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ALIENAÇÃO POR INICIATIVA PARTICULAR

COMO MEIO EXPROPRIATÓRIO


EXECUTIVO (CPC, ART. 685-C,
ACRESCIDO PELA LEI 11.382/2006)
E DUARDO T ALAMINI *

1 – INTRODUÇÃO
A Lei 11.382/2006 instituiu uma nova modalidade expropriatória na
execução, ao lado da alienação judicial em hasta pública (arrematação), da
adjudicação e do usufruto executivo. Trata-se da alienação por iniciativa
particular. Como se verá adiante, embora o mecanismo ora instituído reúna
traços que já se apresentavam em outras figuras antes vigentes, ele também
possui características e uma abrangência geral inéditas – o que permite
qualificá-lo como verdadeira novidade.
O novo meio expropriatório é o segundo na ordem de preferência
estabelecida pelo legislador, à frente da própria arrematação. Nos termos do
art. 685-C do Código de Processo Civil (acrescido pela Lei 11.382/2006)1,
não havendo adjudicação, o credor pode pleitear que os bens penhorados
sejam alienados por sua própria iniciativa ou por intermédio de um corretor
credenciado perante o Poder Judiciário. Tal modalidade é aplicável a
quaisquer bens, móveis ou imóveis.
Obviamente, trata-se de uma tentativa de escapar dos percalços
burocráticos e do custo elevado da hasta pública, para ampliar as chances
de sucesso da expropriação executiva. Nesse sentido, a inovação põe-se ao
lado de uma série de outras alterações empreendidas pela Lei 11.382/2006
que buscam fazer com que a expropriação executiva não só efetivamente

*Livre-docente – USP. Doutor e Mestre – USP. Professor – UFPR. Advogado em Curitiba, São Paulo
e Brasília.
1 Adiante, os artigos citados sem expressa indicação do diploma a que pertencem referem-se ao

Código de Processo Civil.

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ocorra – o que em grande parte dos casos, no panorama anterior, já seria


uma façanha –, mas se desenvolva com celeridade e arrecadando a quantia
o mais próxima possível do efetivo valor do bem penhorado. Nesse
contexto enquadram-se: a atribuição de primazia à adjudicação na ordem de
preferência dos meios expropriatórios; a expressa previsão do não
desfazimento da alienação executiva em caso de sucesso dos embargos de
executado (v. nº 10, adiante); a possibilidade de o adquirente do bem em
sede executiva desistir da aquisição em caso de embargos de segunda fase –
entre outras.
Com a alienação por iniciativa particular:
a) aposta-se em um mecanismo menos rígido e formalista do que a
hasta pública;
b) abre-se a possibilidade do concurso de um corretor, vale dizer, um
profissional especializado na intermediação do comércio daquele específico
tipo de bem que foi penhorado;
c) enfim, busca-se um modelo que – se não em sua natureza jurídica
(que se mantém pública, executiva – v. nº 8, adiante), ao menos em sua
dinâmica – mais se aproxime de uma operação de alienação realizada na
“vida comum”, tentando-se eliminar a monstruosa disparidade entre os
valores obtidos em uma alienação executiva e em uma compra e venda.

2 – CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS
As seguintes características peculiarizam a alienação por iniciativa
privada, conferindo-lhe a condição de um meio expropriatório novo e
autônomo em relação às figuras até então previstas na disciplina geral da
execução.

2.1 Ausência de Alienação Mediante Certame Licitatório


A modalidade expropriatória em exame passa ao largo de qualquer
procedimento licitatório para a alienação do bem2. Nesse sentido, a
alienação por iniciativa privada contrapõe-se à hasta pública em suas duas
espécies, praça e leilão. O credor ou o corretor designado terá a tarefa de
encontrar um adquirente que pague pelo bem ao menos o preço mínimo
fixado pelo juiz (v. nº 3.7, adiante). Caso se consiga obter um valor maior
pelo bem, tanto melhor para o corretor (cuja comissão normalmente é um

2 Em termos semelhantes: KNIJNIK, Danilo. A nova execução..., n.165, p.247.

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percentual do valor da alienação) e/ou para o credor (pois amplia as


chances de integral satisfação de seu crédito e acessórios).
Nesse sentido, há o mero ônus de se buscar a melhor oferta – na
medida do possível, maior do que o valor mínimo ditado pelo juiz. Não
existe, contudo, o dever de se realizar um procedimento formal de disputa
de propostas. No cumprimento daquele ônus, o corretor ou o credor até
pode realizar uma espécie de “leilão” mais ou menos informal – o que, aliás,
não é incomum na dinâmica dos negócios. Mas a falta disso não implica
nenhuma invalidade da alienação por iniciativa privada, desde que
respeitado o preço mínimo fixado pelo juiz.
Esse traço repercute sobre várias condições objetivas da alienação por
iniciativa privada, adiante examinadas.

2.2 Irrelevância da Vontade do Executado


O emprego da alienação por iniciativa privada independe da
concordância do devedor. Requerida oportunamente essa modalidade
executiva pelo credor, estando presente o seu pressuposto objetivo (v. nº 3.1,
adiante), cabe ao juiz deferi-la.
Evidentemente, isso não significa que o pleito do credor não enseje a
observância da garantia do contraditório. O diálogo permanente entre o juiz
e as partes é uma imposição constitucional em todas as formas de processo,
inclusive a execução (CF, art. 5º, LV). Então, formulado o pleito de alienação
por iniciativa particular, cumpre ao juiz ouvir o executado, bem como todos
os demais sujeitos que eventualmente estejam participando do processo (p.
ex., ministério público, se houver interesse de incapaz; cônjuge do
executado ou credores com garantia real ou penhora sobre o mesmo bem
que, uma vez intimados da penhora, tenham passado a acompanhar o
processo inclusive com a constituição de advogado, etc.). Mas a
oportunidade de manifestação que então se franqueia presta-se a permitir a
todos os partícipes do processo a eventual alegação de algum defeito
quanto ao pressuposto e às condições da alienação por iniciativa privada (p.
ex., o executado pode indicar que tal modalidade é incabível porque antes
de ela ser pleiteada um descendente seu já havia requerido a adjudicação e
aguarda o deferimento pelo juiz). Ou seja, não se trata de intimar o
executado para que ele concorde ou não com o emprego dessa via, mas para
que ele possa manifestar-se sobre seu cabimento à luz dos parâmetros
legalmente previstos, entre os quais não se inclui sua concordância.

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Essa ausência de relevância da pura e simples vontade do executado


presta-se inclusive a ressaltar o caráter público, executivo, da medida em
exame (v. nº 8, adiante).
Tal traço, de resto, diferencia a alienação por iniciativa privada da
antiga possibilidade de alienação de imóveis penhorados mediante o
concurso de corretor imobiliário (art. 700, na redação dada pela Lei
6.851/1980 – revogado pela Lei 11.382/2006). No § 2º do revogado art. 700,
subordinava-se a homologação da proposta obtida pelo corretor à
concordância das partes.

2.3 Autonomia Procedimental


A alienação por iniciativa privada não é mero capítulo ou variação
procedimental da hasta pública nem de qualquer outro meio executivo. A
opção pelo emprego dessa via implica a adoção de providências próprias e
inconfundíveis com as das outras modalidades expropriatórias. Por
exemplo, não haverá a publicação de editais – necessários unicamente para
a hasta pública. A alienação por iniciativa particular submeter-se-á a
mecanismos peculiares de publicidade, moldáveis ao caso concreto (v. nº
3.4, adiante).
Também sob esse aspecto a figura instituída pela Lei 11.382/2006
afasta-se daquela antes prevista no art. 700, revogado pela mesma lei. A
intervenção de um corretor para angariar propostas para aquisição do
imóvel penhorado era um simples apêndice, um desvio incidental, do
procedimento padrão da hasta pública. Tanto é assim que se mantinha a
imposição da prática de todos os atos próprios do procedimento da hasta
(art. 700, caput, parte inicial: “sem prejuízo da expedição dos editais”).
É fundamental ter em vista essas características, a fim de não
desnaturar e inutilizar a nova modalidade expropriatória mediante a
aplicação do regime da hasta pública. Quando se opta pela alienação por
iniciativa privada, opta-se por um regime jurídico diverso daquele previsto para
a hasta pública.

3 – CONDIÇÕES E LIMITES OBJETIVOS


Não sendo realizada a adjudicação dos bens penhorados, e havendo o
pleito de alienação por iniciativa particular, o juiz fixará um prazo em que a
alienação pelo próprio credor ou por meio do corretor pode ser realizada. O
juiz definirá também a forma de se dar publicidade a essa tentativa de

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alienação, bem como o preço mínimo, as condições de pagamento e as


garantias a serem prestadas pelo adquirente, caso ele não pague à vista. Se
houver intermediação de corretor, caberá ao juiz definir também a comissão
da corretagem. É o que prescrevem o caput e o § 1º do art. 685-C.
Examinam-se neste item os parâmetros objetivos extraíveis desse
regramento. No item seguinte trata-se do requisito subjetivo (a legitimidade
para pleitear a alienação por iniciativa privada).

3.1 Pressuposto Objetivo e Momento da Alienação por Iniciativa


Privada
Primeiro, lembre-se que a alienação por iniciativa particular, tanto
como qualquer dos outros meios de expropriação executiva, não pode
ocorrer se estiverem pendentes embargos de executado com efeito
suspensivo.
Não estando suspensa a execução, a alienação por iniciativa privada é
cabível uma vez descartada a ocorrência da adjudicação. Daí se extraem: a)
um pressuposto objetivo: inocorrência de adjudicação; e b) o termo inicial
do período de cabimento da modalidade expropriatória em exame: depois
de superada a oportunidade de se pleitear a adjudicação.
Mas há dois aspectos que podem gerar alguma dúvida. O primeiro
reside no fato de que, ao menos em termos absolutos, não há propriamente
uma preclusão temporal para o exercício da adjudicação. O segundo
consiste na circunstância de que o exequente não é o único legitimado para
adjudicar bens penhorados. Cabe considerar esses dois aspectos
conjugadamente para ver como repercutem sobre o cabimento da alienação
por iniciativa privada.
A lei não fixou um prazo para a adjudicação. Mas isso também não
significa que não existam quaisquer limites temporais ao exercício dessa
faculdade. Conforme o parágrafo único do art. 685, cumpridas as
providências atinentes a penhora, avaliação e eventuais aumento, redução
ou substituição dos bens penhorados, “o juiz dará início aos atos de
expropriação dos bens”. A garantia constitucional do contraditório impõe
que nesse momento as partes sejam intimadas. Incide a partir de então o
prazo para requerimento da adjudicação – o qual, na falta de específica
previsão legal, é de cinco dias (art. 185). Mas não há fundamento para
reputar que esse prazo seja próprio, preclusivo. Não há de se falar em uma
pura e simples preclusão temporal. Passados os cinco dias sem pleito de

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adjudicação, caso não se tenha ainda tampouco requerido a alienação por


iniciativa particular nem a hasta pública (ou ainda o usufruto executivo),
permanecerá sendo cabível a adjudicação. Aliás, mesmo havendo pedido de
alguma dessas modalidades expropriatórias e sendo elas infrutíferas,
novamente será viável a adjudicação. Assim, a preclusão da faculdade de
adjudicar não é propriamente temporal – no sentido de derivar do decurso
de um prazo –, mas sim uma “preclusão por fase”. Ela fica vetada não
exatamente depois do decurso do prazo de cinco dias a que se aludiu acima,
mas após o início do procedimento de um dos outros meios expropriatórios
– o que se tem com o requerimento de uma dessas outras modalidades.
A outra dificuldade deriva de poder haver uma pluralidade de
legitimados à adjudicação: exequente; outros credores com garantia real ou
penhora sobre o mesmo bem; cônjuge, ascendentes e descendentes do
executado; e, em caso de penhora de cotas societárias, os demais sócios (art.
685-A, caput e §§ 2º e 4º). Isso pode implicar alguma pluralidade de termos
iniciais do prazo para adjudicar. De todo modo, em princípio, o termo
relevante para a contagem do prazo de cinco dias é mesmo a intimação
extraível do parágrafo único do art. 685, acima mencionada. Certamente é
esse o marco aplicável ao próprio exequente e aos familiares do executado.
Esses não têm o direito de ser intimados de cada ato do processo executivo
(exceção feita ao cônjuge, na hipótese de penhora de bem imóvel – art. 655,
§ 2º). Assim, têm de acompanhar espontaneamente o processo – e pleitear a
adjudicação no mesmo momento em que o exequente pode fazê-lo. Já os
outros credores com garantia real ou penhora sobre o bem têm o direito de
ser intimados da penhora (arts. 615, II, e 619 – que aludem apenas aos
credores com garantia sobre o bem, mas também se aplicam aos que
promoveram anterior penhora sobre o mesmo bem). Se a sua intimação
ocorrer antes de ultimadas as providências de avaliação e eventual
modificação da penhora, caber-lhe-ás acompanhar os atos seguintes do
processo e pleitear a adjudicação naquele mesmo momento em que o
exequente poderia fazê-lo. Já se a intimação deles ocorrer depois de
finalizados todos aqueles atos, dela computar-se-á o prazo para
requerimento da adjudicação. Essas mesmas balizas valem para o cônjuge
do executado, quando o bem penhorado é imóvel, e para os sócios do
executado, quando penhoradas cotas da sociedade.
Em síntese: decorrido o prazo de cinco dias para a adjudicação –
relativamente a todos os legitimados a adjudicar –, torna-se cabível o pleito
de alienação por iniciativa privada. Havendo efetivamente esse pleito, fica

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obstada a adjudicação (enquanto não se encerrar sem êxito a alienação por


iniciativa privada). Contudo, se, apesar de já haver decorrido o prazo de
cinco dias, não tiver ainda sido requerida alienação por iniciativa privada,
caberá a adjudicação. E sendo ela pleiteada, estará preclusa a alienação por
iniciativa privada.
Ficará também afastada a possibilidade de alienação por iniciativa
privada quando, não sendo ela pleiteada, iniciar-se o procedimento
preparatório da hasta pública. Porém, nessa hipótese é razoável admitir-se
que, mesmo já tendo sido iniciados os atos de preparação da hasta pública,
pleiteie-se a alienação por iniciativa privada. Ela deverá ser deferida desde
que aquele que a requereu arque com os custos dos atos preparatórios da
hasta já praticados3. Além disso, e tal como se passa com a adjudicação,
torna-se novamente cabível a alienação por iniciativa privada se a hasta
pública não for bem sucedida.

3.2 Ato do Juiz Fixando os Parâmetros da Alienação


Os parâmetros da alienação por iniciativa particular não foram
previstos em lei de modo exaustivo. Compete ao juiz fixá-los conforme as
circunstâncias do caso concreto.
Tal atuação, como qualquer outra desempenhada pelo juiz, deve ser
submetida ao crivo do contraditório (CF, art. 5º, LV). Nada impede que, já
ao requerer a alienação por iniciativa privada, o credor sugira, a título de
mero auxílio, os parâmetros que o juiz deverá fixar (prazo, condições de
pagamento, comissão de corretagem...). O juiz não ficará vinculado a essa
sugestão, mas terá de considerá-la – acolhendo-a ou rejeitando-a
fundamentadamente. Não havendo essa sugestão prévia, o credor será de
todo modo ouvido subsequentemente – como também haverá de sê-lo, em
todo e qualquer caso, o executado.
Não há discricionariedade no deferimento da alienação por iniciativa
privada: presente seu pressuposto objetivo de cabimento, e sendo ela
requerida por sujeito legitimado a tanto, impõe-se ao juiz deferi-la; ausentes
tais requisitos, cabe-lhe rejeitá-la. Tampouco é discricionária a determinação
concreta das suas balizas: prazo de realização, forma de publicidade, preço
mínimo, condições de pagamento, garantias e eventual comissão de
corretagem. Ainda que exista certa liberdade de estimativa e definição

3 Em sentido semelhante, FABIO TABOSA PESSOA, tratando da possibilidade de adjudicação em face


da hasta cuja preparação já se iniciou (A Lei 11.382/2006 e o direito intertemporal, n. III.7, p.133).

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concreta, não se trata de matéria sujeita a simples juízo de conveniência e


oportunidade. O juiz deve estabelecer as condições consentâneas com as
circunstâncias concretas: a natureza do bem penhorado, sua maior ou
menor facilidade de comercialização, a situação geral do mercado – e assim
por diante. E como se vê a seguir, relativamente a algumas das condições
que o juiz deve fixar, tende a ser diminuta a sua margem de liberdade no
caso concreto.
Tanto a decisão sobre o pedido de alienação por iniciativa privada
quanto aquela que fixa os parâmetros que nela deverão ser observados são
recorríveis. Trata-se de decisões interlocutórias, passíveis de agravo de
instrumento. Lembre-se que o agravo retido é incompatível com o
procedimento executivo4.
Por outro lado, e sempre que possível, o juiz deve fixar balizas
flexíveis – que confiram à tentativa de alienação por iniciativa privada uma
razoável agilidade, de modo que aquele que estiver a empreendê-la possa
atuar dinamicamente, como faria em uma negociação comum de mercado5.
Em síntese, haverá parâmetros cuja fixação pelo juiz será ditada por
imposições concretas, restando-lhe pouca liberdade deliberatória. Por outro
lado, e quando tal liberdade existir, deve o juiz exercê-la com parcimônia,
cuidando para que, na medida do possível, ponham-se alternativas várias
ao sujeito incumbido da alienação.
Nada impede que, de ofício ou a pedido do interessado, o juiz
subsequentemente revise as balizas que havia na origem estabelecido, à luz
das circunstâncias concretas. As vicissitudes enfrentadas na tentativa de
alienação podem convencer o juiz da necessidade de mudança do prazo,
condições de pagamento, garantias, etc.6

3.3 Prazo para Realização da Alienação por Iniciativa Privada


O juiz deve fixar um prazo que não seja excessivamente curto, a
ponto de inviabilizar qualquer tentativa séria de localização de um
adquirente, nem prolongado em demasia, de modo a retardar
excessivamente o andamento da execução7.

4 Quanto a esse último aspecto, ver WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI. Curso avançado..., v.2, n.8.1,
p.203-204.
5 Em termos semelhantes, KNIJNIK, Danilo. A nova execução..., n.165, p.248.
6 Na mesma linha: KNIJNIK, Danilo. A nova execução..., n.167, p.249.
7 GAJARDONI, Fernando. Reflexões sobre o novo regime de expropriação..., n.4, p.191.

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Na medida em que concretamente ainda exista perspectiva de sucesso


da alienação por iniciativa particular, o prazo pode vir a ser prorrogado,
com a manutenção das demais condições originais ou com o
estabelecimento de novos parâmetros8.
Na hipótese de o prazo ser desrespeitado, com a alienação ocorrendo
depois de seu término, nem por isso ela será necessariamente inválida.
Caberá ao juiz verificar se o descumprimento do prazo gerou real prejuízo
para o executado ou para a efetividade da execução. Exemplo de prejuízo
tem-se na hipótese de alienação por preço baseado em avaliação que, pela
demora havida, ficou claramente defasada. Não tendo havido prejuízo, não
há de se falar de nulidade (arts. 244 e 249, § 1º). Seria um despropósito
invalidar a alienação – perfeita para os fins executivos e não ocasionadora
de nenhum sacrifício ilegítimo para o devedor – apenas por um requinte
formal9 (v. nº 15, adiante).

3.4 Forma de Publicidade


A publicidade da oferta de alienação do bem será definida conforme
as circunstâncias concretas. Mas, de plano, fica descartada a publicação de
editais10 – formalidade específica da hasta pública, que, de resto, tem
discutível serventia prática. São diversas as formas de publicidade
concebíveis: divulgação mediante anúncios em rádio, televisão, jornal
impresso ou na internet; correspondência diretamente dirigida a específicos
potenciais interessados; mala-direta com ampla circulação. Tudo dependerá
do tipo e do valor do bem e da atual conformação do mercado.
Caberá ao juiz também definir como serão pagas as despesas de
publicidade. É certo que, ao final, elas têm de ser suportadas pelo
executado. Mas, especialmente quando há intermediação de corretor,
podem surgir impasses quanto ao seu adiantamento. Em certos setores,
como o imobiliário, é comum o corretor incumbir-se de promover anúncios
do bem a ser alienado, por sua conta e risco. Mas essa é uma atuação livre

8 Admitindo a prorrogação do prazo, entre outros: GAJARDONI, Fernando. Reflexões sobre o novo
regime de expropriação..., n.4, p.191; KNIJNIK, Danilo. A nova execução..., n.165, p.248; BUENO,
Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma..., n.77, p.189; NEVES, Daniel Assumpção. Reforma...,
cap. 34, n.4, p.384.
9 Parcialmente no mesmo sentido: EDUARDO LAMY, para quem a violação do prazo jamais geraria

“qualquer prejuízo para o executado” (Considerações sobre a fase de expropriação..., n.4, p.91).
10 Nesse sentido: BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma..., n.76, p.188; LAMY, Eduardo.

Considerações sobre a fase de expropriação..., n.4, p.91.

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do corretor, sobre a qual não é dado ao juiz interferir. Melhor dizendo: toda
e qualquer providência publicitária que o juiz repute necessário adotar e vá
além daquilo que o corretor já se disporia normalmente a fazer não será
arcada pelo corretor. Nessa hipótese, o adiantamento da despesa caberá ao
exequente (art. 19).

3.5 Realização pelo Próprio Credor ou por Corretor


Permite-se que as providências de alienação sejam tomadas pelo
próprio credor ou por um corretor credenciado perante a autoridade
judiciária (art. 685-C, caput).
Adiante, examinar-se-á se apenas o próprio exequente está investido
dessa faculdade ou se também outros credores com garantia real ou
penhora sobre o bem poderiam assumir tal iniciativa (v. nº 4.3).
Cabe ao próprio credor escolher entre assumir ele mesmo a iniciativa
de alienação ou atribuir a tarefa a um corretor credenciado. A lei é expressa
quanto a esse ponto. O caput do art. 685-C estabelece que “o exequente
poderá requerer sejam eles [os bens penhorados] alienados por sua própria
iniciativa ou por intermédio de corretor...”. O executado e o juiz não podem
interferir nessa escolha. Quando o credor incumbe-se diretamente da
iniciativa da alienação, ele assume um papel peculiar no processo. Ao
mesmo tempo em que mantém sua posição jurídica de parte – não tem
como dela despir-se –, passa também a cumular uma função no interesse da
Justiça. Lembre-se que ele não é o único interessado na alienação que
tentará empreender: o próprio devedor também o é; pode haver outros
credores com garantia ou penhora sobre o bem, que concorrem no produto
que se venha a arrecadar com a alienação; enfim, há o interesse da própria
Jurisdição em eliminar o conflito do modo mais justo e menos sacrificante
aos jurisdicionados.
Caso opte pela intermediação de corretor, é também direito do
próprio pleiteante da alienação por iniciativa privada escolher, entre os
habilitados para o desempenho da função, qual corretor atuará. O § 1º do
art. 685-C, ao enumerar as balizas que o juiz deve fixar para essa via
expropriatória, inclui entre elas apenas a definição da comissão de
corretagem, mas não a própria escolha do corretor. Essa é uma opção alheia
à interferência do juiz e do devedor. A esses cabe apenas fiscalizar para que
o corretor escolhido enquadre-se nos requisitos legalmente estabelecidos.

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Terá de ser escolhido corretor que esteja credenciado junto à


autoridade judiciária competente. O tema deve ser objeto de
regulamentação pelos tribunais, mas a lei desde logo estabelece que apenas
é possível credenciar corretores com pelo menos cinco anos de exercício
profissional (art. 685-C, § 3º). Com tal exigência, busca-se garantir que
estarão habilitados profissionais mais experientes, cujas honestidade e
habilidade para o exercício da corretagem já tenham sido suficientemente
testadas na prática. No entanto, não deixa de ser uma limitação que pode
gerar distorções. É óbvio que o simples decurso de um prazo não torna
alguém necessariamente mais capaz. E há o risco de que, em certas regiões
geográficas e/ou relativamente a determinados setores de corretagem, nem
mesmo existam profissionais com tal tempo de exercício profissional
mínimo, aptos a credenciamento. A solução, nessas hipóteses, será admitir a
atuação de profissionais sem a experiência profissional de cinco anos.
Relativamente a determinadas espécies de bem, o exercício da
corretagem exige ainda a inscrição em específico órgão classe (p. ex.,
corretor de imóveis – Lei 6.530/1978) ou em órgão fiscalizador do exercício
da profissão (p. ex., corretor de valores mobiliários – Lei 2.146/1953).
Quando exigida legalmente, tal inscrição será indispensável para que o
corretor possa atuar também em sede executiva. Nos demais casos, bastará
a comprovação da experiência profissional.
Ao ser designado para corretar a alienação em um caso concreto, o
corretor assume o papel de auxiliar da Justiça, nos termos do art. 139.
Como indicado, o credenciamento de corretores receberá disciplina
própria na esfera de competência de cada tribunal. Mas a falta dessa
regulamentação não é óbice a que desde já se desenvolvam alienações por
iniciativa particular com intermediação de corretores. Enquanto não houver
regulamentação, cabe ao próprio juiz zelar pela contratação de corretor
idôneo – observando os requisitos acima mencionados, assim como sua
excepcional mitigação na hipótese também antes cogitada. Na falta do
credenciamento, basta o corretor prestar compromisso no processo11.
É concebível a designação de mais de um corretor para intermediar a
tentativa de alienação12. Nessa hipótese, o juiz deverá disciplinar com
clareza a forma de divisão da comissão de corretagem entre os profissionais
que atuarem.

11 ASSIS, Araken de. Manual..., n.286.2, p.732; CÂMARA, Alexandre. O novo regime..., n.IV, p.13.
12 SANTOS, Ernane Fidélis dos. As reformas de 2006..., n.32, p.82.

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Em qualquer caso, é possível ainda que, perante o juízo executivo, o


credor opte por ele mesmo promover a alienação, mas venha a valer-se do
auxílio de um corretor13. Eventualmente, essa será a solução mais dinâmica e
compatível com os fins visados pela nova modalidade expropriatória. Nesse
caso, o corretor atuará como mero auxiliar da parte – e não como auxiliar do
juízo. Isso implica pelos menos três diferenças concretas relevantes: 1ª)
nessa hipótese, sempre poderá ser contratado um credor não credenciado
perante o Judiciário e mesmo sem a experiência profissional mínima; 2ª) o
custo da atuação do corretor será pactuado e arcado pelo próprio credor,
que não poderá pretender ressarcir-se dessa quantia junto ao executado (v.
nº 3.6, a seguir); 3ª) em caso de atuação indevida do corretor em face do
juízo executivo e dos partícipes do processo, o credor que o contratou por
conta sua conta e risco responderá, ao lado do profissional, pelos danos por
esse causados. Diferentemente, quando o corretor é judicialmente investido
da tarefa, o Estado será responsável por seus atos, nos mesmos limites e
condições que o seria em relação a outros auxiliares da Justiça.

3.6 Comissão de Corretagem


A comissão de corretagem apenas precisará ser fixada pelo juiz
quando a alienação fizer-se com a intermediação do corretor formalmente
investido dessa tarefa. Quando o credor optar por ele mesmo assumir a
iniciativa da alienação, não fará jus a comissão nenhuma (e, como visto no
item anterior, se nessa hipótese ele contratar por sua própria conta um
corretor, pagará ele mesmo por essa contratação).
A comissão de corretagem deverá ser fixada tendo em vista os
padrões habituais do mercado. Normalmente, ela consiste em um
percentual do preço obtido com a alienação.
O custo da comissão de corretagem será suportado pelo executado.
Subtrair-se-á da quantia obtida o valor da comissão. O restante será
arrecadado para os fins dos arts. 709 e seguintes.

3.7 Preço Mínimo item 4


O preço mínimo – definido pelo juiz ao autorizar a alienação por
iniciativa privada – não poderá em regra ser inferior ao valor atribuído ao

13 Nesse sentido: THEODORO JR., Humberto. A reforma da execução..., n.52, p.128, e Curso..., n.854,
p.365; ASSIS, Araken de. Manual..., n.286.2, p.731.

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bem na avaliação14. É o que se infere da remissão que o art. 685-C, § 1º, faz
ao art. 680 – que trata, precisamente, da avaliação. Para ser autorizado valor
menor do que o da avaliação a lei precisaria ter feito referência não a tal
dispositivo, mas ao art. 692, que, tratando de hasta pública, permite a
expropriação do bem por valor menor do que o da avaliação, desde que não
seja vil.
Esse limite pode vir a prejudicar a flexibilidade e maior
espontaneidade econômica que se pretende conferir à alienação por
iniciativa privada15. Mas, além de explicitamente imposto pela lei, ele se
destina a conferir segurança e idoneidade à modalidade expropriatória em
questão. Em certa medida, é a contrapartida da inocorrência de um certame
licitatório. Quando há um procedimento formal destinado à disputa de
propostas dos interessados, tal procedimento presta-se a “calibrar” a
avaliação antes feita. O insucesso da primeira hasta significa que, a despeito
de o bem ter sido publicamente ofertado, ele não despertou interesse de
aquisição pelo montante em que foi avaliado. Daí justificar-se a redução de
seu valor, na medida da efetiva procura que há por ele – respeitando-se o
limite proibitivo do preço vil. Mas não existe semelhante mecanismo
público e objetivo de “calibragem” na figura da alienação por iniciativa
privada. A ausência de hasta pública impõe a avaliação como parâmetro
único – insuscetível de mitigação. Aliás, é o mesmo princípio que se aplica à
adjudicação. Se há indícios de que a avaliação está errada, conferindo ao
bem um valor maior do que ele merece, em princípio cabe fazer outra, e não
meramente a ignorá-la.
Para que se possa promover a alienação por iniciativa privada por
montante inferior ao da avaliação, é indispensável a concordância do

14 Nesse sentido: THEODORO JR., Humberto. A reforma da execução..., n.52, p.126, e Curso..., v.2, n.854,
p.365; LAMY, Eduardo. Considerações sobre a fase de expropriação..., n.4, p.91; BUENO, Cassio
Scarpinella. A nova etapa da reforma..., n.77, p.189; ASSIS, Araken de. Manual..., n.286.3, p.733;
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual..., parte II, cap.IV, n.9.2, p.369; WAMBIER, L. R.; WAMBIER,
Teresa; MEDINA. Breves comentários..., v.3, p.156-157; FERNANDES, Sérgio de Arruda. Atos de
expropriação..., n.7, p.1508, nota 33; MOREIRA, J. C. Barbosa. O novo processo..., 2ª parte, § 10,
n.III.1, p.255; QUARTIERI, Rita. Comentários..., n. 2 ao art. 685-C, p.270; CÂMARA, Alexandre. O novo
regime..., n.IV, p.13.
15 Por isso, há autores que pretendem negá-lo, sustentando que bastaria não se alienar o bem por

preço vil (v.g., KNIJNIK, Danilo. A nova execução..., n.165, p.248; GAJARDONI, Fernando. Reflexões
sobre o novo regime de expropriação..., n.4, p.191; NEVES, Daniele Assumpção. Reforma..., cap. 34,
n.4, p.385-387).

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executado16. Essa possibilidade está expressamente prevista na alienação por


iniciativa privada empregada nas execuções dos Juizados Especiais Cíveis
(Lei 9.099/1995, art. 52, VII) – assim como também estava na figura
equivalente disciplinada pelo art. 973 do Código de Processo Civil de 1939
(§ 4º). Mas, mesmo havendo a aquiescência do executado, cumpre ainda
verificar se não existem, além daquele que está promovendo a alienação,
outros credores com penhora ou garantia real sobre o bem – hipótese em
que também eles poderão opor-se ao preço inferior à avaliação. Afinal, eles
concorrem diretamente ao montante que se vai arrecadar com a
expropriação – e têm interesse jurídico no controle da idoneidade da
alienação.
Cabe ainda investigar se o juiz, ao fixar as condições da alienação por
iniciativa privada, pode desde logo exigir um preço mínimo superior à
avaliação do bem. Em princípio, na medida em que a avaliação foi tida por
idônea e é atual, fica também descartada essa possibilidade. No modelo
executivo vigente, busca-se a concentração dos atos executivos (inclusive
com a regra geral de ausência de efeito suspensivo nos embargos de
executado): a expropriação deve normalmente se realizar logo depois da
avaliação, evitando-se defasagens. Se a avaliação está defasada ou se revela
incorreta, manifesta e significativamente, a solução mais normal é proceder-se
a uma outra – e não o juiz atribuir arbitrariamente outro valor ao bem. O
estabelecimento de preço mínimo superior à avaliação apenas poderá
ocorrer – excepcionalmente e mediante decisão fundamentada – quando
existirem elementos objetivos que permitam ao próprio juiz definir com
razoável precisão o novo valor do bem (p. ex., índices de correção que lhe
sejam especificamente aplicáveis, como se tem no caso de imóveis; tabelas
de preços idôneas, como é a “tabela Fipe” para automóveis, etc.).
Em síntese: o preço mínimo para alienação, a ser fixado previamente
pelo juiz, em regra há de ser o identificado na avaliação do bem.

3.8 Condições de Pagamento


As condições de pagamento também deverão tomar em conta as
circunstâncias e tendências do mercado. Ainda que o pagamento à vista seja

16 Como preconizam L. R. WAMBIER, TERESA WAMBIER e MEDINA – exemplificando com a hipótese


em que o devedor já sabe que o bem desvalorizou-se e continua a desvalorizar-se, de modo que
uma nova avaliação apenas lhe conferirá um valor ainda menor do que o montante consensado
(Breves comentários..., v. 3, p.157). No mesmo sentido: CÂMARA, Alexandre. O novo regime..., n.IV,
p.13.

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o desejável, nem sempre ele é viável, sobretudo em operações de grande


porte. Então, nada impede – pelo contrário, o princípio da máxima
efetividade da execução aconselha – a admissão de pagamentos parcelados.
O fundamental, nessa hipótese, será o estabelecimento de
mecanismos de remuneração e garantias compatíveis com o parcelamento.
As garantias são objeto de exame no tópico seguinte. Quanto à remuneração
das parcelas (correção monetária, juros), caberá adotar soluções em
consonância com o mercado e a conjuntura econômica. Eventualmente, em
cenário de inflação insignificante, dispensar-se-á a incidência de qualquer
acréscimo em parcelamentos curtos. Em outros casos, corrigir-se-ão
monetariamente apenas as parcelas mais distantes. Por isso, convém que o
juiz, ao fixar as balizas da alienação, confira certa margem de liberdade para
o credor ou o corretor incumbido da operação.
Além disso, caso um terceiro interessado na aquisição do bem
apresente proposta em condições diferentes daquelas que haviam sido
previamente fixadas, não será o caso de o corretor (ou credor incumbido da
alienação) simplesmente rechaçá-la. Na medida em que seja uma proposta
séria e razoável, cumpre levá-la ao juiz, que, observando o contraditório
entre as partes, poderá decidir por sua aceitação.
Seria possível aceitar outros bens como parte do pagamento, em vez
de dinheiro? Nas negociações realizadas cotidianamente, não é incomum o
alienante aceitar bens de menor valor como parte do preço. Se o objetivo da
modalidade expropriatória em exame é aproximá-la dessas negociações,
seria de se cogitar da hipótese em questão. No entanto, em regra, deve-se
rejeitar essa alternativa. O objetivo da execução por quantia certa é
arrecadar dinheiro para satisfazer o crédito, e não assumir bens de terceiros
– ainda que isso também se faça com o escopo mediato de transformação
em dinheiro. Mesmo porque poderiam surgir graves impasses: de quem
seria a titularidade do bem recebido em pagamento? Do executado, que não
manifestou sua vontade nesse sentido? E o que ocorreria se, depois, não se
conseguisse alienar judicialmente tal bem obtido em pagamento? Tudo isso
desaconselha o recebimento de bens como parte do pagamento. Mas se o
que se busca é dinamismo e flexibilidade, convém evitar respostas
absolutas. Imagine-se que em alguma hipótese o exequente é o único
interessado na arrecadação de dinheiro (i.e., não há outros credores com
penhora ou garantia real sobre o bem penhorado). Suponha-se que ele
manifesta de modo inequívoco e irretratável o interesse em ficar com o bem
que o terceiro está oferecendo como parte do pagamento do preço do bem

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expropriado – o que serviria para a satisfação de uma parte do crédito


exequendo. Convém lembrar que na experiência brasileira a execução
monetária, em seu figurino tradicional, tem constituído um retumbante
fracasso. Daí por que não é possível descartar de plano soluções novas que,
desde que idôneas e controladas pelo juiz, podem produzir resultados
satisfatórios sem nenhum sacrifício maior para o devedor.

3.9 Garantias
Será indispensável o estabelecimento de garantias sempre que o
pagamento se fizer a prazo. Frequentemente se cogita de constituição de
hipoteca sobre o próprio bem alienado, quando se tratar de imóvel (tal
como está previsto para a aquisição parcelada em hasta pública – art. 690, §
1º, parte final)17. Ainda que não se deva descartar por completo essa solução,
convém considerar o emprego de outras garantias aptas a serem exercidas
de modo mais simples, como, p. ex., o seguro-garantia e a reserva de
domínio (C. Civil, arts. 521 e seguintes). Não é razoável multiplicar os
conflitos e as dificuldades para o exequente. Imagine-se que o adquirente
não cumpre o parcelamento e se previu hipoteca sobre o bem alienado.
Haverá necessidade de uma nova execução, agora para se cobrar o preço. E
o pior: é bem possível que mesmo esse preço, na sua totalidade, ainda não
sirva para cobrir integralmente o crédito objeto da primeira execução, sendo
necessária a continuidade dessa. Então, em vez de uma execução não
resolvida, haveria duas... Por isso, em tais situações, a venda com reserva de
domínio é a solução mais razoável (e que, de resto, seria a adotada nas
operações comuns de mercado...).

4 – LEGITIMIDADE PARA REQUERER A ALIENAÇÃO POR INICIATIVA


PRIVADA
A lei refere-se apenas ao “exequente” como legitimado para optar
pela alienação por iniciativa privada (art. 685-C, caput). Não é possível o juiz
adotar de ofício tal via.

4.1 Direito Potestativo do Exequente


Trata-se de um direito potestativo do exequente: manifestando sua
vontade no momento oportuno, e desde que presente o pressuposto

17 THEODORO JR., Humberto. A nova reforma..., n. 53, p.129; Curso..., v.2, n.856, p.366; QUARTIERI, Rita.
Comentários..., n.2 ao art. 685-C, p.271.

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objetivo (ausência de adjudicação), impõe-se a adoção dessa via


expropriatória.
Não se ignora que quase nunca se trata de o exequente pura e
simplesmente escolher entre adjudicar ou pleitear a alienação por iniciativa
privada. Afinal, como visto (nº 3.1), há normalmente outros legitimados à
adjudicação. Mas isso não retira do direito em questão a sua natureza
potestativa. Como em qualquer outra hipótese, a configuração do direito
potestativo submete-se a pressupostos – no caso, ausência de adjudicação.
Cumprido esse pressuposto, importa que o simples pleito do exequente já é
o que basta para impor a adoção da via expropriatória em discurso. E isso é
o que configura o direito potestativo18.

4.2 A Possibilidade de o Executado Obter Autorização Para a Venda do


Bem Penhorado
Há quem defenda que o princípio da igualdade imporia a extensão
dessa faculdade ao executado. Segundo essa autorizada orientação
doutrinária, o executado não poderia pretender ele mesmo promover a
alienação – como pode o exequente –, mas teria o direito de fazer com que
ela fosse realizada por meio de corretor credenciado19. Mas não parece
viável estender propriamente essa legitimidade ao executado20. Melhor
dizendo: a possibilidade que eventualmente se põe para o devedor, como
uma alternativa à hasta pública, não tem a mesma natureza jurídica que a
figura em exame.
Primeiro, cumpre considerar a função da execução e o modo como
isso repercute sobre a posição jurídica das partes (quanto a isso, v. o nº 15,
adiante). Como está explicitado no art. 612, “realiza-se a execução no
interesse do credor”. Daí que a lei confere especificamente a ele, e não ao
executado, a prerrogativa de determinadas escolhas. O princípio
constitucional da isonomia assegura tratamento equivalente às partes no
que tange a diversos aspectos da atividade jurisdicional executiva
(contraditório, direito à obtenção medidas urgentes no bojo da própria
execução, condenação em honorários em prol do executado na hipótese de
extinção anormal do processo, etc.). Mas não pode ir ao ponto de desnaturar
a dinâmica essencial da execução. Basta considerar que também no que

18 Contra: KNIJNIK, Danilo. A nova execução..., n.164, p.246.


19 WAMBIER, L. R.; WAMBIER, Teresa; MEDINA. Breves comentários..., v.3, p.156.
20 Nesse mesmo sentido, KNIJNIK, Danilo. A nova execução..., n.164, p.246.

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tange a outros mecanismos, na execução a lei atribui faculdades


exclusivamente a uma das partes. Por exemplo, antes da Lei 11.382/2006,
conferia-se ao executado o direito de nomear bem à penhora. E não se
invocava a isonomia para estender esse direito ao exequente (que tinha
apenas o direito de controlar a validade da nomeação feita). A partir da Lei
11.382/2006, transferiu-se do executado para o exequente a faculdade de
nomeação de bens (art. 652, § 2º). E a imposição constitucional de igualdade
tampouco autoriza atribuir também ao executado essa faculdade. Reputa-se
que a entrega da escolha ao credor expressa o princípio externado no art.
612. O mesmo pode ser dito acerca da alienação por iniciativa particular. Se
a lei atribuiu a opção por essa via expropriatória apenas ao exequente, ela o
fez considerando seu especial interesse nos rumos da execução.
Por outro lado, não se desconsidera aqui a máxima do menor
sacrifício, expressa no art. 620 (“Quando por vários meios o credor puder
promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso
para o devedor”). Mas ela não dá suporte à legitimação do executado para
requerer a via expropriatória do art. 685-C – e, sim, enseja solução que,
embora similar sob o aspecto econômico, reveste-se de outra natureza
jurídica. Nos casos em que o executado constata haver uma excelente
oportunidade de alienação do bem penhorado, que propiciará um resultado
melhor e mais rápido do que com a hasta pública, a solução reside em ele
obter a autorização do juiz para vender, ele mesmo ou por meio de corretor
por ele escolhido, o bem que lhe pertence – com o dinheiro do preço sendo
diretamente encaminhado ao juízo executivo pelo comprador. A
autorização prévia destinar-se-á a afastar a caracterização de fraude à
execução e do respectivo crime (CP, art. 179). O exequente terá de ser
previamente ouvido e poderá opor-se a tal venda, indicando sua
inadequação no caso concreto. De todo modo, quando for implementada tal
solução, não se estará diante da via expropriatória executiva prevista no art.
685-C. Ter-se-á pura e simplesmente um negócio jurídico privado de
compra e venda, realizado pelo proprietário do bem penhorado, com a
autorização do juiz.

4.3 A Situação de Outros Credores Com Penhora ou Garantia Sobre o


Bem Penhorado
Cabe ainda indagar se outros credores com garantia real ou penhora
sobre o mesmo bem teriam legitimidade para pleitear a alienação por
iniciativa privada. Aqui também, em princípio, a resposta é negativa.

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Quando pretendeu estender a esses credores uma faculdade exercitável no


processo executivo movido por outrem, a lei o fez expressamente. É o caso
da adjudicação, por exemplo (art. 685-A, § 2º). Novamente, cabe invocar,
além da letra expressa do art. 685-A, caput, o princípio explicitado no art.
612, segundo o qual a execução singular realiza-se no interesse do credor
que a promove.
Apenas não se pode descartar em termos absolutos a hipótese de um
daqueles outros credores estar investido de excelentes condições práticas
para assumir a iniciativa de alienação do bem. Estando ele disposto a tanto,
e havendo concordância do exequente, não há razão para rejeitar que ele
fique incumbido da alienação. Nesse caso, o ato terá natureza executiva,
expropriatória, e deverão ser observadas as regras do art. 685-C.

5 – APERFEIÇOAMENTO DA ALIENAÇÃO POR INICIATIVA PARTICULAR


Uma vez ocorrendo a alienação por iniciativa do credor ou por
intermédio do corretor, o ato será formalizado por um termo nos autos. O
termo deverá ser assinado pelo juiz, pelo exequente, pelo adquirente do
bem e, estando presente, pelo executado (art. 685-C, § 2º). Mais do que
meramente assinar um documento, o juiz, nessa oportunidade, verifica a
correção do ato à luz da lei e dos parâmetros gerais que estabeleceu e, sendo
positivo esse juízo, homologa a alienação.
A participação do executado é dispensável e irrelevante para a
perfeição do ato, dada a natureza executivo-expropriatória da alienação em
exame21. Quando muito, sua intervenção no termo implicará preclusão
lógica da faculdade de impugnar a alienação realizada – ficando
ressalvadas, de todo modo, as nulidades absolutas, de ordem pública. Por
tais razões, não cabe obrigar o executado a firmar o termo. Se ele não quer
assiná-lo, lavra-se o documento sem a sua participação.
Uma vez lavrado o termo, a alienação está aperfeiçoada, tornando-se,
em princípio, irretratável.
A remição da execução é possível até a lavratura do termo de
alienação (art. 651). Já os embargos de segunda fase podem ser opostos em
cinco dias contados da assinatura do termo (art. 746, caput).

21 Nesse sentido: ASSIS, Araken de. Manual..., n.286.5, p.733; FERNANDES, Sérgio de Arruda. Atos de
expropriação..., n.7, p.1508.

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Embora aperfeiçoada a alienação com o termo, se houver embargos


de segunda fase (“embargos à alienação”), permite-se o arrependimento do
adquirente – hipótese em que de imediato ele receberá de volta o que havia
pago, ficando desfeita a alienação (art. 746, §§ 1º e 2º). Quanto aos limites
dentro dos quais pode ser exercida essa faculdade de desistência, remeto a
ensaio anterior de minha autoria22.
Se o bem for imóvel, depois de lavrado o termo, será expedida uma
carta de alienação, que servirá para a realização do registro da transferência
do bem na matrícula do imóvel. Se for um bem móvel, será expedido o
mandado de entrega do bem ao adquirente. Embora as disposições
atinentes à alienação por iniciativa particular silenciem a respeito, a
expedição da carta de alienação ou do mandado de entrega do bem apenas
poderá ocorrer depois de pago o preço da aquisição ou, se ela não for à
vista, após prestadas as garantias. Aplica-se analogicamente a regra do
parágrafo único do art. 693 (acrescido pela Lei 11.382/2006): “A ordem de
entrega do bem móvel ou a carta de arrematação do bem imóvel será
expedida depois de efetuado o depósito ou prestadas as garantias pelo
arrematante”.

6 – POSSIBILIDADE DE REGULAMENTAÇÃO PELOS TRIBUNAIS – A


EFICÁCIA IMEDIATA DO ART. 685-C
Os tribunais poderão expedir provimentos administrativos
regulamentando detalhes da alienação por iniciativa particular, nos seus
respectivos âmbitos de competência. Poderão inclusive ditar regras sobre a
utilização de meios eletrônicos. Os tribunais deverão também disciplinar o
modo de credenciamento dos corretores, os quais, reitere-se, precisarão ter
um mínimo de cinco anos de experiência profissional (art. 685-C, § 3º).
Nessa disciplina, fica vetada a inclusão de qualquer requisito para
cadastramento que afronte a isonomia ou seja injustificadamente restritivo –
sob pena de violação a normas constitucionais (CF, art. 5º, caput e I, e art.
170, IV)
Autorizada doutrina considera duvidosa a própria
constitucionalidade da atribuição dessa competência regulamentar aos
tribunais, por reputar que não se trataria de matéria atinente à mera
organização interna desses órgãos nem relativa à organização dos “serviços

22 Direito de desistência de aquisição de bem em execução, passim.

30
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auxiliares” dos juízos a eles vinculados23. Mas a regra escapa da pecha de


inconstitucional desde que se reconheça, como feito aqui (nº 3.5), que o
corretor ou mesmo o próprio credor, quando incumbido da alienação,
assume a função de auxiliar da Justiça.
De todo modo, na regulamentação que vierem a editar, os tribunais
terão de cuidar para não desnaturar o dinamismo e a flexibilidade que se
pretendeu conferir à alienação por iniciativa particular. Todo e qualquer
regramento que vá nessa indevida direção será inválido por exorbitar os
limites postos pela lei a ser regulamentada.
Por outro lado, a aplicação do novo meio expropriatório independe
da sua regulamentação pelos tribunais. As normas do art. 685-C são de
aplicabilidade imediata24. A regulamentação prestar-se-á apenas a conferir
maior operacionalidade e uniformidade ao emprego do mecanismo. Mesmo
a intervenção de corretores pode ocorrer independentemente da
regulamentação, como visto acima (nº 3.5). item 6
7 – SITES DE ALIENAÇÃO DE BENS PENHORADOS NA INTERNET
Conforme indicado, os regulamentos editados pelos tribunais
poderão prever inclusive o emprego de meios eletrônicos. É possível, assim,
a existência de sites na internet especializados na alienação de produtos
penhorados. Esse pode vir a ser um importante ambiente para o
desenvolvimento da alienação por iniciativa particular – sobretudo no que
tange a bens de pequeno valor econômico, cujas tentativas isoladas de
alienação, fora de uma estrutura que trabalhe em escala, seriam muito
onerosas.
Na linha do que já se apontou no item anterior, não fica descartado o
emprego de meios eletrônicos mesmo antes de haver regulamentação da
matéria pelos tribunais. Desde logo, corretores que já atuariam
normalmente se valendo de meios eletrônicos, na medida em que venham a
ser designados para atuar, poderão empregar esses recursos. O mesmo se
diga em relação a exequentes que assumam de modo direto a incumbência.

23 MOREIRA, J. C. Barbosa. O novo processo..., 2ª parte, § 10, n. III.3; ASSIS, Araken de. Manual..., n.286,
p.731.
24 Como reconhece maciçamente a doutrina: BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma...,

n.79, p.191; GAJARDONI, Fernando. Reflexões sobre o novo regime de expropriação..., n.4, p.190;
Assis, Araken de. Manual..., n.286.2, p.732; HOFFMAN, Paulo. Nova execução..., p.163; ALVES,
Francisco Glauber Pessoa. A nova execução..., n.5.8, p.1265; QUARTIERI, Rita. Comentários..., n.2 ao
art. 685-C, p.271; CÂMARA, Alexandre. O novo regime..., n.IV, p.13.

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A regulamentação servirá, sobretudo, para disciplinar a constituição de sites


especificamente destinados a tal finalidade.

8 – NATUREZA DA ALIENAÇÃO POR INICIATIVA PARTICULAR


Para o exame do tema, é conveniente breve recapitulação das disputas
havidas quanto à natureza da própria alienação judicial mediante hasta
pública (arrematação).
Em épocas pretéritas, já se buscou explicar a natureza da alienação
judicial de bens do executado pelo Estado sob o prisma do direito privado:
haveria compra e venda, com o Estado atuando como representante do
devedor25. Tal tese está hoje descartada. O Estado não age como procurador
do devedor quando lhe expropria bens. O representante atua em nome e no
interesse do representado, e o Estado, na arrematação, não atua no interesse
do executado (a atividade estatal executiva independe da vontade do
devedor).
Uma segunda teoria reconheceu o caráter público da arrematação,
mas sem abandonar a ideia de compra e venda: o Estado não desapropriaria
do devedor o bem penhorado em si, mas a faculdade de alienar tal bem, a
fim de, no mesmo ato, realizar a venda do bem, em nome próprio e tendo
em vista seu próprio interesse de cumprir a função jurisdicional26.
Hoje prevalece terceira orientação, que reconhece o caráter público da
alienação judicial. É ato de império do Estado, de natureza jurisdicional
executiva. O próprio órgão jurisdicional, no exercício de sua função, ao
mesmo tempo em que expropria, transfere a título oneroso o direito do
executado para outrem27.
Essa explicação é complementada por outra vertente doutrinária com
a lembrança de que, por outro lado, o arrematante (adquirente do bem)
pratica ato negocial. Ao realizar oferta para a aquisição do bem, manifesta
sua vontade – que é indispensável para que a alienação judicial ocorra.
Portanto, se na essência do ato predomina seu caráter público e coativo

25V., p. ex., PEREIRA E SOUSA (Primeiras linhas..., § 423 e nota 802, p.344).
26Assim, CHIOVENDA (Instituições..., v.I, n. 87, p.354).
27 LIEBMAN. Processo de execução, n.68, p.150; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições..., v.IV,

n.1.701, p.553; THEODORO JR., Humberto. Curso..., v.II, n.857, p.368; GRECO FILHO, Vicente. Direito
processual..., v.3, n.12.5, p.82; MOREIRA, J. C. Barbosa. O novo processo civil..., 2ª parte, § 10, n.VI..1,
p.256; SILVA, Ovídio Batista da. Curso..., v.2, n.13.1, p.100; NEVES, Celso. Comentários..., v.7, n.47,
p.92.

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(pois independe da vontade do executado), nem por isso deixa de haver


aspecto negocial (porque se faz necessária a manifestação de vontade do
adquirente). Não há compra e venda, mas negócio jurídico processual28.
Traçado esse panorama, cabe verificar se relativamente à alienação
por iniciativa particular há algum fator que justifique atribuição de natureza
diversa.
A resposta é negativa. O meio expropriatório previsto no art. 685-C
não difere da arrematação, no essencial. Também aqui não se trata de um
ato meramente convencional, contratual. É ato de império do Estado, de
natureza jurisdicional executiva29. A transferência de propriedade do bem
não depende da vontade do executado. Há expropriação executiva. É o
próprio órgão jurisdicional, no exercício de sua função, que transfere a título
oneroso o direito do executado para outrem. O caráter convencional está
presente, tal como na arrematação, apenas na perspectiva do adquirente.
A circunstância de o próprio credor ou o corretor intermediar essa
operação não afeta a natureza pública do ato. Tem-se apenas a delegação da
tarefa de se encontrar um adquirente para o bem a ser executivamente
expropriado. E, a rigor, não há uma diferença qualitativa entre a
modalidade em exame e diversas outras. A questão é de gradação. Na
praça, tal tarefa é desempenhada por um agente que integra a própria
estrutura administrativa do Judiciário, um serventuário da justiça. Já no
leilão, o leiloeiro, embora investido de um múnus público no exercício de
sua função, é alguém formalmente alheio à estrutura estatal (tanto que, no
CPC de 1939, a alienação judicial conduzida por leiloeiro era incluída entre
as modalidades de “alienação por iniciativa particular” – CPC/1939, art.
973, § 1º). Na hasta pública eletrônica, poderão atuar, mediante convênio
com os tribunais, entidades públicas ou privadas (art. 689-A, acrescido pela
Lei 11.382/2006). Portanto, dentro desse panorama, a alienação por
iniciativa particular retrata apenas um grau maior de privatização da tarefa
de intermediar a alienação. Mas, como em todos esses outros casos, está
presente a essência pública do ato expropriatório executivo.

28 PONTES DE MIRANDA. Comentários..., t.X, n.3, p.270; ASSIS, Araken de. Comentários..., v.9, n.1, p.269,
e Manual..., n.274, p.701-702.
29 ASSIS, Araken de. Manual..., n.284, p.730; THEODORO JR., Humberto. A reforma da execução..., n.52.1,

p.128, e Curso..., v.2, n.855, p.365; FERNANDES, Sérgio de Arruda. Atos de expropriação..., n.7,
p.1507, nota 32. DANILO KNIJNIK também reconhece ser “meio executivo”, ainda que
desenvolvido em “procedimento híbrido” (A nova execução..., n. 163, p.246).

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Em suma, a alienação por iniciativa particular tem caráter público: é


ato executivo, expropriatório, vinculado indissociavelmente a um negócio
jurídico processual.
Longe de ser questão meramente acadêmica, a constatação do caráter
público da arrematação tem reflexos práticos (p. ex., no que tange à
responsabilidade por evicção ou por defeitos no bem)30.

9 – CONSTITUCIONALIDADE DO NOVO MEIO DE EXPROPRIAÇÃO


EXECUTIVA
Cabe ainda examinar a constitucionalidade da alienação por iniciativa
privada como meio executivo. Haveria algum problema em se delegar ao
próprio exequente ou a um corretor essa tarefa? A resposta é negativa. Na
medida em que a alienação deverá ocorrer no mínimo pelo valor dado ao
bem na avaliação, fica descartada qualquer objeção. Afinal, se o credor pode
ele mesmo ficar com o bem, pelo valor da avaliação – adjudicando-o –, nada
impede que encontre um terceiro que o adquira por esse mesmo preço ou
até um melhor.
Nem se diga que a ilegitimidade constitucional da alienação por
iniciativa particular residiria na ausência de uma licitação para definir o
adquirente do bem. O argumento não se justifica, tendo em vista a realidade
do processo executivo. Se a alienação judicial mediante hasta fosse um
sucesso e propiciasse de fato, nos casos concretos, propostas
verdadeiramente vantajosas e superiores ao valor da avaliação, a objeção até
seria pertinente. Todavia, a hasta pública é um mecanismo muito pouco
eficiente e atrativo. A alienação por iniciativa particular constitui uma
tentativa razoável de se encontrar um novo caminho, que diminua os riscos
de fracasso, hoje enormes, da execução.
Além disso, a possibilidade da utilização de um corretor de imóveis
que encontre um interessado na aquisição do bem penhorado, embora
esquecida na prática, já era antes prevista em nosso ordenamento (CPC, art.
700, que foi revogado pela Lei 11.382) – sem que jamais se tivesse posto em
dúvida sua constitucionalidade.
Note-se que a alienação por iniciativa privada, tal como ora prevista,
é figura inconfundível com determinadas modalidades de “execução
privada”. Essas fundam-se em verdadeiras – e de discutível legitimidade –

30 Sobre tais aspectos, v. WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI. Curso avançado..., v.2, n.10.11, p.260-261.

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autorizações de autotutela veiculadas em determinadas leis especiais


(alienação fiduciária em garantia: Dec.-Lei 911/1969, art. 2º, e Lei
9.514/1997, art. 27; cédulas hipotecárias: Dec.-Lei 70/66, arts. 31 e seguintes;
sistema financeiro da habitação: Lei 5.741/1971, art. 1º, c.c. Dec.-Lei 70/66,
arts. 31 e 32, etc.)31. Na alienação por iniciativa privada, o procedimento
expropriatório e a transferência de propriedade permanecem sob o integral
controle do juiz, que estabelece previamente os parâmetros a observar e
depois fiscaliza a correção dos atos praticados. Pode inclusive, se for o caso,
negar-lhes eficácia, não lavrando o termo de alienação. Já as “execuções
privadas” ora referidas desenvolvem-se fora do âmbito do Poder Judiciário
– que não dita parâmetros prévios nem possui um mecanismo direto,
automático, ex officio, de fiscalização simultânea ou posterior (o controle da
“execução privada” dependerá do acionamento do Judiciário por sujeito
legitimado a tanto – normalmente, o devedor que se reputar prejudicado).
Portanto, as dúvidas e objeções postas à constitucionalidade das “execuções
privadas” são impertinentes em face da alienação por iniciativa particular.

10 – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS REGRAS SOBRE ARREMATAÇÃO


A constatação da natureza pública da alienação por iniciativa
particular, tal como de seus pontos em comum com as demais formas de
alienação para fins executivos, é relevante para a definição de sua disciplina
normativa.
O art. 685-C é extremamente lacônico. Remete parte da disciplina do
tema à atividade regulamentar dos tribunais. Mas, de todo modo, a
disciplina normativa da arrematação (alienação judicial) é subsidiariamente
aplicável à alienação por iniciativa particular. Por óbvio, não se aplicarão a
essa modalidade as regras concernentes ao certame licitatório que
caracteriza a praça e o leilão. Contudo, são perfeitamente aplicáveis as
regras atinentes à expropriação executiva, considerada em si mesma, que
estão veiculadas na parte do Código dedicada à arrematação32. Tomem-se
como exemplo as regras que proíbem determinadas pessoas de arrematar o
bem (CPC, arts. 690-A e 695): incidem também na alienação por iniciativa

31 No mesmo sentido: KNIJNIK, Danilo. A nova execução..., n.163, p.245; GAJARDONI, Fernando.
Reflexões sobre o novo regime de expropriação..., n. 4, p.190.
32 Como já destacado em ocasião anterior (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI. Curso avançado..., v.2,

n.10.10, p.259). No mesmo sentido, WAMBIER, L. R.; WAMBIER, Teresa; MEDINA. Breves
comentários..., v.3, p.157, AMARAL, Paulo Osternack. A nova configuração da execução..., n.12,
p.106.

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particular. Considere-se ainda a previsão segundo a qual, sendo acolhidos


os embargos do executado, mesmo assim a arrematação não se desfaz (CPC,
art. 694, caput, na redação dada pela Lei nº 11.382): é também aplicável à
modalidade de alienação ora em exame.

11 – ALIENAÇÃO POR INICIATIVA PRIVADA DE BENS GRAVADOS COM


GARANTIA REAL OU ATINGIDOS POR OUTRAS PENHORAS
A aplicação subsidiária das regras relativas às outras formas
expropriatórias assume especial relevância quando o bem penhorado for
objeto de garantia real ou estiver atingido também por penhoras em favor
de outros credores.
Nessa hipótese, há regras gerais (algumas das quais inclusive fora do
Código) consagrando preferências a determinados credores na aquisição do
bem em execução. Tais regras, frise-se, nem sequer se restringem à
arrematação. Incidem do mesmo modo na adjudicação.
Diante disso, duas soluções seriam imagináveis, nesses casos: 1ª) ou
se reputa inviável a alienação por iniciativa particular; 2ª) ou se desenvolve
incidente, em tal modalidade expropriatória, que permita ao credor
detentor da preferência o seu eventual exercício. Essa segunda solução –
que procura dar maior alcance à nova modalidade expropriatória, mas sem
desrespeitar os efeitos advindos de outros institutos – é a mais razoável.

12 – APLICAÇÃO AO PROCESSO EXECUTIVO E AO CUMPRIMENTO DE


SENTENÇA
A alienação por iniciativa privada pode ser empregada em todas as
execuções por quantia certa que seguem o procedimento comum, sejam elas
amparadas em título judicial ou em título extrajudicial. A distinção existente
entre o cumprimento de sentença (arts. 475-J e seguintes) e o processo de
execução por quantia certa (CPC, Livro II) concerne apenas à fase inicial de
cada um dos dois procedimentos e ao mecanismo típico de defesa do
devedor (impugnação em um caso, embargos no outro). No mais, tem-se
um regime jurídico único. Há inclusive regras explícitas assegurando a
comunicabilidade das normas de uma e outra via executiva (arts. 475-R e
598).
Assim, todo o regime de expropriação de bens penhorados é regulado
apenas pelo Livro II do Código, mas se aplica integralmente ao
cumprimento de sentença. Nesse sentido, há impropriedade em se referir ao

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Livro II e à Lei 11.382/2006, que recentemente o reformou, como sendo


atinentes apenas às execuções de título extrajudicial. Ambos concernem às
execuções em geral (mesmo porque há hipóteses de execução fundada em
título judicial ainda integralmente reguladas pelo Livro II).

13 – APLICAÇÃO A PROCEDIMENTOS EXECUTIVOS ESPECIAIS


Examinar-se-á o tema em relação a apenas alguns dos mais relevantes
procedimentos especiais de execução por quantia certa.

13.1 Execução de Alimentos: Aplicabilidade


Não há dúvidas quanto à aplicabilidade da alienação por iniciativa
particular à execução de alimentos – quando essa seguir a via da penhora e
expropriação de bens. Há regra expressa determinando a aplicação das
normas da execução por quantia certa (art. 732).

13.2 Execução Contra a Fazenda: Inaplicabilidade


Também não é nada difícil notar a total impertinência da via em
exame relativamente à execução monetária contra a Fazenda (CF, art. 100;
CPC, arts. 730 e 731), que se dá sem o emprego de meios expropriatórios –
exceção feita ao sequestro de quantia em caso de preterição de ordem ou
não pagamento de precatório parcelado.

13.3 Execução Fiscal: Inaplicabilidade


Mais complicado é definir a aplicação subsidiária do art. 685-C às
execuções fiscais, reguladas pela Lei 6.830/1980. Para tanto, cabe ter em
vista duas diretrizes básicas, sempre relevantes quando se trata da relação
entre um regime jurídico-processual especial e outro geral.
Por um lado, o intérprete tem de sempre lembrar que a instituição de
um procedimento especial não é mero capricho ou ritualismo do legislador.
Criam-se formas especiais de ação, de tutela, tendo-se em vista as
peculiaridades da situação de direito material, o tipo do litígio que precisa
ser resolvido. Com as regras especiais, busca-se uma solução mais eficiente
para aquele tipo de litígio – e não uma solução mais burocrática. Então, toda
a interpretação das regras específicas do procedimento especial e toda a
aplicação das regras gerais ao procedimento especial não podem perder
essa noção de vista. A existência de um regramento especial para um dado

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procedimento não afasta a incidência do regime geral, naquilo que for


compatível.
Por outro lado, não é possível ignorar a letra da lei. Se há regras
explícitas, expressas, estabelecendo um regime diferenciado no
procedimento especial, não se pode simplesmente as desconsiderar, sob o
argumento de que as regras gerais são melhores ou mais modernas. Ou bem
se identifica uma exata inconstitucionalidade em cada regra do
procedimento especial – e daí sim pode-se deixar de aplicá-la ao caso
concreto porque ela é inconstitucional –, ou, não sendo assim, tem-se de
aplicá-la, por menos que dela se goste. Assim, as novas regras gerais sobre
execução, por melhores que sejam, apenas poderão ser aplicadas se não
houver na disciplina da execução fiscal regra expressa no sentido oposto.
É o que se passa na hipótese em exame. O art. 23 da Lei 6.830/1980
prevê que “a alienação de quaisquer bens penhorados será feita em leilão
público”. Tal norma exclui a incidência da alienação por iniciativa privada
nas execuções fiscais33.
Não se ignora que o art. 23 da Lei das Execuções Fiscais representou
uma flexibilização diante do regime geral executivo, que previa (e ainda
prevê) a praça, forma de hasta pública mais complexa, para os bens imóveis.
A utilização de leilão para “quaisquer bens” visou a dar mais simplicidade
ao procedimento executivo fiscal. No entanto, enquanto vigente tal preceito,
com seus termos absolutos, fica excluída a alienação por iniciativa privada.
Não bastasse essa razão, há ainda outra, em certa medida ainda mais
profunda, para se afastar o emprego da alienação por iniciativa particular
nas execuções fiscais. A alienação por iniciativa privada retrata uma
alternativa aos procedimentos licitatórios realizados em sede executiva.
Mas, em regra, atribuir a iniciativa da alienação executiva à Administração
não viabilizaria essa alternativa. Afinal, em regra, todas as operações de
contratação (alienações, inclusive) promovidas pela Administração Pública
devem submeter-se a certame licitatório, que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes (CF, art. 37, XXI). Não faria sentido
escapar do procedimento licitatório judicial constituído pela hasta pública
para se cair no procedimento licitatório regrado pelo direito administrativo.

33 No sentido da inaplicabilidade do mecanismo em exame à execução fiscal, vejam-se as


ponderadas observações de LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, que além de qualificado
processualista é procurador do Estado (As mudanças no processo de execução..., n.9, p.338-339).
Contra: ASSIS, Araken de. Manual..., n. 466, p.1048.

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Uma solução mais flexível e operacional – desde que superado o óbice do


art. 23 da Lei 6.830/1980 – ficaria restrita a bens de menor valor, para cuja
alienação o direito administrativo dispensa certame licitatório.

13.4 Falência e Execução Contra Devedor Insolvente: Inaplicabilidade


Não há também como utilizar a alienação por iniciativa privada na
duas modalidades de execução universal.
Na execução contra devedor insolvente, está previsto que a alienação
obrigatoriamente se dará mediante leilão ou praça (art. 773).
Na execução falimentar, a alienação dos bens do ativo será feita por
leilão com lances orais ou propostas fechadas ou pregão (Lei 11.101/2005,
art. 142). Nenhuma das três modalidades – todas elas antecedidas da
publicação de editais e implicando uma competição entre propostas –
coaduna-se com a dinâmica e a finalidade da alienação por iniciativa
privada34.

14 – DIREITO INTERTEMPORAL
A alienação por iniciativa particular pode ser adotada inclusive nas
execuções instauradas antes do início da vigência da Lei 11.382/2006. Para
tanto, basta que ainda não se tenha iniciado o procedimento preparatório da
hasta pública, nomeadamente com a publicação de edital35. Se isso já houver
ocorrido, a opção pela via do art. 685-C dependerá do consenso entre as
partes.
Mas, como já se indicou, mesmo que os editais já estivessem
publicados por ocasião da vigência da nova lei, e desde que ainda não
realizada a hasta, também seria possível que o exequente, assumindo os
custos desses atos preparatórios, optasse pela alienação por iniciativa
privada (v. nº 3.1, acima).
De resto, nada impede que, sendo infrutífera a hasta inteiramente
realizada ou cujo procedimento iniciou-se antes da vigência da Lei

34 Contra: ALEXANDRE LAZZARINI, para quem a proposta fechada seria compatível com a alienação
por iniciativa privada (Considerações sobre a repercussão da recentes alterações do CPC..., n.5,
p.133).
35 Nesse sentido: FABIO TABOSA PESSOA, que inclusive ressalva a hipótese do consenso entre as

partes, a seguir cogitada (A Lei 11.382/2006 e o direito intertemporal, n.III.7, p.132), e CASSIO
SCARPINELLA BUENO (A nova etapa da reforma..., v.3, n.80, p.191-192).

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11.382/2006, o exequente, depois disso, requeira a alienação por iniciativa


privada36.

15 – ARREMATE
O processo civil brasileiro – em especial a execução por quantia certa
– passou por diversas reformas nos últimos anos. Mas, ainda que em geral
as novas regras possam receber uma avaliação abstrata positiva, o sucesso
da execução civil no Brasil depende, acima de tudo, de uma clara tomada de
postura acerca dos resultados que se quer atingir.
A atividade jurisdicional executiva tem um fim claro e único: a
satisfação do crédito já consagrado no título executivo. Sob essa perspectiva,
todas as garantias que sem dúvida também vigoram em prol do réu da ação
executiva – em especial contraditório e menor onerosidade dos meios
empregados (proporcionalidade) – devem funcionar estritamente como
balizas destinadas a assegurar que a execução desenvolva-se nos limites do
necessário para a satisfação do crédito, de modo a não sacrificar o executado
mais do que o suficiente para que tal escopo satisfativo seja atendido. As
formalidades invocadas como garantias do executado – fator de controle da
atividade executiva – não podem ser hipertrofiadas a ponto de assumir uma
relevância divorciada da finalidade a que se destinam. Quando tal patologia
ocorre, tem-se o mero fetichismo das formas. Cai-se no estéril “garantismo”.
Nesse ponto, pode-se invocar recente ensaio de CARLOS ALBERTO A.
DE OLIVEIRA, em que se diferencia o “formalismo valorativo” (i.e., o respeito
às formalidades como meio de busca dos adequados resultados do
processo) do “formalismo excessivo” (i.e., o fetichismo das formas, acima
apontado). Como escreve o processualista gaúcho: “Nesse caso, o
formalismo se transforma no seu contrário: em vez de colaborar para a
realização da justiça material, passa a ser o seu algoz, em vez de propiciar
uma solução rápida e eficaz do processo (...)”, obsta “a que o instrumento
atinja a sua finalidade essencial”37.
Assim, mais do que de lei novas, a execução civil brasileira depende
da adequada aplicação das normas que a regem, tendo-se sempre em vista a
finalidade do processo executivo. Dois são os fatores que fazem com que em
geral sejam pífios os resultados de nossa execução civil. Por um lado, há a

36 Também nesse sentido, BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma, n.80, p.192.
37 OLIVEIRA, Carlos Alberto A. de. O formalismo valorativo no confronto com o formalismo
excessivo. Revista Forense, v.388, p.11-28, 2006. O trecho transcrito está no n. 4, p. 19.

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ausência de aplicação severa das regras de preservação e identificação do


patrimônio penhorável (p. ex., a rigorosa observância das normas sobre
fraudes). Por outro – e esse é o aspecto que aqui especialmente importa –, há
uma excessiva adoção de formalismos que são desnecessários à efetiva
garantia das partes, são alheios aos fins legítimos da execução e, por fim,
não são sequer extraíveis da correta interpretação das normas legais sobre o
tema. Em casos extremos, o procedimento executivo é transformado em
uma espécie de gincana, em que se estabelece um itinerário irracional a ser
cumprido pela máquina judiciária (juiz e seus auxiliares) e pelo exequente.
Um jogo dificílimo em que qualquer deslize faz com que se ponha tudo a
perder: consomem-se anos para a repetição de atos, gastam-se novamente
imensas quantias, afugentam-se os terceiros eventualmente interessados na
aquisição executiva dos bens penhorados – e assim por diante.
Enquanto não forem superados esses problemas de postura concreta,
nenhuma reforma legislativa será suficiente. Todas serão inócuas.
Essa advertência é fundamental para a figura em exame.
Optou-se por um regramento extremamente lacônico e simplificado
para a alienação por iniciativa privada. A ideia é de assim garantir-se maior
flexibilidade e dinamismo à nova figura – a fim de incentivar o seu uso.
Afinal, de nada adianta o legislador decretar que doravante essa
modalidade é preferível à alienação em hasta pública. É preciso que se
estabeleçam condições práticas que conduzam a seu amplo emprego.
A questão é saber se o resultado não será o oposto do desejado. Em
outras oportunidades, a disciplina extremamente sintética, contida,
contribuiu para suscitar uma infinidade de dúvidas que acabaram por
dizimar a utilidade prática do mecanismo disciplinado (considere-se quão
raro é o uso da ação declaratória incidental e da maioria das formas de
intervenção de terceiros; lembre-se da própria ação monitória, pouco
utilizada entre nós, em comparação com seu largo emprego em outros
países...).
Sem prejuízo da aplicabilidade imediata do novo mecanismo (v. nº 6,
acima), caberá a cada Tribunal, no exercício da competência que a Lei nº
11.382 expressamente lhe atribuiu, regulamentar a alienação por iniciativa
particular de modo a afastar incertezas quanto ao seu desenvolvimento, mas
sem burocratizá-la nem transformá-la em refém de corporações e interesses
cartoriais.

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