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LICENCIATURA EM DIREITO

ANO LETIVO: 2022/2023


DIREITOS REAIS – 3.º ANO – TURMA B
REGÊNCIA: PROFESSORES DOUTORES ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO E JOSÉ LUÍS RAMOS
SUBTURMA 17

Caso Prático N.º 3

(Efeito atributivo do registo)

Considere a seguinte hipótese:

António decide vender a sua moradia da Lapa a Bento, em novembro de 1988, tendo sido
lavrada escritura pública.

Bento era emigrante e apenas pretendia ir viver para a moradia, quando se reformasse, não
tendo o facto aquisitivo sido registado.

António decide constituir, em dezembro de 1988, um usufruto oneroso a favor de Carlos,


relativamente à moradia da Lapa, tendo Carlos, por contrapartida, lhe dado uma tiara de
diamantes. Carlos regista o facto aquisitivo a seu favor, passando a residir no imóvel.

Em 2021, Bento regressa a Portugal para gozar a sua reforma, vendo que Carlos residia no
imóvel, decidindo, de imediato, intentar acção de reivindicação contra este.

1- Quid juris ?

No caso em apreço, está em causa a matéria da aquisição tabular (cfr. artigos 5º, 17º, 122º do
CRP e 291º do CC), a qual protege o terceiro que esteja de boa fé face a uma venda anterior que
foi feita mas que não foi registada, dando-se a constituição de um direito real incompatível – por
outras palavras, o registo pode ter como efeito a aquisição de um direito em desconformidade
com a realidade substantiva.

A vende a sua moradia da Lapa ao B por escritura pública, e, portanto, estamos perante uma
compra e venda que respeita a forma do art.895º CC, mas este não a regista. Todavia, e como
decorre do art.408º/1 CC, a propriedade é transmitida por mero efeito do contrato – é o
chamado princípio da consensualidade, que nos diz que o direito real transmite-se ou constitui-se
por mero efeito do contrato, instantaneamente e sem qualquer dependência do cumprimento das
obrigações estabelecidas. Consequentemente, assim que B assinou a escritura pública da
moradia, este passou a ser o titular da propriedade, tendo adquirido um direito real maior (cfr.
art.1302º e 1305º CC)  a moradia é uma coisa imóvel nos termos do art.204º/1/a e é objeto da
propriedade que é um direito real maior, cujos poderes estão previstos no art.1305º, nomeadamente: uso,
fruição e disposição.

Em dezembro, A vai constituir um usufruto sobre esse mesmo imóvel, por contrato (forma
constante do art.1440º), a favor do C que o regista (previsto no art.1439º CC, o usufruto
constitui um direito menor que implica apenas o uso e fruição da coisa, mas que está sujeito a
registo)  B pretende agora reaver o imóvel, intentando uma ação de reivindicação,
questionando-se se o C tem direito ao usufruto ou não.

Primeiramente, acontece que o A já não tinha legitimidade para constituir este usufruto sobre o
imóvel quando o fez, porque o tinha transmitido previamente ao B. Logo, esta constituição de
usufruto seria nula nos termos do art.892º (por analogia com a compra e venda de bens
alheios).

Assim, no âmbito da ação de reivindicação intentada por B, cabe perceber se o C está protegido
por efeito do registo que realizou, ou seja, se se dá o efeito aquisitivo do registo  em Portugal,
o registo predial tem efeito meramente enunciativo, servindo simplesmente para perceber quem
é que é o proprietário do prédio, mas não existe obrigatoriedade de registo, não sendo este que
vai fazer com que a propriedade ou qualquer outro direito real seja constituído. Não obstante, o
registo implica o reconhecimento perante terceiros do direito real e protege os terceiros de boa
fé em situações como esta de aquisição tabular.

Temos então de avaliar se o C beneficiava de alguma proteção do registo, verificando-se os


requisitos da aquisição tabular. Neste caso, estaríamos perante a hipótese prevista no art.5º/1 do
CRPredial, que resulta da circunstância de os factos sujeitos a registo só produzirem efeitos
contra terceiros depois da data do respetivo registo. Uma vez que, de acordo com a conceção
restrita de terceiros consagrada no art.5º/4, são apenas terceiros aqueles que tenham adquirido
de um autor comum direitos incompatíveis entre si, esta disposição vai ser aplicável
essencialmente à dupla disposição, alienação ou oneração de um bem (i.e., em que existe um A
que vende a B, e depois vende a C ou constitui um usufruto ou direito de superfície) – portanto,
a mesma pessoa transmite o direito real a um sujeito e depois, já sem legitimidade, vai
transmitir a outro. Portanto, para a aquisição tabular prevista no art.5º/1, a lei exige apenas uma
dupla alienação ou oneração e o prévio registo da segunda disposição. Porém, por analogia com
os restantes casos de aquisição tabular, a doutrina maioritária exige ainda que a segunda
disposição seja realizada a título oneroso e de boa-fé, sem o que se entende que o direito do
primeiro adquirente não poderá ser posto em causa.

↳ Assim, são os requisitos:

 Haver um registo que está desconforme com a realidade substantiva – também


chamado de registo incompleto (que é o caso, pois A transmitiu a propriedade ao B mas
este não efetuou o registo. Logo, quando C vai registar o seu usufruto, quem ainda consta
do registo predial como proprietário do imóvel é o A, sendo isto uma manifestação do
efeito presuntivo do registo);
 Tem de haver um ato de disposição praticado com base nesse registo desconforme (o
que também se verifica, na medida em que A dispôs do imóvel)
 Perceber se o terceiro era de boa fé (neste caso, o C), pois só fica protegido se assim o
for – aquilo que o PROF. MENEZES CORDEIRO designa de boa fé subjetiva-ética, a qual
não implica apenas o desconhecimento de que o outro é que era o proprietário mas
também que, apesar de haver condições de conhecer, não lhe foi possível fazê-lo (que era
o caso, pois mesmo que procurasse saber no registo, o nome do proprietário permanecia o
de A);
 O negócio tem de ser oneroso (e neste caso, presumimos que sim pois trata-se de uma
compra e venda)
 Por fim, o terceiro tem de registar o facto aquisitivo depois do titular do direito real
na ordem substantiva – ou seja, o C teria de ter feito o registo, que foi o caso.

Assim sendo, e uma vez que temos reunidos todos os requisitos para haver aquisição tabular, o
C fica protegido pelo efeito do registo e o seu usufruto é válido, ficando consequentemente a
propriedade do B onerada com este usufruto (podendo os direitos reais maiores ficar onerados
com direitos reais menores, ficando comprimidos – ou seja, há um feixe de poderes de
propriedade que o B não vai poder utilizar, como o uso e a fruição do imóvel).

Em suma, o que acontece é que o B conserva a chamada nua-propriedade (podendo dispor da


propriedade, isto é, vendê-la), mas está sempre onerada com o usufruto do C que aqui beneficia
com o efeito aquisitivo do registo  conclui-se que tanto a propriedade de B quanto o usufruto
de C são válidos.

Aula:
Incompatibilidade absoluta – casos em que os direitos reais em confronto não podem existir
entre si. Os de incompatibilidade relativa são os casos em que os direitos reais em confronto
podem existir entre si. Neste caso, a propriedade do B pode subsistir com o usufruto de C,
embora o primeiro fique onerado com esse usufruto
Doutrinas divergentes: o prof José Luís Ramos tem um entendimento próprio sobre o CRP:
questão de conceito de terceiros para efeito de registo  havia a conceção ampla de terceiro
por Guilherme Moreira e Manuel de Andrade. A tese ampla de Guilherme entendia que
terceiros eram todos os que tivessem direito incompatível entre si e Manuel de Andrade diz que
tem de ser um autor comum. A jurisprudência de 1997 determinou que se devia defender a
conceção ampla de terceiros do prof Guilherme Moreira.
José Luís Ramos defende que recursa a eficácia atributiva do preceito, porque o artigo 5º não
faz menção a proteção de terceiro que o regista e de não conter os mesmos requisitos da boa-fé
da aquisição onerosa. E também diz que a tese ampla não está correta porque deixa de fora
terceiros. Aqui diz que só há efeito consolidativo e não retributivo
Gabriel Gonçalves que entende que o que interessa não é só o registo do facto aquisitivo, é a
data em que o negócio jurídico foi celebrado. Não interessa a data do registo, mas a data em que
efetivamente tomou conhecimento do negócio
Artigo 17º CRP – questão dos 3 anos. Para alguns autores pode haver a aplicação deste prazo
mas aqui não faz sentido aplicar os 3 anos.

2- Por referência ao caso acima referenciado, imagine agora que Carlos tinha adquirido o
imóvel em venda executiva (depois da penhora da moradia em virtude das dívidas de
António). Qual seria a sua resposta ao caso?

Parece haver um lapso no enunciado do caso prático, uma vez que, tendo o Carlos adquirido o
imóvel em venda executiva, nunca poderia ser ele a ter dívidas, presumo que seriam as dívidas
do A (na sequência do qual é constituída essa penhora de que fala o caso prático). Resolvendo
então o caso desta forma, aqui o C já não era um usufrutuário, mas iria adquirir a propriedade na
venda executiva – assim, cabe aqui perceber se, uma vez que havia um outro proprietário que é
B, se o C enquanto credor era um terceiro para efeitos do registo.
Ou seja, a aquisição tem de ser feita partindo do mesmo autor (i.e., A vende ao B; e A vende ao
C), no entanto, ele aqui não vai comprar diretamente ao A, mas vai beneficiar de uma penhora a
seu favor, logo, não cabe no preceito do art.5º CRPredial porque embora continue a ser uma
compra e venda, foi numa venda judicial.
Posto isto, neste caso o C não vai beneficiar do efeito atributivo do registo, não se dando a
aquisição tabular – consequentemente, a propriedade permanece com B, independentemente de
este não ter registado. Havia uma propriedade que foi transmitida ao B, e a penhora vai caducar
porque o autor da venda não é o mesmo, ou seja, não adquirem de autor comum.
O assistente não concorda, muitos autores têm esta opinião e a jurisprudência também. Segundo
Antunes Varela, devemos admitir que é um autor comum porque o imóvel nunca parte da esfera
jurídica do executado para o Estado e depois para o 3º adquirente, passa imediatamente e
diretamente da esfera jurídica do A para a do C, ou seja, o autor da transmissão não deixa de ser
o A. O prof diz que não faz sentido tratar de forma diferente situações que são iguais.

3- Por referência ao caso acima referenciado, imagine agora que Bento sempre residira
no imóvel desde novembro de 1988 e que Carlos registara, também o seu facto
aquisitivo.
Qual seria a sua resposta ao caso ?

Neste caso, se o B sempre residiu no imóvel desde novembro de 1988, além de proprietário é
também possuidor (tem uma posse nos termos da propriedade devido à compra e venda
celebrada previamente com A). Atendendo ao art.1258º e seguintes do CC, podemos dizer que
esta é uma posse titulada (art.1259º), pública porque a exercia em condições de o C saber
porque habitava lá, de boa-fé (art.1260º) e pacífica (art.1261º).

Estando igualmente verificados todos os requisitos da aquisição tabular, temos de conjugar isto
com o preceito do art.5º/2/a CRPredial, que remete para a questão da usucapião  a usucapião
é a aquisição da propriedade baseada na posse por um determinado lapso de tempo e isto vai
interferir com a aquisição tabular. Diz-nos o artigo supramencionado que a usucapião não é
afetada pelo efeito do registo do C, isto porque o B apesar de não ter registado, vai beneficiar de
uma presunção baseada na posse nos termos do art.1258º CC – isto é, presume-se que quem
exerce a posse é o titular do direito real.

Por isso mesmo, vai ficar beneficiado pelo efeito atributivo do registo predial, mas temos de ver
se já tinha passado o prazo para a usucapião – recorremos ao art.1296º que nos diz que, no caso
de coisa imóvel, na falta de registo do título ou da mera posse, a usucapião só pode dar-se no
termos de 15 anos (se a posse for de boa-fé) e de 20 anos (se for de má fé). Neste caso,
presume-se que a posse de B era de boa-fé e verifica-se que já tinham decorrido os 15 anos
necessários para ter condições para usucapir o imóvel, independentemente de não haver registo
da compra e venda realizada.

Isto faz com que o C perca a proteção registal  é aquilo que O PROF. OLIVEIRA ASCENSÃO
chama a usucapio contra tábulas ou usucapião contra registo – ou seja, é o facto de,
independentemente de ter ou não registado o meu direito real, eu beneficio de uma presunção
baseada na posse, podendo alegar a usucapião, uma vez que o registo tem efeito meramente
enunciativo. Assim, se a posse é pública porque toda a gente sabe que eu é que sou o possuidor
daquele imóvel, e tenho condições para usucapir, então beneficio da presunção e o efeito da
aquisição tabular já não se vai dar, independentemente da boa-fé do terceiro (qualquer direito
real que o C tivesse, perde o efeito).
II

Abel, que cuidava de Berta, interditada por anomalia psíquica de 1990, decide levar a cabo
uma tramoia para passar a propriedade do palacete do Estoril a seu favor.

Para tal, decide ir ter com Carlota, notária em Cascais, que lavra uma escritura para o efeito,
sem o conhecimento de Berta, tendo o facto aquisitivo sido registado a favor de Bento.

Bento, em 2015, acaba por vender o imóvel a Daniel.

Em 2018, Berta morre, tendo deixado todos os bens a seu único sobrinho, Ernesto.

Ernesto, que nunca se dera com a sua tia, mas sabendo da existência do Palacete do Estoril,
decide investigar o que se passou, acabando por descobrir a tramoia perpetrada por Abel.

Ernesto, decide, de imediato, requer a nulidade do contrato de compra e venda entre Berta e
Abel.

Quid iuris ?

No caso em apreço, estamos perante uma escritura de compra e venda que foi forjada pelo A
(sendo considerada um título falso porque está ferida por um invalidade substantiva, pois B não
tinha capacidade para dispor, estando interditada) e com base na qual o A vai vender ao Bento
que, por sua vez, vende ao D. Portanto, temos um registo a favor de Bento que é nulo nos
termos do art.16º/a do CRPredial porque foi feito com base num título falso e, posteriormente,
D vai adquirir este imóvel ao Bento com base neste registo nulo. Entretanto, E que se tornou
herdeiro testamentário do palacete quer reivindicar a sua propriedade, requerendo a nulidade do
contrato de compra e venda entre B e A.

Esta é também uma hipótese de aquisição tabular mas do art.17º CRPredial, o qual estabelece
que a declaração de nulidade do registo não afeta os direitos adquiridos a título oneroso por
terceiro de boa-fé, se o registo dos correspondentes atos for anterior ao registo da ação de
nulidade. Está assim aqui em causa uma situação de invalidade registal relativamente a uma
inscrição (art.16º), a qual determinou, no entanto, que fosse realizado um ato de disposição,
com base nesse pseudo-direito a favor de terceiro, sub-adquirente em relação a essa inscrição.

No caso de existir boa-fé do terceiro (neste caso, D que seria quem agora teria a propriedade) e
a sua aquisição tiver ocorrido a título oneroso, o seu direito como sub-adquirente não é posto em
causa pela declaração de nulidade da prévia inscrição, em virtude da necessidade de proteger
aqueles que confiaram na validade do registo – ou seja, deve aferir-se se este beneficia de
alguma proteção registal.

↳ Assim, são os requisitos:

 Haver uma aquisição com base num registo nulo


 Ver se a compra e venda foi registada (e no caso, o registo do Bento foi feito, e
presume-se que D também o tenha feito)
 O negócio deve ser oneroso
 O registo que foi efetuado deve ser anterior à ação de nulidade
 Perceber se o terceiro era de boa fé (neste caso, o D), pois só fica protegido se assim o
for – presumimos que sim, porque nada no caso nos diz que ele tinha condições de saber
o que se tinha passado

Portanto, deduz-se que estão cumpridos todos os requisitos e D ia beneficiar da aquisição


tabular do art.17º e do efeito atributivo do registo.

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