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Serviços e recuperação econômica

Crescimento sustentado e resiliente requer políticas que


mirem para um setor de serviços moderno
(Por Jorge Arbache – Jornal Valor Econômico - 14/10/2021)

A América Latina foi a região mais golpeada pela recessão da covid- 19 e as estimativas sugerem
que a recuperação será relativamente lenta. A crise apontou oportunidades de negócios para
uma recuperação mais rápida, forte e resiliente em áreas como mudanças climáticas e
transformação digital. Por certo, são agendas de especial relevância para a região em razão do
enorme potencial de negócios associados à área ambiental e dos imensos espaços por
preencher com a transformação digital do setor produtivo.

Mas a modernização do setor de serviços também pode ser um caminho para reativar a
economia e promover um padrão de crescimento mais sustentável e sustentado. E razões para
isto não faltam. De um lado, os serviços perfazem ao menos 60% do valor adicionado das
economias da região, hospedam a vasta maioria das empresas - ao menos 9 de cada 10 micro,
pequenas e médias empresas estão no setor de serviços -, respondem por ao menos 69% do
estoque de emprego e por 8,4 de cada 10 novos empregos criados.

“Crescimento sustentado e resiliente requer políticas que mirem para um


setor de serviços moderno.”

De outro lado, a produtividade do trabalho no setor é baixa e está estagnada e corresponde a


apenas 18% da produtividade americana. Parte da explicação desse hiato se deve à
concentração em segmentos de baixo dinamismo, como muitos dos voltados ao consumidor
final, e a que muitos daqueles negócios sejam informais. Considerando o tamanho e o potencial
de aumento da produtividade, programas de modernização do setor de serviços poderão trazer
benefícios amplos e imediatos à recuperação.

Mas os benefícios podem ser ainda mais potentes. Isto porque, primeiro, os serviços
converteram-se na mais importante infraestrutura habilitadora da produção e do investimento
em razão da “servicificação” e da “servitização” da produção. A terceirização, a subcontratação
e os novos modelos de negócios levaram a que os serviços passassem a ocupar funções
importantes nas cadeias de valor da manufatura e até da agricultura e mineração e, assim, se
tornassem fatores determinantes da geografia dos investimentos e da diversificação e
sofisticação produtiva. Trata-se de serviços financeiros e de logística, telecomunicação e
seguros, mas, também, de tantos outros serviços, como os voltados para a pesquisa e
desenvolvimento, suporte à produção e às cadeias de valor, vendas, distribuição e pós-vendas.

Uma segunda razão é que os serviços se converteram no mais relevante celeiro de inovação e
empreendedorismo e na nova fronteira de negócios rompedores. E, terceira, porque os serviços
são importante elo de ligação entre as economias da região e a economia global. 48% do
conteúdo exportado pelo Brasil são serviços “embarcados” nos produtos; no caso do México,
são 44% e, no da Argentina, 38%. No México, os serviços, incluindo os importados, são
elementos determinantes da integração do país às cadeias industriais globais. Mas os serviços
são importantes também para o comércio de commodities, pois respondem por 22% do valor
adicionado das commodities agrícolas e por 35% das commodities minerais exportadas pelo
Brasil.

Durante os anos de boom da década de 2000 a importação de serviços nas quatro maiores
economias da região cresceu a uma taxa anual superior a 17%, número muito maior que o do
crescimento do PIB. Em 2014, as importações correspondentes chegaram à cifra recorde de US$
159 bilhões e a um déficit de US$ 74 bilhões. Já nos anos de estagnação que se seguiram, as
importações reduziram significativamente - apenas em 2020, a contração chegou a 31%.

Assim, as importações de serviços têm relevância não apenas para a produção, mas, também,
para as contas externas, e destaca a contribuição do setor para a dinâmica econômica e a
relevância do acesso a serviços para a recuperação da região.

A pandemia também mostrou que um setor de serviços moderno e eficiente é a espinha dorsal
do enfrentamento de situações de catástrofes. De fato, países com melhores infraestruturas de
serviços se saíram melhor na execução de políticas públicas emergenciais e se mostraram mais
resilientes. De serviços de saúde básica, análises clínicas e reabilitação a serviços de logística e
distribuição, serviços financeiros, governo eletrônico e serviços digitais, todos se revelaram
elementos críticos para o combate à pandemia e à crise econômica e social.

Mas a pandemia também contribuiu para alertar sobre a importância dos serviços para as
Organizações de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) e para o enfrentamento das mudanças
climáticas, que requer um conjunto específico de serviços para apoiar os países na adaptação e
mitigação de riscos.

Por fim, a crise recente também mostrou que temas de estrutura de mercado e geopolíticos
podem ter implicações não negligenciáveis para o funcionamento dos mercados internacionais
de serviços e, desta forma, para o acesso a serviços produtivos fundamentais. Tais ameaças têm
levado autoridades de países avançados a fomentarem serviços considerados estratégicos e a
reformarem regulações para salvaguardarem os seus interesses.

Como bem ilustra a atual crise global de serviços de logística, perturbações de mercado podem
ser altamente danosas para a recuperação econômica dos países da região, cujo crescimento
tanto depende de importações.

O crescimento sustentado e resiliente da região pela via dos serviços requer políticas que mirem
um setor de serviços moderno, eficiente, diversificado e competitivo e que seja um aliado do
setor produtivo. Isto, por sua vez, requer senso de prioridade, identificação dos nós de serviços
que constrangem a produção, capacitação de trabalhadores e empresas, acesso a financiamento
e a tecnologias, políticas de investimentos, acordos comerciais, apoio às agendas de P&D e
empreendedorismo, regulação moderna e muita colaboração internacional.

Jorge Arbache é vice presidente do setor privado do Banco de


Desenvolvimento da América Latina (CAF)

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