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APOSTILA

DE

ZOOLOGIA

Prof. Dr. Pedro G. Fernandes-da-Silva


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APOSTILA DE ZOOLOGIA - INVERTEBRADOS

Prof. Dr. Pedro G. Fernandes-da-Silva

1. Introdução
Para um curso de Biologia, o estudante deve ser preparado para discutir vários
conceitos ligados a área das Ciências Biológicas. Dentre essas áreas, o estudante de
Biologia deve discutir aspectos ligados à Evolução e à Zoologia; no primeiro caso, o
estudante encontra diversos princípios da Evolução aplicados ao cotidiano, como a
genética, para adequada e correta seleção de espécies vegetais próprias para um
determinado tipo de solo, clima, etc., bem como as diversas variedades de uma única
espécie de planta que podem ser melhor utilizadas em determinadas condições geológicas,
climáticas, produtivas, etc. Da mesma forma, podem ser citados casos da genética para
seleção de animais, sejam os de criação doméstica (gatos e cachorros, por exemplo), sejam
os para consumo (diversas espécies de gado, de carneiros, etc.).
Além da genética, podem ser encontrados exemplos e aplicações do conceito de
evolução nos estudos sobre conservação de áreas ambientais, como florestas, mangues,
recifes, etc. Nesses casos, a preservação do meio ambiente está associada ao conceito de
evolução pelo fato de as espécies que habitam esses locais serem específicas dos mesmos,
ou seja, não são encontradas em outros lugares. A pergunta que se faz é: por que essas
espécies são encontradas apenas nesses locais? Por exemplo, não esperamos encontrar
espécies de onça pintada (Panthera onca) na Austrália, nem encontrar cangurus (Macropus
spp. – conhecem-se quatro espécies na Austrália) na Amazônia; cada uma dessas espécies é
específica de determinados locais (a onça pintada é natural das Américas e o canguru é
natural da Austrália – Oceania). Da mesma forma, não esperamos encontrar araras azuis
(Anodorhynchus hyacinthinus) nos pampas, uma vez que é uma espécie de ocorrência nas
regiões da Floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal. O mesmo ocorre com diversas espécies
de plantas, como a jabuticaba (Myrciaria spp. – várias espécies, com nomenclatura em
discussão pelos especialistas), que é natural do Brasil, e o abacaxi (Ananas spp.) natural da
América do Sul).
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Novamente perguntamos: por que determinada espécie (animal ou vegetal) é


encontrada (ou originada) de um determinado local, e não ocorre (ou não se originou) em
outros?
De maneira natural, sem a interferência humana, as diversas espécies surgiram e
modificaram-se (continuam a surgir e a sofrerem modificações!) através de processos de
Seleção Natural, conceito que veremos a seguir.
Com a interferência humana, conceitos de espécie adequada, correta seleção e
melhor utilizada referem-se aos processos evolutivos conduzidos pelo Homem ao longo do
tempo; podemos citar o milho (Zea mays), a soja (Glycine max) ou o arroz (Oryza sativa)
como exemplos de espécies adequadas, que sofreram correta seleção para serem melhor
utilizadas na alimentação do ser humano. Como já dissemos, esses conceitos têm estreita
relação com o processo evolutivo.
O conceito de Evolução também pode ser aplicado a outros tipos de técnicas e/ou
formas de plantas cultivadas e animais. Já é largamente sabido e aceito que organismos
vivos sofrem a influência do processo de Seleção Natural, através do qual uma parte dos
indivíduos de uma determinada população pode vir a se tornar resistente a uma determinada
mudança ambiental – essa mesma mudança ambiental não favorece os outros indivíduos
dessa mesma população; assim ocorre a Evolução. Entre essas mudanças ambientais, está a
aplicação de novas técnicas agrícolas, uma das mais recentes sendo os produtos
transgênicos. Ora, não seria de se admirar se, daqui a algum tempo, fossem detectados
insetos e/ou plantas que não mais respondessem à toxina do milho, ou ao herbicida usado
na soja, geneticamente transformados, por exemplo. Portanto, os produtos transgênicos são,
quando muito, uma nova etapa para se tentar aumentar a produção agrícola, jamais uma
solução definitiva.
Se o tópico é sobre Zoologia, qual a relação com a Evolução para as Ciências
Biológicas? A resposta pode ser encontrada no estudo dos problemas ligados às várias
"pragas" que assolam as lavouras, e os diferentes métodos empregados para o seu combate.
Dentre essas "pragas", encontram-se vários tipos de animais, em particular os insetos,
causando diversos prejuízos para a Agricultura. O que ocorre é que esses diversos tipos de
animais também passaram (e passam, como os vegetais) pelos mesmos princípios ligados à
Evolução. Evidente que o Homem não "seleciona" pragas para a lavoura, mas os princípios
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evolutivos não deixam de agir. Como exemplo, podemos citar a crescente resistência de
coccídeos – insetos que atacam árvores de frutas cítricas (laranja, por exemplo) – ao gás
cianídrico, um tipo de inseticida.
Igual raciocínio pode ser aplicada para as áreas de pesquisa básica e conservação,
como já mencionado acima, ou seja, a Zoologia está associada com a Evolução a partir do
momento em que temos espécies típicas de determinado local, e que não são encontradas
em outros locais. Isso é uma forma de se pensar nos ambientes em que espécies animais
podem ser alocadas, para manutenção de sua preservação, quando for o caso. Por exemplo,
em situação de construção de uma usina hidroelétrica, diversas espécies de animais têm que
ser deslocadas. Como saber para qual local devem ir, se não forem respeitados os princípios
de Evolução que essas espécies sofreram? Se você pensou que a área de atuação, para
realocação de animais era a Ecologia, diremos que a Ecologia é a mesma coisa que a
Evolução, com a diferença que a Ecologia acontece agora e a Evolução aconteceu há
bilhões de anos e continua a acontecer. No entanto, seu ritmo (o da Evolução) é
extremamente lento, não perceptível pela nossa – humana – noção de tempo. A Ecologia é
uma ciência que aborda os fenômenos mais recentes.
Nossa apostila de Zoologia dos Invertebrados, portanto, será iniciada com conceitos
básicos de Evolução e, em sequência, passará a abordar diferentes grupos de organismos
(área da Zoologia), com ênfase em alguns grupos de invertebrados (não é nossa intenção
abordar todos os grupos, por falta de espaço e pelo objetivo da disciplina), enfocando os
aspectos comuns entre eles, seus ciclos de vida e biologia, bem como uma introdução à
importância em termos de manutenção de um ecossistema, sua produtividade e as relações
com o ser humano.

2. Princípios de Evolução
Com certeza você há de concordar que não há como confundir um tatu (Família
Dasypodidae – vários gêneros e espécies) com uma onça pintada, nem um pé de goiaba
(Psidium guajava) com um pé de laranja (Citrus sinensis). Não bastasse isso, também se
percebem diferenças entre indivíduos de uma mesma população (o conceito de população é
o mesmo utilizado em Ecologia, ou seja, população é o conjunto de indivíduos de uma
mesma espécie, que habitam o mesmo local, ao mesmo tempo): basta você olhar à sua
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volta, e verificar que todos os seus colegas são diferentes em fisionomia, altura, cor do
cabelo, etc. Tanto em um caso como no outro (animais ou vegetais), percebe-se que existe o
que se denomina variedade (ou diversidade) dentro de uma mesma população.
A questão da variedade levou vários estudiosos a procurar uma razão (ou um
motivo) para explicar esse fato. Os religiosos acreditam na teoria da Criação Divina, onde
tudo o que existe foi feito por um deus, e sempre foi assim (Teoria do Criacionismo).
Outros, como os cientistas, buscaram explicações que pudessem ser baseadas em dados
mais concretos que a simples questão da fé (na fé, ou se acredita, ou não; não precisam
existir fatos e/ou dados que comprovem a existência de uma criatura superior. Pense:
alguém já conseguiu provar a existência de um deus?). Entre os estudiosos que procuraram
explicar a questão da diversidade, um dos pioneiros em sistematizar conceitos e explicações
foi Jean Baptiste Lamarck, que postulou sua teoria baseado em duas suposições:
a) Lei do uso e desuso: segundo essa lei, quanto mais uma parte ou órgão do
corpo é usado, mais ela se desenvolve, enquanto as partes não usadas se enfraquecem,
atrofiam, podendo mesmo desaparecer.
b) Lei da herança dos caracteres adquiridos: essa lei postula que as
alterações provocadas num órgão, pelo uso ou desuso, são transmitidas aos descendentes.
Entre os vários exemplos utilizados por Lamarck, podemos citar o famoso caso do
comprimento do pescoço das girafas. Segundo Lamarck, vivendo em uma área com solo
seco e quase sem capim, a girafa teria como alimento apenas as folhas das árvores, e de
tanto esticar o pescoço para pegar as folhas, esse cresceria um pouco. Essa nova
característica seria transferida aos descendentes. Um outro exemplo, também utilizado por
Lamarck, seria o caso de plantas que vivem em regiões secas: elas teriam necessidade de
guardar água e desenvolveriam órgãos para isso, e essas mesmas modificações seriam
transmitidas aos descendentes e dariam plantas com o aspecto dos cactos.
Em resumo, pode-se dizer que a teoria de Lamarck está errada em função da Lei da
herança dos caracteres adquiridos; após o advento da genética, e do entendimento de que os
cromossomos são moléculas que portam as "instruções" de como um determinado
organismo irá se desenvolver, fica sem sentido imaginar como as sequências gênicas
poderiam ser modificadas, através do próprio esforço de um animal ou de uma planta. O
exemplo da prática do Bonsai é adequado. Bonsai é uma milenar arte japonesa que consiste
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em colocar plantas de grande porte em vasos pequenos, e fazer podas adequadas, de forma
a se obter uma "árvore em miniatura". Ora, se a teoria de Lamarck estivesse correta, após
sucessivas gerações de árvores plantadas em pequenos vasos, com as podas adequadas,
quando essas fossem colocadas em áreas maiores, deveriam crescer de forma a continuarem
sendo árvores em miniatura. Evidentemente, não é o que acontece: plantadas em áreas
maiores, e sem as podas adequadas, a planta volta a crescer em seu tamanho natural, ou
seja, de grande porte.
Após Lamarck, outro estudioso da Evolução foi Charles Robert Darwin que, junto
com Alfred Russel Wallace, desenvolveram os aspectos fundamentais da Teoria da
Evolução, como é conhecida hoje. Darwin é mais famoso por ter colocado a Teoria em um
livro ("A Origem das Espécies", publicado em 1859 – esse é o ano da sexta edição do livro,
que é a mais conhecida), e por ter coletado um número impressionantemente maior de
evidências. A diferença fundamental entre essa Teoria, e as anteriores, é a de que esses
autores propuseram um mecanismo, a partir do qual as espécies puderam se diferenciar, até
atingirem suas formas atuais. A Teoria de Darwin e Wallace só não foi mais completa por
não serem conhecidos, naquela época, nem os processos de transmissão hereditária, nem a
estrutura do material genético (DNA e RNA). O que a Teoria da Evolução propõe pode ser
colocado nos seguintes pontos:
a) Todo organismo produz um número de células reprodutoras (gametas)
muitíssimo maior que o de células que originam indivíduos adultos;
b) O número de indivíduos de uma espécie mantém-se mais ou menos
constante no decorrer das gerações;
c) Assim, deve ser muito grande a taxa de mortalidade, pois nascem muito
mais indivíduos do que os que atingem a maturidade (evidentemente, existe uma exceção,
que é a espécie humana. No entanto, convém lembrar que essa exceção só é possível
através do desenvolvimento da medicina, farmacologia, etc.; sem esse desenvolvimento
tecnológico, a espécie humana seria exatamente igual a qualquer outro ser vivo, em relação
às influências ambientais);
d) Os indivíduos de uma espécie não são todos idênticos, mas apresentam
variações em diversas características;
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e) Algumas dessas variações podem permitir maior ou menor sucesso nos


aspectos de sobrevivência, e os pais da próxima geração serão naturalmente selecionados
entre aqueles membros da espécie que apresentem variações que lhes permitam uma melhor
adaptação às condições do ambiente em que vivem;
f) A transmissão de características de pais para filhos é um fato (não as
características adquiridas, mas sim as características da espécie);
g) Assim, as gerações subsequentes manterão e/ou melhorarão, por meio de
mudanças graduais (sobrevivência e número de descendentes), o grau de adaptação
conseguido por seus pais.
Ao conjunto desses pontos, Darwin e Wallace deram o nome de Seleção Natural,
que é o mecanismo de diferenciação das espécies.
Em resumo, pode-se dizer que a Seleção Natural atua provocando a morte
diferencial de indivíduos de uma dada população frente às eventuais mudanças ambientais,
ou seja, os indivíduos mais bem adaptados têm maior probabilidade de sobrevivência do
que os menos adaptados. Além disso, os mais bem adaptados teriam uma probabilidade
maior de gerar um maior número de descendentes comparados com os menos adaptados, o
que provocaria, na geração seguinte, um aumento do número de indivíduos mais bem
adaptados em relação aos menos adaptados. Esse processo, ocorrendo em várias gerações,
acabaria por produzir um conjunto de indivíduos diferentes dos iniciais.
Com a redescoberta da genética (no início do século XX, por volta de 1900), a partir
dos trabalhos de Gregor Mendel (o original foi publicado em 1865), foi possível formular a
Teoria Sintética da Evolução ou Neo-Darwinismo. Essa Teoria incorporou os princípios de
Darwin e Wallace aos conhecimentos da genética moderna, e estabeleceu os seguintes
fatores básicos que atuam no processo de evolução:
a) Mutação gênica - é o único processo que fornece material genético novo a
um conjunto gênico pré-existente. É a fornecedora da "matéria-prima" para o processo
evolutivo. A mutação, no entanto, só tem consequências evolutivas quando ocorre nas
células germinativas, e que vierem a constituir um gameta. Modificações ocorridas no
corpo de um indivíduo adulto são as modificações nas células somáticas (exemplo: câncer);
essas alterações nas células somáticas dos indivíduos adultos não passam para seus
descendentes.
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A maioria das mutações adaptativas importantes não produz tipos totalmente novos,
mas apenas se soma ao conjunto gênico das variações já existentes. A Seleção Natural tem
a positiva e criativa função de selecionar umas poucas combinações gênicas adaptativas, do
infinito número de possibilidades inerentes ao conjunto gênico.
Uma mutação nada mais é que uma alteração da sequência de bases das moléculas
de DNA seja por perda, substituição ou adição de bases. As mutações ocorrem ao acaso, e
podem ser espontâneas ou induzidas. As induzidas ocorrem em indivíduos tratados com
agentes mutagênicos (por exemplo: Raios X, luz ultravioleta, DDT, Aldrin, etc.), e o
Homem tem lançado mão desse recurso para aumentar a variabilidade genética de animais
e plantas cultivadas, selecionando, em seguida, os espécimes que mais se adaptem às suas
necessidades. As mutações espontâneas ocorrem por “erros” na duplicação do DNA e/ou na
produção de moléculas do RNA. Esses “erros” podem ocorrer ligados aos processos
moleculares bioquímicos e/ou por influência de fatores ambientais, como a radiação Ultra
Violeta (UV), radiação cósmica, etc., sem qualquer interferência do Homem nesse
processo.
Experiências com plantas agrícolas têm fornecido evidências de que algumas
mutações podem aumentar a adaptação de seus portadores a um determinado ambiente,
porém não a outro. Por exemplo, em cevada, algumas mutações forneceram valiosas
características, como hastes rígidas que suportam melhor o peso dos grãos maduros. Essas
mutações, contudo, não melhoram a planta para todas as condições em que poderia ser
cultivada, mas apenas para aquelas sob as quais foi testada e produzida. Por exemplo, as
melhores mutações conseguidas por geneticistas suecos são as que se caracterizam por
frutificação precoce e hastes rígidas. No clima úmido da Europa do Norte, hastes rígidas
são particularmente valiosas, uma vez que a umidade que se acumula na planta durante
períodos de chuvas fortes tende a fazer com que a haste se curve e deite no chão, pelo peso
das gotículas que se acumulam no ápice da planta. No clima seco do oeste dos Estados
Unidos chuvas fortes ocorrem com menos frequência, mas os grãos maduros estão
seguidamente expostos a ventos quentes e secos. Se as hastes são muito rígidas e
quebradiças, esses ventos quebrarão as espigas, dispersando os grãos sobre o campo antes
que possam ser colhidos. Na linguagem dos agrônomos: as mutações que são valiosas na
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Suécia por causa da resistência à acamação são desvantajosas nos Estados Unidos por causa
da suscetibilidade ao despedaçamento.
Outro exemplo de mutação benéfica para o Homem pode ser o da coloração
vermelha (ou púrpura) em bulbos de cebola. Em um primeiro instante, poderíamos dizer
que não há qualquer valor particular para uma cebola no fato de ser branca ou vermelha. No
entanto, em certas circunstâncias, a diferença é de grande importância, uma vez que os
bulbos coloridos são resistentes aos ataques do fungo Colletotrichium sp, um parasita
danoso. As cebolas vermelhas são resistentes porque contêm catecol e ácido
protocatecóico, substâncias que são venenosas para os esporos do fungo. Um único gene
recessivo, na condição homozigótica, produz a cor e as substâncias fungicidas ao mesmo
tempo.
b) Variação na estrutura e número dos cromossomos - para que ocorra uma
alteração na estrutura dos cromossomos, é necessário que os mesmos sofram quebras e, no
momento de se ligarem novamente, o façam em nova posição, alterando assim a sua forma.
As alterações numéricas resultam de erro na meiose, no momento da segregação dos
cromossomos. Ambas as modificações alteram a expressão gênica nos descendentes.
c) Recombinação genética (ou recombinação gênica) - entende-se por
recombinação genética o rearranjo dos genes já existentes, em uma dada população. Em
decorrência, surgirão genótipos com composições novas, sem que seja necessária a
ocorrência de mutações. Uma das fontes de recombinação genética é a reprodução sexuada.
Importante ressaltar que, para as mutações, para as variações de estrutura e número,
assim como para a recombinação, esses fatores não surgem como respostas do organismo a
alguma situação ambiental; ocorrem espontaneamente, e ao acaso. Também vale a pena
notar que esses fenômenos só fazem efeito em um indivíduo se tiverem ocorrido nas
"células-ovo" de seu ancestral direto, ou seja, nos gametas que irão originar esse novo
indivíduo.
d) Seleção Natural - pode ser entendida como a maior probabilidade de
sobrevivência em indivíduos mais bem adaptados a um determinado ambiente, em
"competição" com outros menos adaptados. O termo "bem adaptado" refere-se às
características de sobrevivência de um indivíduo e à sua capacidade de produzir mais (e
melhores) descendentes, sempre em relação aos outros indivíduos da mesma espécie.
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e) Isolamento Reprodutivo - dizemos que há Isolamento Reprodutivo,


quando duas populações de indivíduos estão impedidas de se cruzarem reprodutivamente e,
consequentemente, não ocorrerem trocas gênicas entre elas. O isolamento reprodutivo é
essencial para explicar a enorme diversidade e o grande número de espécies diferentes de
seres vivos. Uma população, ao se isolar reprodutivamente de outras da mesma espécie,
passa a ter uma história evolutiva própria e independente; todas as mutações e
recombinações novas que surgirem nela ficarão restritas a ela, enquanto as que surgirem em
outras populações da mesma espécie não a atingirão, o que fará com que, ao longo do
tempo, e de muitas gerações, seu patrimônio genético se diferencie do das demais
populações da mesma espécie. Em decorrência disso, as reações dessa população às
variações ambientais, que vão depender da sua variabilidade genética, acentuarão ainda
mais as diferenças, com intensidade maior ou menor, conforme o tipo e a intensidade das
variações ambientais; a longo prazo, pode ocorrer a formação de uma nova espécie.
Com base nessas informações pode-se, agora, fazer uma breve comparação entre os
exemplos que Lamarck postulava para sua Teoria, e a explicação fornecida por Darwin e
Wallace. Com relação ao pescoço das girafas: vivendo em regiões secas, sem gramíneas, as
girafas se alimentam de folhas das árvores; numa população de girafas, existe uma certa
variabilidade no tamanho do pescoço, com girafas de pescoços mais longos e girafas com
pescoços mais curtos; se, num dado momento, a vegetação diminuir, as folhas mais baixas
serão consumidas primeiro e, daí por diante, as girafas que já possuíam pescoços maiores
continuarão a se alimentar enquanto para as demais faltará alimento, aumentando o risco de
morte. Dessa forma, só se reproduziriam as girafas de pescoço mais longo, o que faria com
que na geração seguinte o comprimento médio dos pescoços das girafas daquela população
fosse maior do que a da geração anterior, antes da seleção.
Com relação a plantas de regiões secas: pela variação nas folhas das plantas,
algumas teriam folhas maiores e outras teriam folhas menores; com a falta de água, plantas
de folhas maiores perderiam muito mais água pela evapotranspiração através das folhas,
diminuindo suas chances de sobrevivência; plantas de folhas menores teriam maiores
chances de sobreviver fazendo com que, na geração seguinte, houvesse um maior número
de plantas com folhas menores do que na geração anterior.
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De maneira resumida, podemos dizer que o Neo-Darwinismo é composto pelos


seguintes aspectos:
a) A origem fundamental da variação genética é a mutação, que ocorre ao
acaso.
b) Dado que a variação genética é produzida por mutação, as combinações
de genes, que de fato ocorrem nos indivíduos, serão determinadas pelo sistema de
cruzamento.
c) Se indivíduos apresentam diferenças genéticas, provavelmente mostrarão
diferenças fenotípicas. Por fenótipo entendem-se as características que um indivíduo
apresenta e que podem ser observadas com ou sem o uso de aparelhos. Por exemplo, a cor
vermelha de um bulbo de cebola é um dos seus fenótipos (visível sem o uso de aparelhos
ou técnicas sofisticadas); a resistência que alguns insetos apresentam, em relação a um
determinado tipo de veneno, é um dos seus fenótipos (não é uma característica visível, e só
pode ser detectada através de testes fisiológicos, com o uso de aparelhos e técnicas
sofisticadas).
d) Alguns fenótipos podem adaptar-se melhor a um ambiente particular do
que em outros. Isso pode acontecer quer devido às diferenças nas possibilidades de
sobrevivência, quer nas diferenças de potencial reprodutivo; ambas as diferenças induzirão
uma contribuição diferencial na quantidade de indivíduos da geração seguinte, ou seja,
haverá diferenças na aptidão evolutiva, entre membros de uma mesma população.
e) Se a Seleção Natural atua, ocorrerão mudanças na composição genética da
espécie e os genótipos mais bem adaptados substituirão os menos adaptados. Raramente, no
entanto, um mutante novo poderá ser mais apto do que a forma já existente ou,
alternativamente, o ambiente poderá alterar-se de modo que um mutante existente, mas
infrequente e anteriormente desvantajoso, venha a tornar-se mais apto.
f) Embora se possa esperar que, em geral, o tipo mais apto seja nitidamente
predominante, muita variação genética ainda restará na espécie. Isto pode ser devido ao
tempo necessário para a seleção natural agir após as modificações ambientais no tempo ou
no espaço; os processos de seleção natural são extremamente lentos, considerando-se a
expectativa de vida humana (processos de seleção natural são estimados em milhares ou
milhões de anos, dependendo da espécie considerada).
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g) Finalmente, a heterogeneidade da seleção natural agindo em uma espécie


poderá ser tão
marcante que con-
duza à formação
de novas espécies.
A Figura 1
apresenta um re-
sumo dos princi-
pais fatores evolu-
tivos.
Para
terminar esses
Princípios de

Evolução, cabe notar que os processo acima citados ocorrem Figura 1 – Esquema dos
em ambientes naturais, sem a interferência humana, daí o principais fatores evolutivos.

nome de Seleção Natural. Ao longo de sua história evolutiva, o Homem procurou (e ainda
procura) modificar as características naturais das espécies para benefício próprio. Nesse
contexto diz-se que as espécies modificadas pelo Homem sofreram um processo de Seleção
Artificial. O termo "artificial" é empregado pelo fato de as modificações ocorridas não
serem de influência ambiental, mas sim, direcionadas pelo Homem, a fim de que
atendessem às suas necessidades. Um dos melhores exemplos que podemos citar é o caso
do milho (Zea mays), que vem sendo modificado desde há mais de 10.000 anos a partir de
um capim selvagem, originário da América Central, denominado Teosinto (Zea mexicana).
Portanto, podemos dizer que o milho é resultado de um processo de Seleção Artificial.
De maneira análoga, os insetos que atacam as plantações são selecionados,
conseguindo superar as barreiras que o Homem coloca como, por exemplo, o uso de
inseticidas. Nesse caso, como o Homem provoca uma alteração ambiental (a aplicação de
inseticidas), as espécies de insetos-praga passam por um processo de Seleção Natural.

3. Surgimento dos Eucariotos


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Como já está bem estabelecido, os seres vivos podem ser divididos em dois grandes
grupos: os Procariotos e os Eucariotos. Os primeiros são organismos desprovidos de
núcleo, ou seja, o material genético (DNA e/ou RNA) encontram-se dispersos no interior da
célula, junto com o citoplasma; os segundos possuem uma membrana envolvendo a
estrutura denominada núcleo, em cujo interior encontra-se o material genético do
organismo. Representantes dos procariotos são as cianobactérias (anteriormente
denominadas algas azuis, ou cianofíceas) e as bactérias propriamente ditas; todos os outros
organismos são eucariotos, o que significa dizer que uma árvore, uma ameba, um fungo,
uma abelha, o ser humano, etc. todos têm a mesma origem evolutiva, isto é, descendem de
um mesmo ancestral eucarioto, segundo a Teoria da Evolução. Para se entender como esse
processo pode ter sido desencadeado, uma das teorias mais aceitas, atualmente, é a
denominada Teoria da Simbiose Seriada, desenvolvida pela cientista Lynn Margulis, desde
a década de '70. Deve-se entender como simbiose o processo no qual dois organismos
vivem em "parceria" obrigatória, e é vantajoso para os dois permanecerem nessa "parceria",
uma vez que, separados, não conseguem sobreviver. Exemplos de simbiose podem ser
encontrados em vários organismos, e um dos exemplos mais conhecido é a simbiose entre
os animais ruminantes (por exemplo, um boi – Bos taurus) e alguns protozoários (por
exemplo, o gênero Ophryoscolex sp) que vivem em seu trato digestivo. Se forem
eliminados esses protozoários simbiontes, um ruminante morre de fome, mesmo estando
com o estômago cheio; da mesma forma, se esses protozoários simbiontes forem retiradas
do trato digestivo de um ruminante, não conseguirão viver em outro local.
É importante fazer um breve relato de como o processo da Simbiose Seriada pode
ter se desenvolvido, para a melhor compreensão de alguns processos evolutivos e, também,
termos conhecimento de algumas organelas celulares que serão apresentadas nos diversos
organismos a serem vistos ao longo dessa disciplina.
A premissa da Teoria da Simbiose Seriada é a de que os eucariotos surgiram através
de íntimas relações de simbiose entre vários organismos procariotos. Diferente das células
procariotas, todas as células eucariotas contêm vários tipos de organelas delimitadas por
membranas, com distintos conjuntos gênicos. Três classes de organelas (mitocôndrias,
cílios ou flagelos, e plastídios fotossintéticos – exemplo são os cloroplastos) foram
supostamente procariotos de vida livre que foram "adquiridos" simbioticamente, e em uma
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certa sequência, por outro procarioto (o "hospedeiro"). A Teoria da Simbiose Seriada


sugere que um procarioto heterótrofo (incapaz de produzir seu próprio alimento) ingeriu
outro (precursor de uma mitocôndria) e, quase ao mesmo tempo, iniciou a formação de um
núcleo organizado. Subsequentemente, essa nova célula estabeleceu outra simbiose com
outra célula procariota, semelhante a uma espiroqueta ou bactéria espiroplásmica (isto é,
um organismo em forma alongada e cilíndrica) anexada à superfície externa. Tal bactéria
conteria microtúbulos de proteína, capazes de algo similar ao batimento flagelar,
proporcionando movimento; surgiria, assim, o primeiro organismo "zooflagelado".
Eventualmente um procarioto fotossintetizante (autótrofo – capaz de produzir seu próprio
alimento) pode ter sido "engolido" por esse "novo" zooflagelado (a "presa" representando o
precursor do cloroplasto) e dando origem a um novo organismo, um "fitoflagelado". A
Figura 2 apresenta um resumo dos principais eventos de transição, de uma condição
procariota para uma condição eucariota, com a formação dos "zooflagelados" e dos
"fitoflagelados" de acordo com a Teoria da Simbiose Seriada de Lynn Margulis. Ainda de
acordo com essa Teoria, os "zooflagelados" deram origem a todos os animais que existiram
(e os que ainda existem), e os "fitoflagelados" deram origem a todos os fitoflagelados e a
todas as plantas que existem (e que existiram).

Figura 2 – Resumo da Teoria da Simbiose Seriada, de Lynn Margulis.


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A partir do surgimento desses tipos de organismos, e através dos mecanismos de


Seleção Natural, ocorreram os processos evolutivos, que levaram à formação de milhões de
espécies existentes, e que podem, atualmente, serem agrupadas em cinco Reinos, de acordo
com o que está
apresentado na
Figura 3. Des-
ses cinco Rei-
nos, nossa dis-
ciplina irá
abordar parte
do Reino Pro-
tista, e parte
do Reino
Animalia.

Figura 3 – Atual classificação biológica, para cinco Reinos.

4. Reino Protista – Filo Protozoa


Os protozoários pertencem ao Reino Protista (considera-se, atualmente, cinco
Reinos: Protista – os protozoários; Monera – as cianobactérias e bactérias; Fungi – os
fungos e bolores; Plantae (ou Metaphyta) – as plantas superiores e Animalia (ou Metazoa) –
qualquer animal – vide Figura 3) e, dentro desse Reino, classifica-se o Filo Protozoa. O
tamanho dos protozoários é usualmente pequeno, variando de 2 a 250 μm, podendo chegar
a 16 mm (Porospora gigantea, um protozoário esporozoário). Estrutural e funcionalmente,
a célula única de um protozoário é mais complexa que a célula de um animal metazoário
(formado por várias células). Cada espécie vive em um hábitat úmido (água do mar, água
doce, salobra ou poluída, na terra, no solo ou em matéria orgânica em decomposição) e
muitos são de vida livre e de natação também livre, enquanto outros são sésseis (fixos);
podem viver sobre ou dentro de outros protistas, em plantas e em todos os tipos de animais,
inclusive o Homem. Existem representantes benéficos para o Homem (protozoários que
fazem a purificação de esgotos, por exemplo) e outros são parasitas causadores de doenças,
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como a malária, disenteria, etc. Um resumo sobre as relações parasitárias dos Protozoa com
o Homem será abordado mais adiante, na Tabela 1.
Como características gerais dos Protistas podem ser citadas:
• Pequenos, geralmente unicelulares, alguns em colônias de poucos a muitos
indivíduos semelhantes; simetria ausente, bilateral ou esférica.
• Forma da célula geralmente constante (oval, alongada, esférica, ou outra), variada
em algumas espécies e mudando com o ambiente ou idade em muitas outras.
• Núcleo distinto, único ou múltiplo; outras partes estruturais presentes, como as
organelas (Retículo Endoplasmático Rugoso, Retículo Endoplasmático Liso,
Complexo de Golgi, etc.); ausência de órgãos ou tecidos.
• Locomoção por flagelos, cílios, pseudópodos ou movimentos da própria célula.
Respiração por difusão.
• Algumas espécies com envoltórios protetores (ou tecas); muitas espécies produzem
cistos ou esporos resistentes para sobreviver a condições desfavoráveis e/ou para
dispersão.
• Modos de vida: livres, comensais, mutualistas ou parasitas.
• Nutrição variada: (a) holozóica, subsistindo de outros organismos (bactérias,
fermentos, algas, vários outros protozoários, etc.); (b) saprofítica, vivendo de
substâncias dissolvidas nos seus arredores; (c) saprozóica, subsistindo de matéria
orgânica morta; (d) holofítica (ou autotrófica), produzindo alimento pela
fotossíntese como as plantas. Alguns combinam dois desses métodos.
• Reprodução assexual por divisão binária, divisão múltipla ou brotamento, na
maioria; alguns com reprodução sexual pela fusão de gametas (conjugação – Classe
Ciliata).

4.1.
Subfilo
17

Sarcomastigophora – Classe Sarcodina


Dentro do Filo Protozoa classifica-se o Subfilo Sarcomastigophora, cujos
representantes locomovem-se por pseudópodos e possuem núcleo de um só tipo. Nesse
Subfilo ocorre a Classe Sarcodina, com pseudópodos para locomoção e captura de
alimento; a maioria é de vida livre, podendo ocorrer parasitas. Nessa Classe o representante
mais conhe-cido é a Amoeba pro-teus, que vive em água doce, e serve como introdução aos
Sarcodina. Os organismos da Classe Sarco-dina são, apa-rentemente, os de forma de vida
mais simples do Reino Protista, sendo uma célula independente, com núcleo e citoplasma,
mas com poucas organelas permanentes. A espécie A. proteus está representada na Figura
4.
Uma ameba de vida livre alimenta-se de pequenos protozoários, algas,
microartrópodos e mesmo de protoplasma morto. Para alimentar-se, a ameba emite seus
pseudópodos, tocando a partícula alimentar e envolvendo-a; finalmente essa partícula é
incorporada ao citoplasma, formando o vacúolo digestivo, como pode ser observado na
Figura 4. O processo de ingestão recebe o nome de fagocitose, e está representado na
Figura 5; a excreção ocorre de forma inversa ao processo de fagocitose, e recebe o nome
de exocitose Figura 4 – Esquema de Amoeba proteus mostrando os pseudópodos, vacúolos,
núcleo e outras estruturas. As setas indicam a direção do fluxo citoplasmático durante
ou a locomoção.
clasmocitose.

Figura 5 – Processo de fagocitose e de exocitose em uma ameba, que está capturando um microcrustáceo. Os
passos considerados no sentido 1 ➔ 4 representam a fagocitose; os passos considerados no sentido 4 ➔ 1
representam a exocitose.

No caso dos Sarcodina, a formação de um Vacúolo Digestivo ocorre em qualquer


local da membrana, da mesma forma como o processo de exocitose também ocorre em
qualquer local da membrana. Nos Sarcodina de água doce ocorre a presença de um Vacúolo
Pulsátil ou Vacúolo Contrátil (Figura 4), que acumula água, para posterior eliminação.
18

Esse processo ocorre em virtude de a concentração de sais, no interior de um Sarcodina, ser


maior que a da água doce que o circunda (o meio é hipotônico, em relação ao citoplasma);
dessa forma a água entra por osmose, bem como através dos Vacúolos Digestivos. Em
Sarcodina de água salgada não ocorre a presença de vacúolos contráteis, porque o meio que
circunda um Sarcodina de água salgada possui uma concentração de sais semelhante à do
interior da célula (o meio é isotônico, em relação ao citoplasma).
Dessa forma é de se esperar que, se colocarmos um Sarcodina de água salgada em
um meio de água doce, ele irá morrer por "explosão", uma vez que não possui mecanismos
que eliminem o excesso de água de seu interior. A água, então, irá entrar até que provoque
o rompimento da membrana celular, uma vez que o Sarcodina de água salgada não tem
como expulsar esse excesso de água, ou seja, não possui um vacúolo contrátil.
Em termos de reprodução, quando a ameba atinge um certo tamanho ela se reproduz
por fissão binária, ou seja, um indivíduo dá origem a dois novos indivíduos, com o núcleo
dividindo-se por mitose (Figura 6).

Figura 6 – Processo de fissão (ou divisão) binária, que ocorre em Sarcodina, onde um único indivíduo resulta
em dois novos indivíduos (sequência 1 ➔ 5). Note que o núcleo inicia a divisão primeiro, através do processo
de mitose (desenho 1).

A respiração dos Sarcodina é através da difusão do oxigênio da água através da


membrana plasmática; da mesma forma ocorre a eliminação do gás carbônico. O principal
elemento de excreção dos Sarcodina é a uréia, que também é eliminada por difusão, através
da membrana plasmática.
Na Classe Sarcodina existem representantes parasitas, como a Endamoeba sp que
parasita o intestino de baratas e cupins, e amebas do gênero Entamoeba. Nesse último
gênero, existem espécies que parasitam roedores (E. muris), aves (E. gallinarum), répteis
(E. ivadens) e outros organismos, inclusive o Homem (E. coli, no intestino, e E. gingivalis,
na boca); nesses exemplos, não há ocorrência de doenças associadas a esses parasitas. No
entanto, E. histolytica é um parasita do intestino humano, que provoca uma doença
conhecida como disenteria amebiana ou também chamada de amebíase, que forma
19

abscessos que se rompem e descarregam sangue e muco no intestino, causando fezes


líquidas e diarréia. A forma de contaminação é através de contaminação fecal da água
potável (por defecação direta e/ou por contaminação dos corpos hídricos – o protozoário é
conduzido a um corpo hídrico pela enxurrada e/ou por proximidade de fossas com cisternas
de captação de água) e/ou de vegetais crus (por irrigação ou mesmo contaminação direta
por fezes), e/ou contaminação por pessoas infectadas e descuidadas que manuseiam os
alimentos, sem a devida higiene das mãos. A E. histolytica pode passar pela fase de cisto
(uma espécie de "casulo"), que é uma forma de resistência quando as condições ambientais
encontram-se desfavoráveis; um desses cistos pode contaminar um indivíduo, quando
ingerido nas condições acima mencionadas. As medidas de controle são o saneamento
básico, higiene pessoal e o tratamento dos doentes. O ciclo de vida da E. histolytica pode
ser observado na Figura 7.
Do exposto no parágrafo anterior, percebe-se a importância, na prática agrícola, do
cuidado com a água que se utiliza para irrigação.
A contaminação por Entamoeba histolytica é um caso clássico de falta de
saneamento adequado, situação que pode ser facilmente evitada mas, infelizmente, ainda é
muito comum na zona rural de nosso país.
20

Figura 7 – Ciclo de vida da Entamoeba histolytica.

4.2. Subfilo Sarcomastigophora – Classe Mastigophora


São conhecidos como os protozoários flagelados, ou seja, possuem um ou poucos
filamentos longos – denominados flagelos – em algum ou em todos os estágios do
desenvolvimento, e esses flagelos são responsáveis pela locomoção e também pela
alimentação; podem atuar também como receptores sensitivos. O corpo celular é
usualmente de forma definida – oval, longa ou esférica – coberto por uma película firme.
21

Muitas espécies contêm plastídios com


pigmentos coloridos; aqueles com
clorofila podem sintetizar alimento com o
auxílio da luz solar e são, frequentemente,
classificados como plantas (por exemplo,
a Euglena sp). Muitos flagelados são de
vida livre e solitários, outros são sésseis e
alguns formam colônias de poucos até
milhares de indivíduos. Abundam em
água doce e salgada onde, junto com as
algas diatomáceas, fornecem grande parte
do suprimento de alimento para animais
aquáticos diminutos. Diversas espécies Figura 8 – Divisão binária longitudinal em Euglena
habitam o solo e muitos outros são viridis. Note como o núcleo entra em mitose e se
divide, juntamente com o flagelo (sequência 1 a 5),
parasitas do Homem e de todos os outros antes que a divisão corporal se complete (sequência
6 a 8). É um processo semelhante ao que ocorre
tipos de animais, alguns podendo causar para os Sarcodina, em sua divisão binária.

moléstias de grande importância. A reprodução é usualmente assexuada, por divisão binária


longitudinal (Figura 8), e há reprodução sexual em pelo menos dois grupos (exemplo de
um desses grupos é o Volvox globator).
Alguns Sarcodina também possuem flagelos, e certos Mastigophora têm estágios
amebóides (Figura 9); assim essas duas classes são bem proximamente relacionadas e, por
isso, são colocadas no Subfilo Sarcomastigophora.
22

Dentro da Classe Mastigophora,


algumas Ordens são merecedoras de
especial atenção. Entre essas Ordens,
podemos citar a Ordem Euglenida
(exemplo: Euglena spp), a Ordem
Hypermastigida (exemplo:
Trichonympha spp), a Ordem
Diplomonadida (exemplo: Giardia spp),
a Ordem Trichomonadida (exemplo:
Trichomonas spp) e a Ordem
Kinetoplastida (exemplos: Leishmania
spp e Trypanosoma spp). Os principais representantes dessas Ordens são importantes
exemplos de processos evolutivos (Ordem Euglenida), de simbioses ocorrentes (Ordem
Hypermastigida) e alguns dos principais parasitas humanos (Ordens Diplomonadida,
Trichomonadida e Kinetoplastida).
A Ordem Euglenida é de especial atenção por ser constituída, provavelmente, por
representantes semelhantes aos primeiros fitoflagelados e, por ser objeto de extensivos
estudos, revelando as principais estruturas representativas de processos evolutivos, como os
já relatados pela Teoria da Simbiose Seriada, de Lynn Margulis.
Como exemplo geral dos Mastigophora, veremos as estruturas básicas de uma
Euglena, que são mostradas na Figura 10. Podem ser vistos os cloroplastos, responsáveis
pela fotossíntese, o estigma, responsável pela detecção
Figura 9 – Mastigamoeba, um
de luminosidade (sem formar imagem – aquisição flagelado com pseudópodos.

evolutiva,
uma vez
que, se a
Euglena é
capaz de
realizar

Figura 10 – Esquema de uma Euglena.


23

fotossíntese, é de se esperar que seja capaz de detectar lumi-nosidade, necessária para a fo-
tossínte-se), e os grânulos de paramilo (carboidrato semelhante ao amido), que são
estruturas de reserva alimentar. Como é um organismo de água doce, possui também um
vacúolo pulsátil, com as mesmas funções que esse exerce nos Sarcodina. No caso da
Euglena, no entanto, o vacúolo pulsátil tem um local fixo para a expulsão da água, que é o
reservatório, localizado na região anterior, onde se localizam, também, os corpúsculos
basais, de onde se origina o flagelo. Uma vez liberada a água no reservatório, essa sai para
o exterior através de uma abertura denominada citóstoma, por onde também podem entrar
pequenas partículas, quando a Euglena se alimenta de material externo o que, para ela, não
é frequente de acontecer.
Outros Mastigophora são de importância biológica, exercendo a função de
simbiontes. Por exemplo, o gênero Trichonympha – Ordem Hypermastigida – (Figura
11) habita o interior do intestino de cupins, e é
responsável pela digestão da celulose de que os cupins se
alimentam. Se as Trichonympha forem retiradas do trato
digestivo de um cupim, mesmo com o intestino cheio esse
indivíduo irá morrer de fome, pois não terá como fazer a
digestão da celulose; é um caso semelhante ao já citado
anteriormente, para os ruminantes e seus simbiontes.
Por outro lado, vários Mastigophora são de
importância médica, uma vez que parasitam o Homem,
causando uma série de transtornos, particularmente em
zonas onde a rede sanitária é inadequada, como é o caso Figura 11 – Trichonympha, um
da Giardia lamblia – Ordem Mastigophora que habita o
intestino de cupins e se alimenta
Diplomonadida – (Figura 12). de partículas de madeira ingeridas
pelos cupins.
Além disso, outras doenças são
provocadas pelos Mastigophora com o auxílio de alguns vetores, dos
quais eles dependem para realizar o parasitismo, como é o caso do
Mastigophora Trypanosoma cruzi – Ordem Kinetoplastida. Em ambos
os casos, e em outros, ações de saneamento e qualidade de vida são
fundamentais para que essas doenças sejam evitadas.

Figura 12 – Giardia lamblia,


parasita do intestino humano,
causador da enteríase.
24

Na Ordem Kinetoplastida, os principais representantes são a Leishmania spp e o


Trypanosoma spp. Uma das principais características dessa Ordem é a presença de um
cinetoplasto, uma massa evidente de DNA, que se localiza no interior de uma mitocôndria
alongada, grande e única, situada próxima à base do flagelo.
Dentre os Mastigophora parasitas podemos citar os seguintes casos, sendo esses os
mais representativos para a saúde humana:
a) Giardíase (ou enteríase), causada pela Giardia lamblia – Ordem
Diplomonadida – (Figura 12), provoca colite, com dores intestinais, e diarréia. É contraída
pela ingestão de cistos eliminados com as fezes humanas, da mesma forma que a já descrita
para Entamoeba histolytica. Sua forma de controle é o saneamento básico e o tratamento
dos doentes.
b) Tricomoníase (ou cistite), causada pela
Trichomonas vaginalis – Ordem Trichomonadida –(Figura 13),
provoca vaginite (na mulher), uretrite (na mulher e no homem) e
corrimento (na mulher). No homem, dependendo do estágio da
doença, pode atingir a próstata causando, às vezes, esterilidade. A
contaminação se dá por relação sexual sem proteção (uso da
camisinha) e/ou por uso de toalhas e objetos úmidos contaminados.
A medida de controle é feita através da assepsia e tratamento dos
doentes.
Figura 13 – Trichomonas
Outro parasita do gênero Trichomonas é o T. vaginalis, parasita do trato
reprodutor humano, causador da
hominis, que provoca disenteria, alojando-se no intestino cistite.

humano; pode ser contraído da mesma maneira que E. histolytica e a G. lamblia. Também é
relatado o parasitismo por T. foetus, causando aborto em vacas, ao menos na América do
Norte.
c) Leishmaniose Tegumentar Americana (ou Úlcera de Bauru), causada pela
Leishmania brasiliensis –Ordem Kinetoplastida –(Figura 14), provoca ulcerações no rosto,
braços e pernas, levando à necrose de tecidos
conjuntivos. Também ocorrem outras espécies de
Leishmania, como: L. donovani, que provoca a
doença "kalazar" (ou leishmaniose visceral –

Figura 14 – Leishmania brasiliensis,


parasita da pele humana, causador da
Úlcera de Bauru.
25

provoca aumento do fígado, do rim, do baço e dos gânglios linfáticos, provocando febre e
debilitação geral; é, com frequência, fatal), ocorrendo na África Ocidental, Mesopotâmia,
Mediterrâneo, Índia, norte da China e no Brasil; L. tropica, que provoca a moléstia da pele
chamada "Botão do Oriente" (ulcerações
cutâneas), ocorrendo na Ásia, região
Mediterrânea e em partes da América do
Sul. A dispersão de leishmanias dá-se
por contato entre as pessoas infectadas
(contato de pele) e através de um
hospedeiro intermediário, que é a fêmea
de mosquitos do gênero Lutzomia sp
(conhecido como "mosquito-palha" ou
birigui); pode ocorrer transmissão
também pelas fêmeas de mosquitos do Figura 15 – Ciclo da Leishmania brasiliensis, no meio
natural.
gênero Phlebotomus sp; esses mosquitos
possuem a sua fase larval no meio aquático. A transmissão por esses vetores ocorre quando
essas fêmeas sugam o sangue de seus hospedeiros que são, nas Américas do Sul e Central,
roedores, cachorros-do-mato, preguiça, tamanduá e gambás, os mais comuns (Figura 15).
As medidas de controle são realizadas através do tratamento dos doentes, e pelo combate
aos mosquitos vetores. Também não se deve dormir em matas sem proteção adequada.
O combate aos mosquitos vetores é feito através da eliminação das larvas dos
mesmos, semelhante ao processo realizado para o combate à dengue e à febre amarela (o
mosquito vetor, nesses casos, são as fêmeas do Aedes aegyptii e essas doenças – dengue e
febre amarela – são provocadas por vírus), ou seja, deve-se eliminar fontes de águas
paradas (objetos que empoçam água) ou estagnadas (lagoas sem circulação), e a utilização
de telas nas portas e janelas, bem como mosquiteiros nas camas. Também pode ser feito o
envenenamento da água onde vivem as larvas dos mosquitos e o combate direto aos
mosquitos adultos, usando inseticidas.
d) Tripanossomíase (ou Doença de Chagas), causada pelo Trypanosoma
cruzi (Figura 16), provoca miocardite e lesões na musculatura do esôfago, podendo atingir
a tireóide e outros órgãos. A doença é, atualmente, incurável e mortal, sendo endêmica
26

(comum) em países tropicais, como o


Brasil. A transmissão da Doença de
Chagas é feita através de um inseto
hematófago, do gênero Triatoma
(conhecido como "barbeiro" ou
"chupança") (Figura 17).
Em casos excepcionais de
contaminação, esta pode ocorrer por
transmissão congênita, transfusão de
sangue e derivados, transplante de
órgãos e por via digestiva (ingestão
do próprio triatomídeo e/ou ingestão
de alimentos contaminados pelas
fezes do barbeiro – recentemente,
tivemos vários desses casos em Santa
Figura 16 – Trypanosoma cruzi, parasita humano,
causador da Doença de Chagas. Catarina, envolvendo a ingestão de

caldo-de-cana contaminado).
Os insetos transmissores da
Doença de Chagas podem ser do gênero
Triatoma (as espécies T. infestans e T.
sordida), como também das espécies
Panstrongylus megistus e Rhodnius
prolixus; no entanto, o mais comum é o
T. infestans. Esses insetos vivem, de
preferência, nas casas de "pau-a-pique"
(ou "casas de sapé") onde as paredes,
não sendo rebocadas, deixam inúmeras
frestas que servem para seus
esconderijos. Podem também ser
Figura 17 – Triatoma sordida, um dos agentes
encontrados, com menos frequência, em vetores da doença de Chagas.
27

casas de madeira e mesmo de tijolos, em galinheiros, estábulos e chiqueiros, sendo insetos


noturnos. Machos e fêmeas, durante a noite, procuram sugar sangue das partes descobertas
do corpo, principalmente o rosto, daí o nome de "barbeiro". Sua picada é indolor e a sucção
de sangue dura de 10 a 15 minutos. Quando esses insetos sugam sangue, o fazem até se
acharem repletos e, então, defecam, eliminando com as fezes os protozoários causadores da
Doença de Chagas. A passagem desses para o sangue do Homem se processa através da
abertura na pele produzida pela picada, abertura para onde os protozoários são conduzidos
pela ação de coçar e/ou pela fricção das roupas. Também pode ocorrer contaminação se o
indivíduo levar a mão contaminada em contato com alguma mucosa (por exemplo, ao
esfregar os olhos). O
ciclo da Doença de
Chagas está
representado na
Figura 18.
As paredes das
casas, onde o
"barbeiro" se
encontra, quase
sempre se acham
manchadas de escuro,
pelas excreções
sanguíneas aí
depositadas pelo
inseto. A desova das
fêmeas se verifica nos locais
Figura 18 – Ciclo de vida do Trypanosoma cruzi.
onde elas se abrigam. As
formas jovens (ninfas) também são sugadoras de sangue e, portanto, capazes de transmitir
essa doença.
A espécie T. infestans é a principal transmissora da Doença de Chagas, pelo fato de
possuir maior densidade populacional e ser a espécie mais comumente encontrada nas
28

habitações humanas; as outras são menos domiciliares e mais encontradas em galinheiros,


estábulos, etc.
A forma de controle da Doença de Chagas deve ser feita pela eliminação do vetor,
através de dedetização, ausência de casas de sapé e construção de casas de alvenaria (com
reboco íntegro); também se aconselha o uso de telas em portas e janelas, e mosquiteiros nas
camas durante o período noturno.
e) Vale a pena mencionar que duas outras espécies de Trypanosoma, o T.
gambiensis e o T. rhodesiense, são os agentes causadores de dois tipos da Doença do Sono,
que ocorre em humanos, apenas (até o momento) na África: ambas provocam lesões
meningoencefálicas, a primeira resultando em uma morte lenta, enquanto que a segunda
mata em poucas semanas. Ambas as formas da Doença do Sono são transmitidas pelo
díptero (mosca) vetor do gênero Glossina, também conhecida como "mosca tsé-tsé".
Da mesma forma que a Doença de Chagas, a Doença do Sono não tem cura, e os
métodos de controle também são os mesmos empregados para a Doença de Chagas.

4.3. Subfilo Sporozoa


Os esporozoários são todos parasitas, e o corpo celular é arredondado ou alongado,
com um núcleo, e sem organelas locomotoras (lembre-se de que os Sarcodinas possuem
pseudópodos e os Mastigophora possuem flagelos) ou vacúolos pulsáteis (o provável
motivo é que, por serem parasitas, a concentração de sais entre o meio celular interno e o
meio celular externo seja equivalente – meio isotônico). O alimento é absorvido
diretamente do hospedeiro e a respiração e excreção são por difusão simples. A maioria dos
esporozoários multiplica-se rapidamente por divisão assexual múltipla, também chamada
de esquizogonia (um indivíduo dá origem a vários outros): a célula torna-se multinucleada
por mitoses repetidas, e então o citoplasma divide-se. Os merozoítos resultantes continuam
a disseminar o esporozoário através dos tecidos do hospedeiro. Depois de uma fase de
maturação, os merozoítos produzem macro e microgametas (gametócitos), que se unem no
hospedeiro definitivo (no esporozoário do gênero Plasmodium, é um mosquito do gênero
Anopheles), formando um zigoto. Em muitas espécies, os merozoítos produzem zigotos,
por um processo denominado esporogonia e, nesse estágio, os esporozoários são passados
29

de um indivíduo hospedeiro a outro, a partir do hospedeiro definitivo (hospedeiro onde


ocorre a reprodução sexuada).
Para ilustrar melhor o ciclo reprodutivo dos esporozoários, é apresentado o ciclo de
vida do Plasmodium vivax, um dos agentes causadores de malária no Homem (esse ciclo
está apresentado na Figura 19). O P. vivax penetra no corpo humano por meio da picada de
fêmeas infectadas, de mosquitos do gênero Anopheles, também conhecido como
"mosquito-prego", em função da posição assumida quando está sugando o sangue, como
mostrado na Figura 20 A (importante notar a diferença na postura de sugar o sangue
adotada pelas fêmeas de Anopheles e Culex spp – esse último é o vulgo “pernilongo”, um
dos potenciais transmissores da elefantíase, ou filariose –, para evitar confusão na
identificação dos adultos. Veja Figura 20 A e B, respectivamente). Na Figura 20 também
estão mostrados os diferentes tipos de larvas para os gêneros Anopheles e Culex (Figura 20
A e B, respectivamente).

Figura 19 – Ciclo vital de Plasmodium vivax, o parasita da malária terçã benigna no Homem, transmitido por
mosquitos anofelinos.

Assim que pica um indivíduo, o mosquito introduz nele, por intermédio da tromba,
a secreção salivar que contém uma substância anticoagulante e anestésica para impedir que,
durante a sucção, o sangue coagule, e o indivíduo perceba a picada, respectivamente.
30

Juntamente com a secreção salivar, entra no indivíduo picado o Plasmodium, que cai na
corrente sanguínea e é levado para o fígado. As formas do Plasmodium que penetram pela
picada são chamadas esporozoítos. No fígado reproduzem-se assexuadamente,
transformando-se em trofozoítos, os quais abandonam esse órgão e invadem os glóbulos

Figura 20 – (A) Larvas


(LV) e adultos (AD) de
Anopheles; (B) Larvas e
adultos de Culex. Note a
posição de sugar o
sangue no Anopheles (A)
e no Culex (B). Também
ocorrem diferenças entre
as larvas: as de
Anopheles não possuem
sifão respiratório
alongado (A), enquanto
as de Culex possuem
sifão respiratório
alongado (B), alterando a
posição das larvas dentro
da água.

vermelhos do sangue. No interior dos glóbulos vermelhos, ocorre nova produção


assexuada, que faz com que estes estourem, liberando novas formas, chamadas merozoítos,
que podem invadir outros glóbulos.
Em alguns glóbulos, o Plasmodium sofre certas transformações que leva à formação
de gametócitos. Quando um mosquito picar o indivíduo doente, sugará os glóbulos que
contêm gametócitos, os quais, na parede do estômago do inseto, sofrerão diferenciação em
gametas, que posteriormente se fundirão. O zigoto resultante dessa reprodução sexuada
passa por uma série de transformações, até que finalmente são produzidos os esporozoítos,
que penetram na glândula salivar do mosquito e poderão infestar outros indivíduos
humanos. Um resumo do ciclo é apresentado na Figura 21.
31

Figura 21 – Esquema resumido do ciclo da malária.

A malária é uma doença que se caracteriza por produzir no indivíduo afetado febre
alta (em torno de 40 °C) em intervalos regulares de 48 em 48 (ou 72 em 72) horas, isto é, o
indivíduo apresenta temperatura normal e, de 48 em 48 (ou de 72 em 72) horas manifestam-
se calafrios e febres. A febre e o calafrio aparecem quando ocorre a liberação dos
merozoítos. Os glóbulos vermelhos arrebentam e os merozoítos são liberados; junto com os
merozoítos, saem dos glóbulos rompidos os produtos de secreção produzidos por eles, que
são tóxicos e causam a febre e o mal-estar típicos da malária. O gráfico indicativo do ciclo
de febre da malária é mostrado na Figura 22.

Figura 22 – Gráfico do período de febre, que ocorre em indivíduos com malária.

Outras espécies de Plasmodium também provocam a malária, tais como o P.


malariae e o P. falciparum, porém de intensidade e efeitos diferentes: P. vivax causa a
febre terçã benigna; P. malariae causa a febre quartã benigna e P. falciparum causa a febre
terçã maligna. Todos são transmitidos pelos mosquitos anofelinos, e apenas a malária
provocada por P. falciparum é fatal.
A forma de controle é através da eliminação do vetor (como para Phlebotomus) e
tratamento dos doentes, através de quinino e seus derivados. Deve-se notar, no entanto, que
32

uma vez que se contrai a malária não há forma de cura; o indivíduo será sempre portador de
malária e, se deixar de controlar a doença, voltará a apresentar os sintomas; por esse
motivo, um indivíduo que contraiu malária não pode ser um doador de sangue e, se for
picado por um Anopheles ainda não contaminado, poderá passar ao mosquito os gametas do
Plasmodium, fazendo desse mosquito um novo transmissor da doença.
Outro esporozoário parasita humano é o Toxoplasma gondii, que provoca a
toxoplasmose, doença que ataca os tecidos humanos e pode ser contraída através do contato
com fezes de animais (aves e mamíferos – nesse último caso, é comum ocorrer o contágio
pela urina do rato, particularmente em situações de inundações, onde a água, com a urina
do rato, entra em contato com a pele humana). Também pode ocorrer contágio através da
ingestão e/ou inalação dos esporos.
Os principais problemas causados são: cegueira, lesões fetais, lesões do sistema
nervoso central e morte (mais raramente). As formas de profilaxia podem ser o combate a
ratos, limpeza de fezes de animais (principalmente gatos), exames periódicos, etc.

4.4. Subfilo Ciliophora – Classe Ciliata


Os Ciliata possuem cílios durante toda a vida, os quais servem para locomoção e
captura de alimento, função semelhante à observada para os pseudópodos nos Sarcodina e
flagelos nos Mastigophora. Embaixo da película externa existe um sistema complexo de
grânulos basais e de fibrilas, universalmente presente, para o funcionamento dos cílios da
superfície. Os cílios diferenciam-se dos flagelos por serem mais numerosos e, em relação
ao corpo do protozoário, serem de tamanho pequeno; no entanto, como visto na origem dos
eucariotos (Teoria da Simbiose Seriada, de Lynn Margulis), a origem dos flagelos e dos
cílios é a mesma.
Cada espécie possui forma constante e característica e todos apresentam núcleos de
dois tipos: um (ou mais) macronúcleo grande, relacionado com as funções vegetativas ou
de rotina (respiração, locomoção, digestão, etc.) e um (ou mais) micronúcleo pequeno,
relacionado com a reprodução. Os ciliados são os protozoários mais especializados, por
terem várias organelas para realizar processos vitais particulares. Isto resulta de uma
divisão de trabalho entre as partes do organismo, análoga àquela entre os sistemas de
órgãos de um animal multicelular.
33

Muitos dos ciliados são de vida livre (Exemplo: Didinium sp, em água doce –
Figura 23), alguns são comensais ou parasitas de outros animais (Exemplo: Epidinium
ecaudatum, no trato digestivo do gado – Figura 24) e
alguns são sésseis (Exemplo: Stentor sp, em água doce –
Figura 25). Os ciliados podem habitar vários ambientes,
incluindo água salgada, salobra, solo, etc.. Entre os
ciliados mais conhecidos encontra-se o do gênero
Figura 23 – Didinium sp, um
ciliado predador de Paramecium sp. Paramecium, em particular as espécies P. aurelia e P.
caudatum (Figura 26), que habitam locais de água doce
que contenham alguma vegetação em decomposição.

Figura 24 – Epidinium ecaudatum, um ciliado simbionte do trato digestivo do gado.

Figura 25 – Stentor polymorphus, um ciliado séssil de água doce.


34

Figura 26 – Estruturas do Paramecium caudatum.

Como exemplo de ocorrência e função das principais estruturas encontradas nos


Ciliophora, apresentadas a seguir, é usado o P. caudatum (Figura 26) como exemplo.
Da extremidade anterior um sulco oral raso estende-se diagonalmente para trás, até
cerca da metade da superfície oral, e contém o citóstoma (“boca celular”) na sua
extremidade posterior. O citóstoma abre-se em uma citofaringe curta e tubular, terminando
no interior do citoplasma. Na citofaringe os cílios são fundidos para formar duas faixas
densas longitudinais, o penículo. Os batimentos ciliares impulsionam uma corrente de água,
que leva o alimento (bactérias, pequenos protozoários, algas, etc.) para o sulco oral, na
direção do citóstoma, entrando na citofaringe; no final da citofaringe o alimento é reunido
em um vacúolo digestivo em formação, que passa a circular no citoplasma (veja as setas no
interior da Figura 26), realizando a digestão e distribuição do alimento ingerido. Diferente
do que ocorre nos Sarcodina, o local de formação dos vacúolos digestivos é fixo. Após a
completa digestão do alimento, o vacúolo digestivo abre-se para o exterior, logo atrás da
citofaringe, em um local específico denominado citopígeo (ou citoprocto) – o “ânus”
celular. Esse local de excreção, ao contrário do que ocorre nos Sarcodina, é fixo. O
processo de digestão ocorre simultaneamente em vários vacúolos digestivos, em diferentes
estágios de formação, no interior do citoplasma.
No caso do Paramecium ocorre a presença de dois vacúolos pulsáteis, também
responsáveis pela regulação osmótica, ligados a canais radiais que convergem na direção de
cada vacúolo, e nele descarregam. Novamente, diferente do que ocorre nos Sarcodina, os
vacúolos pulsáteis são fixos.
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A função dos canais radiais parece ser a de drenar o excesso de líquido para os
vacúolos pulsáteis que descarregam o produto da excreção através, provavelmente, de um
poro. A respiração ocorre como nos Sarcodina, ou seja, a troca gasosa (entrada de O 2 e
saída de CO 2 ) ocorre por difusão com o meio exterior.
A reprodução de um paramécio pode ser um pouco diferente da que ocorre para os
Sarcodina e para os Mastigophora: ela pode ser por divisão binária (semelhante ao que
ocorre para as duas Classes anteriores), com o micronúcleo dividindo-se por mitose e o
macronúcleo simplesmente crescendo e dividindo-se (Figura 27).

Figura 27 – Divisão binária em Paramecium sp.

Entretanto, a divisão de um paramécio, bem como de outros ciliados, também pode


ocorrer por um processo denominado conjugação. Nesse processo ocorre, periodicamente, a
junção temporária de dois indivíduos, com troca mútua de materiais micronucleares. A
conjugação envolve diversas etapas de divisões dos micronúcleos e macronúcleo, através
de mitoses e meioses. A conjugação difere da união sexual de gametas em Metazoa
(Animalia) porque a progênie não é um produto direto da fusão: depois da conjugação cada
indivíduo continua uma divisão assexual. O resultado líquido, contudo, assemelha-se à
fusão de gametas, uma vez que possibilita a transferência hereditária, pois os dois
conjugantes são geneticamente modificados pela troca de material micronuclear
(cromossomos). O processo de conjugação está ilustrado, de forma resumida e esquemática,
na Figura 28.
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Figura 28 – Processo de conjugação em Paramecium sp.

Dentre os Ciliata, apenas uma espécie pode ser parasita humano, ocorrendo com
maior frequência no intestino de porcos: é o Balantidium coli (Figura 29), adquirido
provavelmente por cistos levados à boca pelas mãos e/ou pelo
alimento, semelhante ao que já foi relatado para alguns parasitas
da Classe Sarcodina. O B. coli pode provocar úlceras na parede
estomacal e, mais frequentemente, na parede do intestino. A forma
de cura é através do tratamento dos doentes, assepsia e saneamento
básico.
Apresentamos, a seguir, uma Tabela (Tabela 1) com as
principais doenças provocadas pelos protozoários no ser humano.
Nessa tabela também estão contidas informações básicas sobre Figura 29 – Um ciliado do
gênero Balantidium.
as diversas patologias e as respectivas formas de tratamento.
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Tabela 1 – Principais protozoários causadores de doenças humanas.


MEDIDAS DE
ESPÉCIE CLASSE DOENÇA SINTOMAS TRANSMISSÃO CONTROLE
Ulcerações Ingestão de cistos e- Saneamento bási-
Entamoeba Sarcodina Amebíase intestinais, di- liminados com as fe- co e tratamento
histolytica arréia, enfra- zes humanas. dos doentes.
quecimento.
Eliminação do
Miocardite, le- Fezes do inseto Tria- vetor por dede-
Trypanosoma Mastigophora Doença de sões da muscu- toma sp (barbeiro), tização, ausência
cruzi Chagas latura do esô- através de lesões na de casas de sapé
fago. pele. e construção de
casas de alvena-
ria..
Picada da mosca do
Trypanosoma Mastigophora Doença do sono Lesões menin- sono (tsé-tsé - Glos- Eliminação do
gambiensis goencefálicas. sina sp). Ocorre na vetor.
África.
Ulcerações no
Leishmania Mastigophora Leishmaniose rosto, braços e Picada do mosquito- Eliminação do
brasiliensis (úlcera de Bauru) pernas. Necrose palha (Phlebotomus vetor e tratamen-
de tecidos con- sp). to dos doentes.
juntivos.
Trichomonas Tricomoníase Vaginite, ure- Relação sexual ou Assepsia e trata-
vaginalis Mastigophora (Cistite) trite, corrimen- toalhas e objetos ú- mento dos doen-
to. midos contaminados. tes.
Colite, com do- Ingestão de cistos Saneamento bási-
Giardia lamblia Mastigophora Giardíase res intestinais. eliminados com as co e tratamento
Diarréia. fezes humanas. dos doentes.
Plasmodium Malária (febre Eliminação do
vivax; terçã benigna; Febres, anemia. Picada do mosquito- vetor e tratamen-
P. malariae; Sporozoa quartã benigna; Lesões no ba- prego (Anopheles to dos doentes
P. falciparum terçã maligna, ço, fígado e sp). (quinino e deri-
respectivamente). medula óssea. vados).
Contato com urina Saneamento bási-
Toxoplasma Sporozoa Toxoplasmose Lesões em teci- e/ou fezes de ani- co, assepsia e tra-
gondii dos internos. mais. tamento dos do-
entes.
Ingestão de cistos Saneamento bási-
Balantidium coli Ciliata Disenteria Dores intesti- eliminados com as co, e tratamento
nais e diarréia fezes humanas. Falta dos doentes.
de higiene.
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5. Protozoários e a Agricultura
O s protozoários relacionam-se com a agricultura, atualmente, sob dois enfoques: ou
tanto podem ser patógenos dos vegetais, como patógenos de algumas pragas agrícolas. No
primeiro caso, evidentemente, trazem prejuízo às plantações e cultivos; no último caso,
podem ser considerados como organismos úteis ao controle de certas pragas, atuando no
que se convencionou chamar de “controle biológico”.
No enfoque dado a essa apostila, de caráter eminentemente evolutivo/zoológico, não
nos deteremos nos aspectos de doenças e/ou controle biológico. Apenas daremos breves
exemplos sobre eventuais pragas e eventuais possibilidades de controle biológico. Apenas
como observação, cabe salientar que, aparentemente, nos dias de hoje, os principais
protozoários patógenos de plantas pertencem à Classe Mastigophora, Ordem
Kinetoplastida, gênero Phytomonas. Já os protozoários passíveis de exercerem controle
biológico parecem pertencer a várias outras Classes e Ordens.
Essas relações podem ser observadas na Tabela 2, mostrada a seguir.
Tabela 2 – Principais protozoários patógenos de plantas e de pragas agrícolas. No caso das pragas agrícolas, os protozoários
mencionados servem como agentes de controle biológico para as pragas das plantas.
GÊNERO /
TIPO DE AÇÃO CLASSE ORDEM HOSPEDEIRO SINTOMAS
ESPÉCIE
Variável, em função do
Coqueiro (Cocos nuc-
hospedeiro e da localização no
ifera); dendezeiro (Roys-
mesmo. Em palmáceas, verifi-
Fitopatógeno Phytomonas sp Mastigophora Kinetoplastida tonea regional); piaçava
ca-se a murcha, podridão do
(Attala funnifera); man-
broto apical, necrose das inflo-
dioca (Manihot sp), etc.
rescências e morte da planta.
Amarelecimento, queda das fo-
Phytomonas Cafeeiro (Coffea ara- lhas e morte da planta, após cer-
Fitopatógeno Mastigophora Kinetoplastida
leptorosorum bica). ca de três a doze meses do pri-
meiro sintoma.
Desenvolvimento retardado; de-
formação de apêndices; pupa-
Entomopatógeno Dobelllina sp Sarcodina Amoebida Dípteros
ção anormal; dificuldades de
movimento; falta de apetite, etc.
Desenvolvimento retardado; de-
Blastocrithidia formação de apêndices; pupa-
Entomopatógeno Mastigophora Kinetoplastida Diversos
sp ção anormal; dificuldades de
movimento; falta de apetite, etc.
Desenvolvimento retardado; de-
formação de apêndices; pupa-
Entomopatógeno Gregarina sp Telosporea Eugregarinida Diversos
ção anormal; dificuldades de
movimento; falta de apetite, etc.
Desenvolvimento retardado; de-
formação de apêndices; pupa-
Entomopatógeno Tetrahymena sp Ciliata Hymenostomatida Dípteros
ção anormal; dificuldades de
movimento; falta de apetite, etc.

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