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Autismo: A alteração sensorial e as estereotipias

Por Juliana Fialho 25 ago. 2014

No último artigo começamos a discutir sobre as estereotipias, ou seja, os comportamentos repetitivos e


com função meramente auto estimulatória, apresentados pela maioria das crianças diagnosticadas com
Transtorno do Espectro do Autismo. No primeiro artigo desta sequência falamos, especificamente, sobre
uma das causas destes comportamentos: a restrição comportamental, isto é, a não aquisição ou atraso
no desenvolvimento de comportamentos sociais que viessem a substituir os comportamentos de busca
sensorial apresentados pelos bebês. Agora, vamos falar de uma segunda causa para os comportamentos
estereotipados dos autistas: a alteração sensorial.
O nosso sistema nervoso recebe diversos estímulos através dos órgãos dos sentidos, como informações
visuais, auditivas, táteis, olfativas, gustativas, proprioceptivas e vestibulares. O sistema nervoso, então,
organiza estas informações, decodifica-as e responde a elas de forma apropriada, por exemplo,
buscando mais de um estímulo que gerou sensações prazerosas e repelindo ou se afastando de um
estímulo que gerou sensações aversivas.
As crianças autistas, entretanto, apresentam alterações orgânicas que afetam a recepção e a
decodificação de estímulos sensoriais. Com isso, estes estímulos podem afetar o organismo da criança
de forma exagerada ou diminuída, isto é, gerando muito prazer ou extrema aversão. Desta forma, um
estímulo que, para as pessoas que não possuem tal alteração sensorial, gera uma sensação levemente
prazerosa ou quase neutra, para uma criança autista pode gerar uma sensação muito prazerosa e,
assim, extremamente reforçadora, fazendo-a buscar esta estimulação repetidas vezes. Por exemplo,
olhar objetos rodando (uma estereotipia bastante comum nesta população). Em outros casos, um
estímulo que para nós é prazeroso ou neutro, pode ser extremamente aversivo para as crianças com
autismo, por exemplo, alguns sons comuns do dia-a-dia, mas que geram extrema irritação em crianças
autistas.
Devido à presença desta característica na maior parte das crianças com autismo, é fundamental que
elas passem pela avaliação de um terapeuta ocupacional. Este profissional irá avaliar como o organismo
da criança está recebendo e decodificando estímulos sensoriais, identificar possíveis disfunções neste
processo e, então, aplicar procedimentos para minimizar estas falhas e regular o organismo da criança
por meio da Integração Sensorial.
O terapeuta ocupacional faz esta avaliação tanto a
partir do relato dos pais e pessoas que convivem com
a criança, quanto proporcionando à criança o contato
com diferentes estímulos sensoriais (texturas, sons,
movimentos, imagens, etc.) e observando suas
respostas a cada estímulo.
Durante este primeiro momento de avaliação, para
investigar as respostas das crianças aos estímulos
sensoriais, o terapeuta ocupacional divide os estímulos em categorias, como:
Macios: algodão, pelúcia, lado macio da esponja de louça, etc.
Compressores: touca de natação, cobertores ou lycra (para enrolar a criança), pesos sobre o corpo,
etc.
Ásperos: lado áspero da esponja de louça, lixa, areia, etc.
Sonoros: instrumentos musicais, fone de ouvido, microfone, aparelho de som, etc.
Luminosos: lanterna no escuro, brinquedos que brilham ou com luzes, etc.
Cerdas: espanador, escovinha de cabelo de bebês, pena, etc.
Gelatinosos: massinha, geleca, tinta, etc.
Térmicos: bolsa térmica, gelo, água quente e fria, etc.
Vestibulares: cama elástica, rede, balanço, etc.
Massageadores: massageador elétrico ou de madeira, massagens com cremes hidratantes, etc.
Proprioceptivos: piscina de bolinhas, luva de borracha cheia de água, arroz, feijão, etc.

Frente a cada categoria de estimulação sensorial, é importante observar respostas primárias, ou seja, se
a criança aceita e procura mais daquela estimulação, ou se ela imediatamente rejeita e se afasta.
Também deve-se observar respostas secundárias, isto é, se após a estimulação a criança apresenta-se
mais relaxada ou agitada e, ainda, se ela responde melhor ou pior às demandas apresentadas após cada
estimulação. Outro dado importante a ser coletado nessa avaliação é o aparecimento ou não de
respostas estereotipadas durante a estimulação com cada categoria sensorial, identificando, assim, que
estímulos evocam respostas estereotipadas.
Depois da avaliação, o terapeuta ocupacional pode, ele mesmo ou familiares e membros da equipe por
ele orientados, começar a aplicar estratégias para minimizar possíveis alterações sensoriais
identificadas. Por exemplo, se frente a uma determinada categoria de estímulos a criança apresenta
resposta de procura (querer mais daquela estimulação), porém, também apresenta estereotipia, o
adulto deverá continuar apresentando aquela estimulação com cautela, ou seja, sempre garantindo que
a criança esteja conectada com ele e respondendo a demandas que ele coloque, para não entrar em
estereotipia. Será necessário ensinar a criança a usufruir daquele estímulo de forma mais funcional,
prevenindo estereotipias. Para isso, é importante garantir as trocas sociais e a reciprocidade sócio
emocional durante a estimulação. Por exemplo, pode-se intercalar entre o adulto estimular a criança e a
criança estimular o adulto. Pode-se, ainda, pedir respostas simples durante a estimulação, por exemplo,
falar ou apontar em que parte do corpo quer uma massagem; olhar nos olhos do adulto; responder
perguntas; contar até 10; etc.
Para tornar mais prático, imaginemos que o pular na cama elástica gere muitas estereotipias, ou seja, a
criança pula balançando as mãos (flapping) ou rindo de forma descontextualizada ou fazendo algum
som sem função. Nesse caso, seria importante continuar expondo a criança a esse estímulo do qual o
corpo dela precisa, porém sempre com a supervisão de um adulto e, ainda, esse adulto deve estimular
outras respostas mais funcionais, sociais e adequadas enquanto a criança pula. Por exemplo, pode-se
pedir que a criança pule jogando a bola para o adulto e recebendo-a de volta; ou pule contando até 10 e,
no final, caia sentada na cama elástica; ou, ainda, pule batendo as mãos com o adulto como numa
brincadeira de Adoletá; etc. Assim, enquanto a criança estiver respondendo a demandas externas
(colocadas pelo adulto), ela não poderá estar respondendo a demandas internas (estímulos sensoriais e
estereotipias).
Na avaliação sensorial, também pode-se identificar estímulos que a criança goste, que são reforçadores
e que não geram estereotipias. Esses estímulos são ótimos candidatos a reforçadores para as
habilidades que estiverem sendo treinadas na terapia individualizada ou na escola. Por exemplo, se a
criança adorou a estimulação com estímulos gelatinosos, esses materiais (massinha, geleca, tinta, etc.)
podem ser disponibilizados imediatamente depois da resposta da criança a uma demanda específica
colocada durante a terapia ABA ou na sala de aula, visando maximizar as respostas adequadas.
Durante a avaliação, também pode-se identificar estímulos sensoriais que geram extrema aversão, isto
é, a criança se irrita, repele e nega aquela estimulação. Se o estímulo for algo com o qual a criança terá
que ter contato em seu dia-a-dia, por exemplo, touca de natação, tinta, música, escova de dentes, etc.,
será preciso lidar com essa aversão. Para isso, uma das estratégias utilizadas é a dessensibilização, que
consiste em expor a criança a essa estimulação repetidas vezes, sempre pareando-a com outras
estimulações prazerosas. Assim, o estímulo aversivo pode vir a adquirir as características reforçadoras
do estímulo que gera prazer. Além disso, durante este procedimento, nunca deve-se permitir que a
criança sinta novamente a aversão àquele estímulo. Para isso, é importante parar a estimulação antes
de ficar aversiva.
Mesmo após a fase de avaliação, é importante manter momentos de estimulação sensorial, no qual o
adulto proporciona para a criança contato com diversos estímulos. Assim, estaremos garantindo que a
criança receba os estímulos dos quais seu corpo precisa do outro em vez de se auto estimular, além de
garantir as trocas sociais e respostas funcionais durante esta interação, evitando estereotipias. Para isso,
é importante disponibilizar o estímulo sensorial correspondente à topografia da estereotipia, porém
garantindo as trocas sociais e as respostas da criança às demandas colocadas, sempre em formato de
brincadeira e interação.
No próximo artigo, fecharemos a série sobre estereotipias, discutindo a terceira causa destes
comportamentos nas crianças com autismo: a tendência à repetição.
Referências Bibliográficas:
Rampazo, S. M. (2011). A terapia ocupacional utilizando-se da teoria da integração sensorial e da análise
aplicada do comportamento para minimizar estereotipias de crianças com transtornos do espectro do
autismo. Monografia para o curso de Pós-graduação em Terapia Ocupacional – Saúde Funcional, Facis –
Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo.

Juliana Fialho
Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre
em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de
Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com
desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu
pesquisas de Iniciação Cientí韨�ca, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas:
desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação
funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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