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Brazilian Journal of Development 93252

ISSN: 2525-8761

A poesia infantil de Leo Cunha

Leo Cunha's Children's Poetry

DOI:10.34117/bjdv7n9-473

Recebimento dos originais: 07/08/2021


Aceitação para publicação: 27/09/2021

Jeovânia P. do Nascimento
Mestre em Filosofia pela UFPB, especialista em Educação Interdisciplinar pela UEPB,
e graduada em Filosofia e em Letras Língua Portuguesa pela UFPB
jeovaniapinheiro@yahoo.com.br

RESUMO
O presente artigo visa analisar a poesia infantil de Leo Cunha. Contudo, primeiro é
preciso saber quem é Leo Cunha, quais são as suas influências e, o que o levou à poesia
infantil e a juvenil. Portanto, faz-se necessário averiguar quais são as principais
influências exercidas sobre nosso autor, isto é, sua mãe, também escritora infantil, Maria
Antonieta Antunes Cunha, e as escritoras Sylvia Orthof e Maria Clara Machado, assim
como o fato de ser um herdeiro do Modernismo. Antes de irmos para sua obra,
analisaremos quais são os parâmetros que Maria da Glória Bordini utiliza, nas obras
Poesia Infantil (1991) e O jogo do livro infantil (1997), para definir se uma poesia infantil
é de qualidade. Tendo esclarecido quais as são as principais características que uma
poesia infantil deve ter, passamos a análise de alguns dos poemas de Leo Cunha, presentes
nas obras Cantigamente e Poemas Lambuzados, para podermos averiguar se seus poemas
se enquadram aos critérios por Bordini. E assim, alcançarmos a conclusão demonstrando
que há diversos elementos defendidos por Bordini que se encontram na poética de Cunha.
L ogo é notório que a sua poesia infantil é de qualidade.

Palavras-chave: Poesia, Poesia infantil, Política, Qualidade.

ABSTRACT
This article aims to analyze Leo Cunha's children's poetry. However, first it is necessary
to know who Leo Cunha is, what are his influences and what led him to poetry for children
and youth. Therefore, it is necessary to find out what are the main influences exerted on
our author, that is, his mother, also a children's writer, Maria Antonieta Antunes Cunha,
and the writers Sylvia Orthof and Maria Clara Machado, as well as the fact of being an
heir of Modernism. Before going to her work, we will analyze the parameters that Maria
da Glória Bordini uses, in the works Poesia Infantil (1991) and O Jogo do Livro infantil
(1997), to define whether a children's poetry is of quality. Having clarified which are the
main characteristics that a children's poetry must have, we analyze some of Leo Cunha's
poems, present in the works Cantigamente and Poemas Lambuzados, in order to verify if
his poems fit the criteria by Bordini. And so, we reach the conclusion demonstrating that
there are several elements defended by Bordini that are found in Cunha's poetics. Soon it
is well known that his children's poetry is of quality.

KEYWORDS: Poetry, Children's poetry, Policy, Quality.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p. 93252-93261 sep. 2021


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1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa analisar a poesia infantil de Leo Cunha. Contudo, primeiro
é preciso saber quem é ele? O que há neste autor? E, o que faz com que ele escreva? Quais
estilos de escreve? Qual deles entra como sendo aquele no qual mais se dedica?
Comecemos pelo seu nome, registrado como Leonardo Antunes Cunha, ele é escritor,
dramaturgo, compositor, produtor literário e professor universitário. Filho de Minas
Gerais, nasceu em Bocaiúva, em 05 de junho de 66, filho do médico Eunápio Antunes
Cunha e da professora universitária e escritora Maria Antonieta Antunes Cunha. Casado
desde 96 com a publicitária Valéria Ayres Magalhães, eles têm dois filhos: Sofia e André.
Sua formação acadêmica é em jornalismo, publicidade e propaganda pela PUC/MG, com
mestrado em ciência da informação e doutorado em artes ambos pela UFMG. Ainda é
professor na PUC/Minas e no UniBH, e editor do Jornal Laboratório Impressão.
Nesse ano de 2020 ele será o homenageado da Feira Literária de Oeiras/Piauí. Ele,
que já está com quase trinte anos de carreira, tendo mais de 60 livros publicados, entre
literatura infantil, juvenil, crônicas, contos, novela (adulta) e poesias, contudo sua escrita
é mais voltada para o público infantojuvenil.
Curiosamente, Cunha publicou pela primeira vez em 1993, isto é, após ter
ganhado dois grandes prêmios em 92, um no concurso de história infantis do Paraná,
outro no João de Barros. Portanto, sua trajetória foi inversa, primeiro foi premiado, depois
publicou. E isto provoca uma certa curiosidade, uma necessidade de tentar entender esse
caminho seguido por ele, uma resposta plausível para a questão é que, sendo filho de uma
grande escritora de literatura infantil, Maria Antonieta Antunes Cunha, o mesmo deve ter
passado pelo crivo de sua mãe antes de enviar as obras para os concursos, e também, deve
tê-lo ajudado a pensar e trabalhar continuamente com a lapidação da sua escrita.
Consequentemente, dando-lhe melhores condições de apresentar obras significantes nos
concursos, de modo que o mesmo foi premiado, e como ambos os concursos premiavam
com a publicação, então esta via seguida fica compreendida.
Sabemos que sua mãe teve importância nesse processo de formação, lhe dando
todo um aparato literário, abrangendo a sensibilização, a aproximação com a linguagem
da literatura infantil, o encantamento por tal forma de escrita, o conhecimento sobre o
universo linguístico que permeia a literatura infantil. É nesse universo que ele cresce e se
forma homem e escritor, e é sobre o mesmo que ele mais detém sua poética. Contudo,
como ele mesmo afirma em uma entrevista no ‘Bela Entrevista’, ele também recebeu forte
influência da escritora infantil, Sylvia Orthof, e da escritora e dramaturga Maria Clara

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Machado, sendo esta última muito amiga da sua mãe. Outra coisa, significante em sua
criação, foi o fato dele ter crescido em uma livraria para crianças e adolescentes, que
pertencia a sua mãe, por conseguinte ele vai crescendo dentro de todo um multiuniverso
literário, lendo de tudo e encantando-se cada dia mais pela literatura, principalmente pela
literatura infantojuvenil.
Olhando e pensando estas questões podemos compreender melhor, tanto o
escritor, quanto esta via contrária que ele faz, de ser premiado primeiro e depois publicar,
quanto a qualidade do seu trabalho, as escolhas feitas por ele de seguir pela literatura
infantojuvenil. Por outro lado, foi naquela entrevista, citada anteriormente, que podemos
descobrir o porquê dele não escrever uma literatura moralista e/ou pedagógica, pois nesta
entrevista ele deixa-nos claro que não gosta da escrita moralista nem da pedagógica, nem
pra escrever nem para ler, e sabemos que esta forma de escrita é muito comum em grande
parte da literatura infantil, mas ele não a quer, ele quer as palavras que toquem o leitor,
que sensibilizem, quer à poética que habita nas entre linhas.
Além disto, lendo-o é possível perceber que ele é um herdeiro do modernismo
brasileiro, o que fica claro frente a presença da poesia concreta, da ironia, da introdução
do viés político em alguns dos seus poemas, a escolha por versos livres, normalmente
curtos, o uso de uma linguagem mais usual, como vemos em “O gagago”, todos esses
elementos nos mostram que o modernismo marcou a formação de leitor e de escritor de
Leo Cunha.

2 POESIA INFANTIL
O que faz com que uma poesia infantil seja ou não de qualidade? A professora
Bordini, em Poesia Infantil, faz uma análise do olhar que o adulto e a sociedade tem para
com a criança, historicamente, verificando como esse olhar se transforma, e como a
própria poesia infantil está interligada ao modo de se vê os infantis. Assim como, das
características que a poesia infantil possui, quais são os elementos comuns na construção
desta literatura, apontando defeitos e qualidades, e a linha tênue que leva certas
características a penderem para um ou outro lado da balança, a saber, da boa ou má poesia.
Desse modo, ela mostra a partir do seu ponto de vista o que uma poesia infantil carece ter
para que possa se considerada de qualidade.
Nesse caminho nos deparamos com o debate sobre a literatura infantil moralista e
pedagógica, há algo aqui relevante, é que ela não condena estas práticas. Ela apenas deixa
claro que é difícil, mas não impossível, se escrever uma poesia infantil com viés moralista

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ou pedagógico, e mesmo assim, manter a poética como o parâmetro central da poesia,


sem deixar que o pedagogismo nem o moralismo tenham supremacia sobre a poeticidade
do poema. O que ela crítica é que se use a poesia infantil com inversão de valores, isto é,
que o moralismo e o pedagogismo estejam em primeiro plano, sem se pensar na poética,
utilizando a poesia só como jogo de palavras apoéticas, com o fim de exprestar um bom
costume ou ensinar algo.
A poesia pode falar de tudo, inclusive se pode usá-la como Cecília Meireles faz
em O mosquito escreve, onde ela ensina a criança escrever o nome mosquito, mas o
pedagogismo não é o ponto central, a poética é, o mosquito, termina o poema indo
cumprir sua função de pipar, o poema é uma brincadeira, com a qual se consegui aprender.
E nesse momento não é condenável para Bordini o fim pedagógico no poema, o problema
que ela apresenta é: quando há fragilização da estrutura poética em detrimento de uma
poética moralizante e pedagogizante.
A ilógica presente na literatura infantil, também, é algo que a autora chama a
atenção, pois segundo ela, isto separa a criança da realidade, como se a criança não fosse
capaz de compreensão, como se tivesse de ser posta em uma bolha incapaz de enxergar o
mundo. No entanto, ela atenta para a questão da criança, enquanto o futuro adulto, isto é,
ela precisa ser posta frente a problemáticas reais, ao medo, à morte, à política, ao amor,
ela precisa ver o real desmistificado, ela precisa ser introduzida em uma poesia que a leve
a refletir sobre o mundo, para desse modo crescer com a capacidade de refletir, de se
tornar um humano ativo na sociedade.
Por isto, a poesia infantil carece seguir os mesmos padrões da poesia ‘adulta’ em
relação à capacidade de desautomatizar aquele que lê, para se cresça como um ser
pensante, precisamos educar nossas crianças a se indagarem, e a poesia produz isto, a
poesia infantil de qualidade leva à reflexão e à crítica. De acordo com o que defende
Bordini, podemos dizer que esse é o ponto central para o pensar a essência da poética
infantil: é a construção de uma poesia reflexiva, desautomatizante, crítica. Partindo desse
ponto de vista, a política que é parte da realidade, do mundo e de todos nós, seres sociais,
necessita ter seu lugar garantido na poesia infantil. Para que não deixemos alheios nossos
futuros adultos.
A poesia infantil contém em si jogos, aliterações, rimas, assonâncias, anáforas,
diversas figuras de linguagem, que atraem pela sonoridade e por sua função imagética,
contudo não pode ser só jogo de palavras, não pode se perder em palavras sem sentidos,
dentro de um poema ilógico, só com a função de cunho pedagógico, por exemplo. O jogo,

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as figuras de linguagem, a rima, a métrica, a imagética, tudo isto faz parte, o modo de
usar esses elementos, e a poética que pode ou não vir acompanhada dos mesmos, é o que
torna verdadeiramente um poema infantil de excelência. Além disto, é fundamental que
o poema condense em si múltiplos sentidos. Isto é o que nos ensina Bordini.

3 A POÉTICA DE LEO CUNHA


Dentre as obras de Leo Cunha escolhemos analisar alguns poemas dos livros:
Poemas lambuzados e Cantigamente. Comecemos, pelo primeiro poema de Poemas
lambuzados, que é um poema concreto, vejamos:

A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS


A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS
(CUNHA, Leo. Poemas Lambuzados. Ilustrações de Flávio Del Carlo. São
Paulo: Saraiva, 1999).

O que faz com que esse poema nos chame a atenção? 1. Ser um poema concreto
voltado para o público infantil, pois estamos acostumados a vermos a poesia concreta
dirigida à poesia ‘adulta’, portanto, isto já nos traz certo estranhamento; 2. a ilustração do
poema são vários olhos abertos, nem um dos olhos está fechado, e isto cria uma certa
contradição com o piscar de olhos, ou melhor dizendo, ajuda a construir uma leitura
diferenciada daquilo que está lá escrito ‘A POESIA SE FAZ NUM PISCAR DE OLHOS’;
3. o mesmo verso se repete por doze vezes, e novamente deixa o leitor a repensar a
afirmação do verso, pois se a poesia se faz num piscar de olhos e esses olhos estão
arregalados, e se repetem tanto, não deve ser tão assim, num piscar de olhos que a poesia
se faz; 4. o poema é todo escrito em caixa alta, deste modo distinguindo-se dos demais
poemas do livro, e auxiliando a ideia de que precisamos arregalar os olhos, as letras se
mostram arregaladas, quando estão em caixa alta. Todos esses elementos, a repetição do
verso, a caixa alta, a ilustração, a união de tudo isto promove um ato de reflexão,
desautomatiza o leitor, e o leva a pensar em como deve ser de fato o fazer poético, já que

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não deve ser assim ‘num piscar de olhos’, se os olhos estão arregalados, se o poeta reforça
com o uso da caixa alta e ainda fica ali repetindo aquele verso, isto promove a curiosidade
sobre o fazer poético. É assim, mexendo com os olhos e a mente do leitor que Cunha
inicia Poemas lambuzados.
Lendo suas obras percebemos que uma das suas características é brincar com o
lúdico, adentrando o universo infantil, o mundo de Bob que toda criança carrega consigo.
Tornando notório que a ludicidade é uma das marcas da poesia de Cunha, ao mesmo
tempo deixando sempre uma faísca de reflexão. Exemplo disso, é o jogo que encontramos
no poema ‘Escondeirijo’, presente no livro Poemas lambuzados, onde a letra que falta no
poema está escondida no nome do poema. Novamente provocando o leitor, já que se é
um esconderijo, e alguém escondeu a letra da datlógrafa, precisamos descobrir, ‘qual
letra foi escondida?’, ‘quem escondeu?’ e ‘onde escondeu?’. Ora, uma criança que está
começando a aprender as letras do alfabeto ao ouvir o poema, ela se incomoda, ela quer
saber, quem foi esse menino danado que escondeu a letrinha? Assim, provocando
encanto, incomodação, reflexão e auxiliando a construção do imaginário infantil, Cunha
vai tocando o leitor, fazendo com que ele siga para a próxima página, para ver o que vai
ter mais a frente.
Um outro elemento relevante na poesia infantil do nosso autor é a política, como
bem nos chama atenção Bordini, a política na poesia infantil é uma linha viável e válida
de se ser trabalhada, e que deve estar presente na poética infantil, pois a criança vive em
um mundo social e ele é reflexo de políticas constantemente, até a forma de se lidar com
as crianças envolvem questões políticas e sociais. Sendo assim, é justo que possamos
introduzi as problemáticas da política na poesia infantil, até para que os miúdos cresçam
com uma formação voltada para serem cidadãos conscientes. O que Cunha faz é pôr em
prática a teoria de Bordini, ao dar destaque à política em sua poesia infantil. Observemos
o poema ‘Barração’, presente na obra Cantigamente:

BARRACÃO
Todo dia,
com alguns quilos
de concreto
e abstrato,
eu me construo
frágil
pra eu me morar.
(CUNHA, Leo. Cantigamente. Ilustrações de Marilda Castanha & Nelson
Cruz. Rio de Janeiro : Ediouro, 2000).

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O nome do poema ‘Barração’ de cara nos remete imediatamente a ideia de um


barração, possivelmente em uma favela ou comunidade, entretanto o poema nos diz Todo
dia,/ com alguns quilos/ de concreto/ e abstrato,/ eu me construo/frágil/ pra eu me morar.
Ora, quem é capaz de se construir de concreto? E, todo dia? E, fazê-lo apenas com alguns
quilos de concreto? Isto, por si só, já é bastante provativo, ainda mais, quando no quarto
verso ele introduz o termo ‘abstrato’, pois quem constrói com concreto e abstrato? O que
se pode construir com o abstrato? Um prédio? Uma casa? Um barração? É que não pode
ser! Como é possível se construir frágil para morar em si mesmo?
O autor leva o leitor a pensar nos/as meninos/as de rua que por mais que busquem
um papelão, por exemplo, todos os dias eles terão de reconstruir um lugar frágil para
morar, e quando ele diz /pra eu me morar/ traz no verso uma solidão tão profunda, de
quem não tem lar, não tem com quem se acalentar, e é ele só, ali na rua que terá de se
construir, pra si morar. É normal vermos pessoas indigentes nas ruas, todavia quando
Cunha traz a memória da criança para aquele/a menino/a de rua que um dia ele viu
enquanto passeava com algum familiar, muito bem protegido e resguardado, ele provoca
o despertar de uma reflexão sobre a condição destas outras crianças, que não tem uma
casa de tijolo e cimento, capaz de protegê-la da chuva e dos perigos do mundo.
Esse é um poema extremamente profundo, capaz de suscitar a solidariedade
humana no leitor, a empatia pelo outro, pensar o lugar social e político das
pessoas/crianças na nossa sociedade. Claro que, a provocação se dá e de acordo com a
idade, a leitura e releitura do poema, em diversas fases da vida e em cada uma, uma nova
visão mais aprofundada do mesmo. Porém, o poema provocará até mesmo os/as mais
pequeninos/as, contrapondo a posição, comumente defendida pela sociedade, de que as
crianças não entendem determinadas coisas, e que portanto, não compreenderiam a
inserção do pensamento político na poesia infantil. Cunha prova na práxis que a política
na poesia e literatura infantil é possível, e que também é um meio para despertar a
construção de um cidadão ativo, reflexivo na sociedade, para que o mesmo seja capaz de
crescer pensando a realidade a sua volta. Ao mesmo tempo, mantendo a poética como o
cerne da poesia. Logo, a poética dele se coaduna com a teoria de Bordini, que defende e
mostra que é possível uma poesia política e de qualidade para crianças. Nós também
acreditamos que esta forma poética é viável e necessária para a construção de um
pensamento crítico para nossos rebentos.
Passemos para outros elementos que caracterizam a poesia infantil, como é o caso
da presença de trava-língua nesse tipo de poética, como nos aponta Bordini, esse é um

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elemento linguístico utilizado por todo aquele que produz poesia infantil. Sendo assim,
nosso autor não foge a regra, e também faz uso desse recurso linguístico, um exemplo em
sua obra é a poesia ‘Gagago’, presente na obra Poemas Lambuzados. Outro instrumento
linguístico comum na poesia infantil é a anáfora, que encontramos no poema ‘Castigo’,
da obra Cantigamente, vamos ao poema:

CASTIGO

Podem me prender no quarto,


eu saio pela janela.
Podem trancar a janela,
eu fujo pelo telefone.
Podem cortar o telefone,
eu pulo dentro de um livro.

Notemos que o poema é composto por seis versos, que trazem três ideias, pois
/Podem me prender no quarto,/eu saio pela janela./ é uma construção completa, todavia
o poeta além de usar o recurso da anáfora, ele escolhe enfatizar a contradição presente,
quando se reprime alguém e a pessoa se nega a ser reprimida. Para isto, ele deixa-nos
claro que por mais que se tente, ele não se renderá. Representando a resistência com a
repetição, para isto ele repeti o primeiro termo de cada verso /podem me prender… eu
saio/ podem trancar… eu fujo/ podem cortar…eu pulo.../. Anáfora aqui está presente para
o uso de um bem maior, é um recurso linguístico, mas é mais que isto, é usada para
exprimir determinação, luta, consciência, e uma resistência que não é gratuita, visto que
ele pula /dentro de um livro/. Por conseguinte, ele deixa claro que sua obstinação é pelo
conhecimento, pela liberdade, e ao mesmo tempo, promove o incentivo da leitura, do abrir
a mente para o ato de ler. Levando-nos a verificar que o poema é curto, simples e cheio
de significação, e abrilhantado pelos aparatos que a língua tem, portanto é um poema de
qualidade.
Sabemos que existem vários artifícios linguísticos para enriquecer o poema, como
este, a anáfora, ou a assonância, ou a alegoria, ou a simbologia, e outros mais, ainda assim
a construção de uma poesia infantil digna de ser considerada verdadeiramente uma poesia,
perpassa não só o uso dos variados recursos que a língua possibilita, como também, a
capacidade de desautomatizar o leitor e levá-lo a reflexão, a construção de ideias
presentes nas entre linhas, que motivam a crítica daquele que lê. Por conseguinte, é uma
construção complexa, que uni instrumentos da linguagem, poética, significação,
ressignificação e reflexão.

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4 CONCLUSÃO
Por fim, concluímos que várias das características defendidas por Bordini, para
identificar o que vem a ser uma poesia infantil de qualidade, se coadunam com a feitura
poética infantil de Leo Cunha. Tanto quando pensamos na questão da política, quanto na
concepção de uma poesia reflexiva e crítica, quanto na desautomatização presente em sua
poesia, quanto na condensação de múltiplos sentidos, assim como, no uso do jogo, das
dimensões sonoras e imagéticas, como anáfora, trava-língua, aliteração, assonância,
simbologia. Esta gama de elementos nos levam a concluir que a poesia infantil de Leo
Cunha está de acordo com a estrutura definida pela professora Bordini, do que vem a ser
uma poesia de qualidade. Além disto, a poesia dele ainda é enriquecidade pela presença
do concretismo e outros elementos do modernismo, como por exemplo, o verso curto e
livre.

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REFERÊNCIAS

BORDINI, Maria da Glória. Poesia Infantil. São Paulo: Editora Ática, 1991.

BORDINI, Maria da Glória. Política, criança e poesia infantil. In: PAULINO, Graça
(Org.). O jogo do livro infantil. Belo Horizonte: Editora Dimensão, 1997.

CUNHA, Leo. Poemas Lambuzados. Ilustrações de Flávio Del Carlo. São Paulo: Saraiva,
1999.

CUNHA, Leo. Cantigamente. Ilustrações de Marilda Castanha & Nelson Cruz. Rio de
Janeiro : Ediouro, 2000.

https://www.escritorleocunha.com/fortuna-critica. Acesso em: 25/01/2020.

http://dobrasdaleitura.blogspot.com/2014/12/duas-tres-quatro-linhas.html. Acesso em:


25/01/2020.

https://www.youtube.com/watch?time_continue=21&v=mYd8rC8yotg&feature=emb_l
ogo. Acesso em: 25/01/2020.

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