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1- RACISMO NO BRASIL

O racismo pode ser entendido de várias maneiras, ou até mesmo se manifestar de


diferentes modos, mas cabe destacar nesse enfoque a concepção de que ele pode ser percebido
como “um ato ou fala de caráter discriminatório baseados no pressuposto de que todos os
membros de uma minoria racial possuem os mesmos traços”. Esses traços são transmitidos
biologicamente, assim compreendidos como imutáveis e classificados como inferiores
(MOREIRA, 2019).
Na verdade, falar de racismo é falar de uma conduta que resulta fatores como aversão
e ódio, as quais são direcionadas às pessoas pertencentes a minorias raciais, configurando-se
por sinais raciais, manifestados na cor da pele, no formato dos olhos ou forma do cabelo,
decorrendo da convicção de superioridade existente, ou seja, de que há uma raça superior e
outra inferior (MUNANGA, 2016).
A palavra racismo foi utilizada pela primeira vez no século XVII, sendo empregada
para apontar as diferenças físicas da população daquela época. Um pouco mais tarde, no
século XVIII a distinção racial era voltada para a cor da pele, agrupando em etniais branca,
negra e amarela. Um século depois, essa questão encontrava-se direcionada para o parâmetro
morfológico, obtendo mais expressividade com a reinterpretação da teoria darwinista (os
organismos mais adaptados ao meio tê maiores chances de sobrevivência do que os menos
adaptados, deixando um número maior de descendentes). Assim, estabelecendo-se uma
hierarquia que exaltava a etnia branca, a mesma possuia maior dominino do desenvolvimento
físico e mental, colocando assim, as demais etniais presentes como inferiores.
Na verdade, o que podemos notar é que a questão da discriminação racial está
enraizada na cultura da sociedade brasileira. Segundo Silva:

O preconceito está presente na humanidade desde o início da mais remota história,


rotulando raça, gênero e classe social, aos quais durante todo processo de
desenvolvimento da vida humana vão sendo incorporadas ideias, valores,
sentimentos e maneiras de pensar que nem sempre são aceitos por todos. (SILVA,
2015, p.1).

Diante do exposto, fica claro que a população do nosso país é uma população
miscigenada, mas na hierarquia social os negros são a base, pois os próprios habitantes não
consideram as diferenças físicas, comportamental, social, entre outras, como diversidade
cultural e étnica, ou seja, como algo positivo e que possa incrementar algo para a sociedade
brasileira. Assim, constitui-se um impedimento de diálogo, de conhecimento, de maneiras de
vidas e aceitação do outro, que ocorre quando o ser humano não aceita as qualidades e
diferenças do nosso oposto, denominando-se assim, o preconceito.
Desta forma, fica evidente que os afrodescendentes possuem uma presença
demográfica muito significativa em nosso país, mas as dificuldades de construir a identidade
negra em uma sociedade que vive o mito da democracia racial ainda são implícitas, já que
uma população que desde o princípio ensina seus habitantes a se afugentar de suas
ascendências para serem aceitos no coletivo, não pode ser intitulada com esses aspectos de
uma sociedade democrática racial.

Estamos em um país onde certas coisas graves e importantes se praticam sem


discurso, em silêncio, para não chamar a atenção e não desencadear um processo de
conscientização, ao contrário do que aconteceu nos países de racismo aberto. O
silêncio, o implícito, a sutileza, o velado, o paternalismo são alguns aspectos dessa
ideologia. (MUNANGA,1996, p. 220-221).

Como todos nós sabemos, o racismo é uma forma sistêmica de discriminação, a qual,
tendo a raça como fundamento, decorre da própria estrutura social, se manifestando por meio
de práticas conscientes ou inconscientes, trazendo desvantagens ou privilégios para àqueles
que o comete, a depender do grupo racial ao qual pertencem, ocorrendo pelas costas dos
indivíduos e parecendo legado pela tradição (ALMEIDA, 2018. p. 32 e 50).
O que queremos dizer é que pessoas negras experimentam o racismo, sendo o objeto
da opressão, o qual restringe oportunidades por conta do sistema de opressão, enquanto as
pessoas brancas presenciam essa prática, se beneficiando dessa mesma opressão (RIBEIRO,
2017. p.88).
O racismo é uma forma sistêmica de discriminação que deveria ter tido um fim com a
assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888, extinguindo-se a
escravidão no Brasil. Porém, mesmo diante dessa assinatura, podemos dizer que quase nada
(ou nada) foi feito para que a vida dos escravos (agora libertos), bem como suas familias
sofresse uma reparação aos danos causados por tantos anos de sofrimento.
Na verdade, o racismo continuava sendo praticado, refletindo no dia a dia da
sociedade, e uma das formas de entendermos muitas das características do Brasil pós-abolição
é estudando o futebol e o seu desenvolvimento ao longo dos anos até os dias atuais, já que o
futebol em seu início era um esporte praticado exclusivamente pela elite.

1.2- O NEGRO NO FUTEBOL BRASILEIRO


Mas qual a relação do racismo com o futebol?
Em um primeiro momento cabe ressaltar como se deu o início desse esporte em nosso
país.
Mesmo sabendo que a concepção e planejamento do futebol aconteceram na
Inglaterra, o Brasil é mundialmente conhecido como o país do futebol, recebendo muito
prestígio, importância e reconhecimento por tal façanha.
A chegada do futebol em nosso país aconteceu com o desembarque dos imigrantes,
mais especificamente no século XIX, onde o futebol, ao título de modalidade mais praticada e
favorita, tornou-se um elemento forte e relevante da cultura nacional, integrando a “identidade
brasileira”. Segundo Lucena (2002):

O futebol surge no Brasil num contexto específico de nossa sociedade, cada vez
mais urbana e com o encontro de culturas diferentes, com o fim do trabalho escravo,
o aumento da imigração e uma série de mudanças que favoreceram a ampliação de
ações no sentido de um redirecionamento ao estilo europeu de vida. (LUCENA,
2002, p. 35).

Assim entende-se que a construção histórica do futebol com a identidade brasileira


encontra-se compreendida na reflexão sobre outros pontos importantes envolvidos dentro
deste contexto. Para Almeida et al (2012, p.60) “o esporte está incrustado na sociedade,
tornando-se um meio indispensável para a formação do homem e para a convivência em
sociedade”. Para Assunção et al (2010, p.93), “o esporte não pode ser pensado apenas como
um fenômeno biofisiológico, ele é um espetáculo do mundo moderno, está presente no
cotidiano das pessoas e movimenta um grande mercado de bens, produtos e serviços”.
Segundo Caldas (1989, p.24), “os ingleses precursores desse esporte em nosso país
faziam parte da elite da sociedade paulista e carioca e somente os brasileiros ricos tinham
acesso à prática do futebol”. Com isso, podemos dizer que o preconceito racial, o racismo, a
discriminação e a injúria racial fazem parte do futebol brasileiro desde o seu início, pois a
prática esportiva encontra-se repleta de casos que envolvam estas vertentes, tanto como em
outras esferas sociais.
Na verdade, como já mencionado o futebol é referência no Brasil. Segundo DaMatta
(2006, p.11), “foi esse esporte que juntou hino e povo e popularizou a ideia de nação que
pertence a todos, desde o pobre que mora do subúrbio das grandes cidades até os “doutores”
que ocupam altos cargos”.
Porém, para ter acesso ao esporte conhecido atualmente como o mais popular do
mundo, os negros tiveram que enfrentar várias dificuldades. Rossi e Mendes Júnior (2014,
p.39) relatam que “há pouco mais de um século, quando o futebol nascia no Brasil, jogadores
negros não só eram xingados impunemente em campo, como mal eram admitidos no
gramado”. Os resquícios da escravidão no Brasil e das teorias raciais do século XIX eram
empecilhos, mas, não impediram esta inserção:

(...) sublimando tanto do que é mais primitivo, mais jovem, mais elementar, em
nossa cultura, era natural que o futebol, no Brasil, ao engrandecer-se em instituição
nacional, engrandecesse também o negro, o descendente de negro, o mulato, o
cafuzo, o mestiço. E entre os meios mais recentes - isto é, dos últimos vinte ou trinta
anos - de ascensão social do negro ou do mulato ou do cafuso no Brasil, nenhum
excede, em importância, ao futebol. (FREYRE, 1947).

Notavelmente o futebol começa ao longo dos anos que sucedem sua chegada a ganhar
espaços em todos os âmbitos sociais, sendo notório que no início do século XX, o mesmo já
era febre nas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro. Isso tudo começou a refletir, pois novos
jogadores e clubes começaram a aparecer, porém existiam clubes que eram exclusivos de
brancos e outros que começavam a incorporar jogadores negros. Assim, entendemos que o
racismo era escancarado e esse surgimento mostra como foi um processo difícil e de muito
preconceito.
Ao escrever seu livro O Negro no Futebol Brasileiro, Mário Filho, mostra em suas
páginas grandes jogadores negros que foram se destacando, buscando seu espaço em um
mundo elitista e branco. Dentre eles podemos citar: Francisco Carregal, Marcos Mendonça,
Carlos Alberto, Friendenriech, Grandin, Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Pelé,
Garrincha e muitos outros. Nesse clássico livro, Mário Filho conta como o jogador negro foi
buscando seu espaço em um ambiente totalmente branco, e assim, relata algumas histórias de
clubes e pessoas que ele denomina “mulato” e que tomaram algumas atitudes para participar
desse ambiente racista e serem aceitos.
Assim, o autor mostra em sua fala um dos primeiros jogadores que se foi registrado no
início do futebol em um time, que se chama Francisco Carregal. Mário Filho o caracteriza da
seguinte forma:

Brasileiro com cinquenta por cento de sangue preto. O pai, branco, português, a
mãe, preta, brasileiro. Francisco Carregal, talvez por ser brasileiro e mulato, o único
brasileiro, o único mulato do time, caprichou na maneira de vestir. Era o mais bem
vestido dos jogadores do Bangu. Um verdadeiro dândi em campo. (FILHO, 2003,
p.32).

Assim percebemos que Mário Filho procura destacar que o jogador negro em seu
início tinha que buscar alguns meios para facilitar ser aceito nesse meio etilizado e branco, ou
seja, para adentrar necessitava se parecer mais com os “brancos”. O autor destaca que na
época o Bangu, nascido em 1904, começou a dar seus primeiros passos tendo apenas
jogadores imigrantes brancos, onde o único brasileiro e negro era Francisco Carregal. Mário
Filho diz que: “William Procter podia descuidar-se, Francisco Carregal, não. No meio de
ingleses, de portugueses, de italianos, sentia-se mais mulato, queria parecer menos, quase
branco. Passava perfeitamente. Pelo menos não escandalizava ninguém” (FILHO, 2003,
p.33).
Cabe destacar que alguns clubes foram importantes para a aceitação do negro no
futebol, como o Bangu e o Vasco da Gama, este último que surgiu no futebol por
comerciantes portugueses, os quais começaram a colocar jogadores negros em seu time. O
crusmaltino, assim intitulado, por possuir uma cruz de malta em sua camisa, no ano de 1923,
primeiro ano em que estava jogando a principal liga, foi campeão jogando contra times que só
aceitavam brancos em seu elenco.
Como poderia um time formado por jogadores pobres, negros e oriundos da periferia
ter tanto sucesso dentro das quatro linhas? O título conquistado pelo Vasco e o bicampeonato
estadual no ano seguinte incomodaram os clubes cariocas q não aceitavam negros no elenco, o
que fez com que estes, a fim de boicotar o Vasco e assim excluir os jogadores “indesejados”,
criassem regras como a obrigatoriedade que os jogadores assinassem a súmula, na tentativa de
assim excluir os negros que não pudessem assinar(VEIGA, 2015, p. 91).
Não satisfeitos os clubes da elite, decidiram por criar uma nova liga (Amea) , e para
este campeonato o Vasco teve o acesso negado com a justificativa de que o clube não teria um
estádio próprio. Mas o real motivo da exclusão se deu quando os demais clubes enviaram uma
carta ao Vasco, onde dizia que o cruzmaltino poderia participar do campeonato caso exclusive
12 jogadores, todos estes negros.
O clube cruzmaltino não se intimidou e apresentou a seguinte resposta diante dos fatos
racistas ali presentes:

Estamos certos de que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco
digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à Amea, alguns dos que luram
para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do campeonato de futebol da cidade do
Rio de Janeiro de 1923. São 12 jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo
de suas carreiras. Um ato público que os maculasse nunca será praticado com a
solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles
com tanta galhardia cobriram de glórias. Nestes termos, sentimos ter que informar à
V. Exa. que desistimos de fazer parte da Amea (Veiga, 2015, p. 92
Esta pode ser considerada um marco do futebol no Brasil, pois em 1925 o Vasco foi
aceito no campeonato com todos os seus jogadores.
Outro jogador também citado na obra de Mário Filho era Carlos Alberto, que jogava
no América, porém não era tão percebido por lá. Quando foi jogar no Fluminense, Carlos
Alberto, que era negro, passou a ser mais percebido por conta do pó-de-arroz. Melhor
explicando, os jogadores quando entravam em campo, iam saudar a arquibancada e esse era o
momento em que ele mais temia, pois segundo Mário Filho:

Era o momento que Carlos Alberto mais temia. Preparava-se para ele, por isso
mesmo, cuidadosamente, enchendo a cara de pó-de-arroz, ficando quase cinzento.
Não podia enganar ninguém, chamava até mais atenção. O cabelo escadinha ficava
mais escadinha, emoldurando o rosto, cinzento de tanto pó-de-arroz. (FILHO, 2003,
p.60)

Portanto podemos dizer que o tradicional nome Pó-de-arroz atribuído ao tricolor


Fluminense até hoje, é reflexo do jogador Carlos Alberto, que quando ia jogar contra seu ex-
clube, o América, tinha seu nome gritado pela torcida “pó-de-arroz”, mostrando que o
racismo estava interiorizado.
Um pouco mais para frente surge também uma das primeiras estrelas brasileiras do
período, Arthur Friedenreich, que jogou até 1933 e que Segundo Mário Filho, “Friedenreich,
de olhos verdes, um leve tom de azeitona no rosto moreno, podia passar se não fosse o cabelo.
O cabelo farto, mais duro, rebelde. Friedenreich levava, pelo menos meia hora amansando o
cabelo” (FILHO, 2003, p.61). Mário Filho ainda relata que Friedenreich era sempre o último a
entrar em campo, pois fazia de tudo para se arrumar e se aproximar mais dos brancos. Porém,
foi um jogador promissor, principalmente após ganhar o sul-americano de 1919 pela seleção
brasileira, fazendo um gol, sendo apelidado de “EL TIGRE” e merecendo destaque, pois foi
um dos primeiros a se sobressair em um ambiente em que permitiam somente brancos.
No início o futebol no Brasil era amador, o que permaneceu até a década de 1930. Sua
profissionalização ocorreu depois de muitos percalços, já que a transformação do futebol
amador para o profissional era uma necessidade, pois as famílias ricas conseguiam bancar
seus filhos que apenas estudavam e conseguiam treinar e jogar futebol. Na realidade, o
amadorismo permitia a elite continuar de forma predominante, pois os mais pobres
precisavam trabalhar e não conseguiam se dedicar ao esporte da época. Também pela
quantidade de times e jogadores bons passarem a aumentar, e com a profissionalização isso
permitia a manutenção e contratação de novos jogadores. Desta forma, o futebol amador
passou a ser insustentável, pois o processo de profissionalização envolviam questões
financeiras, sociais e principalmente raciais.
Na época era praticado o chamado de “amadorismo marrom”, em que alguns
jogadores recebiam informalmente para jogar futebol e não precisavam trabalhar. Além disso,
muitos recebiam as refeições que eram feitas nesses comércios e assim podiam treinar e se
destacar fisicamente.
Diante desse cenário, surgiam nomes como Leônidas, o Diamante Negro, Fausto,
Domingos da Guia, Pelé e tantos outros jogadores negros que colocaram o Brasil, no que se
refere ao futebol, no topo do mundo, porém sofreram com a ideia de que através dos esportes
nos quais o poder econômico não é fator determinante, o negro passa do papel de inferioriado
para o papel principal, atingindo o patamar de ídolo.

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