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A relação do ensino do canto com os problemas vocais

Maria Odília de Quadros Pimentel


Conservatório Estadual de música Lorenzo Fernândez (CELF)
moquadros@yahoo.com.br

Resumo: É crescente nos nossos dias a quantidade de pessoas com distúrbios vocais. No
Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernândez de Montes Claros/MG, o número de
alunos que apresentam distúrbios vocais é significativo. O presente artigo apresenta os
resultados de uma pesquisa que teve como objetivo geral identificar as principais conexões
existentes entre o ensino do canto no Conservatório e os problemas vocais apresentados pelos
alunos. A pesquisa levantou os alunos que durante o ano de 2008 estiveram em algum
momento em tratamento fonoaudiológico e foram realizadas entrevistas e observações das
aulas destes, a fim de se obter dados para a solução do problema proposto. Concluiu-se que o
ensino do canto no Conservatório tem contribuído para o tratamento de patologias e
problemas vocais estéticos de seus alunos. Através da pesquisa podemos perceber que em sua
maioria os professores encaminharam seus alunos sob suspeita de problemas vocais para os
profissionais competentes, a fim de que fosse feito o diagnóstico correto sobre os problemas e
mais da metade dos alunos presentes no universo estudado estavam satisfeitos com a atuação
de seus professores com relação ao seu problema vocal.
Palavras chave: problemas vocais; fonoaudiologia; ensino do canto.

Introdução

A voz é o principal instrumento de comunicação e um importante meio de expressão


dos sentimentos humanos. A saúde vocal do homem vem sendo bastante afetada nos dias
atuais, uma vez que este vive em uma sociedade onde é crescente a poluição sonora, os
conflitos sociais e a vida agitada e estressante. O número de pessoas com problemas vocais
vem crescendo na sociedade e o papel da fonoaudiologia vem se firmando para auxiliar as
pessoas a se prevenirem e tratarem destes problemas
O número de alunos do curso de canto do Conservatório Estadual de Música Lorenzo
Fernândez que apresentam problemas vocais vem crescendo e se tornando significativo dentro
da escola. Esta afirmação deu origem à presente pesquisa, que teve como objetivo geral
identificar as principais conexões existentes entre o ensino do canto no Conservatório e os
problemas vocais apresentados pelos alunos.
O curso de canto do Conservatório Lorenzo Fernândez, fundado em 1961, é dividido
atualmente em dois níveis independentes:
- Educação musical, de nível fundamental, com duração de três anos, uma aula
semanal em grupo, com mais ou menos quatro alunos;
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- Técnico, de nível médio, com duração de três anos, duas aulas semanais
individuais.
A pesquisa foi desenvolvida nos últimos três meses do ano de 2008 e teve com
pretensão induzir uma maior interação entre professores de canto e fonoaudiólogos, numa
tentativa de se qualificar melhor o ensino do canto não apenas no estabelecimento estudado,
mas servindo também de exemplo para outras instituições.

Revisão de Literatura

De acordo com Costa e Silva (1998), como a voz é o meio mais espontâneo e
artístico de se fazer música com o corpo humano, o canto é a expressão mais universal dentre
os tipos de música mundial. “A laringe foi o primeiro instrumento musical do qual a
humanidade fez uso” (Silva & Duprat, 2004, p.178).
No Brasil, nós podemos dividir a produção do canto em erudita, que requer anos de
aprendizagem, exigindo ajustes musculares distantes da voz falada, e popular, que exige
menos ou nenhum tempo de aprendizagem, empregando ajustes mais próximos da fala
(Behlau, 2005, p.334).
Atualmente o ensino do canto tem como aliados os avanços tecnológicos e
científicos que proporcionam um maior e mais criterioso desenvolvimento da pedagogia
vocal. O professor deve ter uma visão holística sobre seu objeto de trabalho. Pedroso (1997)
aponta algumas das características dos professores de canto da realidade brasileira:

O professor de canto preocupa-se em estudar toda a modificação da voz


humana, pela qual se formam os sons variados, utilizando técnicas vocais para
treinar o aluno a adquirir espontaneidade, serenidade, pureza e maleabilidade,
aprimorando toda sua sonoridade vocal. Geralmente possui curso de
música/canto, regular ou não, no Brasil ou fora. As bases de sua atuação
priorizam a adequação da respiração, destacando também um trabalho corporal
com a identificação das tensões e controle da musculatura. O professor de canto
considera necessário conhecer o assunto passando pela experiência de um
trabalho vocal, tendo dedicação e educando sua voz através de outros
professores, mesmo que possua dons musicais/vocais herdados. Ao lado do
professor de canto está a presença da arte, a transmissão oral de conhecimentos,
a experiência dos mais velhos (1997, p. 7).

A fonoaudiologia se firmou na sociedade tanto pelo trabalho preventivo e estético


como também pelo poder de tratamento e correção dos mais diversos distúrbios vocais. Para
se detectar um problema vocal, o fonoaudiólogo deve se ater não apenas aos sintomas (queixa
do paciente sobre seu problema), mas principalmente aos sinais (características vocais que
podem ser testadas e observadas).
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Principais sintomas de distúrbios vocais:


- Rouquidão;
- Fadiga vocal;
- Soprosidade;
- Extensão fonatória reduzida;
- Afonia;
- Quebras de freqüência ou freqüência inadequadamente aguda;
- Voz tensa/comprimida;
- Tremor. (Colton & Casper, 1996, p.15).
Costa & Silva (1998) aponta os principais distúrbios vocais patológicos:
- Alterações inflamatórias da laringe: alergias, rinites, sinusites, refluxo
gastroesofágico.
- Alterações infecciosas da laringe: virais, bacterianas, fúngicas e granulomatosas.
- Alterações traumáticas da laringe: granuloma de contato, pólipos e nódulos
causados pelo abuso vocal e pela má utilização da voz. Tais alterações são raras nos homens e
ocorrem mais nas vozes agudas (soprano e tenor) do que nas graves.
- Alterações congênitas da laringe: pontes mucosas, diafragmas anteriores, sulcos,
cistos e assimetrias laríngeas.
- Alterações neoplásicas da laringe: tumores.
- Fendas glóticas: “pequeno espaço na região mediana do vestíbulo laríngeo,
provocada pela má coaptação das pregas vocais”, são encontradas com freqüência nos
cantores (Costa & Silva, 1998, p. 132).
A principal causa das alterações vocais nos cantores está no mau uso e no abuso vocal:

A disfunção vocal também pode provir: 1) da ausência de técnica vocal; de


má técnica, voluntária ou involuntariamente imposta por um professor; 2) de
um erro de classificação que obriga a pessoa a falar ou a cantar numa escala
não correspondente à sua categoria vocal; 3) da má utilização da respiração,
levando cedo ou tarde à fadiga vocal seguida de dificuldades da voz, às quais
se juntam as lesões e alterações laríngeas; 4) do abuso do canto coral, em
idade em que a laringe está em plena evolução, e ainda é frágil, e da
tendência de forçar a voz para tentar se fazer ouvir (Dinville, 2001, p. 68).

Considera-se que o canto e a fonoaudiologia devem integrar-se no intuito de produzir


cantores de qualidade vocal maior, além de mais conscientes do seu aparelho fonador e dos
cuidados que se deve ter com ele. Uma sessão fonoaudiológica não supre os efeitos de uma aula
de canto e vice-versa. “O cantor além de procurar o professor de canto para a formação artístico-
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musical, também pode cuidar de sua saúde vocal junto ao fonoaudiólogo” (Muniz & Palmeira,
2008, p. 56).

Esta interdisciplinaridade tem contribuído para que fonoaudiólogos e professores se


interessem e busquem no mínimo um conhecimento básico sobre a outra área. Esta inter-relação
produz um resultado bem mais completo e holístico. O ensino de canto aliado ao tratamento
fonoaudiológico adequado pode proporcionar tanto ao professor quanto ao aluno, uma relação
de ensino/aprendizagem mais coesa, com maiores e melhores resultados na disciplina e um
menor risco de erro por parte de ambas as partes.

Metodologia

O Universo da pesquisa realizada foi formado por alunos do curso de canto, em nível
de Educação Musical e Técnico, do Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernândez de
Montes Claros/MG (estudo de caso) que apresentavam problemas vocais e que durante o ano
de 2008 passaram por um tratamento fonoaudiológico.
Tratou-se de uma pesquisa exploratória e foram utilizados os seguintes instrumentos
de coleta de dados:
- Pesquisa bibliográfica;
- Entrevista semi-estruturada com os alunos pesquisados;
- Observação não-participante de uma aula de cada aluno pesquisado.
A partir dos relatórios das observações e dos resultados das entrevistas, foram
analisados os motivos dos problemas vocais dos alunos e se estes apresentaram alguma
melhora ou piora em seu tratamento que possa ter alguma relação com o curso de canto do
Conservatório, para se atingir o objetivo da pesquisa.

Apresentação dos Resultados

Durante o segundo semestre de 2008 o curso de canto do Conservatório possuía em


nível de Educação Musical 279 alunos e em nível técnico 88 alunos. Foram levantados com o
auxílio dos professores nove alunos dos dois cursos que estiveram durante algum período do
ano em tratamento fonoaudiológico, sendo que cinco pertenciam à Educação Musical e quatro
pertenciam ao técnico.
Destes nove alunos, dois (22%), um aluno do Técnico e outro da Educação Musical,
ambos do sexo masculino, procuraram a fonoaudiologia para um aprimoramento estético e de
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comunicação. Os sete alunos restantes (78%), todos do sexo feminino, buscaram a


fonoaudiologia para tratar de patologias:

GRÁFICO 1: Finalidades do Tratamento Fonoaudiológico

Com relação ás faixas etárias, quatro alunos (45%) possuem de 15 a 25 anos, três
deles (33%) de 25 a 35 anos, um (11%) de 35 a 45 anos e um (11%) de 55 a 65 anos:

GRÁFICO 2: Faixa etária dos alunos em tratamento


fonoaudiológico

Até a data da realização da pesquisa, seis alunos (67%) haviam feito de um a seis
meses de tratamento fonoaudiológico, um (11%) de seis meses a um ano e dois (22%) acima
de um ano de tratamento:

GRÁFICO 3: Duração do Tratamento Fonoaudiológico


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100% dos alunos disseram que praticavam uma atividade vocal anterior ao início do
curso de canto. Oito deles (89%) afirmaram cantar em igrejas (duas ainda afirmaram ser
professoras) e uma (11%) afirmou cantar em um grupo de música raiz:

GRÁFICO 4: Práticas vocais anteriores ao ingresso no curso de canto

Todos os alunos pesquisados detectaram o problema quando já pertenciam ao curso


de canto do Conservatório, três deles (33%) assim que iniciaram o curso, e seis alunos (67%)
no decorrer do curso. Dos nove, oito (89%) tiveram seu problema vocal detectado pelo
professor, e apenas um (11%) detectou o problema sozinho:

GRÁFICO 5: Quem detectou os problemas vocais

Os sintomas que os alunos apresentavam antes de procurar ajuda fonoaudiológica


foram: rouquidão (67%); ardência na laringe (22%); voz cansada (fadiga vocal) (22%); chiado
(soprosidade) (33%); tosse (11%); dificuldade ao cantar (22%); dificuldades de articulação
(11%); troca de consoantes (11%). Lembrando que alguns alunos apresentaram mais de um
sintoma:
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GRÁFICO 6: Sintoma dos Problemas Vocais

Os problemas apresentados foram os seguintes: cisto (11%); problemas de


articulação (22%); nódulos (44%); excesso de muco (11%); desvio de septo (11%); edemas
nas pregas vocais; todas as alunas que apresentavam um diagnóstico patológico (78%)
apresentaram fendas glóticas, patologia característica de abuso vocal. O aluno pode apresentar
dois ou mais problemas:

GRÁFICO 7: Problemas Vocais apresentados

As principais causas dos problemas das alunas em tratamento de patologias vocais


(78%), apontadas pelos médicos e fonoaudiólogos foram o mau uso e abuso vocal. Os alunos
que tratam de problemas de dicção (22%) têm como a maior causa a rapidez ao falar:

GRÁFICO 8: Possíveis causas dos Problemas Vocais


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Questionados sobre a preocupação dos professores com seus problemas vocais, sete
alunos (78%), responderam sim, e dois (22%) responderam que não houve diferença em sala
de aula. O tratamento fonoaudiológico era considerado algo a parte:

GRÁFICO 9: Professor X Problemas Vocais

Por parte dos fonoaudiólogos, foi unânime o conhecimento sobre as aulas de canto
de seus pacientes, sendo que todos estes profissionais deram conselhos para que os alunos
pudessem aproveitar melhor e não se prejudicarem durante as aulas de canto.
Ao final, interrogados se durante o tratamento perceberam um intercâmbio entre
professor e fonoaudiólogo, cinco alunos disseram que sim, sendo que alguns colocaram que
seus professores e fonoaudiólogos chegaram até a trocar telefones. Os quatro alunos restantes
disseram que não:

GRÁFICO 10: Professor X Fonoaudiólogo

Conclusão

Através da análise dos dados pode-se afirmar que o ensino do canto no Conservatório
Lorenzo Fernândez tem contribuído para o tratamento de patologias e problemas vocais
estéticos de seus alunos. Através da pesquisa pudemos perceber que a maioria dos professores
encaminhou seus alunos sob suspeita de problemas vocais aos profissionais competentes, a
fim de que fosse feito o diagnóstico correto dos problemas. Desta maneira, mais da metade
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dos alunos presentes no universo estudado estavam satisfeitos com a atuação dos professores
com relação ao seu problema vocal.
Todos os alunos afirmaram ter tido uma atividade vocal anterior ao ingresso no curso
de canto, o que pode ter contribuído para a formação de suas patologias. Sem o curso,
provavelmente não perceberiam os problemas até que estivessem em um nível de gravidade
muito maior.
A revisão de literatura, que afirmou ser o mau uso e abuso vocal os principais
responsáveis pelas patologias vocais entre cantores, foi enfatizada. Comprovou-se também,
que a fenda glótica é uma patologia presente em pessoas que abusam ou utilizam-se da sua
voz de maneira incorreta. Confirmou-se ainda uma maior incidência de patologias vocais em
mulheres e possuidoras de vozes mais agudas.
A presente pesquisa tem sua importância tanto para a área do canto e da música
como para a fonoaudiologia, uma vez que enfatiza a importância das duas áreas na formação
de um cantor e a necessidade de não se trabalhar isoladamente. Apesar deste trabalho dizer
respeito apenas ao caso estudado, por ter apresentado resultados positivos, estes devem ser
levados adiante a fim de influenciar outras escolas a conscientizarem seus alunos e
professores da importância de estarem atentos a qualquer problema vocal apresentado, para
que possam se tratar e livrarem desta patologia.
Preocupar-se com a saúde vocal de seus alunos é o principal dever social do
professor de canto. Somente com uma voz saudável será possível ao aluno atingir todos os
seus anseios e objetivos.
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Referências

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E. Voz profissional: Aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In. BEHLAU, Mara (Org.)
Voz – O livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. Vol II

COLTON, Raymond H.; CASPER, Janina K. Compreendendo os problemas de Voz – Uma


perspectiva fisiológica ao diagnóstico e ao tratamento. Trad. de Sandra Costa. Porto Alegre:
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COSTA Henrique O, SILVA Marta AA. Voz cantada – evolução, avaliação e terapia
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DINVILLE, Clair. Os distúrbios da voz e sua reeducação. Trad. De Denise Torreão. 2ª ed.
Rio de Janeiro : Enelivros, 2001.

MUNIZ, Maria Cláudia Mendes Caminha; PALMEIRA, Charleston Teixeira. Ciência e arte –
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PEDROSO, Maria Ignez de Lima. Técnica vocal para profissionais da voz. São Paulo,
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Assumpção. Trabalho Fonoaudiológico junto ao paciente cantor. In: BRITO, Ana Teresa
Brandão de Oliveira (Org.) Livro de Fonoaudiologia. São José dos Campos: Pulso, 2005.

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