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Gêneros do Discurso:

Bakhtin
(1895-1975) perspectiva dialógica

Volóchinov
Glória Di Fanti
(1895-1936)
PUCRS/GenTe/CNPq

Medviédev
(1891-1938)
Gêneros do Discurso
(1895-1975) Bakhtin, Volóchinov e Medviédev

(1895-1936) Glória Di Fanti (PUCRS/CNPq)


Vanessa Fonseca Barbosa (FFLCH/USP/PNPD/CAPES)
- 2021 -
(1891-1938)
Começando a conversa...

Uso inflacionado do termo gêneros do discurso (Faraco, 2009)

Redução aos aspectos estritamente textuais,


sem a inter-relação constitutiva com as questões discursivas

Conflito entre metalinguagem e questões estilísticas no fazer docente


Compreensão do ensaio Os gêneros do discurso (1952-1953)
como “gênese” do conceito

• É comum os leitores limitarem-se ao ensaio de Bakhtin Os gêneros do discurso (1952-


1953), muitas vezes por desconhecerem que esse conceito já estava sendo cunhado por
Bakhtin, Volóchinov e Medviédev durante os encontros do Círculo (1919-1929).

• O ensaio Os gêneros do discurso é uma fonte primorosa para a compreensão do conceito,


sem dúvida alguma, mas a reflexão ganha em profundidade ao estabelecermos relação
com as outras obras que tratam do tema de modo a reconhecermos a dimensão do
potencial da noção de gêneros.
Os gêneros do discurso • Os gêneros do discurso foram publicados a partir
(1952-1953) de manuscritos (1979), ou seja, não estavam
prontos para publicação.

• Edições no Brasil:
Estética da criação verbal – coletânea póstuma:
- 1992, tradução do francês de Maria Ermantina
Galvão Gomes Pereira (Editora Martins Fontes)

- 2003, tradução do russo de Paulo Bezerra


(Editora Martins Fontes)
Os gêneros do discurso (2016)
Organização e tradução do russo
de Paulo Bezerra (Editora 34)

Compilação de 4 textos:
- Os gêneros do discurso (revisão da tradução)

- O texto na linguística, na filologia e em outras


ciências humanas (revisão da tradução –
mudança de título)

- Diálogo I

- Diálogo II
(inéditos, publicados na Rússia em 1997)
Elementos dos gêneros em Volóchinov e Medviédev

2018 [1929] - Tradução do 2012 [1928] - Tradução do


1979 [1929] - Tradução do
russo de Sheila Grillo e russo de Sheila Grillo e
francês de Michel Lahud e
Ekaterina Américo Ekaterina Américo
Yara Frateschi Vieira
(Editora 34) (Editora Contexto)
(Editora Hucitec)
Elementos dos gêneros em Volóchinov

Volóchinov (2001 [1927]) Volóchinov (2013 [1925, 1926, 1928, 1930]) Volóchinov (2019)
Tradução do russo de Organização e tradução do italiano de [ensaios: 1925, 1926, 1928, 1930]
Paulo Bezerra João Wanderley Geraldi. Organização e tradução do russo de
(Editora Perspectiva) Supervisão da tradução de Valdemir Miotello Sheila Grillo e Ekaterina Américo
(Editora Pedro & João) (Editora 34)
Conceitos inter-relacionados e fundamentais
ao entendimento de Gêneros do Discurso:

ENUNCIADO, ESFERA E IDEOLOGIA


Gêneros discursivos e Enunciado

Cada campo de utilização da língua elabora seus

tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais


denominamos gêneros do discurso (Bakhtin, 2016, p. 12).
esfera de atividade humana
campo de utilização da língua
campo/esfera de comunicação discursiva
campo da criação ideológica

gêneros do discurso

enunciado
• A esfera de atividade humana sempre está relacionada
ao uso da linguagem.
• Há um vínculo orgânico entre a língua em uso e a
atividade humana.

• A riqueza e a diversidade dos gêneros são infinitas,


porque são inesgotáveis as possibilidades da
multifacetada atividade humana (Bakhtin, 2016, p. 12).
• Os gêneros surgem a partir das necessidades humanas
(projeto enunciativo, vontade do dizer...).

• O gênero é uma forma típica do todo da obra, do todo


enunciado. Uma obra se torna real quando toma a forma
de determinado gênero (Medviédev, 2012, p. 193).
Um mesmo fato,
diferentes gêneros
A dinamicidade do gênero está atrelada às
atividades humanas e respectivas esferas.
[...] formas da organização dos enunciados concretos e das suas funções socioideológicas [...]
É possível e necessário estudar as funções da língua e dos seus elementos na construção poética,
bem como as suas funções em vários tipos de enunciados cotidianos, discursos públicos,
construções científicas etc. [...] (Medviédev, 2012 [1928], p. 142).

O repertório de gêneros cresce e se diferencia


à medida que o campo/esfera se desenvolve e se complexifica (Bakhtin, 2016 [1952-1953]).

Cada época e cada grupo social possui o seu próprio repertório


de formas discursivas da comunicação ideológica [...] (Volóchinov, MFL, 2018 [1929], p. 109).
Cigarros Porto, anos 1970, Portugal Cigarros Marlboro, 1975 Cigarro de chocolate Pan
Proibida a propaganda (Décadas de 50-60)
de cigarros no Brasil no ano 2000 Proibido nos anos 90
Cia. Auto-Lux Indústria e Comércio, concessionária dos
refrigeradores Kelvinator no Brasil, afirma a
preferência mundial pelo produto 14/12/1954 /
Epel (Vida Melhor para Mulheres) - 1947 Acervo O GLOBO
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17/05/2023
A dinamicidade dos enunciados
• Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de
transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem (Bakhtin,
2016, p. 20).

• O enunciado pertence à realidade social e dela não pode ser separado: a própria
presença peculiar do enunciado é histórica e socialmente significativa. O
enunciado está intimamente relacionado com uma dada época e com as
condições sociais que lhe são características (Medviédev, 2012 [1928], p. 183).

• O centro organizador de qualquer enunciado não está no interior, mas no


exterior, no meio social que circunda o indivíduo (Volóchinov, MFL, 2018 [1929],
p. 216)
A dinamicidade dos gêneros

Na intrínseca relação entre língua e sociedade, os gêneros são dinâmicos,


heterogêneos e atendem às necessidades dos indivíduos em suas diferentes
interações sociais. Assim, enquanto alguns gêneros podem se tornar
obsoletos, perdendo sua função principal, e/ou serem reacentuados em
dadas condições, outros são criados e recriados acompanhando as
transformações dinâmicas da sociedade (Barbosa e Di Fanti, 2020).
Apagão do CNPq – 27/07/2021
O enunciado nas traduções atuais

ENUNCIADO
- viskázivanie –

Importante mudança nas traduções atuais, como o caso de


Os gêneros do discurso (2016) e de MFL (2018):
de “enunciação” para “enunciado”
O enunciado como unidade da comunicação discursiva

• Os enunciados são as unidades reais do fluxo da linguagem. Não existe enunciado sem avaliação. Todo
enunciado é antes de tudo uma orientação avaliativa (Volóchinov, MFL, 2017 [1929], p. 22, 236).

• Nenhuma enunciação verbalizada pode ser atribuída exclusivamente a quem a enunciou: é o produto
da interação entre falantes e, em termos mais amplos, produto de toda uma situação social em que
surgiu (próxima e distante) (Volóchinov, OF, 2001 [ 1927], p. 79)

• O enunciado, como unidade da comunicação discursiva e como um todo semântico, constitui-se e toma
forma estável precisamente no processo de uma determinada interação discursiva gerada por um tipo
de comunicação social [gênero] (Volóchinov, ACE, 2019 [1930], p. 269).
O enunciado concreto na cadeia da comunicação discursiva

A avaliação social está presente em toda palavra viva, já que a palavra faz parte do
enunciado concreto e singular (Medviédev, 2012 [1928], p. 183).

Um enunciado concreto, mesmo com uma só palavra, é um ato social, pertence a uma
realidade social, é inseparável do acontecimento de comunicação. É um fenômeno
histórico (Medviédev, 2012 [1928], p. 183).

Se afastarmos o enunciado da comunicação social, se o transformarmos em objeto,


perderemos também a união orgânica com o sentido (Medviédev, 2012 [1928], p. 184).
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07/09/2021
O enunciado concreto na cadeia da comunicação discursiva

• A língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é


igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua (Bakhtin, 2016).

• A real unidade da comunicação discursiva é o enunciado, porque o discurso só pode existir


de fato na forma de enunciados concretos de determinados falantes, sujeitos do discurso.

• O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado


sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir (Bakhtin, 2016, p. 28).

• O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, delimitada pela
alternância dos sujeitos do discurso (Bakhtin, 2016, p. 29).
Crítica ao Esquema de Comunicação
Enunciado como ELO na corrente complexa
organizada de outros enunciados

INTERLOCUTOR LOCUTOR

• Todo falante responde aos enunciados antecedentes (baseia-se neles, polemiza com eles, os pressupõe...) e
antecipa respostas e interroga enunciados futuros (Bakhtin, 2016 [1952-1953], p. 26).

• Todo enunciado, mesmo que seja escrito e finalizado, responde a algo e orienta-se para uma resposta.
Ele é um elo na cadeia ininterrupta de discursos verbais (Volóchinov, MFL, 2018 [1929], p. 184).

• O enunciado reage a algo e é voltado para uma resposta (Medviédev, 2012 [1928], p. 183).
Gêneros na engrenagem discursiva

Os gêneros se organizam via construção de enunciados que se produzem e


circulam em determinada esfera de atividade humana, por meio de um dado
projeto de dizer do autor (locutor), endereçado a alguém (interlocutores reais ou
presumidos), por meio de certas valorações ideológicas, com vistas a cumprir
uma dada função social (Barbosa e Di Fanti, 2020).
01/05/2023
Enunciado dialógico

• A obra, como réplica do diálogo, está disposta para a resposta do outro (dos outros), para a sua ativa
compreensão responsiva. A obra é um elo na cadeia da comunicação discursiva: está vinculada a outras
obras-enunciados (passadas a que responde e futuras a que lhe respondem) limitadas pela alternância
dos sujeitos do discurso (Bakhtin, 2016, p. 35).

• Recebemos um sistema complexo de inter-relações e de interações [...] Somente diante da observação


de todas essas condições é possível realizar o autêntico estudo histórico concreto da obra de arte. Não é
possível escapar de nenhum dos elos dessa cadeia unitária da compreensão do fenômeno ideológico,
tampouco é possível deter-se em um elo sem passar ao próximo (Medviédev, 2012 [1928], p. 72).
• Conto Publicado em 1873 no semanário Gradjanin (O
cidadão), onde Dostoiévski era redator-chefe, além de editar
artigos no famoso Diário de um escritor.

• Segundo, Paulo Bezerra (2012, p. 43), é um ajuste de contas


com “a crítica muitas vezes azeda, ideologicamente raivosa e
desrespeitosa ao romance Os demônios, publicado no ano
anterior”.

• Dostoiévski foi acusado de louco, de haver criado um


romance que “lembra um hospital povoado de pacientes
excêntricos”... “delírios do próprio autor”.

• Dostoiévski preferiu a ficção à crítica jornalística para “dar


sua resposta no campo onde nenhum de seus oponentes e
detratores tinha a mínima condição de ombrear-se com ele”
[...] Foi isto que deu origem a Bobók” (p. 44).
Enunciado dialógico

• A comunicação discursiva nunca poderá ser compreendida nem explicada fora dessa ligação
com a situação concreta (Medviédev, 2012 [1928], p. 72).

• O enunciado possui ecos, tonalidades dialógicas... fenômeno muito complexo e multiplanar,


que se relaciona a outros enunciados. O objeto do discurso do falante já vem pluriavaliado
(Bakhtin, 2016, p. 35).

• Nosso discurso, i. e., todos os nossos enunciados, é pleno de palavras dos outros, de um
grau vário de alteridade ou de assimibilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de
relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo
que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos (Bakhtin, 2016, p. 54).
A tensão constitutiva do enunciado
• Qualquer enunciado real, em grau maior ou menor, concorda com algo ou nega algo. Os
contextos não se encontram lado a lado, como se não percebessem um ao outro, mas estão
em estado de interação e embate tenso e ininterrupto (Volóchinov, MFL, 2018[1929], p. 197).

• O discurso verbal impresso participa de uma espécie de discussão ideológica em grande


escala: responde, refuta ou confirma algo, antecipa as respostas e críticas possíveis, busca
apoio e assim por diante (Volóchinov, MFL, 2018[1929], p. 219).

• Compreender um enunciado alheio significa orientar-se em relação a ele, encontrar para ele
um lugar devido no contexto correspondente (Volóchinov, MFL, 2018[1929], p. 232)

• Toda compreensão é dialógica. A compreensão opõe-se ao enunciado, assim como uma


réplica opõe-se a outra no diálogo.
2021

2015
Avaliação social e entonação

• A avaliação social determina a própria escolha da palavra e a forma do todo verbal,


encontrando a mais pura expressão na entonação, que estabelece uma relação
orgânica entre o verbal e o extraverbal, entre o dito e o não dito no enunciado
(Volóchinov, APVPP, 2019 [1930], p. 122-123).

• É pela entonação que a palavra entra em contato direto com a vida e que o falante
entra em contato com os ouvintes. A entonação é social par excellence. É sensível em
relação a todas as oscilações do ambiente social que circunda o falante.

• A relação do enunciado com sua situação e seu auditório é criada pela entonação
(Volóchinov, ACE, 2019 [1930], p. 287).
Vídeo:
Cartas
Trabalho com enunciado
concreto na escola:
gênero carta
“O tom faz a música”

• O tom (entonação) é responsável pelo sentido do enunciado (Volóchinov, ACE, 2019


[1930], p. 287).

• A mesma palavra, a mesma expressão, se pronunciadas com entonações diferentes,


adquirem sentidos diferentes.

• A situação e o auditório correspondente determinam a entonação e, por meio dela,


realizam tanto a escolha das palavras quanto a sua ordenação no todo do enunciado.

• Exemplo: “Bom dia!”


03/05/2023
A expressividade do enunciado
• Se uma palavra isolada é pronunciada com entonação expressiva, já não é uma palavra,
mas um enunciado acabado expresso por uma palavra (Bakhtin, 2016, p. 49).

• A palavra é orientada valorativamente para o interlocutor, para quem é esse interlocutor,


para as projeções a esse interlocutor (Volóchinov, MFL, 2017 [1929]).

• Toda palavra é ideológica, assim como cada uso da língua implica mudanças ideológicas
(p. 217).

• É impossível compreender um enunciado concreto sem conhecer sua atmosfera


axiológica e sua orientação avaliativa no meio ideológico (Medviédev, 2012 [1928], p.
185).
Ideologia
• O meio ideológico é a consciência social de uma dada coletividade, realizada,
materializada e exteriormente expressa, em dada época do seu desenvolvimento
histórico (Medviédev, 2012 [1928], p. 56).

• Entendemos por ideologia todo o conjunto de reflexos e refrações no cérebro


humano da atividade social e natural, expressa e fixada pelo homem na palavra,
no desenho artístico técnico ou em alguma outra forma sígnica (Volóchinov, 2019
[1930], p. 243).

• A diferença entre os gêneros (ideológicos) primário e secundário é imensa e


essencial (Bakhtin, 2016, p. 15).
A foto... A charge...

07/09/2021
Construção de uma ciência das Ideologias

• Cada um desses campos (esferas ideológicas) tem sua linguagem, com suas formas e métodos, suas leis
específicasde refração ideológicadaexistência comum(Medviédev, 2012).

• Cada produto ideológico (ideologema) é parte da realidade social e material que circunda o homem, é
um momento do horizonte ideológico materializado(p. 50).

• O homem social está rodeado de fenômenos ideológicos, de “objetos-signo” dos mais diversos tipos e
categorias: de palavras realizadas nas suas mais diversas formas, pronunciadas, escritas e outras; de
afirmações científicas; de símbolos e crenças religiosas; de obras de arte, e assim por diante (Medviédev,
2012, p. 56).

• A criação ideológica e sua compreensão somente se realizam no processo da comunicação social,


meio no qual um fenômeno ideológico adquire, pela primeira vez, sua existência específica, seu significado
ideológico, seu caráter de signo.
foto charge
Os signos ideológicos
• A palavra é o fenômeno ideológico par excellence (Volóchinov, 2018 [1929], p. 98).

• A própria consciência individual está repleta de signos (Volóchinov, 2018 [1929], p. 95).

• Uma consciência só pode existir como tal na medida em que é preenchida pelo conteúdo
ideológico, isto é, pelos signos, portanto apenas no processo de interação social (Volóchinov,
2018 [1929], p. 95).

• A literatura vai refratar e refletir a vida através do horizonte artístico ou literário, o qual se
insere em uma tradição que é responsável por ressignificar as personagens de um modo ou
de outro. Reflexo e refração de outras esferas ideológicas (Medviédev, 2012, p. 60).
CÁLICE
Chico Buarque e Gilberto Gil

Pai, afasta de mim esse cálice


Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
(...)
Caráter concreto e material do mundo ideológico

• As concepções de mundo, as crenças e mesmo os instáveis estados de espírito


ideológicos também não existem no interior, nas cabeças, nas “almas” das pessoas. Eles
tornam-se realidade ideológica somente quando realizados nas palavras, nas ações, na
roupa, nas maneiras, nas organizações das pessoas e dos objetos, em uma palavra, em
algum material em forma de um signo determinado. Por meio desse material, eles
tornam-se parte da realidade que circunda o homem (Medviédev, 2012, p. 48-49).
Frida e seus autorretratos
Autorretrato com o cabelo cortado (Frida Kahlo - 1940)
https://arteeartistas.com.br/frida-kahlo-autorretrato/
Uma ciência das ideologias

• Todas as particularidades da palavra - pureza sígnica, caráter ideológico neutro,


participação na comunicação cotidiana, capacidade de ser palavra interior e sua
presença obrigatória como fenômeno concomitante em qualquer ato ideológico
consciente – tudo isso faz da palavra um objeto basilar da ciência das ideologias
(Volóchinov, 2018 [1929], p. 101).
Compreensão

A compreensão do enunciado concreto, como observa Medviédev (2012, p.


185), impõe o reconhecimento da “sua atmosfera axiológica e sua orientação
no meio ideológico”, uma vez que “a entonação expressiva que dá cor a cada
palavra do enunciado reflete sua singularidade histórica, diferente da
entonação sintática que é mais estável”. O caráter expressivo é, pois,
determinado “por toda sua plenitude e integridade individual, e por toda sua
situação concreta e histórica”.
A compreensão de um signo ocorre na
relação deste com outros signos já
conhecidos; a compreensão responde
ao signo e o faz também com signos
(Volóchinov, 2018 [1929], p. 95)

Revista Isto é
01/04/2016
Na palavra se realizam os inúmeros
fios ideológicos que penetram todas as
áreas da comunicação social
(Volóchinov, 2018 [1929], p. 95).

Revista Veja
16 Abril de 2016
Em todo o signo ideológico cruzam-se
ênfases multidirecionadas.
O signo transforma-se
no palco da luta de classes
(Volóchinov, 2018 [1929], p. 113).

Charge publicada no site


www.blogclaboia.blogspot.com, em 20/04/2016.
Assim como Janus, qualquer signo
ideológico tem duas faces.
Qualquer xingamento vivo pode se
tornar um elogio, qualquer verdade
viva deve inevitavelmente soar para
muitos como uma grande mentira
(Volóchinov, 2018 [1929], p. 113).
• Multiacentuação do signo ideológico:
é o cruzamento de acentos que proporciona ao signo a
capacidade de viver, de movimentar-se e de desenvolver-se
(Volóchinov, 2018 [1929], p. 113).
Elementos constitutivos dos gêneros:
conteúdo temático, estilo e construção composicional
Conteúdo temático
• Instaura-se de modo singular na relação indissociável com a composição e o estilo no todo do
enunciado (Bakhtin, 2016, p. 12).

• O tema está para o sentido da totalidade do enunciado, enquanto a significação corresponde a “um
artefato técnico de realização do tema (Volóchinov, MFL, 2018 [1929], p. 229).

• O tema é uma unidade voltada para “o todo do enunciado”, um “ato sócio-histórico” (Medviédev,
2012 [1928], p. 196-197).
• A unidade temática da obra é inseparável de sua orientação original na realidade circundante...
espaciais e temporais (Ênfase ao acabamento temático (essencial) da obra literária; não relativo).
Construção composicional

• Relaciona-se às partes de articulação composicional do gênero como, por exemplo, as estrofes e


os versos que organizam um poema ou as seções que compõem um artigo científico. Algumas
vezes, a primeira pista de reconhecimento de um gênero dá-se pela identificação de sua
construção composicional (partes e todo), no entanto só o conjunto orgânico dos elementos
confirmará que gênero é.

• A importância de olhar os três elementos em conjunto (tema, construção composicional estilo)


deve-se à possibilidade de alguns gêneros, aqueles com maior plasticidade, permitirem uma
maior variabilidade de sua composição. Por exemplo, uma propaganda pode ter diversas
construções composicionais, como forma de bula de remédio, consulta médica etc.
Estilo
• Ato estilístico do enunciado - seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, que
revela características do estilo da linguagem do gênero e do estilo individual do locutor (Bakhtin, 2016,
p. 22).
• Quando escolhemos as palavras, partimos do conjunto projetado do enunciado, o seu todo, tanto de
um gênero quanto de projeto individual de discurso (Bakhtin, 2016, p. 51).
• A percepção do destinatário (endereçamento) interfere no estilo do enunciado (Bakhtin, 2016, p. 64)

• A situação social mais próxima e o ambiente social mais amplo determinam completamente a estrutura
do enunciado (Volóchinov, MFL, 2017 [1929], p. 206).

• A palavra entra no enunciado não a partir do dicionário, mas a partir da vida, passando de um enunciado a
outros. Ela passa de uma totalidade a outra sem esquecer o seu caminho. Ela entra no enunciado saturada
de avaliações (Medviédev, 2012 [1928], p. 185).
Produção do enunciado

A partir de um projeto enunciativo, o locutor, na relação expressiva


com o objeto do discurso e com o interlocutor, num tempo-espaço
singular, materializa o seu dizer em um gênero, o qual organiza o
discurso via estilo, conteúdo temático e construção composicional
para a interação social (Barbosa e Di Fanti, 2020).
Para dizer para o cliente que determinado
espaço/ambiente está sendo monitorado por
câmeras de segurança,
que gênero pode ser mobilizado?

(esfera de segurança, vigilância)


21/07/2020
Enunciados, gêneros e esferas
Ordem metodológica
(Volóchinov, MFL, 2017 [1929], p. 220)

(1) formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas
(esfera de atividade humana / discursiva)

(2 ) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita com a


interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos
determinados pela interação na viva e na criação ideológica

(3) revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual (no enunciado)
Referências
• BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso [1952-1953]. Organização, posfácio, tradução e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa
Serguei Botcharov. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2016.
• BAKHTIN, M. Estética da criação verbal [1979]. Trad. Paulo Bezerra. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
• BAKHTIN, M. Estética da criação verbal [1979]. Trad. Maria Ermantina Galvão; rev. trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
• BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da
linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz.
Prefácio Roman Jakobson. Apresentação Marina Yaguello. São Paulo: Hucitec, 1979.
• BARBOSA, V. F.; DI FANTI, M. G. C. Notas sobre gêneros do discurso em Bakhtin, Volóchinov e Medviédev. In: Décio Rocha; Bruno
Deusdará; Poliana Arantes; Morgana Pessôa (Org.). Pesquisar com gêneros discursivos: interpelando mídia e política. Rio de Janeiro:
Cartolina, 2020, p. 185-200. Disponível em: https://www.editoracartolina.com.br/em-discurso-04. Acesso em 31 de agosto de 2021.
• DOSTOIÉVSKI, F. Bobók. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra, desenhos de Oswaldo Goeldi. Texto de Mikhail Bakhtin. São Paulo:
Editora 34, 2012, 1ed, 96p.
• FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009.
• MEDVIÉDEV, Pavel Nikoláievitch. O método formal nos estudos literários [1928]. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução
de Sheila Grillo Ekaterina Vólkova Américo São Paulo: Contexto, 2012.
Referências
• VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem [1929]. Tradução notas e glossário de Sheila
Grillo e Ekaterina Vólkova Américo; ensaio introdutório de Sheila Grillo, São Paulo: 34. 2 ed. 2018. 376 p.

• VOLÓCHINOV, V. Estilística do discurso literário II: A construção do enunciado [1930]. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas
e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, São Paulo: 34. 1 ed. 2019. p. 266-305.

• VOLÓCHINOV, V. As mais novas correntes do pensamento linguístico no Ocidente [1928]. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos,
resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, São Paulo: 34. 1 ed. 2019. p. 147-182.

• VOLÓCHINOV, V. Sobre as fronteiras entre a poética e a linguística [1930]. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas.
Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, São Paulo: 34. 1 ed. 2019. p. 183-233.

• VOLÓCHINOV, V. Estilística do discurso literário I: O que é linguagem/língua [1930]. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e
poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, São Paulo: 34. 1 ed. 2019. p. 234-265.

• VOLOCHINOV, V. N. A construção da enunciação [1930]. In: ______. A construção da enunciação e outros ensaios. Trad. J.W. Geraldi. São Carlos: Pedro & João, 2013. p. 157-
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• VOLOCHÍNOV, V. N. (M. BAKHTIN). A palavra na vida e na poesia: introdução ao problema da poética sociológica. In: ______. Palavra própria e palavra outra na sintaxe da
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• VOLÓCHINOV, V. Estilística do discurso literário II: A construção do enunciado [1930]. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas
e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, São Paulo: 34. 1 ed. 2019. p. 266-305.

• VOLÓCHINOV, V. Estilística do discurso literário III: A palavra e sua função social [1930]. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos,
resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, São Paulo: 34. 1 ed. 2019. p. 306-336.

• VOLÓCHINOV, V. N. (M. BAKHTIN). O freudismo: um esboço crítico (1927). Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2001.
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