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ISSN: 2525-8761
RESUMO
Os mitos sociais contemporâneos apresentam base constitutiva e inferências nas
perspectivas midiáticas. A partir da correlação referencial do sebastianismo em Padre
Antônio Vieira, pauta-se em um processo metodológico seguindo a base vieiriana sobre
a composição literária do sebastianismo no Brasil, o messianismo vieiriano, a cultura
midiática e a construção de mitos atuais. Discute-se também a posição das ferramentas
da mídia na estruturação das imagens, dos mitos e da percepção social das pessoas às
imagens simbólicas entre o produto e o desejo, pelo dinamismo da relação poder-
dependência aos mitos contemporâneos.
ABSTRACT
Contemporary social myths have a constitutive base and inferences in media perspectives.
Based on the referential correlation of sebastianism in Padre Antônio Vieira, a
methodological process is conducted following the Vieirian base on the literary
composition of sebastianism in Brazil, Vieirian messianism, the media culture, and the
construction of current myths. The position of media tools in the structuring of images,
myths and the social perception of people to symbolic images between product and desire
is also discussed, by the dynamism of the relationship power-dependence to
contemporary myths.
1 INTRODUÇÃO
Um homem que gostava de tratar de assuntos que poucos discutiam durante o
ofício, orador, intuitivo, visionário e, ao mesmo tempo, imbuído de pedagogia: este era
Antônio Vieira. Era padre, porém envolvido em assuntos políticos. Criticava a cultura e
a política de modo polêmico e sarcástico, tornou-se odiado pela corte portuguesa, pelos
colonos, pelos dominicanos e por tantos outros. No entanto, Padre (Pe.) Antônio Vieira
tem imensa importância para nossa literatura e educação.
Os pensadores Bauman e Mazzeo (2020) expressam, em um diálogo entre a
sociologia e a literatura, que esta última é extraordinária em sua capacidade de interpretar
nossas existências e acontecimentos de nossa época, e uma possibilidade de interpretação
de fatos das mídias sociais na construção dos mitos atuais. Por intermédio da perspectiva
crítica desses escritores, podemos posicionar as contribuições de raciocínio desse célebre
jesuíta, Padre Antônio Vieira, quando do seu ofício utilizava-se do púlpito para assuntos
políticos.
Pe. Antônio Vieira era jesuíta e contribuiu muito com a educação. Além de sua
função religiosa, muitas atividades que ele e outros religiosos exerciam entre os
portugueses constituíam uma forma de reforçar a sua posição política. Tinha presente em
sua maneira de agir o respeito pelo governo espiritual, que visava à salvação do homem
por meio da religião ou moral, também se referia àquilo que era sobrenatural; e o governo
temporal, poder do Estado como organização institucional privilegiada de comunicação
da vontade humana, também daquilo que era terreno, mundano, natural e político. Esse
era um estilo próprio dos inacianos: pessoas que valorizavam o político como expressão
fundamental da ação de Deus.
Na fase colonial do Brasil, a educação regida pelos jesuítas foi uma importante
obra realizada no que diz respeito às consequências para a nossa cultura. Além disso,
também implantaram instrumentos na propagação da cultura europeia por meio da
catequese aos índios nas aldeias, sempre fundamentada em uma educação religiosa. Eles
ficaram dois séculos à frente do ensino brasileiro e, conforme relata Olinda (2003), as
escolas fundadas pelos jesuítas iniciaram uma política educativa de disseminação da fé e
da obediência e, assim, não somente catequizavam, mas levavam a fé e a cultura ao povo
nativo.
Cabe mencionar ainda que a literatura nacional no período colonial entrecruza
diversos estilos, entre eles: barroco, arcádico e neoclássico. O Pe. Antônio Vieira é a
materialização dessa literatura nesse momento histórico. A colônia brasileira começa a
assumir a sua própria produção e estabelece certa competição com os portugueses.
Tal literatura, a brasileira, expressada com características portuguesas mesmo
tendo rivalidades existentes, pois não possuía um instrumento linguístico autônomo, se
utilizava da língua trazida para o Brasil pelos colonos europeus. Por sua vez, essa língua,
a portuguesa, se sobrepôs às indígenas (nativas) como língua de cultura.
3 MESSIANISMO VIEIRIANO
O saudosismo vieiriano foi praticamente messiânico e esse messianismo de Pe.
Vieira foi a metafísica escolástica animada pela fé. A metafísica na filosofia estudava as
coisas que existiam no mundo utilizando-se de raciocínios e argumentos. Por seu turno,
a escolástica foi a produção filosófica na Idade Média entre os séculos IX e XIII. Cabe
ressaltar que a escolástica foi um período de intenso domínio católico na Europa e sua
estrutura está relacionada ao seu tempo.
Já o messianismo, profetismo, está na base da parenética (do grego parainetikós),
na coleção dos sermões ou discursos morais da época e previa um império e um rei.
Bandarra (1545) profetizava a volta de Dom Sebastião: um homem que tinha perdido o
pai duas semanas antes do seu nascimento e havia recebido uma educação religiosa,
tornando-se um católico fervoroso. Isso reforçou o desejo do nascimento de um príncipe
que continuasse o governo. Ele assumiu o trono aos 14 anos e Portugal teve um período
de glória. Diziam que ele era teimoso e isso parece ter fundamento, pois seu tio, o rei
Felipe II da Espanha, tentou convencê-lo a não declarar guerra no Marrocos contra os
Mouros, mas não adiantou. Dom Sebastião tinha 24 anos quando seu exército enfrentou
as tropas do sultão Ahmed Mohammed, perto da cidade de Alcácer-Quibir, no Marrocos,
país localizado ao norte da África. Ele desapareceu após essa batalha, em agosto de 1579.
Com isso, estava aberta a longa e aflita temporada de espera pela volta do rei.
De acordo com Tucci (1984), a figura real e o mito do sebastianismo se misturam
com a pessoa do rei Dom Sebastião. Sua volta à pátria foi aguardada por décadas, mesmo
após a impossibilidade de ele estar vivo. A ausência do corpo fortaleceu as lendas e a
espera do povo português pelo retorno do seu líder. Era a mesma esperança que alguém
viria para salvar Portugal das suas crises econômicas e políticas. Dessa maneira, ele se
transformou em uma lenda de salvação do país.
Pe. Vieira lia as profecias de Bandarra, mas as interpretava de forma diferente.
Vieira tinha uma tendência mística sustentada pela leitura de vários livros da Bíblia, assim
como Bandarra. A influência era tida de modo particular pelos livros de Daniel, Ezequiel,
Zacarias e Apocalipse. Dessa forma, o mito do Quinto Império foi construído, tornando-
se uma característica do Sebastianismo.
O pesquisador Storniolo (2007) descreve que o profeta Daniel, livro e
personagem bíblico, tentou interpretar os sonhos do rei Nabucodonosor. Em um deles, o
rei, que é símbolo do imperialismo, sonhou com uma estátua formada por diversos
materiais, como ouro, prata, bronze e ferro-barro, que significavam, respectivamente, os
seguintes impérios: babilônico, medo, persa e grego. É importante salientar que o barro
estava misturado com o ferro. Nesse sentido, ele estava se referindo ao tempo conflitivo
que estava vivendo: era firme como o ferro, mas também frágil como barro. Pe. Vieira
fazia uma interpretação teológica dessa passagem afirmando que o Quinto Império seria
o universalismo da Igreja Católica, como governo espiritual, e o domínio monárquico de
Dom João IV, como governo temporal.
Para Pe. Vieira, o mítico Quinto Império seria de domínio universal. Esse mito
surgiu para alimentar os portugueses ao desejo de serem criadores de civilização. Muito
provavelmente, essa ideia chegou ao Brasil com a contribuição de Pe. Vieira, porém com
uma nova roupagem. Segundo Tucci (1984), o império, na concepção de Vieira, seria o
[...] primogénito de suas Magestades, que Deus guarde Dom Henrique, como
Fénix nasceu Dom João ressuscitado; e Dom Sebastião concorreu com as suas
cinzas para a vida do mesmo Rei; porque debaixo das cinzas del-Rei Dom
Sebastião morto se conservou Dom João vivo (MARQUES, 2015, p. 228).
colonial eram usados para fomentar o desejo na sociedade, atualmente, a mídia cria o
mesmo sentimento por meio da publicidade.
O mito é usado na experiência política nos diversos setores comunitários, levando
em consideração o poder indivualista e a relação de poder-dependência. Existe uma
fronteira muito sensível geradora de dependência entre o produto e o consumidor. O
discernimento como fonte de decisão e de crítica permite interpretar adequadamente a
relação do ser humano, examinando seriamente todas as suas dimensões, a fim de
estabelecer uma forma mediadora madura na atitude relacional, que aproxima a pessoa
de toda sua integralidade, tornando-a menos alienada possível.
Segundo Marques (2015), no “Sermão da Epifania” pregado à Rainha Regente na
menoridade de el Rei, na ocasião em que a Companhia de Jesus chegou a Lisboa expulsa
das missões do Maranhão por defenderem os injustos cativeiros e a liberdade dos índios,
Pe. Vieira afirmou que era obrigação deles servirem aos índios, e não os nativos servirem
a eles, como estava acontecendo. Os indígenas levavam os padres em uma canoa, a
qualquer hora do dia ou da noite, quantas léguas fossem necessárias e a atitude relacional
que se desejava criar com aqueles que vinham de Portugal para o Brasil era de extrema
alienação.
O mito, hoje, está além de uma lenda contada e propagada, como acontecimento
histórico ou não, tentando unir passado e futuro. O universo midiático torna o ser humano
subjetivo. A cultura contemporânea transforma a prática relacional. O mito invade os
valores definidos pelos juízos morais àquilo que diz respeito aos seus interesses pessoais,
às suas relações privadas. Por meio de escolhas individualistas, o indivíduo coloca em
detrimento a adequação da ordem social, e classifica como secundário o que é público ou
comum.
A forte emotividade individual prevalece sobre o comunitário. A cultura atual
aponta para um relacionamento individualista e para a busca de poder. Esse caminho faz
o relacionamento individual egoísta dentro de qualquer ambiente social. A primeira
pessoa do plural é quase que inexistente. O mundo do entretenimento está invadindo as
experiências escolares, profissionais e recreativas; a dimensão da partilha e da vida
coletiva está fragilizada e, assim, a perspectiva relacional fica desintegrada.
Nesse sentido, a propaganda fornece uma gama enorme de mitologias
contemporâneas, cria imagens simbólicas na relação entre produto e desejo. Ter
consciência de que as pessoas não são objetos estabelece uma posição crítica diante da
cultura pós-moderna e se concretiza depois de um amadurecimento da própria identidade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Padre Antônio Vieira teve como objetivo a defesa dos injustiçados, notadamente,
os pretos, índios e judeus, em um projeto cultural e político denominado “Império do
amor universal” que seria implantando em seu mundo temporal. Ele lutou
incansavelmente ao enfrentar o tratamento desumano dado aos nativos que vinham da
África para serem escravizados. Além disso, enfrentou o servilismo humilhante dos
indígenas e alimentou a convicção de uma crença messiânica que contornaria a
escravidão, em favor da liberdade dos oprimidos.
A tentativa de atualização da crença messiânica de Pe. Vieira é, na verdade, esse
olhar crítico da utopia imputada nas mentes brasileiras, de passado marcado pela
escravidão de grande parte da população que foi privada de seu protagonismo. Por essa
estrutura colonial de dominação presente na cultura nacional, Padre Antônio Vieira
insistia, em diversos sermões, na necessidade de questionar a realidade, afirmando que os
olhos tinham um papel muito importante, porém, advertia para o perigo de não se perder
através da visão. De acordo com Marques (2015), no prólogo do “Sermão da quinta terça-
feira da quaresma” pregado em Roma na língua italiana à Sereníssima Rainha da Suécia,
Pe. Vieira expressou que o desejo natural do ser humano de ver era muito grande, mas o
apetite de ser visto, de ser reconhecido, era muito maior.
Na coleção completa das obras de Vieira (MARQUES, 2014), o púlpito desse
padre era considerado a única tribuna com certa liberdade em uma época que nem as
instituições parlamentares se comunicavam com tão grande público e com tanta eficácia.
Ele se utilizava desse instrumento com responsabilidade e competência, fazendo desse
local um espaço destinado a abater poderosos, a combater injustiças e, assim, refutar os
erros doutrinários.
Nesse sentido, ressalta-se que o dominador oprime a consciência do dependente
de forma monstruosa e violenta. Hoje, o mundo virtual envolve as vítimas da sua própria
falsidade. As violências aumentam cada vez mais, visto que a humanização passa
despercebida no processo midiático. Sendo assim, as mídias poderiam oferecer serviços
com essa mesma intencionalidade, estimulando, pelo seu amplo e eclético poder
disseminador, mais fraternidade e amor à humanidade, princípios aos quais o Padre
Antônio Vieira defendeu por toda a sua vida.
REFERÊNCIAS
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império. In: NEVES, João Alves das (org.). 400 anos: padre Vieira “Imperador da língua
portuguesa”. São Paulo, SP: Fundação Memorial da América Latina, 2009.
BARROS, Manoel de. Meu quintal é maior do que o mundo. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ:
Objetiva, 2015.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo, SP: Cultrix, 1977.
LEVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. São Paulo, SP: Ubu Editora, 2017.
MARQUES, João Francisco. Obra completa padre António Vieira: tomo II parenética.
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NEVES, João Alves das (org.). 400 anos: padre Vieira “Imperador da língua portuguesa”.
São Paulo, SP: Fundação Memorial da América Latina, 2009.
OLINDA, Sílvia Rita Magalhães de. A educação no Brasil no período colonial: um olhar
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153-162, jul./dez. 2003. Disponível em:
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20no%20Brasil%20no%20periodo%20colonial.pdf>. Acesso em: 20 out. 2010.
STORNIOLO, Ivo. Como ler o livro de Daniel. 4. ed. São Paulo, SP: Paulus, 2007.