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AS LUTAS DAS MULHERES NO AMBITO AGRÁRIO BRASILEIRO: UM OLHAR

SOBRE OS ASSENTAMENTOS DA REFORMA AGRÁRIA

Maria Cecília Sobral de Paiva 1

Resumo
Este trabalho tem por finalidade estudar a visibilidade e projeção das lutas das mulheres no
âmbito agrário brasileiro. Desse modo, foi necessário antes de tudo, recorrer à história da
questão agrária no Brasil, buscando seus significados no interior da sociedade brasileira,
como uma das manifestações da questão social. Para tanto, partiu-se de alguns autores
clássicos, tais como Caio Prado Jr, Ignácio Rangel e Celso Furtado que tratam da temática.
Após essa caracterização acerca da questão agrária brasileira, o estudo remete à questão de
gênero, para então alcançar o objeto de estudo deste trabalho que são: as lutas das mulheres
no âmbito agrário brasileiro, em particular na busca pelo acesso a terra, por meio da
efetivação da política de reforma agrária. Neste momento foi feita revisão bibliográfica a
partir de autoras como Leonilde Servolo de Medeiros, Nalu Faria, Andrea Butto, dentre outras
da área, que contribuíram para a constituição do presente texto. A metodologia do trabalho,
portanto, embasou-se em revisão bibliográfica. Além disso, lançou-se mão da técnica de
memória com uma dirigente do MST que está à frente na questão da luta das mulheres pela
terra e pela reforma agrária. Após esse diálogo, bem como pela revisão bibliográfica, foram
identificados avanços quanto à visibilidade da mulher do campo e quanto às políticas a elas
destinadas. Ao mesmo tempo, entretanto, essas mesmas mulheres, sejam elas líderes;
intelectuais; dirigentes; trabalhadoras rurais; assentadas têm muito a conquistar e a avançar
nas lutas, uma vez que a concentração de poderes e a conseqüente estrutura machista
prevalecem na sociedade capitalista. Realidade esta, que somente poderá ser aliviada com a
realização de uma ampla e efetiva reforma agrária, e verdadeiramente superada, com a
eliminação da propriedade privada, somente possível em outra sociabilidade.

Palavras-chave: lutas; mulheres; política de reforma agrária.

INTRODUÇÃO
Pensando a formação da propriedade privada e a divisão sexual do trabalho, como
formas de manutenção da sociedade capitalista, o objeto desse estudo está delimitado na
direção do papel das mulheres na luta pela terra. Como essa mulher é vista no interior de sua
comunidade e na sociedade de maneira geral; qual a importância dada a sua imagem e às suas
ações dentro dos movimentos sociais de defesa pela reforma agrária; no interior dos
assentamentos; na luta contra o capital internacional e, sobretudo, em sua luta constante e
diária contra os preceitos machistas ainda tão presentes e recorrentes na sociedade brasileira.

1
Estudante do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (PPGPS-UnB).
SQN 407 Bloco A, 207 – 7855010 – Brasília/DF/ Tlfs: (61)35225199/(61)82135867/ E-mail:msobraldepaiva@yahoo.com
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Dessa forma, estudar a mulher e suas lutas no interior da questão agrária brasileira traz
à luz as relações de subjugo e desigualdades, bem como a reprodução de preconceitos com
respeito às condições das mulheres no interior do modo de sociabilidade capitalista. Antes de
tudo, há imprescindibilidade de retomar a história, a fim de compreender o que, de certa
maneira, fundamenta a ideologia dominante de escamotear o real papel e importância da
mulher como sujeito histórico de direitos. Longe de argumentar em favor de uma posição
maniqueísta, na qual se opõem homem e mulher, a última sendo vitimizada ou, até mesmo,
glorificada, o central é entender como se dão as relações entre ambos quando o assunto é a
liderança das mulheres frente a uma questão candente, como o é a questão agrária.
No âmbito rural, há a impressão de que as relações machistas se dão de forma mais
aparente, uma vez que todo o trabalho executado pela mulher passa a ser considerado
pertencente ao doméstico, sendo desqualificado, por sua vez, o trabalho na terra. Além disso,
a mulher se vê diante de outras dificuldades enfrentadas na vida do campo, a começar pelo
acesso a terra e o direito de nela produzir.
Entretanto, levar os sujeitos à compreensão da mulher e da questão agrária, e a uma
mudança de consciência, certamente não é tarefa fácil. A mesma se dá por um longo processo
de disputas daquelas, de um caminho a percorrer entre o pensamento e a ação, bem como de
dar voz a esses sujeitos, a essas mulheres, no espaço e no seio de nossas sociedades, latino-
americana e brasileira que, historicamente e comumente, relegaram a elas um papel
secundário.
Assim, levando-se em conta esse panorama, é de relevância, ainda, considerar as
peculiaridades e expressões presentes no âmbito rural, se comparado ao meio urbano, bem
como saber que aquele é funcional e integrante ao modus operandi capitalista, ainda mais em
sua forma internacionalizada. Por fim, compreender que essa mesma questão agrária
influencia e é influenciada, historicamente, e em um esquema de retroalimentação, pela
questão urbana nos marcos do capitalismo.
Segundo Faria (2009), nessa relação entre o urbano e o rural, confluindo para o tema
da jornada de trabalho feminino, vê-se que nas cidades a questão do patriarcado é amortecida,
uma vez que as mulheres colocam para outras mulheres parte do trabalho doméstico.
Entretanto, no meio rural esse patriarcado se dá de forma mais aparente, já que os trabalhos
produtivos e reprodutivos imbricam-se, não existindo a forma de delegar o trabalho doméstico
a outras mulheres. Por isso, a migração feminina para as cidades como forma de busca de
autonomia econômica e maior liberdade dessas relações patriarcais. Entretanto, a
incorporação dessas mulheres no mercado de trabalho urbano se dá por trabalhos
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precarizados, mal remunerados e carente de direitos, como o emprego doméstico, por


exemplo. Percebe-se disso, que a desigualdade no campo é gritante; expressiva, marcada pela
confluência de classe, gênero e, também, raça (mulheres negras e indígenas).
No entanto, ao pensar-se no movimento de mulheres no campo, ainda de acordo com
Faria (2009), tem havido uma organização crescente por parte da categoria no que se refere,
por exemplo, à luta pela terra na garantia pela soberania alimentar e na importância do
trabalho da mulher como resistência à agricultura de mercado que busca a homogeneização da
produção.
“As mulheres do MST e demais movimentos da Via Campesina fazem mobilizações permanentes pelo
direito a terra, pelo questionamento do agronegócio, dos transgênicos, das privatizações e pela importância de
visibilizar a produção feminina”. (FARIA, 2009, p.25)
Assim, nota-se a importância e imprescindibilidade do papel da mulher nos processos
de resistência e lutas na construção de alternativas populares à questão agrária; na busca de
um projeto que desenvolva a soberania do povo. Sendo isso, somente possível, com a
autonomia da mulher, por sua vez não reduzida unicamente ao aspecto econômico, mas,
sobretudo, considerando-se a necessidade de mudanças na estrutura e nas relações sociais
impostas pela divisão sexual do trabalho.

OBJETIVOS
Portanto, o objetivo primário dessa pesquisa é entender as principais lutas e
contribuições da mulher, - seja ela dirigente de movimento social no interior dos
assentamentos; líder e/ou intelectual; ou ainda, aquela que ocupa os espaços do poder público
no processo de desenvolvimento da reforma agrária brasileira- como uma forma de
enfrentamento, e de possibilidade de mudança e transformação no que tange às relações
sociais de produção e de gênero no interior do âmbito agrário. Diante disso, faz-se importante
ressaltar que a contextualização desse estudo parte da concepção de que a questão agrária
inclui-se como uma das multifacetadas refrações da questão social. Questão agrária essa,
compreendida a partir da perspectiva de Caio Prado Jr da existência de uma contradição de
classes burguesa/capitalista versus empregados/assalariados, evidenciando que, desde o
processo de colonização, as relações de produção já eram tipicamente capitalistas. Dentro
desse pensamento, portanto, pensou que a solução para a questão agrária não estaria em um
Reforma Agrária generalizada e de caráter camponês, mas sim na melhoria das condições de
emprego da população do meio rural. O intelectual baseava-se em uma perspectiva marxista
de análise da realidade, retomando a história dentro de uma visão de totalidade.
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Portanto, a presente intenção de pesquisa, vai ao encontro da perspectiva de Caio


Prado Jr no que concerne à compreensão da questão agrária, e sua forma de enfrentamento
por meio de uma Reforma Agrária, a qual combatesse a pobreza da população rural brasileira,
ocasionada pela concentração da propriedade fundiária, expressa nos latifúndios.

METODOLOGIA
Esse trabalho assentou-se em dois momentos. O primeiro de cunho teórico,
correspondente a uma revisão de bibliografia, e o segundo de caráter mais exploratório, na
qual houve maior aproximação ao objeto de estudo.
O método utilizado foi segundo Marx (2003), o método das aproximações sucessivas
da realidade que, a partir do processo de abstração, confere àquela; ao concreto, uma rica
totalidade de determinações. Assim, elucida Viana (2007),
“Marx quis dizer que o ponto de partida da pesquisa é o concreto-dado, tal como aparece imediatamente
na consciência humana ( é o ponto de partida da intuição e da representação). Mas esse ponto de partida também
é o ponto de chegada. Entretanto, entre o ponto de partida e o ponto de chegada existe a mediação do processo
de abstração.O concreto, que é o ponto de partida, é um concreto-dado, o qual, através do processo de abstração,
vai se tornando um concreto-pensado, onde se descobrem as múltiplas determinações(...)”(p.82 e 83)
Logo no primeiro momento, que foi o da revisão bibliográfica, embasei-me em autores
clássicos que tratam da questão agrária, como Caio Prado Jr e Celso Furtado, assim como
autores e autoras contemporâneas que buscam compreender e explicitar a questão de gênero
no interior do âmbito agrário, entendendo-a como uma continuidade histórica no que tange às
relações de poder e às desigualdades decorrentes dessas. Entre esses autores contemporâneos,
encontram-se Nalu Faria;Leonilde de Medeiros;Andrea Butto; Hildete de Melo, dentre outras.
Posteriormente à revisão bibliográfica, vali-me do recurso da memória, no qual a partir
de um processo de diálogo com uma dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST) aproximei-me um pouco da realidade dessa liderança que, como mulher, colocou um
pouco da situação das outras companheiras; de seus papéis e responsabilidades, bem como
dos avanços e dificuldades enfrentados pela condição de ser mulher no processo de
enfrentamento e defesa pela efetivação de uma reforma agrária.

Pergunta de Partida e Hipótese


Assim, diante de tal contextualização, interesse, curiosidade e compreensão acerca do
papel das mulheres no processo de luta pela Reforma Agrária, indago o porquê de as mulheres
serem mais evidenciadas ao ocuparem espaços de poder como, por exemplo, quando líderes
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na luta pelo acesso a terra, no interior dos assentamentos. Acredito que a hipótese mais
adequada a essa pergunta reside no fato de que, ao longo da história, a mulher foi sendo
deslocada de seu lugar, sobretudo com a instituição da propriedade privada, a qual se deu e se
mantém sob a concentração e as relações de poder. Portanto, ao ser conferido algum espaço
de poder a mulher, ela passa a ganhar mais visibilidade. Ressalto que isso acontece no interior
da ordem societária vigente e que o fato de a mulher ocupar espaço de poder e ser liderança,
não exclui que, muitas vezes, continue a ser desqualificada.

RESULTADOS
Os resultados da pesquisa são trazidos pela técnica de memória com a dirigente do
MST 2, e posteriormente, relacionada com bibliografia utilizada durante o processo de
pesquisa. As perguntas norteadoras do diálogo seguem no Anexo A.
Assim, a partir da “matéria lembrada” (Chauí, 2007, p.31) que é substância social da
memória “o modo de lembrar é individual tanto quanto social: o grupo transmite, retém e
reforça as lembranças, mas o recordador, ao trabalhá-las, vai paulatinamente,
individualizando a memória comunitária e, no que lembra e como lembra, faz com que fique o
que signifique” (idem).
Dessa maneira e, partindo da memória da dirigente acima, foram ricas as contribuições
para o debate da questão de gênero nos assentamentos, bem como para a questão da
visibilidade de uma mulher que ocupa um cargo de dirigente. Várias foram as determinações
postas pelo processo de aproximações sucessivas da realidade da mulher no âmbito agrário.
Em um primeiro momento, destaco a noção de pertencimento de classe, algo colocado
pela dirigente acima como não sendo comum a todas as mulheres. Isso certamente influi na
participação política e nas lutas em si. Uma mulher com consciência de classe, ou seja, que
tem noção de sua real condição e das desigualdades que sofre terá mais possibilidades de
travar lutas contra as injustiças que lhes acontecem diariamente. Entretanto, o fato de possuir
certo conhecimento acerca de sua condição e posição na sociedade classista e machista, não
exclui que essa mulher sofra de preconceitos e machismos por parte dos próprios
companheiros de assentamento.
No que tange à invisibilidade do trabalho feminino, pude corroborar o que já havia
visto durante a revisão bibliográfica, em conversa com a dirigente do MST. Ou seja, o
trabalho das mulheres nos assentamentos é um trabalho pesado na roça, assim como lhes cabe

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O nome da dirigente foi mantido sob sigilo.
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o trabalho de cuidados e responsabilidades com os filhos e filhas. Os homens, por sua vez,
continuam a ser os que decidem sobre a política e a economia, deixando as mulheres de certa
forma relegadas dos processos de decisões, algo que está posto pelo próprio modo de
sociabilidade da sociedade capitalista. Porém, de acordo com a dirigente, as mulheres têm
tentado se colocar mais, se mostrar mais, e assim buscam espaços em meio a essas disputas de
poder. Além disso, o que ainda explica a invisibilidade do trabalho das mulheres é maneira
como são vistas, sempre denominadas de ótimas “ajudantes”; “secretárias”, características
essas que mantém a mulher em determinada posição na sociedade e mesmo nos
assentamentos e que, de acordo com a dirigente, faz a condição de a mulher regredir ainda
mais e não avançar.
Portanto, é a partir disso, da visão do trabalho das mulheres dentro dos próprios
assentamentos, que confirmo que esses, - ainda que sejam espaços que busquem a ideia de
uma sociedade transformada, que luta pela terra e pela reforma agrária- prescindem de uma
transformação quanto à visão da mulher e seus espaços de atuação e participação, pois como
já mencionado anteriormente e de acordo com Marx (1979), “a evolução de uma época
histórica é determinada pela relação entre o progresso da mulher e da liberdade [...] o grau da
emancipação feminina determina naturalmente a emancipação geral”.
São trazidas, também, ao longo da conversa, deficiências dentro do próprio MST. A
dirigente coloca que muitas coisas ainda permanecem no nível da aparência, pois por mais
que seja colocada a noção de paridade política, não existem as condições necessárias para que
a mulher acesse os espaços de participação e disputas, mesmo por que a paridade política se
dá por todas as condições de poder, como o poder estudar, poder deixar os filhos e filhas nas
creches e cirandas infantis que, segundo ela, são conquistas que têm retrocedido. Assim,
podemos notar que o Movimento ainda tem muito no que avançar para que continue a ser um
movimento de força que seja capaz de alcançar o objetivo de acesso efetivo a terra.
Ponto de polemica e debate quando usei pela primeira vez em sala de aula o termo
“nova mulher”, querendo indagar, na verdade, se existiria uma nova personagem no campo
que, por meio de lutas e dificuldades, conseguiu e tem conseguido, ainda que de forma
incipiente, alcançar espaços de participação ativa, bem como articular políticas públicas em
seu favor. Resolvi levantar essa questão a ninguém melhor que uma mulher do meio, do
movimento e que representa liderança que foi, como visto no item anterior, a dirigente do
MST. O que pude entender de sua colocação é que se de fato não existe uma “nova mulher”,
existem processos que transformam radicalmente a mulher, seja a partir da conquista e acesso
a alguns direitos, seja por conseguir encontrar seu espaço dentre as disputas de poder. E nesse
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sentido, algo de fundamental relevância trazido pela dirigente, são as decisões coletivas
tomadas pelas mulheres, elas lidam com as tomadas de decisões de forma coletiva,
diferentemente do homem; da natureza masculina, que parece fazê-lo de forma mais
individual. Desse modo, e repensando a categoria “nova”, percebi que há de se tomar muito
cuidado com os conceitos utilizados. Na realidade não existe uma “nova mulher”, mas sim a
mesma mulher que tenta recuperar o espaço que lhe foi historicamente retirado, deslocado e
ou desvirtuado.
Quanto ao último ponto da conversa, de grande importância para a confirmação ou
negação da hipótese desta pesquisa, foi quanto à existência ou não de discriminações e
preconceitos sofridos por uma mulher que ocupe espaços de poder e de liderança e que, por
isso, ganhe visibilidade. Bom, o fato de uma mulher representar uma direção ou uma
liderança não a faz estar isenta de preconceitos. Segundo a própria dirigente, a discriminação
e o preconceito estão em toda a parte, e o fato de estar à frente de um movimento forte, de
disputa de poder dentro da questão agrária brasileira não a protege necessariamente,
causando, muitas vezes, impactos que não só positivos. E é por isso que, além do trabalho de
articulação com o centro do poder, - que é um poder caracterizado pelo sexismo- é mais que
necessário o trabalho real junto a base, junto às mulheres assentadas, para que os preconceitos
possam cotidianamente ser pouco a pouco superados.

CONCLUSÕES
Este trabalho de revisão bibliográfica procurou compreender as relações de gênero no
interior da questão agrária. Relações essas, perpassadas por uma estrutura fundiária de
concentração de terras e poder, definidas pela instauração da propriedade privada típica do
modo de produção capitalista, bem como permeadas pela particularidade da formação
brasileira, assentada em um passado colonial escravocrata.
Ambas as questões, tanto a agrária como a de gênero representam refrações da questão
social brasileira, definida pelas relações de exploração entre capital e trabalho. São ainda de
pouca discussão no âmbito do serviço social, porém polêmicas, uma vez que movimentam a
concentração de poder historicamente posta.
A questão de mulher e de seu trabalho, bem como os avanços e conquistas quanto a
ocupação de cargos de liderança e poder, demonstram que os preconceitos e o machismo
ainda não caíram por terra. É, portanto, algo a ser superado. A luta pela reforma agrária
apresenta-se como um processo de melhoramento dessas relações de gênero, bem como da
distribuição de poder no interior da questão agrária brasileira. No entanto, no próprio
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movimento dos trabalhadores sem terra, um dos maiores movimentos de luta pela terra; de
projeção internacional, ainda existem necessidades de transformações, de disputas de
consciências em seu interior a fim de alcançar a constituição de uma ampla e efetiva reforma
agrária. Contudo, ressalta-se que isso se dá nos marcos de um modo de produção capitalista
que, em seus primórdios, deslocou a mulher de seu espaço, tornando-a mero objeto de
reprodução e, dessa maneira, colocando o seu trabalho em um segundo plano, reduzindo-o a
esfera doméstica e impondo-lhe o mote de improdutivo. Destarte, não há como fugir de que a
verdadeira solução para a real emancipação da mulher, não somente econômica como política
e, acima de tudo, na condição de sujeito transformador, se fará unicamente com a superação
desse modo de sociabilidade capitalista. Os espaços vêm sendo construídos para isso, ainda
que com muitos entraves e dificuldades, o que pôde ser constatado na conversa com a
dirigente do MST. O próprio movimento, apesar de suas falhas, busca subsidiar um processo
de formação de consciências.
Portanto, e a fim de deixar mais clara as minhas considerações finais, confirmo a
hipótese de que, mesmo a mulher tendo galgado importantes posições e cargos a partir de suas
lutas, e tendo, por isso, ganhado maior visibilidade, não se exclui o cenário de desigualdades e
de desqualificação da mulher e de seu trabalho.
Não é por isso, entretanto, que as mulheres não tenham conquistado importantes
avanços. Elas sim o fizeram e têm feito, a partir de práticas coletivas, articulando-se entre elas
mesmas, e dentro dos espaços de poder.
Para não cair no fatalismo de que nada pode ser feito no interior dessa ordem
societária, acredito que esse é o caminho: de conquista e construção de espaços; de disputas
de consciências; de lutas coletivas e cotidianas, inclusive “da porta para dentro” (Gomes,
2010), no âmbito do privado.

REFERÊNCIAS

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São


Paulo: Expressão Popular, 2010.

FARIA Nalu. A Economia Feminista e a agenda de luta das mulheres no meio rural.

BUTTO, Andrea (org.). Estatísticas Rurais e a Economia Feminista: um olhar sobre o


trabalho das mulheres. Brasília: MDA, 2009.

KOZLOV, G. Modos de produção pré-capitalistas. In: Curso de Economia Política 1.


Lisboa: Avante, 1981.
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MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Assentamentos rurais e gênero: temas de reflexão e


pequisa. BUTTO, Andrea; LOPES, Adriana (Orgs.). Mulheres na Reforma Agrária. A
experiência recente no Brasil. Brasília: MDA, 2008.

VIANA, Nildo. Escritos Metodológicos de Marx. Goiânia: Alternativa, 2007.

ANEXO A

Perguntas balizadoras da conversa com dirigente do MST

1- Gostaria que você contasse um pouquinho da sua trajetória. Mais especificamente,


quando ingressou na luta junto ao MST e por qual motivo?
2- Antes de tudo, como mulher, como você enxerga as relações de gênero no assentamento?
Qual a figura da mulher, o que ela representa para seus companheiros? Você acredita
que algo mudou, no sentido de uma maior visibilidade da mulher no que tange ao seu
trabalho no interior do assentamento e à participação política?
3- Desse modo e , dependendo dos tipos de transformações sofridas na sociedade e no
interior do movimento, existiria, a seu ver, uma “nova mulher”?
4- E você, como dirigente, já sofreu ou tem sofrido algum tipo de discriminação e/ou
preconceito pela condição de ser mulher? Ou o fato de ocupar um cargo de liderança,
digamos assim, faz com que seja mais respeitada?
5- Gostaria de acrescentar, comentar, sugerir, criticar alguma coisa?

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