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Licenciatura em Ciências Políticas e Relações Internacionais

1º ano, 1º semestre

História das Relações Internacionais

Valores ocidentais no Israel: o colonialismo


messiânico
Questão Palestiniana

Docente: Professor Manuel Canaveira


Discente: Rafaela Alexandra Gameiro Pereira | a2022124477

Palavras-chave: Palestina, Israel, conflito israelo-palestino, alianças, Ocidente, colonialismo


messiânico, sionismo, ocupação, imperialismo, religião, Faixa de Gaza, Direito Internacional,
limpeza étnica,

2022/2023
Introdução
Este ensaio foi elaborado no âmbito da cadeira de História das Relações
Internacionais e tem como objetivo aprofundar a compreensão da questão palestiniana,
mais propriamente, o fenômeno do colonialismo messiânico de Israel. Este texto, visando
o tema 23 do programa da disciplina de HRI, terá por base o artigo ‘’THE QUESTION
OF PALESTINIAN STATEHOOD’’, escrito por Luke van den Hoek e publicado em 2019.
A escolha deste tema e a sua relação com os assuntos abordados neste ensaio prendem-se
com o facto da questão da legitimidade do Estado da Palestina ser um ponto crucial na
discussão do conflito israelo-palestino.
O presente ensaio tem como objetivo examinar a origem e a evolução do conflito
entre Israel e Palestina, assim como explorar a forma como Israel, com o apoio dos
Estados Unidos, consegue evitar sanções internacionais, alegando agir em prol dos
valores ocidentais. Será dada especial atenção ao conceito de colonialismo messiânico,
que envolve a crença de um destino divino atribuído ao povo judeu para tomar posse da
Terra de Israel. O ensaio analisará como este fenómeno influenciou as políticas e as
ações do governo de Israel, passando pela forma como o conflito se disseca sob a
perspetiva da teoria realista. Será também realizada uma análise crítica da postura
internacional em relação ao governo israelense, considerando como a suposta partilha
dos valores ocidentais tem permitido que o país fique protegido por organizações
internacionais, como por exemplo a ONU, apesar das constantes violações dos direitos
humanos e do direito internacional.
Assim, espera-se fornecer uma visão mais abrangente e aprofundada face à
questão palestina, destacando a interseção entre o colonialismo messiânico, os valores
ocidentais e a política internacional, a fim de promover uma reflexão crítica sobre a
situação atual da Palestina.
A origem do Estado da Palestina
No que concerne as origens da Palestina enquanto Estado formal, estas remontam
para momentos históricos e processos políticos distintos, sendo importante salientar que
a história da Palestina se relaciona profundamente com a história de outros povos e
impérios que ocuparam a região ao longo dos séculos. A região da Palestina possui uma
longa história que se refere a milhares e milhares de anos, marcada por inúmeras invasões
e ocupações.
Durante a Antiguidade, o território palestino foi habitado por vários povos,
incluindo os cananeus1, filisteus2, hebreus3 e assírios4. No século VI a.C., a região foi
conquistada pelo Império Persa, sendo seguida pelo domínio de Alexandre, o Grande5, e
pela subsequente ocupação pelos Selêucitas6 e Ptolomeus7.
No século I d.C., a Palestina foi incorporada pelo Império Romano, que governou
a região por vários séculos. Durante este período, os judeus resistiram à dominação
romana, o que culminou na revolta judaica e na destruição do Segundo Templo em
Jerusalém no ano 70 d.C. Como resultado, deu-se a diáspora judaica, isto é, o
distanciamento forçado dos hebreus da sua terra natal e a consequente disseminação do
povo judeu por várias partes do mundo.
Após a queda do Império Romano, a região passou por diferentes governantes,
incluindo o Império Bizantino, os árabes muçulmanos e os europeus durante as Cruzadas.
No século XVI, a Palestina foi incorporada pelo Império Otomano e permaneceu sob o
domínio deste até o final da Primeira Guerra Mundial, em 1918. Finda a Primeira Guerra
Mundial, o Império Otomano foi desmantelado e a região da Palestina ficou sob o
controlo do Reino Unido, através do Mandato Britânico da Palestina, estabelecido pela
Liga das Nações em 1920.
A questão do estabelecimento de um Estado judeu na Palestina ganhou impulso
durante o movimento sionista do final do século XIX, que procurava na Palestina um
refúgio seguro e autónomo para o povo judeu. A Declaração de Balfour de 1917, emitida
pelo governo britânico, expressou o apoio ao estabelecimento de um "lar nacional
judaico" na Palestina, sendo esta declaração incorporada no Mandato Britânico da
Palestina. Em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 181,
que propunha a partilha da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe, com
Jerusalém sob administração internacional. No entanto, a resolução foi rejeitada pelos
países árabes e isso levou a um conflito armado entre a comunidade judaica e as nações
árabes após a declaração de independência do Estado de Israel em 1948.
No fim do século XX, em 1988, o Conselho Nacional Palestino proclamou a
independência da Palestina e estabeleceu a Autoridade Palestina enquanto governo
provisório. A Declaração de Independência da Palestina afirmou o direito do povo árabe
palestino à região da Palestina, embora esta proclamação tenha sido simbólica, já que
Jerusalém, designada como capital, estava sob controle ilegal de Israel. Desde então, a
Palestina tem procurado o reconhecimento internacional como Estado independente, com
reconhecimento parcial por muitos países e entidades internacionais.
A luta pelo reconhecimento da Palestina enquanto Estado independente continua
até os dias atuais, sendo objeto de vários debates a nível internacional. É essencial para a
abordagem à situação palestina ressaltar que a questão do status da Palestina como Estado
soberano é objeto de disputa e negociações complexas com Israel, envolvendo questões
como as fronteiras, o status de Jerusalém, os assentamentos e o direito de retorno dos
refugiados palestinos. Portanto, compreendemos que a origem do Estado da Palestina é
multifacetada, refletindo uma mistura de eventos históricos, aspirações políticas e
disputas contemporâneas.
____
1
Antigo grupo étnico e cultural conhecido por estabelecer cidades-estado independentes e se dedicar à
agricultura e comércio.
2
Povo do mar que se estabeleceu na região costeira da Palestina conhecidos pelas suas habilidades militares
e pelas suas cidades fortificadas, sendo um dos principais antagonistas dos hebreus.
3
Antigo grupo étnico e cultural associado à tradição judaica e considerados como ancestrais do povo judeu,
sendo a sua história narrada no Antigo Testamento da Bíblia.
4
Povo semítico que habitou a região da Mesopotâmia, formando um império poderoso que se expandiu por
várias terras, incluindo a Palestina, e sendo conhecidos pelas suas habilidades militares avançadas e pelo
domínio sobre vastos territórios.
5
Rei da Macedónia que conquistou um vasto império durante o séc. IV a.C., considerado um dos maiores
líderes militares da história.
6
Dinastia helenística que governou grande parte do Médio Oriente após a morte de Alexandre, o Grande.
7
Dinastia helenística que governou o Egito após a morte de Alexandre, o Grande. Embora não tenham
governado diretamente a Palestina, exerceram a sua influência na região durante o período helenístico.

A discussão da legitimidade do Estado da Palestina


A discussão da legitimidade do Estado da Palestina tem sido um elemento de
divergência na cena internacional ao longo dos séculos, uma vez que ambos os povos
reivindicam a posse do território da Palestina. A supramencionada Declaração de
Balfour (1917) é considerada como o fundamento da reivindicação judaica moderna de
um Estado e refere-se à intenção do governo britânico de facilitar o estabelecimento do
‘’Lar Nacional Judeu’’ na Palestina, embora a legalidade deste documento seja
impugnada a nível internacional.
De acordo com os princípios estabelecido na Convenção de Montevidéu de
8
1933 , a Palestina cumpre as quatro características essenciais de um Estado: população
permanente; território definido; governo central e efetivo; e capacidade de manter
relações internacionais.
Além disso, a condição de Estado exige princípios fundamentais como a
soberania, cujas ferramentas jurídicas internacionais permitem consolidar. Luke van der
Hoek faz referência à obra A República, do jurista francês do século XVI Jean Bodin, na
qual define a soberania como o «poder absoluto e perpétuo do Estado», afirmando,
assim, que este está acima de qualquer lei. Hoek argumenta que Israel não respeita a
independência de outros Estados soberanos, conforme imposto pela Doutrina do Ato de
Estado, analisando em seguida os conceitos de soberania de jure e soberania de facto,
que se referem à condição internacional jurídica do Estado palestino.
Sob a perspetiva da soberania de jure, que exige o reconhecimento formal e legal
de um Estado com base no reconhecimento diplomático por parte de outros atores
internacionais, podemos sustentar a legitimidade do Estado palestino, pois o Estado da
Palestina é reconhecido por grande parte da comunidade internacional. Na perspetiva da
Teoria Declaratória, o reconhecimento mútuo entre Israel e a Palestina firmado em
1993, por Ytzhak Rabin e Yasser Arafat, é um ato político simbólico que atribui
legitimidade às reivindicações de ambos os Estados. A ONU tenta reforçar
constantemente a noção de soberania de ambos os Estados através de resoluções como
as de 1967,1988, 2003 e 2012, não sucedendo devido ao poderio dominante de Israel
sobre o território da palestina e à própria negligência da organização.
A autodeterminação é um princípio estabelecido no direito internacional, que
reconhece o direito dos povos e grupos nacionais a determinarem livremente a sua
condição política, o seu desenvolvimento económico, social e cultural, e a
estabelecerem a sua própria forma de governo. Este direito é consagrado em diversos
instrumentos jurídicos internacionais, incluindo a Carta das Nações Unidas, que
reafirma o respeito à igualdade de direitos e autodeterminação dos povos no artigo 55
do documento. Contudo, a efetivação deste princípio pode enfrentar desafios e
violações, como no caso da ocupação do território palestino por parte do Estado de
Israel, sendo isto considerado uma violação da autodeterminação do povo palestino.
A falta de ação da comunidade internacional face a estas violações envolve uma
série de fatores diferentes, sendo importante ressaltar que a comunidade internacional é
composta por um elevado número de atores e interesses, o que impede uma ação
unificada em relação a esta questão. Os interesses políticos, económicos ou estratégicos
do Ocidente influenciam a sua posição e levam os países a adotar posturas mais brandas
e de abstenção face às ações contundentes do governo israelense. As relações bilaterais
dos países também influenciam a sua atuação, podendo incluir acordos comerciais,
cooperação em áreas de segurança e laços políticos ou diplomáticos.
O autor aborda a oposição de Israel face à adesão da Palestina à UNESCO,
referindo que o governo de Israel alegava que a Palestina não cumpria os critérios da
Convenção de Montevidéu (1945), a qual define os requisitos para o reconhecimento de
um Estado. No entanto, a Palestina efetivamente cumpre esses critérios, pois possui uma
população permanente, um território definido, um governo efetivo e a capacidade de
manter relações com outros Estados. Em relação à população permanente, a Palestina é
habitada por milhões de árabes que residem em várias áreas. Quanto ao território
definido, embora o seu território seja alvo de disputa e ocupação, as fronteiras propostas
para um Estado palestino têm sido discutidas em várias negociações de paz, incluindo a
solução de dois Estado. Relativamente ao governo efetivo, a Autoridade Palestina,
estabelecida como resultado dos Acordos de Oslo em 1993, exerce uma certa medida de
governo na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. No caso da capacidade de estabelecer
relações com outros Estados, a Palestina possui extensas relações internacionais, sendo
reconhecida por uma grande maioria da comunidade internacional, sendo um Estado
observador não membro da Assembleia Geral das Nações Unidas desde 2012.
Portanto, a análise dos critérios estabelecidos pela Convenção de Montevidéu,
isto é a população, o território, o governo e as relações com outros Estados, indica que a
Palestina é passível de reconhecimento enquanto Estado soberano e legítimo. No
entanto, o seu reconhecimento total é um processo complexo e sujeito à ação dos
agentes internacionais, sendo objeto de controvérsia.
___
8
Tratado internacional assinado na capital do Uruguai em 1933 que estabeleceu as características essenciais
de um Estado soberano e os critérios para o reconhecimento do mesmo.

Sionismo e o seu paralelismo com a Europa


De acordo com o célebre historiador Shlomo Sand, não sionista, o judaísmo não
reconhece conceitos como pátria, nação ou patriotismo, não constando no seu livro
sagrado, o Talmude9, assim como é o caso da noção de ‘’Terra de Israel’’10.
Relativamente à sua etimologia, a palavra ‘’Sion’’ significa elevado em hebraico, uma
referência às montanhas que rodeiam Jerusalém (Terra de Sião). Historicamente, os
judeus sempre associaram a ‘’terra prometida por Deus’’ à região de Jerusalém,
acreditando que o aparecimento do messias só se concretizaria quando habitassem em
Jerusalém e Israel.
A nação que o sionismo pretende edificar teria de ocupar o território onde habita
há milhares de anos o povo palestino, sendo possível identificar nesta ideologia traços de
carácter imperialista e colonialista que atuam em conluio com os países ocidentais.
Apoiado pela França e pelo Reino Unido, históricos impérios coloniais, e pelos Estados
Unidos, o principal difusor dos ideais ocidentais, o projeto sionista pretende colonizar a
totalidade do território da Palestina. Apesar de alguns afirmarem que o sionismo é um
movimento político que pretende a autodeterminação e estabelecimento de um Estado
judaico no território historicamente associado ao povo judeu, esta definição é um enorme
eufemismo. O movimento sionista, centro de debate na geopolítica, é a concretização do
colonialismo e imperialismo ocidental no território palestino.
A Europa, considerada o berço do sionismo, teve um papel significativo na criação
do Estado de Israel e mantém uma longa aliança com o país. O sionismo teve como
principal expoente Theodor Herzl (1860-1904), escritor austro-húngaro que escreveu o
livro Der Judenstaat (O Estado Judeu) e fundou o movimento. Dado isto, a Europa foi
um dos fatores mais importantes para a formação de bases políticas e históricas que
levaram à fundação do Estado de Israel. Entre o final do século XIX e início do século
XX, o sionismo ganhou força no território europeu, principalmente enquanto resposta ao
crescente antissemitismo. Influenciados por ideais sionistas, governos e líderes europeus
começaram a considerar a ideia de um Estado judeu na Palestina como a solução para
este problema. Porém, o argumento da discriminação sofrida por esta minoria religiosa
não é suficiente para justificar o colonialismo messiânico efetuado por Israel e apoiado
por grande parte da Europa. O que aqui vemos é um nacionalismo que se convertera em
imperialismo. Evidenciando a dualidade que conecta a condição de oprimido e a condição
de opressor, algo recorrente na história da humanidade, o sionismo surge sob o pretexto
da necessidade de proteger o povo judeu da opressão e acaba por adotar traços
colonialistas que reproduzem essa mesma opressão sob o povo palestino.
Numa Europa que, de um modo dissimulado, afirma prezar a democracia global,
verifica-se, no entanto, uma tendência crescente para o estabelecimento de uma Europa
Pro-Israel. Uma das evidências de uma aliança entre a Europa e o Israel é o Acordo de
Associação UE-Israel assinado em 1995 e que entrou em vigor em 2000. Este acordo
estabeleceu uma base legal para a cooperação entre a União Europeia e o Israel em áreas
como o comércio, a ciência, a tecnologia e a cultura. Além disso, o documento enfatizou
também, hipocritamente, os valores democráticos e os direitos humanos como princípios
respeitados por ambas as partes. O Israel, é o autor de inúmeras violações dos direitos
humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) no contexto
da ocupação da Palestina, sendo algumas destas violações as seguintes: deslocamento
forçado através de demolições de casas e outros; restrições à liberdade de movimento,
impedindo o acesso a serviços básicos, educação e oportunidades de emprego; prisões
administrativas sem julgamento ou acusação formal, violando o direito à liberdade e ao
devido processo legal; uso excessivo de força durante confrontos e protestos por parte das
forças israelenses contra palestinos, utilizando munição letal de forma desadequada;
violência por parte de colonos israelenses; desenvolvimento de assentamentos ilegais;
políticas discriminatórias; entre outras.
Em 2006, surgiu uma organização, com sede em Bruxelas, denominada European
Friends of Israel (EFI). Através da promoção das relações entre a Europa e Israel,
nomeadamente a cooperação e o diálogo entre os países europeus e Israel, esta
organização teve como fim a defesa dos interesses e valores partilhados entre essas
regiões. O poder financeiro que detinha, dado serem um grupo de lobby, levou a que a
EFI tivesse bastante influência no debate público e nas políticas relacionadas a Israel em
alguns países europeus. Apesar disso, não podemos atribuir exclusivamente à EFI a
responsabilidade das posições europeias adotadas face ao governo israelense, uma vez
que as políticas adotadas na Europa em relação ao conflito israelense-palestino resultam
de uma combinação de fatores, incluindo considerações diplomáticas, interesses
estratégicos e pressões internas. A opinião publica desempenha um papel importante
nesse sentido e a EFI pode ter tido alguma influência ao moldar a perceção do Israel em
certos setores da sociedade europeia.
Passados quase 80 anos da Resolução de 1948 da ONU, que previa a divisão do
território palestino com 55% destinado ao Estado Judeu e 45% ao Estado Árabe, em 2021,
a Palestinian Central Bureau of Statistics (PCBS) estimava que cerca de 85% do território
se encontrava sob ocupação das forças israelenses. A atuação da ONU no conflito tem
sido bastante questionada, mostrando-se praticamente nula em termos de progresso. A
organização muitas vezes parece ceder aos interesses dos Estados Unidos da América, o
aliado mais poderoso do governo israelense. Com o poder de veto no Conselho de
Segurança da ONU, os EUA têm tido sucesso a bloquear diversas resoluções
condenatórias face a Israel. Uma análise da lista de vetos do Governo dos EUA no
Conselho de Segurança das Nações Unidas evidencia claramente a proteção americana
do governo israelense, uma vez que o governo norte-americano tem impedido
repetidamente a condenação das ações israelenses desde 1972 até aos dias atuais.
____
9
Coleção de escritos sagrados do judaísmo que contém interpretações da lei judaica, sendo considerados
fundamentais na tradição judaica e fornecendo diretrizes para a prática religiosa dos judeus.
10
Termo que se refere à região geográfica prometida por Deus aos descendentes de Abraão, Isaac e Jacó,
especialmente mencionada na Bíblia Hebraica.

Colonialismo messiânico de Israel


O colonialismo messiânico é um conceito que descreve uma ideologia que
combina elementos de colonização e messianismo religioso. No contexto de Israel, o
termo é utilizado para descrever certas correntes do sionismo que procuram estabelecer e
expandir o controlo israelense sobre os territórios ocupados na Cisjordânia, com base em
argumentos religiosos. Atualmente, é este a vertente sionista que está a ser aplicada pelo
governo de Israel. Este conceito surge, assim como o sionismo, associado à crença de que
a Terra de Israel é uma herança divina exclusiva do povo judeu, legitimando, assim, a
posse e o controlo de toda a terra historicamente associada a Israel.
Esta visão tem tido uma grande influência na política israelense face aos
assentamentos na Cisjordânia. Desde a ocupação desses territórios após a Guerra dos Seis
Dias11, em 1967, houve uma expansão significativa de assentamentos israelenses na
região, em desacordo com o direito internacional, que não se apresenta como sendo um
obstáculo às ações de Israel.
Os colonos israelenses acreditam que a colonização dos territórios ocupados é
parte do cumprimento de uma missão divina que envolve a libertação dessas terras e a
sua incorporação ao Estado de Israel. Estes consideram a ocupação um ato religioso e
patriótico, sendo muitas vezes motivados por uma interpretação extrema das escrituras
sagradas. Esta ideologia tem gerado enormes tensões no Médio Oriente, pois a construção
de assentamentos israelenses na Cisjordânia impede a possibilidade de uma solução de
dois estados, comprometendo a viabilidade de um futuro Estado palestino independente.
Para melhor compreender esta vertente colonial e imperialista do conflito é
essencial analisar a evolução da ocupação israelense da Palestina, bastante complexa ao
longo das décadas. É relevante ressaltar que qualquer divisão percentual é aproximada,
pois as fronteiras e o controlo de territórios estão sujeitos a constante mudança e disputa.
Entre 1947 e 1948, momento do Plano de Partição da ONU e da Guerra da
Independência de Israel, a população judaica na região correspondente à Palestina era de
cerca de 33%, contrastando com a população árabe, que se caracterizava como sendo a
maioria, com aproximadamente 67%. Após a guerra de 1948, que culminou com a criação
do Estado de Israel, uma parte significativa do território palestino é ocupado por Israel.
Estima-se que esta ocupação tenha sido de cerca de 78% da Palestina histórica, incluindo
a área correspondente ao Israel atual, a Cisjordânia e a parte ocidental de Jerusalém.
Passadas duas décadas, o cenário altera-se. Durante a Guerra dos Seis Dias (1967),
Israel ocupa a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, o que resultou
numa expansão do controlo israelense para além dos 78% mencionados anteriormente.
No final do século XX, em 1993, Israel e a Organização para a Libertação da
Palestina (OLP) assinam os Acordos de paz de Oslo12, que estabeleceram a Autoridade
Palestina como um governo autónomo para áreas específicas da Cisjordânia e da Faixa
de Gaza. Essas áreas são conhecidas como ‘’Áreas A’’, sob controlo civil e de segurança
palestino, ‘’Áreas B’’, que se encontram sob controlo civil palestino e de segurança
compartilhado, e ‘’Áreas C´´, de controlo civil e de segurança israelense. A mediação
destes acordos foi feita por Bill Clinton, na altura presidente dos Estados Unidos da
América, o que demonstra a interferência da potência ocidental no conflito e nas
respetivas tentativas de resolução. Tendo isto em mente, vale a pena relembrar que a
aliança entre os Estados Unidos e o Israel é bastante anterior a estes acordos, sendo o
Israel o país que mais beneficia com assistência a nível económico e militar proveniente
dos Estados Unidos.
Contudo, os termos dos Acordos de Oslo, que previam a retirada das forças
israelenses das regiões ocupados em 1967, acabaram por não ser cumpridos conforme o
esperado. Israel continuou a construir assentamentos na Cisjordânia, o que resultou numa
expansão do controle israelense em certas áreas, levando à fragmentação do território
palestino, com restrições à circulação e limitações à população palestina, o que acabou
por desencadear a Segunda Intifada.
A Segunda Intifada foi um conjunto de eventos entre 2000 e 2005 marcados por
uma intensa violência entre israelenses e palestinos, motivados não só pela falha na
implementação dos Acordos de Oslo, mas também pela visita controversa do então líder
israelense Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas13 em Jerusalém e o aumento das
tensões e da frustração entre as partes envolvidas. Durante este período houve um
aumento significativo de confrontos armados, operações militares e implementaram-se
medidas de segurança mais rígidas por parte de Israel, resultando em milhares de mortes
palestinas e imensos danos materiais. As negociações de paz enfrentam obstáculos
significativos, incluindo a expansão contínua dos assentamentos israelenses na
Cisjordânia, o status de Jerusalém e a questão dos refugiados palestinos.

Figura 1 - evolução da perda de território por parte da Palestina, de 1918 a 2017


(Fonte: Visualizing Palestine - https://visualizingpalestine.org/visuals/shrinking-
palestine)

A demora na resolução do conflito deve-se à proteção do Israel por parte da


Europa, dos EUA e da ONU, que continuam a priorizar os interesses do Ocidente em
detrimento da paz. Para a Europa, as guerras em solo europeu merecerão sempre mais
mediatismo e mais esforços para a paz. Se os Acordos de Oslo se tivessem cumprido,
nada nos diz que a paz se teria obtido através da retirada das forças israelenses dos
territórios ocupados, mas tudo indica que o caminho para a paz no Médio Oriente seria
menos atribulado. No entanto, a grande maioria da comunidade internacional continua
sem reconhecer que este conflito não é uma mera questão de discórdia religiosa, mas sim
um caso de imperialismo no seu estado mais puro, com o Israel a basear a expansão da
ocupação em motivos de cariz religioso, quando na realidade o imperialismo e
colonialismo são o impulso de toda a sua ação.
__
11
Conflito armado ocorrido em 1967, envolvendo Israel e países árabes vizinhos, incluindo Egito, Jordânia
e Síria. Teve como resultado uma vitória decisiva do Israel, que conquistou territórios significativos como
a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, impactando a geopolítica da região.
12
Conjunto de acordos assinados em 1993 e 1995 entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina
(OLP) com o intuito de uma solução para o conflito.
13
Local sagrado em Jerusalém. Abriga a Mesquita de Al-Aqsa, a Mesquita de Omar e a Cúpula da Rocha,
sendo um local de importância significativa para o Islã e o judaísmo. É considerado o terceiro local mais
sagrado para os muçulmanos, depois de Meca e Medina. Tem sido objeto de disputa entre israelenses e
palestinos em relação à soberania e acesso ao local.

Teoria realista aplicada ao conflito


O realismo nas relações internacionais é uma das principais abordagens teóricas
que procuram entender e explicar as dinâmicas das relações entre Estados. Originado no
século XX, o realismo enfatiza a importância da busca pelo poder, da segurança e dos
interesses nacionais na condução das relações internacionais.
No contexto da ocupação israelense, o realismo clássico, uma vertente específica
dentro do realismo associada a Nicolau Maquiavel, Sun Tzu e Thomas Hobbes, pode ser
aplicada para analisar o conflito entre Israel e Palestina.
O realismo clássico destaca que as relações entre Estados são uma luta pelo poder,
atuando estes sempre em prol dos seus próprios interesses. No conflito israelense-
palestino existe uma dinâmica de poder assimétrica, no qual Israel é considerado uma
potência militar regional, apoiada militarmente pelos EUA, enquanto o povo palestino
são um ator mais fraco. Esta assimetria de poder influencia as relações e negociações de
paz, uma vez que a força militar de Israel é um fator determinante nas negociações e na
dinâmica do conflito. Relativamente aos interesses nacionais israelenses, que ditam o
avanço da ocupação das forças israelenses sob o território palestino, estes incluem a
proteção das fronteiras do território ocupado, o controlo de recursos e a manutenção dos
assentamentos. Isto influência a postura de Israel face à ocupação, visto que o controlo
de certas áreas é percebido como uma forma de proteger e fazer avançar os interesses
nacionais.
Por fim, a teoria realista considera o conflito uma caraterística inerente das
relações internacionais devido à anarquia internacional, que impede que a comunidade
seja capaz de regular efetivamente as relações entre Estados. O conflito entre Estados e a
competição por território, recursos e soberania tem sido um fator central no conflito entre
Israel e Palestina. A procura pela autodeterminação e pelos direitos territoriais por parte
do povo palestino e a expansão constante da ocupação territorial por parte do Israel
alimentam a dinâmica de conflito e rivalidade e fomentam a anarquia internacional, o que
compromete a eficácia das tentativas de regulação do conflito.
A ‘’única democracia do Médio Oriente’’?
Na comunidade internacional, principalmente na Europa Ocidental, é frequente
Israel ser aclamado como a ‘’única democracia’’ estabelecida no Médio Oriente, sendo
visto como o paraíso da democracia no meio de um cenário dominado por regimes
autoritários e ditatoriais. O país é geralmente retratado como uma democracia ocidental
de sistema parlamentar pluripartidário e com separação de poderes na qual as liberdades
individuais e a igualdade são respeitadas, sendo recebido calorosamente pelo Ocidente.
A elevação de Israel ao plano da democracia resulta de análises que enfatizam
características partilhadas entre o país e o Ocidente, a fim de ressaltar o suposto carácter
democrático. No entanto, falham teimosamente em reconhecer a limpeza étnica que
fundamentou a criação do Estado de Israel em 1948. Após se ter estabelecido por meio
da supressão do Estado da Palestina, o Israel incorporou essa realidade na sua estrutura
jurídica. Apresentando-se como um sistema político de aparência democrática para o
povo judeu, mostra a faceta antagónica para o povo palestino, impondo leis
discriminatórias e práticas de apartheid. Segundo definido na Convenção Internacional
sobre a Supressão e Punição do Crime de Apartheid de 1973, para ser considerado como
um sistema de apartheid é necessário possuir 3 características: intenção de dominação de
um grupo racial sobre outro, que se aplica também à descendência e etnia; opressão
sistemática do grupo dominante sobre o grupo dominado; atos desumanos. Não é preciso
uma análise muito profunda para compreendermos que o Israel reúne, de facto, as
características de um sistema de apartheid. A ocupação de território da Palestina por parte
das forças israelenses e a política de dominação constituem crimes contra a humanidade
conforme estabelecido no direito internacional, relacionando-se com a opressão
sistemática e com os atos desumanos.
Em 2020, a Human Rights Watch, ONG internacional, analisou a forma como o
Estado de Israel aplicava políticas ao povo palestino e comparou-as com as práticas em
relação ao povo israelense. Os palestinos são considerados pelo governo israelense, como
se notou na campanha eleitoral de 2019, o ‘’inimigo interno’’ e uma ‘’ameaça ao país’’.
Como poderemos afirmar a democracia de um Estado que foi construído de forma
antidemocrática e que mantem práticas discriminatórias que jamais seriam aceitáveis num
sistema dito democrático? Muitos consideram que o problema está no entendimento
ocidental de democracia, cuja noção de ‘’país democrático’’ alberga regimes de apartheid
movidos pelo colonialismo messiânico. A verdadeira democracia não existe no mundo
contemporâneo, pois as decisões políticas, principalmente no que diz respeito a guerras e
conflitos, são motivadas pelos interesses ocidentais e não pela vontade de todos os
afetados.
Os valores ocidentais que a comunidade internacional afirma que o Israel adota
relacionam-se, de acordo com o Plano UE-Israel de 2005, com a democracia e o respeito
pelos direitos humanos. Na realidade, são características como o imperialismo, o
colonialismo messiânico, a invasão de locais sagrados muçulmanos, a disparidade
económica fruto do sistema capitalista adotado (sendo Israel detentor de uma das
economias mais desiguais do mundo, com um enorme fosso entre ricos e pobres) e os
crimes de guerra que alegam ser em prol da democracia que estreitam os laços entre o
Ocidente e Israel. É compreensível que o Ocidente e Israel mantenham relações fortes,
pois ambos possuem sistemas capitalistas que atribuem prioridade aos interesses próprios
em detrimento da paz e do respeito pelas vidas humanas. Num mundo capitalista, onde o
lucro e a competição impulsionam o cenário internacional e toda a sua ordem, os Estados
tendem a colocar os interesses económicos e políticos à frente de considerações
humanitárias. Neste caso, Israel coloca a expansão da ocupação acima de qualquer
negociação de paz, sacrificando-a através da imposição de políticas discriminatórias e por
meio de bombardeamentos que aniquilam qualquer tentativa de cessar-fogo.
É este o respeito pelos direitos humanos que o Ocidente afirma como sendo
característica do Estado de Israel? São estes os valores que a Europa compartilha e
glorifica?
Bibliografia
van den Hoek, Luke. THE QUESTION OF PALESTINIAN STATEHOOD. The
University of Western Australia, 2019
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