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DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO

- As desordens de sangramento podem ocorrer por defeitos primários (plaquetas ou vasos) ou


secundários (coagulação)
- Doenças congênitas da coagulação são raras.
- Sangramentos espontâneos são mais frequentes em cães, em decorrência de trombocitopenia e
intoxicação por rodenticidas, mas tais distúrbios são raros em gatos.
- Trombocitopenia com sangramento espontâneo pode ser encontrada em gatos com distúrbios da
medula óssea induzidos por retrovírus.

Plaquetas

- A função primária da plaqueta é a manutenção da hemostasia pela interação com células do


endotélio a fim de manter a integridade vascular.
- Quando um vaso sanguíneo é lesado, ocorre adesão das plaquetas ao local.
- As plaquetas também são importantes na coagulação por fornecerem fosfolipídios plaquetários e
por carrear vários fatores de coagulação em sua superfície.

Alguns fatores de coagulação são:

- Fibrinogênio (Fator I);


- Protrombina (Fator II);
- Cálcio (Fator IV);
- Fator anti-hemofílico (Fator VIII).

Uma cascata de coagulação pode ser desencadeada na presença do fator tecidual no local injuriado.

A coagulação sanguínea é finalizada por dois tipos de reação:

» inibição da cascata de coagulação;


» reações terminais iniciadas na coagulação.

Além do controle bioquímico, os fatores de coagulação ativados são diluídos quando o sangue flui
do local de injúria, ajudando na limitação das reações ao local da lesão.

A antitrombina III é o mais importante inibidor da coagulação.

Além de um histórico detalhado e de um exame clínico acurado, os testes laboratoriais específicos


são essenciais para estabelecer a presença da maioria das desordens, como identificar problemas de
fatores de coagulação (exemplo de deficiência do fator VIII – hemofilia A).

Testes simples de rotina podem não ser sensíveis para identificar deficiência de alguns fatores
(como precalicreína, FXII) ou desordens hemorrágicas leves, podendo produzir resultados
anormais.

Apresentaremos a seguir alguns testes que podem ser feitos para avaliação de distúrbios da
coagulação, bem como algumas desordens (coagulopatias adquiridas e congênitas e desordens
plaquetárias adquiridas e congênitas) (DALMOLIN, 2010).
TESTES PARA AVALIAÇÃO DA HEMOSTASIA

Tempo de sangramento da mucosa bucal (TSMB)

- É o método mais eficaz para mensurar o tempo de sangramento em um animal.


- Um corte de 0,5 cm na mucosa do lábio revertido é feito.
- E um papel filtro é usado para absorver o sangue.
- O intervalo de sangramento varia de 1 a 2,4 minutos para gatos e de 1,7 a 4,2 minutos para cães
(DALMOLIN, 2010).

Contagem plaquetária estimada

- O número de plaquetas pode ser estimado no exame de uma lâmina de distensão sanguínea
submetida à coloração do tipo Romanowsky.
- Contagem normal equivale a valores maiores que 165.000 plaquetas/µL.
- Valores inferiores a 50.000 plaquetas/µL revelam trombocitopenia severa, e valores inferiores a
10.000 plaquetas/µL são considerados perigosamente baixos (DALMOLIN, 2010).

Contagem plaquetária manual

- Contagens simples com coeficiente de variação de 20-25%.


- Todas as contagens plaquetárias devem ser confirmadas com exame de lâmina de sangue corada.
- Cães saudáveis apresentam contagens de 200.000-700.000 plaquetas/µL, e gatos, de 300.000-
800.000 plaquetas/µL (DALMOLIN, 2010).

Contagem plaquetária automática

- É mais precisa que a contagem manual.

Teste de função plaquetária]

- Verifica-se a habilidade de as plaquetas se agregarem e liberarem conteúdo dos seus grânulos após
adição de reagentes que induzam respostas em plaquetas saudáveis.

Antígenos do fator de von Willebrand

- A concentração do antígeno do fator de von Willebrand (Ag:FvW) no plasma pode ser


determinada por pelo método Elisa ou por eletroimunoensaio.

Ensaios funcionais do FvW

- São utilizados para verificar a habilidade funcional do FvW plasmático de aglutinar as plaquetas,
com formação de pontes entre as plaquetas adjacentes.
- O resultado pode ser visto a olho nu, mas se apresenta melhor se feito em agregômetro.

Tempo de coagulação ativado (TCA)

- Teste simples que mede o tempo necessário para que o sangue total fresco coagule na presença de
uma substância que inicie a coagulação por ativação por contato.
- Os valores de TCA para gatos são de 50-75 segundos; para cães, de 60-110 segundos.

Tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA)


- Esses testes verificam o tempo necessário para que uma amostra de plasma com citrato de sódio
coagule a partir da adição de cálcio ou agentes ativadores.

O TP identifica anormalidade das vias extrínsecas e comuns da coagulação. Os valores normais de


TP são:

» Cão: 6,4-7,4 segundos;


» Gato: 7-11,5 segundos;
» Equino: 9,5-11,5 segundos.

Esses valores podem ser variáveis, de acordo com a literatura, portanto pode-se proceder com o
teste em duplicata e estabelecer valores de referência locais.

O TTPA (ou tempo de cefalina) recebe o nome de “tromboplastina parcial” porque é efetuado com o
emprego da cefalina e consiste no tempo em que o plasma demora para formar coágulo de fibrina
após mistura com cefalina, caulim e cálcio.

A cefalina é um substituto do fator plaquetário.

Esse índice identifica anormalidade de coagulação das vias intrínsecas e comuns da coagulação.
Valores normais de TTPA são:

» cão: 6-16 segundos;


» gato: 9-20 segundos;
» bovino: 20-35 segundos;
» equino: 27-45 segundos.

Tempo de coagulação da trombina (TCT)

- Teste para verificar o tempo necessário para uma amostra de plasma com citrato coagular após
adição de trombina exógena e cálcio.
- Em animais sadios, os valores devem estar entre 8 e 10 segundos.

Dosagem de fibrinogênio (fator I da cascata de coagulação)

- É uma proteína de fase aguda, que deve ser dosada por leitura em refratometria.
- Os valores devem ser entre 0,5 e 3 g/L em cães e gatos normais.

Antitrombina III (ATIII)

- A ATIII é um anticoagulante natural circulante, principal inibidor da trombina.


- Para sua avaliação, são feitos ensaios enzimáticos colorimétricos.

DESORDENS PLAQUETÁRIAS CONGÊNITAS

Doença de Von Willebrand (DvW)

- Doença resultante da deficiência quantitativa e/ou qualitativa do FvW, havendo falha na resposta
plaquetária.
- É bem comum em cães, afetando mais de 50 raças e raças mistas, mas também é encontrada em
gatos.
- Os sintomas são diversos, sendo alguns deles:

» episódios hemorrágicos espontâneos a sangramentos leves;

» hematúria;

» melena;

» epistaxe;

» gengivorragia;

» claudicação;

» má cicatrização de feridas.

- A confirmação laboratorial depende da identificação da deficiência do FvW.


- A contagem de plaquetas se apresenta normal, enquanto que TSMB é prolongado.
- Na maioria dos animais afetados, os tempos de coagulação estão normais.
- TCA e TTPA podem estar prolongados.
- O tratamento é paliativo e tem por objetivo prevenir ou controlar a hemorragia.
- O crioprecipitado é o tratamento para a DvW (DALMOLIN, 2010).

Trombopatia do Basset Hound

- Doença específica dessa raça, não existindo em humanos.


- É causada por um defeito na agregação plaquetária como consequência de um distúrbio no
metabolismo do AMPc (adenosina monofosfato cíclico) nas plaquetas do sangue.
- Os testes de coagulação e contagem de plaquetas estão normais, mas o de TSMB está elevado
(DALMOLIN, 2010).

Trombastenia de Glanzmann

- Diagnosticada em otterhounds e no cão dos pirineus, dando hemorragias de mucosa excessivas.


- Animal apresenta contagem plaquetária normal a diminuída, volume plaquetário normal a
aumentado e TSMB aumentado (DALMOLIN, 2010).

Síndrome de Chediak-Higashi (SCH)

- Doença relacionada com a deficiência do armazenamento de plaquetas, induzida por colágeno,


ADP e adrenalina.
- Já foi relatada em gatos, ratos, martas, bovinos, raposas e outros animais.
- O tratamento inclui DDAVP, crioprecipitados, transfusão de plaquetas e transplante de medula
óssea.
- Em gatos, a SCH apresenta deficiência do armazenamento de plaquetas e TSMB prolongado pela
anormalidade plaquetária (DALMOLIN, 2010).

Outras doenças relacionadas: trombopatia dos cães spitz e deficiência de armazenamento


plaquetário do cocker spaniel americano.
DESORDENS PLAQUETÁRIAS ADQUIRIDAS

Trombocitopenias infecciosas

- A erliquiose canina é causada pela Ehrlichia canis, que afeta função e número de plaquetas.
- Alguns sinais clínicos são: febre, anorexia, hemorragia, linfocitose, anemia, monocitose e
pancitopenia decorrente da hipoplasia medular.
- O diagnóstico se baseia na observação de mórulas de E. canis por Elisa, PCR ou
imunofluorescência indireta específica para a espécie.
- O tratamento se baseia no uso de tetraciclinas, bem como terapias de suporte como fluidoterapia e
transfusão.

- O Anaplasma platys causa trombocitopenia cíclica infecciosa dos cães.


- A E. equi e E. ewingii causam erliquiose granulocítica canina.
- A E. risticii causa erliquiose equina, mas pode infectar também cães e gatos.
- A erliquiose nos gatos também pode ser induzida por E. canis.

- O Mycoplasma haemocanis causa micoplasmose canina, e o Cytauxzoon felis causa


citauxzoonose felina, que pode induzir trombocitopenia grave.
- Doenças virais, como as infecções por adenovírus canino tipo I, herpesvírus, vírus da leucemia
felina, vírus da panleucopenia felina, podem causar trombocitopenia.
- Infecções bacterianas como salmonelose e leptospirose, bem como as doenças fúngicas, como
histoplasmose e candidíase, podem induzir a trombocitopenia.
- Toxoplasmose pode induzir a trombocitopenia no gato (DALMOLIN, 2010).

Trombocitopenia induzida por fármacos

- A imediata interrupção do fármaco suspeito é o primeiro objetivo do tratamento.


- A terapia com glicocorticoides ou produtos derivados do sangue pode ser usada se a hemorragia
for contínua.

Trombocitopenia por sequestro de plaquetas

- O sequestro de plaquetas é associado com esplenomegalia, como, por exemplo, a infecção por
Babesia gibsoni em cães.
- Outras causas incluem sepse e hipotermia.

Outras doenças não descritas aqui são: trombocitopenia por consumo de plaquetas, trombocitopenia
decorrente de neoplasia (como sarcomas, carcinomas, distúrbios linfoproliferativos e
mieloproliferativos) e trombocitopenia imunomediada.

COAGULOPATIAS CONGÊNITAS

- São encontradas em animais como consequência de endocruzamentos.

Algumas deficiências hereditárias de fatores de coagulação:


» deficiência do fator VII;
» hemofilia A (fator VIII);
» hemofilia B (fator IX);
» deficiência do fator X, hemofilia C;
» deficiência do fator XI.

Hemofilia A

- Hemofilia A, ou também denominada hemofilia clássica, é causada pela deficiência na função ou


na produção do fator VIII (FVIII) da cascata de coagulação (fator anti-hemofílico).
- Comuns em cães e gatos, também acomete ovelhas, cavalos, suínos e bovinos.
- É transmitida ligada ao cromossomo sexual X, em que é carreada pelas fêmeas e manifestada nos
machos, normalmente.
- Portanto, atinge principalmente animais jovens e machos, a partir de dois meses de idade, sendo as
fêmeas raramente acometidas.
- Atinge tanto os de raça pura quanto os vira-latas, entretanto há raças mais propensas do que outras,
como o pastor alemão e o dobermann.
- Quando um animal hemofílico apresenta uma ferida, o sangramento demora muito para ser
coagulado ou nunca para.
- Quando se tratam de feridas profundas, a hemofilia pode ser mortal.

Os sinais clínicos incluem:

» hematomas;

» epistaxe;

» sangramento pelo trato urogenital ou gastroinstestinal;

» morte súbita.

- TSMB, TP e TCT normais, mas TCA e TTPA prolongados em até duas vezes o tempo normal.
- FVIII em animais sadios é de 60-160 U/dL; uma cadela com hemofilia A apresenta valores de 30-
60 U/dL.
- Como tratamento, pode-se fazer infusões e usar inibidores de fibrinólise.
- DDAVP é usado no tratamento humano, mas é ineficiente para o tratamento em cães, pois não
aumenta as concentrações plasmáticas de FVIII (DALMOLIN, 2010).

Hemofilia B

- Hemofilia B, ou conhecida como doença de Christmas, é causada por doença funcional ou


absoluta do fator IX (FIX) e foi relatada em cães e gatos.
- Manifesta-se entre os 4-6 meses de idade, sendo comum ver o animal sangrar pelo nariz ou pelas
gengivas.
- O FIX é um importante fator da via intrínseca da coagulação, e sua deficiência pode produzir
desordens hemorrágicas severas.
- É uma deficiência transmitida como um traço recessivo ligado ao sexo, mas menos comum.
- Apresenta sinais clínicos iguais aos da hemofilia A, entretanto mais severos em raças maiores e
pacientes mais ativos.
- Contagem plaquetária, TSMB, TP e TCT normais, e TTPA e TCA prolongados.
- Animais sadios apresentam em média valores de referência normais de 60 U/dL, sendo que os
animais com hemofilia B possuem baixos valores de atividade coagulante do FIX 5 U/dL ou menos.
Tratamento:
» transfusão de sangue total fresco ou plasma fresco;

» métodos virais e não virais de transferência gênica têm sido estudados;

» crioprecipitado não deve ser usado, pois não contém FIX (DALMOLIN, 2010).

Deficiência do Fator I

- É uma doença causada por deficiências congênitas de fibrinogênio (FI), sendo moderada a severa,
já descrita em gatos e cães são bernardos, borzois e collies.

- É caracterizada por:

» hematomas superficiais;
» epistaxe;
» hemorragias espontâneas ou após trauma ou cirurgia;
» claudicação.

- Avaliações plaquetárias são normais, mas TP, TTPA, TCA e TCT estão prolongados nos animais
acometidos por essa deficiência.
- Crioprecipitado contém 10 vezes a concentração de FI presente no plasma fresco e é muito usado
como tratamento (DALMOLIN, 2010).

Deficiência do Fator XI

- É uma doença que se apresenta com hemorragia muito severa e muitas vezes letal.
- Foi descrita para algumas raças puras de cães (weimaraner, springer spaniel, cão dos pirineus).
- Apresenta contagem plaquetária, TSMB, TP e TCT normais;
- TTPA e TCT prolongados.
- Transfusão de sangue fresco ou plasma fresco (preferencialmente) ou sobrenadante de
criopecipitado são usados como tratamento para essa deficiência (DALMOLIN, 2010).

Deficiência do Fator XII (FXII)

- Deficiência de FXII ou traço Hageman já foi descrita em gatos, poodles standard e pointers
alemães de pelo curto.
- A ausência de detecção biológica ou imunológica do FXII acomete outros vertebrados, como
baleias, répteis, pássaros e possivelmente peixes, sem causar efeitos adversos.
- O FXII participa na ativação inicial da via intrínseca da coagulação e somente TCA e TTPA estão
prolongados nos testes plaquetários e de coagulação (DALMOLIN, 2010).

Outras coagulopatias congênitas não descritas aqui são: deficiência do fator II, deficiência do fator
VII, deficiência do fator X e deficiência de fatores vitamina K dependentes.

COAGULOPATIAS ADQUIRIDAS

Intoxicação por anticoagulantes rodenticidas

- Sintomas podem ser inespecíficos:


» Hemorragia interna;
» Depressão;
» Fraqueza;
» Falidez;
» Dispneia;
» Aumento abdominal;
» Anemia;
» Hematomas externos;
» Epistaxe;
» Morte súbita.

- Para a eliminação ou neutralização da maioria dos rodenticidas, a indução de vômito e a


administração de carvão ativado podem ser uma opção.
- Os testes de coagulação não mostram alterações nas primeiras 36-72 horas após exposição.
- O tratamento da intoxicação é de suporte à correção da hipovolemia e coagulopatia.
- Sangue ou plasma frescos e vitamina K1 são opções de tratamento.
- O uso de drogas com efeito antiplaquetário e a injeção intramuscular são contraindicados
(DALMOLIN, 2010).

Coagulação intravascular disseminada (CID)

- Síndrome relativamente comum em cães e gatos que se desenvolve secundariamente a uma doença
primária que, de alguma forma, lesiona a vasculatura ou libera fatores teciduais na circulação.
- Algumas doenças são associadas à CID, como:

» em gatos:
doença hepática, neoplasia (especialmente linfomas) e peritonite infecciosa felina (PIF);

» em cães:
sepse, anemia hemolítica imunomediada, pancreatite, hemangiossarcoma.

- Na fase aguda da doença, todos os testes de coagulação (TCA, TTPA, TP e TCT) tornam-se
prolongados.
- Para o sucesso do tratamento da CID, é necessária intensa terapia.
- A remoção ou eliminação da causa precipitante constitui o principal objetivo terapêutico em
pacientes com CID, entretanto isto é raramente possível (DALMOLIN, 2010).
- Outras coagulopatias adquiridas não descritas aqui são: intoxicação por veneno botrópico.

Podemos perceber que a medicina transfusional é a base para os tratamentos dos distúrbios
hemorrágicos, principalmente as doenças congênitas, fornecendo terapia específica para as
deficiências de fatores de coagulação e na doença de von Willebrand.

Entretanto, dados sobre as doenças hemorrágicas, diagnósticos e terapias específicas ainda são
pouco difundidos na clínica veterinária, e a divulgação dessas informações é imprescidível para
alcançarmos adequado atendimento e tratamentos dos pacientes.

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