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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

ANA LUIZA CARNEIRO DA COSTA

Relações Entre Análise do Comportamento e Comunismo a Partir de Walden II

Feira de Santana - BA

2021
RELAÇÕES ENTRE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E COMUNISMO A
PARTIR DE WALDEN II

Trabalho de Conclusão de Curso orientado pela


Professora Dra. Bruna Colombo, apresentado no
formato de artigo à banca examinadora como
requisito para obtenção do título de Bacherel em
Psicologia pela Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS).

Feira de Santana – BA

2021
Folha de Aprovação

Título: Relações Entre Análise do Comportamento e Comunismo a Partir de Walden II

Autor(a): Ana Luiza Carneiro da Costa

Prof.(a) Orientadora: Dra. Bruna Colombo dos Santos

Trabalho Aprovado em: / /

Banca Examinadora:

Profa. Ms. Gleice de Oliveira de Cordeiro

Profa. Dra. Acácia Batista Dias


Resumo
A Análise do Comportamento pode contribuir para a mudança cultural e solução de problemas
sociais. Skinner, nos anos 40, escreve Walden II, um romance no qual descreve uma sociedade
que teria como base a ciência do comportamento. O romance é escrito num cenário pós segunda
guerra, em que havia uma insatisfação crescente com o modo de vida e de organização social.
O objetivo deste trabalho foi analisar o livro Walden II: uma sociedade do futuro, escrito por
Skinner, estabelecendo relações entre a sociedade apresentada na obra e o modo de organização
comunista. Para isso, fez-se a leitura e análise de obras de Marx e Engels e foram estabelecidas
categorias julgadas como relevantes na identificação de elementos constituintes do
comunismo: Fase de Transição; Trabalho; Administração Pública; Economia; Agricultura e
Indústria; e Educação. A partir dessas categorias, foi feita a leitura de Walden II, observando
como esses elementos apareciam descritos na obra. Os resultados preliminares mostraram que
a Fase de Transição se diferencia em Walden II e no comunismo, enquanto as demais categorias
se assemelham. A discussão englobou a apresentação dos pontos de convergência e/ou
divergências encontrados, com base nas categorias. Foram feitas reflexões sobre a sociedade
contemporânea, mostrando outros modelos de organização política, econômica e social, e como
a Análise do Comportamento pode atuar para a construção de uma sociedade que rompa com
a ideologia dominante atual.
Palavras-chave: B.F. Skinner; Comunismo; Walden II; Marx; Engels; Análise do
Comportamento.
Abstract
Behavior Analysis can contribute to cultural change and problem solving of social issues.
Skinner, in the ’40s, wrote Walden II, a novel that describes a society based on behavioral
science. The objective of this paper was to analyze the book Walden II: a society of the future,
written by Skinner, establishing relations between the society presented in the book and the
communist organization mode. For this, Marx and Engels' books were read and analyzed, and
categories deemed relevant for the identification of constituent elements of communism were
established: Transition Phase; Work; Public Administration; Economy; Agriculture and
Industry; and Education. Based on these categories, Walden II was read, observing how these
elements were described. Results showed that the Transition Phase differs in Walden II and
communism, while the other categories are similar. The discussion encompasses the
presentation of points of convergence and/or divergences found, based on the categories.
Reflections about contemporary society were made, showing other models of political,
economic, and social organization, and how the Behavior Analysis can act to build a society
that breaks with the current dominant ideology.
Keywords: Skinner; Communism; Walden II; Marx; Engels; Behavior Analysis.
A Análise do Comportamento é uma ciência constituída pelo Behaviorismo Radical,

pela Análise Experimental do Comportamento e pela Análise Aplicada do Comportamento

(Carvalho Neto, 2002). O Behaviorismo Radical é a filosofia proposta por Skinner (1945) para

se diferenciar dos demais behaviorismos vigentes na época (o de Watson, o de Boring e o de

Stevens, por exemplo). Essa filosofia é também o braço teórico e histórico da Análise do

Comportamento. A Análise Experimental do Comportamento, por sua vez, é a parte empírica

dessa ciência (Carvalho Neto, 2002), enquanto a Análise Aplicada do Comportamento descreve

relações funcionais entre o comportamento e o contexto, tendo como foco de investigação

comportamentos que são socialmente relevantes (Baer, Wolf & Risley, 1968).

Portanto, a Análise do Comportamento (AC) é uma ciência ampla, que se utiliza da

observação e da análise de contingências para investigar e promover mudanças no

comportamento ao longo do tempo (Carrara, 2005; Ulman, 1996). Por “comportamento”,

entende-se a interação entre o organismo e o ambiente (Todorov, 2007).

Considerando que esse ambiente é composto por diversos organismos, os quais

estabelecem relações entre si, e que, portanto, podem formar comunidades e sociedades a partir

de relações sociais, existe a possibilida de intervenções que têm como objetivo resolver

problemas comunitários/sociais. A relação entre Análise do Comportamento e questões sociais

foi posta por Skinner em 1978, ao defender que a Análise Experimental do Comportamento

(AEC) poderia ser utilizada para resolver/compreender problemáticas como a desigualdade na

distribuição de renda,o crime, e o analfabetismo (Holpert, 2004).

Tratar de questões sociais com base na ciência do comportamento é uma tarefa que

esteve presente desde os primórdios dessa ciência, nos anos 40. Skinner, em 1948, escreveu o

romance Walden II influenciado por leituras prévias e experiências que havia tido, tais como o

contato com o livro Freedom's Ferment, de Alice Tyler (1944), além de, obviamente, o Walden

1
de Thoreau (1854). No ano em que o livro foi idealizado, 1945, Skinner conversou com um

amigo sobre os jovens americanos que estavam na Segunda Guerra Mundial, e de que modo

esses jovens poderiam viver melhor quando retornassem da guerra. Ele acreditava que havia

alternativas ao modo de vida americano, e que a experimentação seria uma boa forma de

colocar em prática outras formas de sociedade (Altus e Morris, 2009). Quando publica o livro,

em 1948, Skinner ilustra um modo de sociedade guiado pelo planejamento cultural, ou seja, a

ciência do comportamento seria utilizada para a organização social da vida comunitária,

buscando garantir um bom convívio e felicidade dos membros daquela sociedade (Rocha,

2018).

A respeito disso, foram publicados alguns trabalhos que se utilizam do Walden II para

fazer análises, como por exemplo, o de Glenn (1986), um estudo sobre metacontingências em

Walden II1. Mais recentemente, temos trabalhos que se utilizam do Walden II para discutir

sobre outras formas de sociedade possíveis, como por exemplo o de Lopes (2020), que faz

comparações com o anarquismo, e o de Nobuhara e Lopes (2021) que se utiliza mais uma vez

do Walden II para compará-lo à República de Platão, partindo de uma proposta sistemática de

Aristóteles sobre política, que abarca: as formas de governo; as características das populações

governadas; e os mecanismos utilizados para evitar a degeneração do governo.

Há outros trabalhos na área que estabelecem aproximações com assuntos sociais, como,

por exemplo, Bogo e Laurenti (2012) que discutem sobre modelos de ciência (moderno e pós-

moderno), relacionando-os à ciência do comportamento, para, a partir disso, discutir como cada

modelo pode praticar intervenções distintas na sociedade. Holpert (2004) revisou 122

1
Metacontigência é “uma relação contingente entre 1) contingências comportamentais entrelaçadas recorrentes
que têm um produto agregado e 2) eventos ambientais ou condições selecionadoras” (Glenn et al., 2016). Por
exemplo, para produzir uma música (produto agregado) cada membro de uma banda fica sob controle do
comportamento e dos estímulos gerados pelos demais membros (contingências entrelaçadas). O que seleciona o
entrelaçamento são eventos selecionadores, como aplausos, casa noturna lotada, vendas.

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publicações de analistas do comportamento referente a questões sociais entre 1991 e 2000,

sendo que 60 desses artigos versavam sobre o tema “Ciência”, ou seja, das questões éticas,

epistemológicas e conceituais. Os temas de “Política” (23 artigos) e “Educação” (25 artigos)

vieram em seguida. O autor chegou à conclusão de que é necessário um aprofundamento da

investigação das temáticas sociais em pesquisas futuras. Há também os trabalhos de Abreu

(1990), sobre o controle de resíduos, o de Johson e Geller (1984) sobre o uso do cinto de

segurança, e o de Sénéchal-Machado e Todorov (2012) analisando as práticas de agências

sociais que realizaram uma intervenção que resultou em uma nova prática cultural nos

motoristas da cidade de Brasília, no respeito às faixas de pedestre. Esses trabalhos

exemplificam como a Análise do Comportamento pode ser usada para intervenções na

mudança de comportamento social.

Há também trabalhos que aproximam a Análise do Comportamento de teorias

sociológicas específicas, como é o caso dos trabalhos de Ulman (1991) e de Castro (2016). O

primeiro analisa relações entre Marx e Skinner, ou mais especificamente, entre o socialismo

científico e o behaviorismo radical, e compara essas duas perspectivas no que se refere à

linguagem, personalidade, cultura e consciência comunista, propondo uma síntese da ciência e

tecnologia do comportamento do ser humano individual e da ciência e tecnologia da

transformação da sociedade.

Ulman (1991) chega à conclusão de que o behaviorismo radical tem um papel no

progresso social e que a tecnologia comportamental está disponível para aqueles que querem a

transformação do mundo para ser livre de exploração, opressão, pobreza, guerra e degradação

ambiental (Ulman, 1991). Castro (2016), por sua vez, analisou trabalhos que fazem relação

entre análise do comportamento e marxismo, as possibilidades de contribuição mútua e as

contradições entre essas duas áreas. O material analisado pelo autor demonstra que não há uma

concepção única nem do behaviorismo nem do marxismo, porém a discussão final gira em

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torno de que ambos podem contribuir para a emancipação humana. Para o autor, um aspecto

central que aproxima a análise do comportamento do marxismo é o fato de ambos serem

materialistas, de modo que a AC traça críticas ao mentalismo, e o marxismo ao idealismo.

Como sugestão para trabalhos futuros, o autor propõe discutir se as concepções de

transformação social têm um viés ideológico, ou seja, de naturalizar uma determinada

concepção de sociedade (Castro, 2016).

Diante do exposto, pode-se afirmar que a Análise do Comportamento tem condições de

ser uma ferramenta para tratar de questões que abarquem o funcionamento das sociedades,

partindo-se da perspectiva de que as ciências devem produzir conhecimentos que sejam úteis

para a sociedade. Em consonância com Abib (2001, citado por Laurenti, 2012) a efetividade

do conhecimento científico diz respeito à possibilidade de a ciência produzir consequências

éticas e políticas que se traduzam em projetos que promovam um mundo mais igualitário e

harmonioso com a natureza e outros seres humanos.

Para que isso seja possível, um caminho é o diálogo entre a Análise do Comportamento

e outras áreas que se debruçam sobre maneiras de produzir uma possível mudança social.

Então, estudar essas áreas pode nos levar a pensar em como elas podem contribuir para a

construção de modelos de sociedades completamente diferentes daquelas que temos

atualmente. Isso é visto no trabalho de Lopes (2020), por exemplo, que se utiliza do livro

Walden II (1948/1972) de B. F. Skinner para responder se a sociedade descrita no livro pode

ser considerada anarquista, dividindo a análise em três categorias: economia, política e cultura.

Por fim, o autor chega à conclusão de que Walden II não seria uma anarquia por conta do fator

político, pois ainda mantém uma classe dominante (os planejadores), que se difere de todos os

outros membros da comunidade.

O livro Walden II (Skinner, 1948/1972) é caracterizado como um romance, no qual o

autor pretendia mostrar a aplicação dos conceitos comportamentais (até então

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desenvolvidos/pesquisados em laboratório) numa pequena comunidade (Nye, 1992). Como

visto, a sociedade de Walden II já foi comparada ao anarquismo. No presente trabalho, o

objetivo é comparar a sociedade de Walden II à sociedade comunista. Para fazer uma análise

do comunismo, foram utilizadas obras de Karl Marx e Friedrich Engels.

O ponto de partida para a comparação dessas duas sociedades é o de que as duas

podem ser consideradas utópicas. O conceito de utopia, do grego ou topos (ou seja, não-lugar)

não é abordado aqui a partir de um idealismo, como na ficção de Thomas More (1516). Não se

trata, portanto, de utopia como um lugar impossível ou um sem-lugar. Em vez disso, parte do

conceito de que ela (a utopia) é uma força motriz por trás de uma práxis, é o ciclo dialético

entre o que se imagina, experimenta e pensa, podendo assumir um caráter de objetividade

(Fernandes, 2016).

Esse conceito de utopia é utilizado fundamentado no fato de que os autores das obras

analisadas propunham sociedades que pudessem se concretizar. Isto está claro em Skinner,

cuja intenção era descrever a ideia básica de uma sociedade em experimentação, mostrando a

praticidade do método experimental (Baum, 1994/2006). Skinner acreditava no uso da

tecnologia comportamental servindo de prática para a melhoria de uma sociedade, chegando a

afirmar: “estou dando a você um sonho utópico (...)? Em certo sentido, sim. Mas utopias se

tornam realidade.” (Skinner, 1989, citado por Laurenti, 2012).

O mesmo pode ser visto em Marx, “afirmando que as ideias comunistas podem ajudar

a superar a ideia de propriedade privada, mas a realidade requer a atividade comunista a fim de

substituir a verdadeira propriedade privada” (Fernandes, 2016, p. 491) expressando que a

atividade, ou seja, a prática, é central na construção de uma sociedade comunista, para que ela

possa, de fato, se concretizar.

Diante do exposto, observamos algumas lacunas acadêmicas em relacionar a Análise

do Comportamento com um tipo específico de sociedade – nesse caso, a comunista. Além

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disso, de acordo com Castro (2016), os trabalhos comparando a Análise do Comportamento

com o marxismo são produções consideradas marginalizadas no campo da Psicologia

brasileira. Com isso, o objetivo deste trabalho é analisar o livro Walden II: uma sociedade do

futuro (Skinner, 1972) e estabelecer relações entre esta obra e o modo de organização de uma

sociedade comunista, tendo como base obras de Karl Marx e Friedrich Engels, apresentando

pontos de convergência e/ou divergência.

Método

Buscando identificar possíveis convergências e divergências entre a sociedade de

Walden II e a sociedade comunista e, a partir daí, fazer análises que permitam que a Análise

do Comportamento contribua com a sociedade, este trabalho trata-se de uma pesquisa teórica.

Seleção das Fontes Principais para Análise

A seleção dos textos analisados foi feita partindo-se do problema de pesquisa, ou seja,

aproximar a Análise do Comportamento aos estudos sociológicos/socialistas acerca do

comunismo e identificar pontos de convergências e divergências entre duas comunidades

consideradas utópicas. Diante disso, nos próximos tópicos serão apresentadas as obras que

foram analisadas com o objetivo de entender as comunidades e compará-las.

Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento.

Para essa análise, foi feita a escolha do livro Walden II: uma sociedade do futuro

(Skinner, 1948/1972) por se tratar da descrição e explicação de uma sociedade considerada

utópica, podendo, portanto, ser comparada à sociedade comunista, pois as duas ocupam um

não-lugar.

O livro é narrado em primeira pessoa pelo personagem Burris, personagem passível de

ser convencido sobre a comunidade; além dele, há Frazier que é apresentando como um

professor universitário de ideias utópicas (Skinner, 1948/1972) que dedicou-se a fundar a

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comunidade e a defende ao longo da trama, apresentando argumentos que dão características

vantajosas à ela (Laurenti, 2012). Há ainda o personagem Castle, um filósofo tradicional,

questionador sobre as práticas da comunidade; e dois casais: Steve e Mary e Rodge e Bárbara.

Esses personagens são os principais da trama, sendo que ela, na maior parte do tempo, gira em

torno de Burris, Frazier e Castle.

Sobre a dinâmica desses três últimos personagens, é importante compreender que o

livro apresenta uma batalha de ideias entre Frazier e Castle para conquistar a adesão de Burris.

Nesse caso, Frazier representaria o caráter mais prático da tecnologia comportamental; Castle

representaria o mentalismo e Burris seria o personagem que está aberto a ouvir as ideias de

ambos (Baum, 1994/2006).

Sociologia e comunismo

Já as obras sociológicas selecionadas foram: o Manifesto do Partido Comunista

(1848/2015) de Karl Marx e Friedrich Engels e “Crítica ao Programa de Gotha”

(1875/2012), de Karl Marx.

O Manifesto foi escolhido por descrever as principais características de uma sociedade

comunista. Ele foi proposto nos Congressos da Liga dos Comunistas, dos quais Marx e Engels

faziam parte, em Bruxelas, no ano de 1847. O contexto no qual foi produzido partiu da

necessidade de compilar e publicar os princípios do partido comunista (Engels, 1877/2019).

Ao final do manifesto, Marx e Engels (1848/2015) vão falar dos estudos socialistas e

comunistas, abordando suas “sentenças positivas sobre a sociedade futura” (p.34), tais como:

superação da oposição campo-cidade; supressão da família, do lucro privado e do trabalho

assalariado; estabelecimento da harmonia social; e conversão do Estado em administrador da

produção.

A “Crítica ao Programa de Gotha” (1875/2012) foi selecionada pois consiste em um

agrupamento de diversas notas de Marx criticando um projeto de unificação dos partidos

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socialistas alemães. A incorporação desse material para a análise se justifica a partir do que

Michael Löwy traz no prefácio à edição brasileira do livro:

Este documento é um dos raros textos de Marx que tratam da sociedade comunista do futuro,
da qual ele define duas etapas distintas: a que leva ainda as marcas de nascença da velha
sociedade, estruturada pelo ‘igual direito’ – a cada um segundo seu trabalho –e a fase superior,
baseada no generoso princípio que parece resumir em si toda a força utópica do marxismo –
‘de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades. (Löwy, 2012,
p.14)

Diante disso, fica claro que neste livro Marx discorre sobre a sociedade comunista,

apresentando suas carateristícas e singularidades, por essa razão ele é relevante para esse

trabalho.

Organização das Informações das Fontes Selecionadas

Inicialmente, foi feita uma leitura do Manifesto do Partido Comunista (Marx & Engels,

1848/2015) e das cartas contidas no livro “Crítica ao Programa de Gotha” (1875/2012) para

descrever de forma mais específica as caracterísitcas centrais (“sentenças positivas sobre a

sociedade futura”) citadas no tópico anterior. Para tanto, foram feitos fichamentos dos dois

primeiros tópicos do Manifesto e das cartas (ver apêndice A), destacando alguma característica

geral e descrevendo suas especificações, ou seja, buscando trechos que expliquem como seria,

na prática, a sociedade comunista, para fins de compará-la à sociedade skinneriana de Walden

II.

Feitos os fichamentos dessas fontes principais, houve a esquematização num quadro

(ver apêndice B), com a finalidade de dar melhor visualização às caracteristícas, sendo possível

dividí-las em categorias, tais quais: Fase de Transição; Trabalho; Administração Pública,

Economia; Agricultura e Indústria; e Educação.

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Após essa etapa, foi feita a leitura do livro “Walden II” (Skinner, 1948/1972),

enviesada pelas premissas básicas da sociedade comunista e foram feitos fichamentos dos

capítulos (apêndice A), buscando pontos que se assemelhem ou se diferenciem das

características gerais do comunismo e buscando trechos que se encaixassem nas categorias

definidas.

Resultados e Discussão

Após as leituras, fichamentos e identificação dos pontos centrais do material sobre

sociologia e comunismo, foram construídas categorias e suas respectivas descrições que

sintetizam características presentes no comunismo. A Tabela 1 apresenta essas categorias e a

descrição geral de cada uma delas.

Tabela 1
Categorias de análise e sua descrição - comunismo
Categoria Descrição
Fase de transição É uma fase em que a sociedade começa a
construir um novo tipo de organização,
diferente da ordem capitalista vigente e
implementa um novo modo de produção,
novos ideais, novos repertórios
comportamentais. Ela não está inteiramente
desprendida de comportamentos - públicos e
privados - que existiam na fase anterior, mas
está caminhando para isso.

Trabalho É a forma como os membros das sociedades


em questão irão produzir riqueza coletiva,
visando o bem de toda a comunidade (o bem
comum) e não apenas ganhos individuais.

Administração Pública É a organização da sociedade e de como


funcionarão seus serviços públicos. Essa
administração é executada coletivamente,
visando o bem de todos os membros da
sociedade.

Economia É como serão disponibilizados os recursos da


sociedade, um tipo de organização financeira
que não permite acúmulo de riqueza e não
haverá propriedade privada.

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Agricultura e Indústria Esses setores funcionam juntos visando a
supressão da oposição entre campo-cidade e
a melhoria da força produtiva para o bem da
sociedade.

Educação Envolve a formação de crianças,


adolescentes e jovens, visando uma
formação técnica, com as quais aprendam
na prática várias áreas do conhecimento. A
educação e o cuidado com as crianças é
responsabilidade
de toda a comunidade.

Após elencadas as categorias, a seguir há uma descrição aprofundada, expondo as

semelhanças e diferenças que existem nas duas comunidades analisadas.

Fase de Transição

Nas obras de sociologia analisadas, encontramos que a luta de classes (que se dá em

decorrência da distinção entre as classes) propicia meios para uma revolução do proletariado.

Dessa forma, essa classe de trabalhadores estabelece domínio social, político e econômico a

partir de uma violenta derrubada da burguesia. Essa luta pelo poder acontece a nível nacional,

na qual o proletariado de cada país combate a burguesia local.

A partir de então, ocorrem intervenções emergenciais a nível econômico, com o

objetivo de revolucionar o modo de produção (que até então é capitalista). Essas intervenções

serão adaptáveis de país a país; mas, de maneira geral, incluem a expropriação da propriedade

privada e a utilização de suas rendas para propósitos públicos. O objetivo é abolir a propriedade

privada e tomá-la para que seja usada como um bem-comum, ou seja, havendo a socialização

das propriedades privadas, que podem ser terras, máquinas e tudo aquilo que seja de uso do

capitalista para explorar o proletariado.

Na sociedade de Walden II, por sua vez, a fase de transição se justifica porque é evidente

que não se desprenderam totalmente da cultura da qual vieram. Para novos/as membros/as, há

que ser feito um processo de convencimento; algumas mulheres, por exemplo, têm que se

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adaptar a uma maior igualdade de trabalho que existe em Walden II, em comparação com a

sociedade capitalista norte americana.

Diante disso, têm-se que eventos privados advindos da cultura, que são muito

enraizados nas pessoas, não se alteram automaticamente mudando o modo de produção, por

exemplo, pois é um processo que vai se dando conforme as pessoas vão experenciando um

novo modelo de sociedade. Desse modo, em Walden II existe um código de conduta, o Código

Walden, o qual novos/as membros/as aceitam seguir quando entram para a comunidade, com

a finalidade de tornar o “bom comportamento” um hábito.

Em Walden II não acreditam em política eleitoral e sim em um Comitê de Ação

Apolítica, com leis e técnicas especificamente comportamentais e culturais, permitindo a

construção de um ser humano apto a viver em grupo. A fundação de Walden II, por exemplo,

nunca é lembrada em público, porque desencorajam o senso de história, para que não haja

favoritismo pessoal e para que todos ajam pelo bem da comunidade. Então, existem técnicas

materiais e psicológicas que fazem com que a comunidade exista, sendo que essas técnicas,

baseadas em engenharia comportamental, constituem uma das principais características da

comunidade.

No que se refere ao espaço físico, compraram a terra a um baixo preço, pois liquidaram

impostos atrasados. É mencionada também uma fase de planejamento, indicando que o modo

como funcionaria o trabalho, por exemplo, foi pensado anteriormente. Quanto a uma possível

expansão de Walden II, se caracterizando como uma transição mais ampla (um município

inteiro se transformando, por exemplo), é reconhecido que certo despotismo seria utilizado

inicialmente, de forma temporária, para se obter o melhor governo para todos/as. Ainda assim,

há a defesa de que as pessoas são livres, porque ninguém é obrigado/a a viver em Walden II,

mas a ideia de uma liberdade plena é ilusória, pois os seres humanos sempre estão se

comportando sob controle de alguma contingência. Há uma defesa de que, se tivermos a

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possibilidade de operar sob a ciência do comportamento, é melhor os individuos se

comportarem sob ela do que deixar a humanidade sob um controle acidental ou enviesado.

Então, temos que na perspectiva marxista a fase de transição se dará por meio de uma

revolução do proletariado, derrubando a burguesia. Em Walden II, a comunidade foi fundada

sem caráter político e de revolução, apenas compraram uma terra e construiram as instalações.

Nas duas comunidades, entretanto, percebemos o desejo de mudança para um modo de vida (e

de produção) mais justo, que não explore os seres humanos. Além disso, é perceptível que com

a mudança do modo de produção, os comportamentos privados não se alteram

automaticamente, e nisso as duas perspectivas podem se comunicar e contribuir mutuamente.

Por exemplo, há o debate sobre questões como gênero, sexualidade e raça em Cuba, e

foram identificadas práticas machistas, homofóbicas e racistas na ilha mesmo após a revolução

de 1959. Evidentemente, isso é considerado um problema, de modo que a análise e superação

deste deve se atentar tanto para os avanços advindos por conta da revolução, quanto para a

manutenção da ordem social, que ainda é presente (Barreto, Hudson & Andrade, 2017). Ou

seja, é imprescindível que as intervenções práticas, desde já, devem ser no sentido de promover

mudanças objetivas e também subjetivas, para a construção de uma nova sociedade.

Trabalho

Para Marx, basicamente, o trabalho é a exteriorização de uma força natural, inerente ao

ser humano, aquela que nos diferencia de outros animais, ao mesmo tempo em que é a fonte

dos valores de uso, ou seja, aquilo que o ser humano produz para satisfazer suas próprias

necessidades, sejam elas de qualquer tipo. O fruto do trabalho, visto de forma coletiva, deve

ser o produto social total, de modo que esse trabalho acumulado (a junção das forças naturais

de trabalho humano) sirva para ampliar, enriquecer, promover a existência do trabalhador,

numa perspectiva materialista.

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Do produto social total do trabalho, devem-se deduzir (1) os custos da administração,

que diminuirão a medida em que a nova sociedade se desenvolver (2) a fração que dê garantia

aos direitos básicos (educação, saúde, etc) que crescerá a medida que a nova sociedade se

desenvolver e (3) um fundo de reservas para pessoas que são impossibilitadas de trabalhar.

Na sociedade comunista do futuro não haverá trabalho assalariado, esse dará lugar à

produção cooperativa na indústria e agricultura, de modo que trabalho intelectual e manual

sejam indissociados; o trabalho não será um simples meio de sobrevivência humana e sim uma

realização essencialmente humana, possibilitando o desenvolvimento dos indivíduos nas mais

diversas formas (intelectual, manual, política, social, etc); e, em decorrência desse

desenvolvimento, as forças produtivas aumentarão, aumentando assim a riqueza coletiva.

Em Walden II não há uma jornada de trabalho, não há “horário comercial”. O trabalho

doméstico é feito por todos/as, e o trabalho de reprodução social fica mais igualitário e menos

denso, por conta da divisão de tarefas e da engenharia doméstica, que é uma forma de

industrialização do trabalho doméstico. Desse modo, a produção em massa foi colocada ao

alcance de todos (socialização dos meios de produção) como consequência de uma vida

cooperativa.

As pessoas pagam 4 (quatro) créditos por dia de trabalho (1200 créditos-trabalho por

ano), dessa forma têm acesso aos bens e serviços da comunidade. Os valores dos créditos são

mudados de acordo com as necessidades da comunidade, de forma que não visam o lucro, mas

sim uma segurança econômica para a comunidade.

Há o incentivo de todos os tipos de trabalho, tanto o intelectual quanto o manual, e

também os agradáveis (como cuidar dos jardins) e os desagradáveis (como limpar esgoto), e

para isso há o ajuste dos valores dos trabalhos, de modo que trabalhos desagradáveis têm

valores altos e trabalhos agradáveis têm valores baixos; mas essa esquematização não é fixa,

porque é interessante que todos trabalhem em tudo. Os/as planejadores/as, por exemplo, devem

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pagar parte do seu crédito em trabalhos manuais, estritamente. Entretanto, ninguém trabalha

naquilo que não quer ou que não tem competência para (um transportador de ovos que quebra

muitos ovos, por exemplo). As pessoas não sofrem de trabalho excessivo e não são exploradas.

O trabalho numa sociedade comunista é muito importante e cumpre a função de

ampliar, enriquecer e desenvolver o próprio trabalhador, pois é através do trabalho útil que

são produzidos valores de uso, os quais atendem às necessidades da sociedade. O trabalho,

então, cumpre um papel mais abrangente, mais social, e é necessário para o desenvolvimento

da sociedade como um todo, para aumentar suas forças produtivas e garantir uma riqueza

coletiva, e não individual. Dessa forma, não haverá trabalho assalariado, e sim uma produção

cooperativa que permitirá o ser humano se desenvolver em diversas esferas, em que trabalho

manual e intelectual não se dissociam.

Do mesmo modo ocorre em Walden II, na qual os indivíduos aceitam trabalhar para o

bem da comunidade, sendo que terão suas necessidades atendidas através dos serviços

públicos. Além disso, suas potencialidades são fortalecidas, pois podem trabalhar em muitas

funções diferentes, de modo que não ficam estagnados em um trabalho alienante, e assim

participam só de uma pequena parte do processo, e trabalham para enriquecimento de um

patrão, por exemplo. Dessa maneira, as pessoas se sentem mais úteis, adquirem mais

habilidades em diversas áreas e não têm necessidade de ficarem vinculadas a apenas um tipo

de trabalho.

Em Walden II o trabalho doméstico é feito por todos e há engenharia doméstica, o que

facilita bastante fazer esse tipo de trabalho, que não é considerado muito criativo. O trabalho

de reprodução social, que na sociedade capitalista é designada para mulheres, ganha um caráter

bem menos sexista, no qual todos os membros da sociedade são responsáveis pelo cuidado com

as crianças e com os afazeres da casa. Davis (2016) coloca uma questão interessante sobre o

problema do trabalho doméstico, no sentido de que, apenas desvincular esse tipo de trabalho

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do sexo feminino não altera a natureza opressiva que está inserida nele. A autora defende que

nem mulheres nem homens deveriam perder horas de vida em algo que “não é nem é

estimulante, nem criativo e nem produtivo” (Davis, 2016, p. 226). Uma possível situação

colocada é transformar radicalmente a natureza das tarefas domésticas, sendo a elas

incorporadas a economia industrial, com máquinas de limpeza de alta tecnologia. Algo

parecido aparece em Walden II quando são descritos os processos de lavagem de utensílios de

cozinha.

Administração Pública

Numa sociedade comunista, é incoerente falar em Estado, visto que este serve para o

momento da transição socialismo-comunismo, no qual o proletariado vai fazer uso dele para

submeter seus adversários, tentando superar o modelo atual desse Estado, que é burguês, e

todas as implicações que advêm disso.

Porém, não se trata de uma perspectiva anarquista, porque “Estado” não deve ser

vinculado à autoridade e poder (Musto, 1874/2014, p. 209) – apesar de ser assim que

geralmente ocorre na sociedade capitalista. Trata-se, então, de uma perspectiva de Estado

federativo, ou Estado formado a partir de sua base (Musto, 1874/2014, p. 211), executando

uma administração pública para segurança, iluminação pública, água potável e todo um

conjunto de serviços públicos, de forma centralizada, não havendo setor privado/iniciativa

privada, tudo sendo socializado. Ou seja, há a necessidade de reconstruir a instituição “Estado”

sobre a base de novos ideais; para isso, faz-se necessária, portanto, a tomada do Estado vigente

pelos/as trabalhadores/as.

Na sociedade do futuro, comunista, as atribuições da administração pública são de

caráter legislativo e administrativo. No primeiro caso, devem haver intervenções legislativas

visando alcançar um acordo geral sobre as leis organizadoras das sociedades, intervenções estas

que começam na fase de transição e vão diminuindo a medida que o acordo geral vai

aumentando, até se extinguirem completamente (Musto, 1876/2014, p. 217). No segundo caso,


15
o administrativo, o papel da administração pública aumenta com o desenvolvimento da

sociedade; isso porque (1) vão ser necessários mais serviços públicos para satisfazer as

necessidades sociais e (2) os meios individuais de ação se transfomarão em meios baseados na

força coletiva (Musto, 2014/1876, pp. 217-218), ou seja, a administração pública deve servir

aos interesses gerais da sociedade.

Em Walden II há a Junta de Planejadores, sendo composta por três homens e três

mulheres, que são encarregados/as da política, e revisam o trabalho dos Administradores e o

estado geral da comunidade. Os/as administradores/as, por sua vez, indicam nomes para os/as

Planejadores/as escolherem e cuidam das divisões das várias áreas e serviços. Por exemplo,

tem o Administrador de Matrimônios, Administrador de Relações Públicas, de Comportamento

Pessoal, de Comportamento Grupal, entre outros. Para ocupar essas funções, as pessoas devem

ter habilidade e preocupação pelo bem estar da comunidade, pois não são eleitos/as pelos/as

membros/as, são especialistas treinados/as. É imprescindível que Planejadores/as façam

trabalho físico/manual, para conhecerem a comunidade e experenciarem as demandas dos/as

membros/as, oferecendo, assim, melhores serviços e vivências.

Para utilizar os bens e serviços de Walden II, as pessoas pagam com trabalho. As/os

administradoras/es trabalham através de meios engenhosos, que se configuram como fato e não

como teoria, que tem justificação experimental. A sociedade funciona de forma democrática,

não há privilégios hereditários, não há acumulação de riqueza, as/os administradoras/es

controlam por um período de tempo determinado. Não é possível nem necessário um acúmulo

de riqueza em Walden II, já que os/as membros/as recebem serviços médicos (de boa qualidade

e com medicina preventiva), roupas e seguro contra velhice e doenças.

No comunismo faz mais sentido usar o termo “Administração Pública” ou algo

semelhante, já que um dos objetivos é a extinção do Estado como o conhecemos - o Estado

burguês/capitalista. Portanto, essa categoria está vinculada ainda com a Fase de Transição, que

16
na perspectiva marxista entende-se como socialismo. A administração dos setores da

sociedade (iluminação pública e segurança, por exemplo) será feita a partir da socialização

dos meios de produção, de modo que todos tenham acesso. Para isso, ferramentas legislativas

vão ser usadas, para que aos poucos sejam construídos novos ideais, até que essa ferramenta

não mais seja necessária, ou seja, esse tipo de controle por leis não será necessário pois os

membros da sociedade se comportarão com ideais diferentes. Por outro lado, ferramentas

administrativas serão cada vez mais usadas, pois as necessidades de toda a população devem

ser sanadas, de modo que a administração pública sirva aos interesses da sociedade e não a

interesses privados.

Na prática, Walden II se assemelha bastante ao comunismo no quesito Administração

Pública, pois o objetivo também é o bem estar da comunidade, de modo que também não

háacumulação de riqueza e privilégios hereditários. O lema “de cada um segundo suas

capacidades, a cada um segundo suas necessidades” se aplica bastante no funcionamento das

duas sociedades, em que seus membros recebem serviços públicos (assistência médica,

educação alimentação, lazer) de qualidade e trabalham segundo suas capacidades para o bem

comum.

Economia

No comunismo, há a cobrança de imposto progressivo e a abolição dos direitos de

herança, dentre outras medidas feitas na fase de transição, que irão subsidiar a instalação de

um banco nacional com capital do próprio Estado, funcionando como centralizador de crédito

nas mãos da administração pública, que vai gerir os serviços públicos seguindo os interesses

gerais da sociedade, não havendo a necessidade de trabalho assalariado/trabalhadores sendo

explorados pela burguesia.

Em Walden II o treinamento profissional é pago pela comunidade e é considerado parte

do capital dela, de modo que todo trabalho tem que oferecer o retorno para a própria

comunidade. Os créditos-trabalho são um tipo de dinheiro, mas não são moedas nem notas,
17
apenas lançamentos em uma conta. Há ajuste do valor do crédito para que os gastem com um

18
margem de segurança econômica. Os produtos são coletivizados, as pessoas evitam posses

desnecessárias, e propagandas que incentivam o consumismo não são expostas em Walden II.

Ainda assim, a comunidade não é autossuficiente: precisa de alguns materiais e equipamentos,

compra energia e paga impostos; teve que criar um mercado exterior.

Comparando as duas sociedades, tem-se que, no comunismo, após ter ocorrido a

expropiação e abolição da propriedade privada (incluindo heranças) e com a socialização dos

meios de produção, os recursos ficarão num banco que atenderá aos interesses da comunidade,

subsidiando os serviços públicos. Walden II, por sua vez, não é uma comunidade

autossuficiente, mas o trabalho que cada indivíduo faz deve retornar à sociedade, pois o

treinamento profissional é pago pela comunidade. Assim como no comunismo, em Walden II

os produtos são coletivizados.

Agricultura e Indústria

No comunismo haverá a efetivação de uma produção cooperativa na indústria e também

na agricultura, a nível nacional, com o objetivo de supressão do trabalho assalariado e,

consequentemente, das distinções de classes. Há o desenvolvimento das indústrias, fábricas e

instrumentos de produção do Estado; a melhoria do solo e o aproveitamento de terras que estão

em desuso, visando uma associação entre agricultura e indústria, tendo como objetivo superar

a oposição entre campo-cidade, sendo executado a partir de um planejamento comunitário.

Em Walden II o trabalho doméstico é industrializado, a produção em massa foi colocada

ao alcance de todos/as. O trabalho no campo serve para a alimentação e vestimenta da

comunidade e deve ser feito por todos/as, havendo, dessa forma, certa supressão da oposição

entre campo e cidade, pois os dois são considerados importantes e nenhum trabalho nesses

diferentes espaços é desvalorizado.

Nas duas comunidades analisadas há a supressão da oposição entre campo-cidade, de

modo que tanto a agricultura quanto a indústria devem ser aprimoradas, efetivando uma

19
produção cooperativa, em que os meios de produção serão socializados/coletivizados. Em

Walden II há ainda a industrialização do trabalho doméstico, o que traz muitos benefícios para

a vida social.

Educação

Nas obras sobre comunismo que foram analisadas, a educação é entendida a partir de

uma perspectiva de educação social, em lugar da educação doméstica, com garantia do direito

à educação pública e gratuita para as crianças, em lugar da exploração a qual seus pais as têm

que submeter nas fábricas.

O cuidado com as crianças, em Walden II, é obrigação de todos/as, por isso o trabalho

de reprodução social é responsabilidade de todas e todos e a educação das crianças é dividida

de maneira igualitária. Adotam-se os melhores métodos educacionais, de modo que não

ajustam as crianças em séries pré-determinadas, pois cada criança tem o seu desenvolvimento,

e lhes são ensinadas as técnicas de aprender a pensar. As crianças trabalham desde cedo, mas

isso é levado como um esporte ou brincadeira (não há especificação de que tipo de trabalho é

esse). Elas aprendem na prática da própria Walden II, a educação continua indefinidamente,

isso é parte da cultura da comunidade.

Até os seis anos de idade, as crianças já receberam toda a educação ética. Além disso,

ao longo da infância e adolescência, elas aprendem Lógica, Estatística, Método Científico,

Psicologia e Matemática. A motivação para continuar estudando e aprendendo (mesmo após

ter concluído a educação formal) é justamente a falta de padronização e da pressão para

obtenção de um diploma. Ainda assim, crianças/jovens que desejam ingressar no ensino

superior recebem uma educação especial e há comunicação com faculdades externas para que

as aceitem, já que Walden II não está equipada para isso.

Tanto no comunismo quanto em Walden II, a educação deve ser de qualidade e

acessível à toda população, o que lhe dá um caráter de promover mais atividades práticas para

20
as crianças, para aprenderem com a experiência das próprias comunidades. Não há exploração

de qualquer tipo, nem das crianças nem de suas famílias, mas já há trabalho produtivo,

vinculado ao aprendizado. As crianças não precisam se enquadrar em modelos educacionais

rígidos, o que pode garantir qualificação em diversas áreas para jovens e crianças.

Considerações Finais
A sociedade descrita por Skinner, Walden II, possui características muito semelhantes

à sociedade comunista do futuro. Das categorias elencadas nesse trabalho, somente uma

diverge mais explicitamente nas duas comunidades, que é a chamada Fase de Transição. Todas

as outras categorias analisadas se assemelham bastante: o Trabalho, com objetivo de

desenvolver a comunidade; a Administração Pública planejada para oferecer serviços básicos

essenciais; a Economia organizada de modo que não haja acumulação de capital; a Agricultura

e Indústria funcionando juntas objetivando a supressão da dicotomia entre campo-cidade; e a

Educação de crianças e jovens sendo responsabilidade de toda a comunidade.

Especificamente sobre a Fase de Transição, de uma perspectiva marxista, para alcançar

o comunismo há de se passar pelo socialismo, sendo que esse processo não tem um tempo de

duração determinado. Em Walden II não há uma transição tão gradual entre as sociedades, de

modo que algumas pessoas planejaram, colocaram em prática e foram se adaptando a partir da

experimentação.

Diante do que foi exposto, pode-se refletir sobre o papel da Análise do Comportamento

na sociedade e a função de analistas do comportamento no que se refere às sua intervenções.

Holland (1974/2016) traz contribuições nesse sentido, expondo que os/as analistas do

comportamento comumente exercem práticas que estão alinhadas com interesses dos

governantes que nos controlam, como por exemplo instituições militares, escolares e

psiquiátricas, que utilizam de recursos da análise do comportamento para manter a ordem e a

21
passividade. Entretanto, o autor defende que a atuação pode e deve ser diferente, estando

alinhada com os interesses dos que são controlados.

Cabe à/ao analista do comportamento comunicar descobertas tecnológicas para a

população e desenvolver aplicações que serão úteis aos controlados, visando o contracontrole

(Holland, 1974/2016). Essas são ações iniciais que podem colocar a ciência do comportamento

humano num caminho diferente do qual está seguindo nos últimos anos. Ademais, ele ainda

defende que “é preciso um sistema de mudança do comportamento controlado pelas pessoas

que terão seu comportamento mudado” (Holland, 1975, citado por Dittrich, 2019), tese muito

semelhante ao que Skinner advoga em Walden II.

Para que ocorra essa mudança, deve haver um planejamento da transição da sociedade

atual para a sociedade revolucionária (Holland, 1974/2016), incluindo as intervenções

subjetivas que podem ser feitas na realidade imediata, pois como vimos ao longo desse

trabalho, a fase de transição entre duas sociedades carrega consigo ideais de velha sociedade

que devem ser combatidos, mas que não se modificarão de forma abrupta e automática. Então,

se podemos, a partir da análise do comportamento, modificar comportamentos através de

mecanismos de interferência nas contingências, devemos nos perguntar a serviço de quem

usaremos tais técnicas.

No Movimento Estudantil universitário, por exemplo, podemos ter como objetivo

garantir a organização estudantil. Em termos comportamentais, se há uma operação motivadora

em vigor como “problemas no curso de Psicologia”, a resposta é a organização coletiva dos

estudantes. Entretanto, as instituições universitárias ou governamentais, muitas vezes, adotam

práticas punitivas para que as práticas de organização dos estudantes se enfraqueçam. A

resposta de contracontrole exercida pode ser que o corpo estudantil forneça consequências

reforçadoras positivas para seus membros, como por exemplo, exponha as conquistas políticas

de até então, realize espaços culturais e artísticos, e desse modo, continuem fortalecendo as

22
práticas de organização do grupo, além de outras consequências de longo que prazo que

selecionarão a organização como a conquista de espaço físico para o Diretório Acadêmico ou

afastamento de um(a) professor(a) abusivo(a).

Considerando que tanto o projeto de uma sociedade comunista como a sociedade de

Walden II se produzem a partir da organização e planejamento de pessoas, militantes,

engenheiros comportamentais, forjados no seio da sociedade anterior, é possível observar já

nas sociedades atuais práticas que podem construir o comunismo ou outra sociedade de

engenharia comportamental nos moldes skinnerianos. No ambiente acadêmico e fora dele

existem importantes instrumentos de organização coletiva que têm o objetivo de politizar

práticas estudantis das mais diversas, utilizando do conhecimento científico e tecnológico

(incluindo a Análise do Comportamento, se for o caso) para intervir na realidade. Ou seja, por

meio de ações cotidianas já é possível construir uma prática comunista.

Indo além, é possível ler as tentativas de construção do comunismo como um projeto

de engenharia comportamental. Afinal de contas, os militantes de uma organização

revolucionária marxista adotam em larga medida práticas de controle do comportamento de

seus militantes, dos componentes de sua base política, da sociedade como um todo e de

agências controladoras. O próprio ato de tomar o poder do Estado numa ocasião de revolução

pode ser lido como o apoderamento de agências controladoras com o objetivo de estabelecer

uma engenharia comportamental de amplo alcance e guiada pelos trabalhadores.

Nesse sentido, sugere-se, a partir deste artigo, pesquisas analítico-comportamentais, de

organizações revolucionárias marxistas levantando as práticas de reforço e punição envolvidas

no controle do comportamento de militantes, os esquemas de reforçamento envolvidos no

trabalho político de base, as táticas de contracontrole em relação a agências controladoras como

a governamental, a econômica, as educacionais e outras relações comportamentais descritas

23
por Skinner. A partir de pesquisas desse caráter é possível avaliar, inclusive, em que medida o

conhecimento das leis científicas do comportamento podem servir aos comunistas.

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27
Apêndices

Apêndice A

Fichamento do Livro

Livro:

Capítulo/Tópico/Carta:

Resumo:

Definição de características:

28
Apêndice B

Sociedade Comunista Sociedade Walden II

Fase de transição

Administração Pública

Trabalho

Economia

Agricultura e Indústria

Educação

29

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