Você está na página 1de 3

A subjetividade naturalizada e os processos de subjetivação: questões

epistemológicas e históricas

O autor inicia o capítulo contextualizando o surgimento da psicologia no século XIX,


quando os psicólogos inicialmente buscavam aplicar à disciplina os mesmos métodos
rigorosos das ciências naturais, como física, química e biologia. Isso significava tratar a
psicologia como uma ciência que explicaria o comportamento humano com base em leis
naturais e fórmulas matemáticas, buscando uma abordagem naturalista e objetiva. Faz
uma análise histórica da evolução do pensamento na psicologia, destacando a mudança
de paradigma que tem ocorrido nos últimos anos, na qual a subjetividade é vista como
um processo dinâmico e em constante evolução, em contraposição à abordagem
naturalizada do passado. Além disso, ele traz à tona questões importantes sobre a
cientificidade da psicologia, contribuindo para um debate contínuo sobre o papel e a
natureza da disciplina.

O poder disciplinar e a emergência da psicologia científica


A perspectiva de Michel Foucault, apresentada em sua obra "Vigiar e Punir," traça um
intrigante quadro da origem da psicologia científica e sua ligação com o surgimento de
práticas disciplinares nos séculos XVIII e XIX. O autor argumenta que a psicologia
como disciplina científica está intrinsicamente relacionada ao advento de técnicas de
controle social e vigilância, que substituíram gradualmente o poder repressivo do
Antigo Regime.
Foucault argumenta que para manter a eficácia das instituições disciplinares, basta
trancar um escolar, um doente, um delinquente ou um operário em uma cela, induzindo
a sensação de serem constantemente observados, mesmo que a observação seja
intermitente. Além disso, o poder disciplinar utiliza sanções normalizadoras, com
normas estabelecidas por programas ou regulamentos a serem cumpridos pelos
indivíduos. Os desvios são avaliados em relação às metas estabelecidas, e o exame
desempenha um papel fundamental na comparação, hierarquização e correção dos
desviantes.

O exercício do exame resulta na criação de extensos arquivos detalhados sobre os


indivíduos, seja em hospitais, onde os doentes são monitorados, ou em escolas, onde as
aptidões dos alunos são caracterizadas e classificadas. Assim, o exame contribui para a
produção de informações que permitem a análise e o controle dos indivíduos.

Foucault situa o nascimento da psicologia dentro desse contexto das práticas


disciplinares emergentes. A disciplina cria a necessidade de estudar, analisar e treinar o
indivíduo, buscando sua normalização. Portanto, a psicologia surge como um campo de
estudo encarregado de descrever e analisar o comportamento humano e de treiná-lo para
se conformar às normas estabelecidas. Foi o surgimento dessas práticas disciplinares
que criou o terreno fértil para o desenvolvimento das ciências humanas, com a
psicologia ocupando um lugar central nesse processo.
A subjetividade naturalizada

O texto faz uma análise crítica das diferentes abordagens da subjetividade na história da
psicologia, destacando como muitas delas tendem a naturalizar o sujeito, enquanto
outras buscam desnaturalizar e considerar a subjetividade como um processo em
constante transformação.
A subjetividade naturalizada se refere a uma abordagem que considera o sujeito como
uma entidade com uma essência biológica ou psicológica predefinida, tratando-o como
algo substancial e já constituído. Isso implica em tentar objetivar o sujeito, identificando
processos psíquicos, sentimentos, pensamentos, etc., como se fossem dados universais.

O texto examina várias correntes da psicologia que adotaram essa visão naturalizada da
subjetividade ao longo da história, incluindo as teorias de Wilhelm Wundt, Edward
Titchener, a Psicologia da Gestalt, o funcionalismo, Jean Piaget e Sigmund Freud.

No caso de Wundt, ele buscava objetivar a subjetividade por meio de métodos


experimentais, considerando a consciência como uma estrutura complexa composta por
elementos. No entanto, ele logo percebeu as limitações dessa abordagem, uma vez que
diferentes sujeitos descreviam os mesmos elementos de maneiras distintas, o que o
levou a criar a psicologia dos povos.

Titchener, por sua vez, enfatizava a introspecção e o mecanismo de associação na


análise da mente, ainda mantendo a ideia de que a subjetividade podia ser objetivada.
Isso também levou a críticas por parte da Psicologia da Gestalt, que via a mente como
uma totalidade organizada e não como uma coleção de elementos independentes.

O funcionalismo, embora tenha uma visão mais ativa do sujeito, ainda o via como um
sistema biológico em constante adaptação ao ambiente, o que também levantava críticas
em relação à subordinação do indivíduo às regras sociais.

Jean Piaget, por sua vez, enfatizava a adaptação do sujeito ao meio por meio de
estruturas cognitivas universais, seguindo uma sequência de estágios predefinidos, o que
contribuía para a naturalização da subjetividade.

Sigmund Freud, com sua teoria do inconsciente, também concebia a subjetividade de


forma naturalizada, com o sujeito portador de desejos a serem descobertos pelo analista.

No entanto, o texto destaca que algumas correntes, como a psicanálise lacaniana, a


psicologia existencial-humanista, a teoria de Vygotsky, e outras correntes
contemporâneas, buscam desnaturalizar a subjetividade e concebê-la de maneira mais
processual, enfatizando que a subjetividade é uma construção em constante evolução e
que não pode ser reduzida a uma entidade com características fixas.
A desnaturalização da subjetividade e os processos de subjetivação

O autor argumenta que essa abordagem é uma consequência das práticas disciplinares
que moldaram o campo da psicologia e a necessidade de produzir conhecimento sobre o
ser humano.

A análise destaca que a subjetividade não é uma essência inata do ser humano, mas sim
uma construção histórica influenciada por mudanças sociais e culturais. A separação
entre os domínios do público e do privado, promovida pelo advento do capitalismo e da
ideologia liberal, desempenhou um papel fundamental na emergência do conceito de
subjetividade. Nesse contexto, a obra apresenta uma visão crítica das práticas
psicológicas que naturalizam a subjetividade e questiona se a psicologia está
descobrindo a verdade sobre o sujeito ou se está, na verdade, produzindo suas próprias
verdades subjetivas.

A obra também explora abordagens contemporâneas, como a psicologia existencial-


humanista e o construcionismo, que enfatizam a importância da liberdade,
responsabilidade e julgamento do sujeito na construção de sua subjetividade. Além
disso, destaca como a linguagem desempenha um papel fundamental na construção da
identidade e como a pós-modernidade desafia as concepções tradicionais da
continuidade e estabilidade do eu.

Você também pode gostar