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Artigo de Revisão

O fechamento das escolas durante a pandemia do COVID - 19 e seus efeitos nas


habilidades de leitura de crianças do ensino básico.

School Closures during the COVID – 19 pandemic and its effects on students
reading skills.

Simone Rubio Lotti1, Priscila Brandi G. Godoy2, Eliane Correa Miotto3

Resumo

1
Aluno(a) do Curso de Neuropsicologia – Centro de Estudos de Neurologia Profº Dr. Antônio Branco
Lefèvre.
2
Orientadora do Curso de Formação em Neuropsicologia pelo Centro de Estudos de Neurologia da
Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
3
Coordenadora e Docente dos Cursos de Formação em Neuropsicologia e em Reabilitação
Neuropsicológica pelo Centro de Estudos de Neurologia da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital
das Clínicas da FMUSP.

CORRESPONDÊNCIA:
Alameda Topázio, 438 – Santana de Parnaíba/SP
CEP: 06540-235.
lottisr@gmail.com
INTRODUÇÃO: O fechamento das escolas durante a pandemia do COVID – 19 trouxe mudanças na
realidade de alunos e professores em contexto mundial. Diante dos diversos impactos sofridos pela
população, faz-se necessário investigar e entender os efeitos do isolamento social no desenvolvimento
acadêmico dos estudantes do ensino fundamental, principalmente dos alunos de anos iniciais. O presente
artigo tem como objetivo identificar na literatura estudos que relatem os impactos do isolamento no
desenvolvimento das habilidades de leitura em crianças do ensino fundamental. MÉTODO: Diferentes
bases de dados eletrônicas foram pesquisadas (PubMed, LILACS e Google Acadêmico) em busca de
artigos relacionados ao tema da revisão no período de 2020 e 2023. Palavras de busca foram combinadas
ao termo COVID – 19, sendo elas “Reading Fluency”, “Effect” e “Learning Loss”. Foram selecionados
três artigos que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão da pesquisa. RESULTADOS: O
isolamento social trouxe lacunas na aprendizagem de estudantes ao redor do mundo. Os resultados
mostram perdas significativamente maiores em alunos dos anos iniciais do ensino fundamental e alunos
advindos de lares com baixo nível socioeconômico e educacional. DISCUSSÃO: Diante dos dados
levantados neste estudo é possível notar que o fechamento das escolas está principalmente associado a
lacunas – e não perdas – na aquisição de conhecimentos. Com isso, pesquisas futuras são indispensáveis
para diagnosticar as defasagens deixadas pelo ensino remoto em todas as áreas de conhecimento entre
estudantes brasileiros, visto que no Brasil há um número limitado de pesquisas em relação ao tema.

PALAVRAS-CHAVE: COVID – 19, Reading Fluency, Effect e Learning Loss.

Abstract

INTRODUCTION: The school closures during the COVID – 19 pandemic brought changes to students
and teachers’ reality in the world context. In face of several damage suffered by world people, it is
necessary investigate and understand the effects of social isolation on students’ academic development,
especially those from initial grades. The present study has as objective identify on literature articles
reporting the reading impacts on elementary school students. METHODS: A variety of electronic data
bases were researched (PubMed, LILACS e Google Academics) in search of articles related to the theme
during 2020 and 2023. Keywords were combined with the term COVID – 19, such as: Reading Fluency,
“Effect” and Learning Loss. Four articles were chosen by research´s inclusion and exclusion criteria.
RESULTS: The social isolation brought students learning gaps around the world. Results have shown
losses significantly larger from initials grades and those coming from less educated and lower
socioeconomic status (SES). DISCUSSÃO: As from all data gathered during this search, it is possible to
notice that school closures are mainly associated with gaps - but not losses – in students elementary
school acquisition of knowledge. Therefore, further research is needed to assess lags of online classes in
all areas of knowledge among Brazilians students, since research about the theme are scanty.

KEYWORDS: COVID – 19; Reading fluency; Reading acquisition; Learning Loss.


Introdução

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) comunicou ao

mundo o início da pandemia pela infecção de um vírus altamente infeccioso - SARS-

CoV-2 (WHO- Geneva, 2020), cuja velocidade de transmissão pode variar de 1,6 a 4,1

(Read, JM. E. al., 2020). Diante da falta de vacina e tratamentos disponíveis, e a alta

infectividade do vírus, medidas preventivas foram adotadas ao redor do mundo na

tentativa de conter a disseminação do novo vírus e diminuir a quantidade de mortes em

decorrência das sequelas deixadas pela doença. No Brasil, os governos estaduais e

municipais optaram pelo fechamento das escolas e de negócios considerados não

essenciais. Deste modo, os profissionais passaram a exercer atividades em suas casas

(Malta, DC, et. al., 2020).

A aprendizagem é um processo em que o indivíduo se apropria de

conhecimentos a partir de suas experiências sociais (Tabile, AF, et. al., 2017). Sabe-se

que a aprendizagem no ambiente escolar é de suma importância para o desenvolvimento

integral da criança, visto os aspectos cognitivos e linguísticos para o ensino da

linguagem escrita, às relações sociais em que a criança está exposta e outros elementos

necessários no contexto escolar (Barbosa, A., et. al., 2021).

As consequências da mudança repentina no ensino escolar podem ir muito além

das barreiras de aquisição do conhecimento. Os efeitos podem refletir não só em

questões de aprendizado, mas questões de saúde alimentar e mental que pouco se sabe

ou se avaliou. Ansiedade, depressão, irritabilidade, desatenção, tédio e medo do

COVID-19 são os recentes problemas que predominaram em crianças durante a

pandemia. Crianças com problemas comportamentais pré-existentes como transtornos

do espectro autista e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade tem maior

probabilidade de piora de seus sintomas (Panda, PK. Et. al., 2020).


Professores relatam que as maiores dificuldades enfrentadas neste período de

lockdown foram receber feedback dos estudantes, tempo de atenção limitado, e falta de

disciplina no acompanhamento das aulas. Às desigualdades existentes no sistema

educacional brasileiro devem ser consideradas, uma vez que alunos de baixo nível

socioeconômico tiveram maiores dificuldades de acesso aos recursos tecnológicos

necessários para acompanhar às atividades (Mukhtar, K. et. al., 2020) e, consequente

maior impacto da suspensão das aulas presenciais em comparação com crianças de lares

com alta renda. Estes demostraram ter sofrido menor efeito no aprendizado pelo ensino

remoto porque tiveram menos dificuldade para dar continuidade ao processo de ensino

por vias digitais (Clark H. et. al., 2020).

Evidências científicas na literatura apontam prejuízos causados por períodos sem

estimulação na aprendizagem infantil. Um fenômeno conhecido como Summer

Learning Loss (SLL) é um exemplo de perda nas habilidades escolares durante o

período de férias acadêmicas, incluindo as habilidades de leitura quanto nas demais,

como matemática (Cooper H. et al., 1996). Dados de uma pesquisa realizada com

alunos de escolas do nordeste brasileiro revelam atraso de ao menos um ano no

desenvolvimento das habilidades de leitura e compreensão, sendo os alunos dos anos

iniciais os que apresentaram maior impacto do fechamento das escolas (Alves I. et. al.,

2023). Desta forma, há evidências claras da relação entre a ausência de estímulo e a

aprendizagem, onde as habilidades aprendidas tendem a mostrar prejuízos rapidamente

quando não há prática. Assim, alunos com menor nível prévio de proficiência sofrem

maior impacto (McCombs JS. et. al., 2011).

O processamento da leitura consiste em um processo de reconhecimento e

agrupamento continuado de unidades linguísticas que levam ao texto e a sua

compreensão. A leitura competente, então, dependerá da correlação entre decodificação


e compreensão (Pereira, VW et. al., 2019). Envolve ainda a memória de longo prazo,

para reunir os conhecimentos prévios; a de curto prazo para realizar as ações sucessivas

de leitura; e a memória de trabalho para garantir a junção dos elementos para a

compreensão do texto (Morais, 1996).

O presente estudo buscou pesquisas que avaliaram a fluência leitora de alunos do

ensino fundamental por considerar este um processo complexo, cujo aprendizado

depende de diversas condições para o êxito. Contudo, torna-se crucial ampliar as fontes

de estudos em busca dos prejuízos deixados pelo distanciamento social não apenas nas

habilidades de leitura, mas em outras esferas do aprendizado e da saúde emocional

destes alunos.

Método

A busca de artigos de pesquisas ocorreu em três etapas conforme a Figura 1.

Inicialmente definiu-se as bases de busca, o período de publicação e as palavras-chave.

Em seguida, estabeleceram-se critérios de inclusão dos estudos: a) artigo escrito em

língua inglesa ou portuguesa; b) possuir amostra de crianças cursando o ensino

fundamental I; c) preferência por estudos produzidos no Brasil; d) estudos realizados

nos anos de 2021 e 2022; e) responder à questão de pesquisa considerando os impactos

da pandemia na fluência de leitura. Estudos foram excluídos por não corresponderem ao

critério de enfoque de pesquisa voltado ao desenvolvimento das habilidades leitoras. Por

fim, artigos que se adequaram aos critérios foram pré-selecionados com base no título e

no resumo e, posteriormente analisados criteriosamente para definir o número final de

estudos para a presente revisão.


A revisão da literatura foi realizada por meio de buscas nas bases de dados PubMed,

LILACS e Google Academics, durante o mês de março de 2023, onde 119 artigos foram

pré-selecionados. Três estudos foram selecionados para compor esta revisão.

Figura 1. Fluxograma da pesquisa na literatura.

PubMed: 49
LILACS: 57
1a.
etap Goole Academics: 13
a

Critérios de Exclusão: 58
Excluídos intencionalmente: 29
2a. Duplicados: 6
etap Leitura criteriosa: 26 artigos
a

Estudos incluídos na revisão: 3


3a.
etap
a

Resultados

A relação dos estudos sobre aos efeitos do fechamento das escolas e o impacto

na fluência leitora de alunos do ensino fundamental, suas amostras, instrumentos

utilizados e principais resultados estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1. Estudos selecionados, amostra, instrumento e principais resultados.

Autor/País/ano Artigo Amostra Instrumentos Resultados

Starling-Alves I, Covid-19 school Alunos dos 2º. aos Teste de O grupo avaliado
Hirata G, Oliveira closures 4º. anos do ensino Compreensão de em 2022
JBA. Brasil, negatively fundamental de Leitura – TELCS apresentou piores
2023. impacted escolas públicas Teste de Fluência resultados. No
elementary-school do nordeste de Leitura. estudo
students reading brasileiro (n = longitudinal,
comprehension 1.195). observou-se
and reading avanço no
fluency skills. desempenho das
habilidades
leitoras, mas em
ritmo mais lento.

Alves LM, Reading fluency Alunos do 2º. ao Teste de leitura Há significativa


Carvalho IM, during the 5º. ano do Ensino (número de diferença entre os
Santos LFD, COVID-19 Fundamental de palavras lidas por resultados dos
Ribeiro GL, pandemic: a uma escola minuto e número alunos do 2. ano
Freire LSC, longitudinal and particular de Belo de palavras lidas em 2020 e os
Martins-Reis VO, cross-sectional Horizonte / MG. corretamente por alunos do 2. ano
Labanca L, analysis. (n = 162). minuto). em 2021. Os
Celeste LC. demais anos
Brasil, 2022. escolares não
sofreram grandes
diferenças.

Domingue, B. The Effect of Alunos do 1. ao 4. Literably system Resultados


W., Dell, M., COVID on Oral ano do ensino (teste online que mostram
Lang, D., Reading Fluency básico (n = mede fluência de crescimento das
Silverman, R., During the 2020– 52.280). leitura). habilidades
Yeatman, J., & 2021 Academic leitoras mais lento
Hough, H. C. Year. 2022 no ano
EUA, 2022. acadêmico de
2020/2021.
Alunos de anos
iniciais tiveram
resultados piores.

De acordo com os resultados apresentados nos estudos é possível afirmar que

houve progresso na habilidade de fluência leitora de alunos do ensino fundamental I,

porém com avanços mais lentos. Alunos dos anos iniciais sofreram maior impacto pelo

fechamento das escolas durante a pandemia, com desempenho significativamente

inferior aos alunos dos outros anos. Estes, por sua vez, sofreram pouco ou nenhum

impacto na fluência leitora, sugerindo que o conhecimento prévio adquirido por estes

alunos no período pré-pandêmico os ajudou a manter o ritmo de aquisição de fluência

leitora com o ensino remoto. No Brasil, observa-se aproximadamente 1 ano de atraso

na fluência e compreensão leitora, ainda sim com avanços lentos. A maioria das escolas

públicas optaram por material impresso e uso de aplicativo de mensagem como canal de

comunicação com os alunos.

Discussão
O impacto do fechamento das escolas durante a pandemia do COVID-19 sobre a

habilidade de fluência de leitura dos alunos do ensino fundamental é um tema crucial

que merece atenção. É imprescindível que os países, em especial o Brasil, reconheçam o

problema e criem políticas públicas voltadas especificamente para a educação ((Dias E

& Pinto FCF, 2020). O presente estudo teve por objetivo verificar pesquisas científicas

recentes sobre o tema, especialmente no cenário brasileiro, e levantar questões que

precisam ser debatidas. Os resultados sugerem que os alunos tiveram atrasos de

desenvolvimento na fluência leitora em diferentes culturas e idiomas, porém sem perdas

de conhecimento. Alunos dos anos iniciais tiveram maior prejuízo de desempenho,

indicando que o conhecimento prévio colaborou para o progresso da habilidade leitora.

Segundo as Nações Unidas, o efeito da pandemia afetou 1.6 bilhões de

estudantes em mais de 190 países, sendo 99% destes alunos provenientes de países de

baixo e médio desenvolvimento socioeconômico. A crise acelerou as disparidades pré-

existentes, reduzindo às oportunidades àqueles conhecidamente mais vulneráveis,

moradores de áreas rurais, meninas, refugiados, pessoas com necessidades especiais e

pessoas que foram desabrigadas de continuar estudando. Entretanto, a crise gerada pelos

sistemas de ensino possibilitou a inovação no setor da educação (UN Policy Brief,

08/2020).

Para compreender o impacto do isolamento social em estudantes americanos de

diferentes distritos estaduais, um estudo conduzido pela Universidade de Stanford

avaliou a habilidade leitora de crianças do ensino fundamental nos primeiros 200 dias

do ano escolar de 2020 – 2021. Os dados foram coletados por meio de um sistema 4

utilizado nacionalmente que avalia o desempenho da fluência de leitura oral de crianças

americanas de todos os estados. Os resultados indicam que os estudantes continuaram

4
https://literably.com/
adquirindo habilidades leitoras, porém em ritmo mais lento. Algumas evidências

sugerem que os alunos do primeiro ano, que entraram em isolamento social com baixos

níveis de fluência de leitura, apresentaram desenvolvimento mais lento do que os

demais, sugerindo que o conhecimento prévio favoreceu a aquisição de novos

conhecimentos. Nota-se, a partir das informações fornecidas, que o processo de

alfabetização em formato remoto foi pouco eficiente, uma vez que os dados revelam que

o grupo de alunos em fase de alfabetização demonstraram pior progresso na capacidade

de leitura. O estudo traz ainda a evidência de heterogeneidade de acordo com as

características de cada estado, em que os alunos de 1º. e 2º. anos pertencentes a distritos

com níveis socioeconômicos maiores demonstraram crescimento maior na aquisição da

habilidade (Domingue et al., 2022).

Uma pesquisa conduzida na Holanda comparou o progresso de aprendizagem de

aproximadamente 350 mil estudantes de 8 a 11 anos, obtido através do exame nacional

no período de fechamento das escolas em comparação com o desempenho de três anos

anteriores. Vale ressaltar que a Holanda apresentou o melhor cenário diante da crise, se

destacando pela eficiência e rapidez nas medidas de contenção do vírus, sendo o único

país que precisou de apenas oito semanas para controlar a disseminação do vírus. Ainda

assim, os resultados apresentaram perda de 3% de conhecimentos, equivalente a um

quarto do ano escolar (Engzell et al., 2021). Outro estudo publicado em Delhi, na Índia,

avaliou 1.182 estudantes de diferentes grupos e instituições educacionais indicou que o

tempo gasto pelos alunos com as aulas online não cumpriu o calendário escolar

estabelecido pelo Ministério do Desenvolvimento de Recursos Humanos (MHRD),

destacando a falta de estrutura digital eficiente, além de conhecimento das ferramentas

por parte dos alunos e professores. A pesquisa avaliou adicionalmente os níveis de

estresse dos alunos, indicando que 51,4% dos estudantes reportaram não terem utilizado
o tempo durante o lockdown. Além disso, os estudantes relataram que as mudanças

afetaram significativamente os hábitos de sono, rotina de exercícios físicos e a interação

social, refletindo diretamente em suas condições físicas. O estudo ressalta a necessidade

de prover suporte emocional aos alunos, visto a grande probabilidade desta população

vir a sofrer de estresse, ansiedade e depressão (Chaturvedi, et al., 2020). Os efeitos do

isolamento social vão muito além da defasagem de aprendizagem, e a saúde mental e

física devem ser consideradas em futuras investigações. Alguns estudos apontam que a

ansiedade, depressão, irritabilidade, tédio, desatenção e o medo do vírus são os recentes

problemas enfrentados pelas crianças durante a pandemia. Crianças com problemas pré-

existentes como Transtorno do Espectro Autista ou TDAH provavelmente tiveram os

seus sintomas comportamentais piorados (Panda, P et al., 2020).

Diante deste cenário, é importante entender o desenvolvimento da fluência de

leitura dos estudantes durante o fechamento das escolas, para que os educadores possam

criar planos estratégicos em busca de alternativas que possam suprir essa defasagem

deixada no aprendizado pelo ensino remoto. Avaliar e acompanhar o desenvolvimento

da fluência de leitura é um bom preditor para criar de estratégias para o

desenvolvimento da fluência e compreensão leitora, sendo considerado um forte

indicador da proficiência de leitura (Domingue et al., 2021).

Mais importante ainda é voltar a atenção para os alunos brasileiros, onde às

discrepâncias sociais ficaram ainda mais evidentes e grande parte da população

estudantil e de professores da rede pública sofreram com a falta de estrutura oferecida

pelos municípios e estados. Os dados disponibilizados pelo Censo Escolar da Educação

Básica 2021 mostram que mais de 91% das escolas públicas utilizou aplicativo de

mensagens, e-mail, telefone e redes sociais para estabelecer a comunicação entre os

professores e seus alunos; pouco mais de 33% das escolas disponibilizou equipamentos
para os professores e acesso gratuito à internet. Quase a totalidade das escolas públicas

(95%) utilizaram materiais de ensino-aprendizagem impressos para retirada na escola e

a maioria delas optou por enviar as avaliações de forma remota e devolução do material

impresso presencialmente (73,8%).

O Brasil é um dos países onde as escolas permaneceram fechadas por mais

tempo, de março de 2020 a março de 2022 (World Bank, 2020; UNESCO, 2020). Foi

estimado que 52% dos professores de escolas públicas não tiveram acesso a computador

e quase 70% dos alunos brasileiros de escolas públicas também não tiveram acesso a

estes aparelhos (FCC et al., 2020). Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE, 2021), o número de crianças entre 6 e 7 anos que não

conseguem ler e escrever aumentou significativamente entre 2020 (32,9%) e 2021

(40,8%). Lembrando que antes mesmo da pandemia, o desempenho dos estudantes

brasileiros no Programa Internacional de Avaliação do Desempenho (PISA) se mostrava

abaixo do esperado para as capacidades leitoras (OECD, 2019).

Uma pesquisa realizada no nordeste brasileiro avaliou as habilidades de leitura

de alunos dos 2º. aos 4º. anos em 2022 e comparou com seus resultados em 2019 com o

objetivo de verificar lacunas de aprendizagem, que impactaram negativamente na

aquisição e desenvolvimento dessas capacidades (Starling – Alves et al., 2023).

Posteriormente, buscou investigar se o fechamento das escolas estaria associado às

perdas de aprendizagem. Mensurou a fluência e compreensão leitora dos alunos que

estavam no 5º. ano em 2022 para investigar como esses alunos progrediram neste

período, que se iniciou quando estes estavam no 2º. ano. Participaram 1.195 alunos de

10 escolas públicas selecionadas de um total de 65, que suportam aproximadamente 30

mil estudantes e que tem constantemente atingido resultados superiores nas últimas

cinco avaliações nacionais. Portanto, os resultados podem não representar a realidade de


outras regiões brasileiras. A capacidade de compreensão da leitura foi mensurada

através do Teste de Leitura: Compreensão de Sentenças – TELCS (Vilhena et al., 2016;

Vilhena & Pinheiro, 2021), e a fluência foi avaliada pelo Teste de Fluência de Leitura

(Alfa & Beto, 2019).

Os resultados sugerem que o fechamento das escolas durante a pandemia

impactou negativamente às habilidades de leitura com ao menos um ano de atraso. Os

efeitos foram mais evidenciados em estudantes dos primeiros anos, que possuíam pouco

conhecimento adquirido antes do fechamento das escolas, do que dos alunos de anos

mais avançados. O estudo longitudinal apontou que os alunos que tiveram melhor

desempenho no teste em 2022, foram os mesmos alunos que demonstraram desempenho

em 2019, indicando que o conhecimento prévio colaborou para a aquisição de novos

conhecimentos. Pode-se dizer, então, que o ensino remoto contribuiu para que a maioria

dos estudantes na retenção e ampliação de conhecimento.

Os dados revelados também apontam para o fato de que alunos pertencentes à

lares com níveis socioeconômicos mais baixos, tiveram pior desempenho na

compreensão e fluência de leitura. Contudo, esses dados não são representativos, uma

vez que todos os alunos da amostra são provenientes de escolas públicas e, usualmente

já pertencem à uma classe econômica inferior.

Outro estudo publicado pela Academia Brasileira de Neurologia e aprovado pelo

comitê de ética da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fez uma análise

transversal e longitudinal dos efeitos do ensino remoto na fluência de leitura de 162

alunos do 2º. ao 5º. ano de uma escola particular na capital Belo Horizonte. A maioria

dos alunos vivem em lares onde ambos os pais possuem nível superior (72%), ou pelo

menos um dos pais possui nível superior (91%). Os dados mostram que os alunos
continuaram desenvolvendo a capacidade de leitura e compreensão com o ensino

remoto. Uma diferença significativa no desempenho dos alunos do 2º. ano antes e

durante a pandemia foi observada, onde os alunos que estavam no 2º. ano na pandemia

exibiram resultados piores do que aqueles que estavam cursando o 2º. ano em 2019.

Por outro lado, segundo o relatório técnico parcial publicado Associação

Brasileira de Alfabetização com 14.730 professores da Educação Básica Infantil e dos

anos iniciais do Ensino Fundamental (1º. ao 5º. ano), distribuídos por diversas regiões

do país, foi constatado que o maior desafio enfrentado neste período por estes

profissionais foi o de conseguir fazer com que os alunos respondessem às demandas

escolares, realizando as tarefas, especialmente quando dependiam da ajuda dos pais ou

responsáveis. Apenas 7% dos professores indicam que todos os alunos realizam as

atividades.

Esses resultados ressaltam a necessidade urgente de políticas públicas que

abordem as disparidades socioeconômicas na educação brasileira e busquem soluções

eficazes para situações emergenciais, garantindo o acesso igualitário à educação.

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