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Os autoritários e o instinto do escorpião - 18/10/... https://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi...

Clóvis Rossi (/colunas/clovisrossi/)

Os autoritários e o instinto do escorpião


O príncipe saudita mostra que eles acabam sempre picando

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, é recebido pelo príncipe herdeiro da Arábia
Saudita, Mohammed bin Salman, em Riad - Leah Millis - 16.out.18/AFP

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18.out.2018 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2018/10/18/)

Em novembro de 2017, Thomas Friedman, icônico colunista de The New York


Times, ficou quatro horas conversando (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1934022-
sauditas-precisavam-de-sacudida-promovida-por-principe-herdeiro.shtml) com o príncipe Mohammed bin
Salman (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1932990-quem-e-o-principe-multimilionario-que-ja-trocou-
farpas-com-donald-trump-e-foi-preso-por-corrupcao-na-arabia-saudita.shtml) (ou MBS), o governante de

facto da Arábia Saudita.

Saiu tão entusiasmado que seu relato do encontro produziu duas frases
hiperbólicas: na primeira, dizia que MBS estava conduzindo no seu país "o
mais significativo processo de reformas em andamento no Oriente Médio".

Na segunda, acrescentava que as reformas do príncipe (https://www1.folha.uol.com.br/mundo


/2017/12/1942883-projeto-modernizador-de-principe-herdeiro-saudita-mira-economia.shtml) "não mudarão

apenas o caráter da Arábia Saudita mas também a voz do islã ao redor do


mundo".

Confesso que também fiquei fascinado com este segundo aspecto —ou seja,
com o anúncio de MBS a Friedman de que cortaria as asas do chamado
(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/04/principe-herdeiro-da-arabia-saudita-defende-direito-de-israel-

existir.shtml)wahhabismo (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/04/principe-herdeiro-da-arabia-saudita-

defende-direito-de-israel-existir.shtml), uma versão particularmente radical do islã, criado


nos anos 1740 por Muhammad ibn Abd al-Wahhab.

A casa de Saud, dinastia que fundou a Arábia Saudita e a governa até hoje,
abraçou o wahhabismo. As interpretações radicais da corrente forneceram o
verniz teológico para o fanatismo de grupos terroristas como o Estado
Islâmico.

Mudar a voz do islã, como prometia MBS, era, portanto, o passo inicial para
desconstruir o fanatismo e, em um prazo indefinido, acabar com ou pelo

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menos minimizar essa praga universal que é o terrorismo.

Friedman, em sua coluna desta quarta (17) no New York Times, diz que essa
expectativa era (e continua sendo) também a dele. Escreve que "a reforma
religiosa islâmica só pode vir da Arábia Saudita, que abriga as duas cidades
mais sagradas do islã, Meca e Medina".

O problema é que o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi


(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/10/jornalista-saudita-foi-morto-na-presenca-de-consul-geral-diz-midia-

turca.shtml) destruiu por completo a fé que se pudesse ter nas reformas


liberalizantes de MBS e, por extensão, na mudança de voz do islã wahhabista.

O que emergiu, ao contrário, é o que a Al Jazeera, emissora árabe (do Qatar


(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/08/1909070-dois-meses-apos-o-inicio-do-boicote-qatar-parte-para-a-

ofensiva.shtml)),
define como "o lado sombrio" da Arábia Saudita de MBS. Emergiu
também a hipocrisia do Ocidente no trato com um regime despótico desde o
nascimento.

Escreve, por exemplo, Mustafa Akyol, pesquisador-sênior do liberal Cato


Institute: o caso Khashoggi "desmascarou o feio despotismo por trás da
imagem reformista do príncipe Mohammed bin Salman".

Reforça Judah Grunstein, editor-chefe da World Politics Review, pondo o


acento na hipocrisia: "O teatro de indignação em exibição em Washington e
nas diretorias das corporações é tão crível quanto as negativas sauditas dos
últimos 15 dias sobre o fato de que Khashoggi deixara vivo o consulado e que a
liderança saudita não tivera nenhuma interferência em sua morte".

Ao mencionar as corporações, Grunstein está se referindo às empresas que


decidiram ausentar-se do seminário chamado "Davos no deserto", organizado
pelo príncipe —fato analisado com a competência habitual por Flávia
Mantovani nesta Folha (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/10/principe-saudita-fecha-cerco-
a-ativistas-enquanto-moderniza-costumes-do-pais.shtml) na segunda (15).

O que fica evidente é que a tentação autoritária é como o instinto do escorpião

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na velha história que narra como ele pediu ao elefante carona para atravessar
o rio. Prometeu não picar o elefante, alegando que, se o fizesse, ambos
afundariam e morreriam.

Não obstante, no meio do rio, tascou a picada e desculpou-se: "É meu instinto".
Não convém jamais minimizar os riscos inerentes ao instinto dos autoritários
de plantão.

Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors
Cabot.

ENDEREÇO DA PÁGINA
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e-o-instinto-do-escorpiao.shtml

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