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BREVE HISTÓRIA DAS

CLASSIFICAÇÕES EM
PSIQUIATRIA
Fundamentos de Psicopatologia
Mariana Machado Felin
Trajetória histórica das classificações em psiquiatria,
do século XIX até à atualidade:

➢ Desde a metade do século XIX: nova forma de compreender e lidar com as doenças mentais.

➢ Início do século XX: Substituir uma classificação sintomática por uma classificação etiológica
das doenças mentais - com a determinação das causas poderia ser elaborado um sistema
classificatório de patologias e a terapêutica adequada.

➢ Emil Kraepelin (grande sistematizador da psicopatologia descritiva): entende que se trata de


distinguir os diversos modos de sofrimento mental para ter o mesmo estatuto das doenças
físicas que a medicina tratava.
Estados Unidos: informações estatísticas

➢ Censo (1840): medição da frequência de 2 categorias – "idiotice e insanidade“.

➢ Censo (1880): 7 categorias – mania, melancolia, monomania, paresia, demência,


alcoolismo e epilepsia, com o propósito de organizar o sistema asilar.

➢ Manual Estatístico para o Uso de Instituições de Insanos (1918): 22 categorias, entre elas,
destacam-se a Psicose, Melancolia, Demência Precoce, Paranoia Psiconeuroses e
Neuroses Atuais.

➢ Entre 1900-1950: a psicanálise fundamentou a classificação norte-americana das


doenças mentais, principalmente baseando-se nos conceitos de personalidade,
estrutura e psicodinâmica.
DSM I (1952)
▪ Necessidade de organizar sistemas diagnósticos - padronização nas
categorias de doenças, as quais atenderiam às finalidades acadêmicas,
terapêuticas, legais, administrativas e financeiras.

▪ Estabelecer um consenso terminológico entre os clínicos, todavia não estava bem


definido o limite entre o normal e o patológico.

▪ 106 categorias: enfoque psicanalítico.

▪ Salientava a oposição entre neurose e psicose.

▪ Voltada para os tipos de reação: levando em consideração a história de vida


detalhada dos pacientes e as
oscilações das doenças mentais.

▪ Neurose: reação de ansiedade e depressão.

▪ Psicose: reação de alucinações e delírios.

▪ Ambos os grupos apresentavam aspectos que diziam respeito à etiologia biológica


e condições
responsivas a contextos sociais.
DSM II (1968)
▪ 182 categorias
▪ Alteração terminológica originando a oposição entre neuroses
e desordens de personalidade.
▪ Mantém-se o conceito de “neurose”, o que demonstra o
predomínio da psiquiatria
psicodinâmica.
▪ Não agradou a comunidade científica: a tentativa de confluir com a CID 8
deixou a desejar em muitos aspectos.
▪ Inclusão de 39 categorias a mais de transtornos mentais.
▪ Discussões sobre a terminologia, principalmente, da esquizofrenia.
▪ Nova revisão um ano depois de sua publicação.
DSM III (1980)
▪ Robert Spitzer: visa estabelecer uma nova versão do Manual.
▪ Principais objetivos: aperfeiçoar a uniformidade e a validade
do diagnóstico psiquiátrico, bem como padronizar as práticas
de diagnóstico entre os Estados Unidos e outros países.
▪ 1º: tornar a nomenclatura do DSM coerente com a CID
▪ Final da década de 1970: adotou-se critérios da medicina
baseada em evidências (revolução científica).
▪ Ideia de classificação foi bem aceita: facilitaria o trabalho dos
profissionais de saúde mental, das coberturas das empresas de
seguro, pesquisa científica e da alocação dos recursos públicos
em saúde mental.
▪ Estabelecia-se assim a divisão bem definida do que eram os
problemas do cotidiano e o que era de fato a doença mental.
DSM III (1980)
▪ 265 categorias.

▪ Chega concomitantemente com a desinstitucionalização dos pacientes crônicos movida


pela luta antimanicomial.
▪ Reformulação de políticas de saúde mental: baseada na ascensão dos tratamentos farmacológicos
e na
crítica à psicanálise por inspirar a prática diagnóstica da psiquiatria.
▪ Posição ateórica, objetiva e supostamente neutra.
▪ Lógica de causalidade multifatorial: o que facilitou uma conexão com a epigenética (genética +
ambiente).

▪ Termo neurose aparece pela última vez como categoria clínica: relações entre a psicanálise e a
psiquiatria tiveram um ponto de virada demarcado pelo DSM III.
▪ Exclusão da categoria “homossexualismo” e a introdução do transtorno de personalidade
narcisista.
▪ Transformação na psiquiatria demarcada pelo DSM III: modificou a concepção de pesquisa e da
prática
psiquiátrica.
DSM III (1980)

▪ Esse manual disponibilizou à psiquiatria, sob a ótica descritivo-terminológico, um sistema preciso de


diagnóstico e suporte para a pesquisa empírico-experimental.
▪ Passou-se a exigir apenas a concordância no plano descritivo.
▪ As classificações psicopatológicas passaram a ser definidas como síndromes: abandono do enfoque
psicodinâmico.
DSM III (1980)
Crítica ao DSM III:
▪ Profissionais mudam os estilos de entrevistar: modo descritivo, orientado pelo
sintoma.
▪ O diagnóstico indica um curso futuro e auxilia a selecionar o tratamento mais
eficaz, porém não é possível um conhecimento sobre suas causas.
▪ DSM III-R (1987): 292 categorias - recebeu diversas críticas por utilizar
uma metodologia empobrecida para chegar aos critérios operacionais.

“As patologias psiquiátricas passam a ser definidas por agrupamentos de


sintomas, o que ocasionou a supressão das histórias de vida, das narrativas dos
pacientes, das causas psicológicas e sociais que possivelmente causaram algum
sofrimento psíquico e/ou sua manifestação em determinado comportamento”
(Martinhago & Caponi, 2019, p. 79)
DSM IV (1994)
▪ 297 categorias distribuídas em 886 páginas.

▪ Principal alteração: inclusão de um critério de significância clínica


(avalia os efeitos da intervenção) para metade das categorias que
tinham sintomas e causavam sofrimento clinicamente importante ou
prejuízo no funcionamento social ou ocupacional.

▪ Os diagnósticos psiquiátricos foram organizados no DSM IV em cinco


eixos (multiaxial):

➢ Eixo I: distúrbios clínicos, incluindo os principais transtornos


mentais, desenvolvimento e distúrbios de aprendizagem (transtornos
mais episódicos, porém, incluía autismo);

➢ Eixo II: retardo subjacente penetrante e transtornos de personalidade


(curso mais crônico);

➢ Eixo III: situações clínicas agudas e doenças físicas;

➢ Eixo IV: fatores psicossociais e ambientais que contribuem para a


desordem;

➢ Eixo V: avaliação global de funcionamento (avaliação de 0 a 100).


DSM-IV-TR (2000)
▪ Mais 21 categorias no apêndice B, além das 297 já existentes na
versão antiga.
▪ Há uma valorização de comorbidades e cruzamentos entre eixos
diagnósticos.
▪ Críticas:
1. dificuldades do uso em Atenção Primária e centros de pesquisa,
2. partes do Manual consideradas ambíguas e imprecisas gerando
uso inapropriado,
3. muitos critérios diagnósticos são extensos e difíceis de lembrar,
4. mais difícil a compreensão e uma interpretação das expressões do
paciente, uma vez que já haviam sido reconstruídas em um formato
de manifestações biológicas.
DSM 5 (2013)
▪ Proposta de um manual de classificação de transtornos mentais e critérios
associados que o diagnóstico fosse mais confiável

▪ Orientar recomendações de tratamento - internação, ambulatório, hospital-dia,


clínica, consultório, atenção primária, estudos epidemiológicos.

▪ É a quinta versão dos últimos 60 anos. É considerado uma referência para a


prática clínica na área da saúde mental.

▪ Apresenta os critérios diagnósticos como a melhor descrição disponível sobre


a manifestação e identificação dos transtornos mentais para clínicos treinados.

▪ Grupo de trabalho que durou 12 anos - incluindo tempo de debates, pesquisas e


publicação
DSM 5 (2013)
▪ Enfoque principal: medição da gravidade dos sintomas e a avaliação em forma dimensional e transversal
daqueles que apresentavam ampla diversidade de diagnóstico.

▪ Mais de 300 categorias, compondo 947 páginas, organizado em três seções:

➢ Seção I: apresenta as orientações para o uso clínico e forense.

➢ Seção II: descreve os critérios e códigos diagnósticos dos transtornos.

➢ Seção III: instrumentos para as avaliações dos sintomas, critérios sobre a formulação cultural dos transtornos,
modelo alternativo para os transtornos de personalidade e descrição das condições clínicas para estudos
posteriores.
DSM 5 (2013)
▪ Por que a mudança?
→Avanços nas áreas de neurociência cognitiva, neuroimagem, epidemiologia e genética
→Constatação de que um sistema categórico rígido não captura a experiência clínica
→Estudos sobre comorbidades e genética
▪ O sistema multiaxial foi suprimido porque gerava distinções superficiais e era pouco utilizado.
▪ Categorias diagnósticas dos eixos I e II do DSM-IV-TR foram incluídas na seção II do DSM-5 com
anotações separadas em cada categoria para as condições que pertenciam aos eixos III, IV e V
do DSM-IV-TR.
▪ Seção III: foram incluídas em todos os grupos diagnósticos medidas dimensionais de
severidade ou de frequência
DSM 5 (2013)
▪ Antes a tentativa era de delimitar diagnósticos como se os transtornos apresentassem sintomas homogêneos;

▪ Percebeu-se como os transtornos são heterogêneos em diferentes níveis (risco genético, sintomas, etc).

▪ Grandes agrupamentos de transtornos: fatores internalizantes e externalizantes

Internalizantes: transtornos com sintomas proeminentemente de ansiedade, depressivos e somáticos

Externalizantes: transtornos com sintomas proeminentemente impulsivos, de conduta disruptiva e por uso de
substâncias
DSM 5 (2013)
▪ Para melhorar a utilidade clínica, foi organizado a partir de considerações sobre o desenvolvimento e ciclo vital:

- Que se manifestam no início da vida (neurodesenvolvimento, espectro da esquizofrenia e outros transt.


psicóticos)
- Mais frequentes na adolescência e início da vida adulta (transtornos bipolar, depressivo e de ansiedade)
- Diagnósticos mais prevalentes na vida adulta e velhice (transt. Neurocognitivos)
▪ Críticas:
“O DSM-5 traz uma lista de questões sociais que passam a ser consideradas como patologia, por exemplo:
problemas de relacionamento, rompimentos familiares, negligência ou abuso parental, violência doméstica ou
sexual, negligência ou abuso conjugal, problemas ocupacionais e profissionais, situações de falta de domicílio,
problemas com vizinhos, pobreza extrema, baixo salário, discriminação social, problemas religiosos e espirituais,
exposição a desastres, exposição a terrorismo e a não aderência ao tratamento médico” (Martinhago & Caponi,
2019, p. 84)
▪ Pontos positivos:
“etiologia dos transtornos mentais fundamentadas em orientações neurobiológicas; confiabilidade e validade na
classificações de modo equiparável ao que exige a medicina; avanços nas pesquisas básicas e clínicas, devido a
muitos anos de trabalhos, com continuidade garantida de forma que possam ser atualizadas as novas versões
do DSM, que está atualmente classificada com números arábicos DSM-5, justamente para ser seguida por DSM-
5.1 e assim sucessivamente” (Martinhago & Caponi, 2019, p. 84)
Transtorno Mental: definição DSM 5
“Perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação
emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma
disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento
subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão
frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos
que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades
importantes. Uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um
estressor ou perda comum, como a morte de um ente querido, não
constitui transtorno mental. Desvios sociais de comportamento (p. ex. de
natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos que são basicamente
referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais a
menos que o desvio ou conflito seja resultado de uma disfunção no
indivíduo, conforme descrito”

(DSM 5, p. 20)
Critérios diagnósticos

▪ Utilidade clínica: ajudar os clínicos a determinar o plano de tratamento e


prognóstico
▪ Diagnóstico não deve limitar a indicação terapêutica

▪ Incapacidade x Transtorno Mental


▪ Avaliar os critérios diagnósticos
▪ Subtipos de transtornos e/ou especificadores (por ex: com insight bom, com insight
razoável)

▪ Gravidade (leve, moderado, grave)


▪ Especificadores do curso (por ex: em remissão parcial, em remissão completa)
▪ Diagnóstico principal, transtornos remanescentes e comorbidades

▪ Diagnóstico provisório (DSM 5, p. 23)


O que aconteceu com o diagnóstico dos
transtornos mentais?
Pré DSM:
1840 – 2 categorias
1918 – 22 categorias

1952 – DSM I: 106 categorias


2013 – DSM 5: 300 categorias
DSM 5-TR (2023)
Diferenças em relação ao DSM 5:

• Modificação dos critérios diagnósticos de mais de 70 transtornos


– para maior clareza;
• Transtorno do luto prolongado (Luto complexo persistente);
• Código dos sintomas para comportamento suicida e autolesão
não suicida;
• Revisão dos textos em função de avanços clínicos: Prevalência,
Fatores de Risco e Prognóstico, Questões Diagnósticas Relativas
à Cultura, Questões Diagnósticas Relativas ao Sexo e ao Gênero,
Associação com Pensamentos ou Comportamentos Suicidas e
Comorbidade
Referências
Associação Psiquiátrica Americana. (2023). Introdução e Utilização do Manual. In APA, Manual diagnóstico e estatístico de
doenças mentais – DSM-5-TR, tradução: Daniel Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann da Rosa; revisão
técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório, José Diogo Ribeiro de Souza. – 5. ed., texto revisado. –
Porto Alegre : Artmed.

Associação Psiquiátrica Americana. (2014). Introdução e Utilização do Manual. In APA, Manual diagnóstico e estatístico de
doenças mentais – DSM-5, (pp. 5-24). Porto Alegre: Artes Médicas.

Dalgalarrondo, P. (2019). As síndromes da psicopatologia, os transtornos e os modos de proceder em relação aos


diagnósticos. In P. Dalgalarrondo, Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais, (pp. 341-343). Porto Alegre:
Artmed.

Lima, C. P., Duarte, M. Q., Vasconcelos, V. D. & Trentini, C. M. Sistemas de classificação dos transtornos mentais:
histórico e avanços (2023). In S. E. S. de Oliveira & C. M. Trentini (Orgs), Avanços em psicopatologia: avaliação e
diagnóstico baseados na CID-11, pp. 3-16. Porto Alegre: Artmed.

Martinhago, F., & Caponi, S. (2019). Breve história das classificações em psiquiatria. Revista Internacional Interdisciplinar
INTERthesis, 16(1), 73-90.

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