capacidade do aluno – participante e agente da transformação social – para
detectar os problemas reais e buscar para eles soluções originais e criativas.
Por esta razão, a capacidade que se deseja desenvolver é a de fazer perguntas
relevantes em qualquer situação, para entendê-las e ser capaz de resolvê-las
adequadamente. (BORDENAVE, s.d., p.265)

Assim, a problematização dos conteúdos significa, em primeira instância, “partir do


pressuposto de que ensinar [...] é construir um diálogo entre presente e passado, e não
reproduzir conhecimentos sobre fatos que ocorreram em outras sociedades e outras épocas”
(SCHMIDT & CAINELLI, 2004, p.52). Mas, como fazer a problematização4 se concretizar nas
abordagens dos conteúdos? A proposta de oficina que aqui apresento baseia-se na utilização
do Arco de Charles Maguerez, adaptado por Adelar Hengemühle (2008), e visto como um
importante instrumento para a prática de uma pedagogia da problematização.
Em 1970, com base nas etapas de um método de solução de problemas, Charlez
Maguerez5 propôs um esquema pedagógico para ser utilizado na assistência técnica ao
agricultor, o "Esquema do Arco", composto por cinco fases.
Já citada por Bordenave e Pereira (2001), Berbel (1998) e Hengemühle (2004), a
utilização do Arco não tem a pretensão de ser o único referencial ou instrumento para a

3
Entende-se por paradigma “um conjunto de regras e padrões estabelecidos que proporcionam modelos
para a produção de conhecimento” (CRUZ in: NIKITIUK, 2004, p.77)
4
É importante salientar que trabalhamos aqui com a Problematização e não com a Aprendizagem
Baseada em Problemas. Para o leitor que queira aprofundar-se nessa questão, indica-se a leitura de
Berbel (Interface, 1998).
5
MAGUEREZ, C. Elementos para uma pedagogia de massa na assistência técnica agrícola: relatório
Campinas: Coordenadoria de Assistência Técnica Integral da Secretaria da Agricultora do Estado de São
Paulo, 1970.
prática de uma pedagogia da problematização. Também não se pretende com esta proposta
passar a ideia de que apenas a pedagogia da problematização seja capaz de resolver todos
os problemas ligados à complexa arte de ensinar e aprender. A esse respeito, Berbel
exemplifica:

Estamos conscientes de que nem sempre é a alternativa mais adequada para


certos temas de um programa de ensino. Não pensamos ensinar o uso de crase
através da Problematização, nem a tradução de palavras do português para
outra língua, ou o cálculo de certas expressões matemáticas... O que de social,
ético, econômico ou político estaria aí implicado? Há certamente temas que
serão mais bem aprendidos com uma ou mais alternativas metodológicas da
imensa lista à nossa disposição na literatura pedagógica (BERBEL, Interface,
1998, p.142).

Entretanto, com o objetivo de contribuir com uma reflexão acerca do processo de


significação de conteúdos a partir do Arco de Maguerez, a oficina pretende apresentá-lo já na
adaptação realizada pelo professor Adelar Hengemühle (2008).

Fig. 1: Esquema do Arco de Maguerez em Hengemühle (2008, p. 37)

Na utilização desse instrumento, como podemos perceber, parte-se da realidade do


aluno, busca-se iluminação em conhecimentos teóricos e retorna-se à realidade.
Na primeira etapa, a partir de um tema ou unidade de estudo, observa-se a realidade
concreta de modo a perceber o tema estudado na realidade ou em sua parcela. Nesta etapa,
chamada por Hengemühle de “momento da provocação de desejo”, o professor inicia a sua
aula trazendo situações e problemas significativos para os alunos ou, a partir de um tema
significativo, pode solicitar que os alunos apresentem situações e problemas significativos e
que estão relacionados ao tema. “O que é importante frisar nesse momento é que o professor,
a partir de um tema, aborda as situações e problemas significativos para os alunos, sem ainda
apelar ao conhecimento teórico (conteúdo)” Hengemühle (2008, p.38).
Na segunda etapa, o professor procura dinamizar a provocação de hipóteses dos
alunos. Nesse momento, Hengemühle salienta que continua o momento de provocação do
desejo.

Como os alunos ainda não tiveram contato com o conteúdo


(conhecimento, fundamentação teórica...), cada um, no seu senso comum, na
sua individualidade, nas suas concepções prévias, na sua cultura, irá
posicionar-se para apresentar seus argumentos (normalmente achismos), para
a compreensão, ou solução da situação problema. O professor nesse momento,
provoca, questiona, retira os alunos da sua cômoda posição de receber
informações acabadas e repeti-las. Os alunos, por sua vez, são colocados em
movimento e conflito mental. Hengemühle (2008, p.39)

A segunda etapa permite que os alunos sejam levados a refletir sobre as possíveis
causas da existência do problema em estudo e os porquês de sua existência.
No terceiro passo ocorre o “momento da iluminação e a compreensão fundamentada
das situações e dos problemas” (id., ibid.). É nessa etapa que o conteúdo tem importância e
faz sentido, “pois precisa responder ou iluminar o desejo provocado nos alunos” (id., ibid.).
Na quarta etapa “o aluno precisa ser desafiado por novas situações-problemas, ou
ser levado a confirmar/refutar/reconstruir suas hipóteses anteriores” (id., p.40). De acordo com
Hengemühle, a importância desse momento está em exercitar a capacidade argumentativa
não mais por achismo, mas com fundamentação teórica, ou seja, fundamentação no
conteúdo.
Na quinta e última etapa do arco é o momento de “ressignificar a teoria na realidade”
(id., ibid.). A prática que corresponde a esta etapa implica na possibilidade de produzir algo de
forma reflexiva, sem perder de vista a análise de situações-problema. Implica em um
compromisso dos alunos com o seu meio. “Do meio observaram os problemas e para o meio
levarão uma resposta de seus estudos, visando transformá-lo em algum grau” (BERBEL,
1996, p.8-9).
Por fim, apresento abaixo uma das tabelas com dois roteiros sugeridos por Adelar
Hengemühle (2008, p.46) que servirá como fio condutor nas atividades práticas da oficina.
Para desenvolver a prática
Para significar o
pedagógica tendo como referência o Arco de
conteúdo
Maguerez
Passo 1: Selecione um Passo 1: Pegue uma situação-problema
conteúdo do seu componente e pense como seria mais significativo apresentá-
curricular em uma determinada la aos alunos.
série. Passo 2: Imagine que hipóteses teriam
Passo 2: Investigue o os alunos antes da teorização e como esse
contexto, as situações e os momento poderia ser desenvolvido.
problemas que deram origem a Passo 3: Aponte o conteúdo que será
esse conteúdo. abordado para iluminar a compreensão e/ou a
Passo 3: Busque situações solução do problema e pense como poderiam
e problemas do contexto desenvolver esse momento.
contemporâneo, onde esse Passo 4: Imagine que hipóteses
conteúdo seja significativo para os fundamentais teriam os alunos agora, após a
seus alunos nessa série teorização, e como esse momento poderia ser
(respeitando o nível de desenvolvido.
desenvolvimento, contexto onde Passo 5: Planeje como levar os alunos a
vivem ...) produzir e a demonstrar sua capacidade de
compreensão e/ou capacidade de argumentação
e solução do problema abordado.

Geralmente a cultura do professor é iniciar sua aula pelo conteúdo (passo 3 do Arco
de Maguerez). Então, explica-se o conteúdo aos alunos, aplica-se exercícios sobre o mesmo
conteúdo, enfim, muitas vezes se percebe que a prática metodológica do Ensino Básico gira
em torno do conteúdo, sem qualquer problematização. Frequentemente isso ocorre devido
aos conceitos e paradigmas que se tem e que se assume em relação ao componente
curricular e à Educação. Na maioria das vezes, o que afasta o professor de uma pedagogia
da problematização é, de acordo com Hengemühle (2008), o desconhecimento, por parte do
educador, do contexto e/ou situações e problemas que originaram o conteúdo que ele tem que
ensinar.
Refletir sobre a pedagogia da problematização estimula o professor a desenvolver
aulas onde o aluno esteja constantemente ativo, observando, formulando perguntas,
expressando percepções e opiniões. Essa pedagogia permite que o aluno perceba problemas
reais e que se esforce em entender ou encontrar os contextos ou soluções. A aprendizagem
fica ligada aos aspectos significativos da realidade, desenvolvendo as habilidades intelectuais
de observação, análise, avaliação, compreensão, extrapolação, etc, e favorecendo a interação
entre alunos, alunos-professor e professor-alunos.
Os contextos da sociedade e da escola atual, dos quais nossos alunos fazem parte,
exigem do professor um trabalho mais dinâmico que emane da observação de problemas e
situações do cotidiano. O exercício da utilização do Arco de Maguerez pode ser uma
possibilidade de alcançar uma pedagogia da problematização, privilegiando a formação de
cidadãos conhecedores de sua própria realidade, críticos e autônomos na busca e solução de
problemas.

REFERÊNCIAS

BERBEL, Neusi Aparecida Navas (org.). Metodologia da Problematização – experiências


com questões de ensino superior. Londrina, PR: Editora UEL, 1998.

______. Metodologia da Problematização no Ensino Superior e sua contribuição para o plano


da praxis. Semina: v.17, n. esp., p.7-17, 1996.

BORDENAVE, Juan Díaz e PEREIRA, Adair Martins (2001). Estratégias de Ensino e


Aprendizagem. 22 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

BORDENAVE, Juan E. Dias. Alguns fatores pedagógicos (s.n., s.d.). Disponível em:
<http://www.opas.org.br/rh/publicacoes/textos_apoio/pub04U2T5.pdf>. Último acesso em
Fevereiro de 2009.

CRUZ, Marília Beatriz Azevedo. O ensino de História no contexto das transições


paradigmáticas da História e da Educação. In: NIKITIUK, Sônia (org.). Repensando o ensino
de História. 5ª ed., São Paulo: Cortez, 2004.

HENGEMÜHLE, Adelar (org.). Significar a Educação: da teoria à sala de aula. Porto Alegre:
Edipucrs, 2008.

______. Gestão de Ensino e Práticas Pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora e CAINELLI, Marlene. Ensinar História. SP: Scipione, 2004.

SILVEIRA, Éder da Silva. História e Ensino de História: uma proposta a partir da teoria da
problematização. In: VI Encontro Estadual de Ensino de História: O Ensino de História hoje:
questões e possibilidades, 2009, São Gonçalo, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro:
Faculdade de Formação de Professores da UERJ, 2009. p. 19-37.

TARDIF, C. e LESSARD, C. (orgs.) O Ofício de professor. RJ: Vozes, 2006.

Você também pode gostar