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Texto 6:

RESENDE, Haroldo de. Notas sobre modernidade, pedagogia e infância a partir de


Michel Foucault. Dossiê. Educaçaõ Temática Digital, Campinas, v.12, n.1, p.242-
255,jul./dez. 2010.

Resende (2010) discute, em seu texto Notas sobre a modernidade, pedagogia e infância
a partir de Michel Foucault, a instauração do paradigma moderno sobre a infância, bem
como sua manutenção através dos aparelhos do Estado, operacionalizados graças ao
discurso pedagógico científico.

Remontando à construção da ideia de sujeito que surge no espaço lacunar limítrofe entre
aquele que é visto como objeto, mas que também vê o objeto e se vê, o sujeito
reivindica para si uma representação, na condição de indivíduo que trabalha, vive, fala,
existe, conhece e faz conhecer.

Instauradas as ciências humanas, diz Resende (2010), a racionalidade científica é alçada


ao status de saber verdadeiro e único competente para decidir e prescrever normas e
discursos. É nesse contexto que a pedagogia é forjada como ciência da educação e
captura a infância como objeto de estudo e política de conhecimento, objetivando a
produção de uma criança específica, de uma subjetividade infantil moderna que atenda
ao modelo social preconizado pela nova ordem econômica e cultural.

Soberana por suas credenciais científicas, obliterando quaisquer outros discursos, a


pedagogia assume a maquinaria escolar e engendra uma difusão de um modelo
educacional e disciplinar da infância em massa jamais visto. A obrigatoriedade escolar
se alastra e a vida sociocultural passa a ser marcada pelo tempo/modelo/ritmo escolar.

Quatro pilares sustentam o domínio do discurso pedagógico: a) a transformação da


criança em aluno e a generalização de uma relação pedagógica iniciada na infância; b) a
criação de estruturas curriculares e a organização do tempo-espaço escolar somado à
didática e escolarização em massa; c) a profissionalização dos professores, permitindo
normalização e controle estatal na disciplinarização e incorporação dos agentes sociais
da modernidade e d) a pedagogia moderna e seu discurso educacional científico como
promessa de transformação do indivíduo.

A escolarização em massa, assevera Resende (2010), feita aligeiradamente, viabilizou


práticas físicas e morais, discursivas e não-discursivas, sob a tutela de estrutura política
e gestão do Estado, com estatuto de cientificidade materializou a orientação de
indivíduos ou grupos – governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias,
dos doentes. Foram instituídas e legitimadas formas de sujeição política ou econômica e
modos de relação de poder próprios do ato de governar: procedimentos, táticas,
instituições, regras, disciplinas, prescrições, cálculos, estatísticas, legislações, normas -
tudo compondo arranjos de força com vistas à administração da população.

Resende (2010) explica que, para Foucault, a governabilidade - instituída pelos


mecanismos supracitados - permite exercer o poder sobre a população através da
principal forma de saber que é a economia política, além de ser uma linha de força que
favorece o desenvolvimento de aparelhos específicos e governo e uma série de saberes.
Transformando a criança em aluno, além de instaurar o poder pedagógico e produzir um
determinado modelo de infância, de sujeito/objeto-aluno, a escola também é um
laboratório da pedagogia, haja vista que o aparato disciplinar voltado para a criança
estabelece a comunicação com o resto da população, associando individualização e
totalização. assim, a dinamicidade das novas concepções e práticas são inventadas,
implementadas, aplicadas, testadas e produzidas construindo e mantendo as novas
tecnologias e a Modernidade.

A engrenagem escolar, assevera Resende (2010), conforma a infância e a formação de


uma pedagogia analítica, detalhista, científico-disciplinar se encarrega de transformar a
escola em um aparelho de aprender, hierarquizando fases de aprendizagem, ensino do
mais simples ao mais complexo, impondo tempo linear, útil, articulado, determinando
programas e exercícios, distribuindo atividades e séries escolares, fazendo intervenções
(corrigindo, castigando ou excluindo) e qualificando os indivíduos de acordo com os
seus desempenhos.

O tempo-espaço escolar é homogeneizado, vigiado, enfileirado, seriado, hierarquizado,


punido ou recompensado, normalizado e naturalizado. Manifesta a sujeição dos que são
tomados como objetos e a objetificação dos que se sujeitam.

Medidas e sanções são índices das relações de poder e de saber na escola. Como
aparelho de exame, a escola operacionaliza o ensino e compara todos com um. O exame
permite que os alunos troquem a passagem de um nível de conhecimento para outro,
contudo, permite um campo de conhecimento/fornece dados sobre eles que será
manipulado para ser usado sobre eles (escola como laboratório de pedagogia). A
infância assujeitada é objetivada.

Resende problematiza a infância inventada por essa pedagogia e suas práticas


educativas sob uma concepção do infantil atemporal, ingênua e sem voz, parametrada e
parâmetro de políticas e recursos vários; concepção naturalizada, não histórica,
questionável, cuja noção sobre o sujeito infantil generalizado nega e exclui as várias
infâncias e oblitera o próprio discurso infantil sobre o que é ser criança.

A proposta é dar voz à criança como política de infância. Ver e ouvir seus jogos e suas
demandas, incluir e se abrir pra o desassossego que a infância, apesar de subjugada,
provoca, resilientemente. Esse parece ser o desafio do século XXI, aponta Resende.

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