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SUMÁRIO

1. PROGRAMA DA DISCIPLINA ........................................................................... 1


1.1 EMENTA .......................................................................................................... 1
1.2 CARGA HORÁRIA TOTAL ................................................................................... 1
1.3 OBJETIVOS ..................................................................................................... 1
1.3.1 OBJETIVOS GERAIS ....................................................................................... 1
1.3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................... 1
1.4 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO ............................................................................. 2
1.5 METODOLOGIA ................................................................................................ 2
1.6 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO ............................................................................... 3
1.7 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA .......................................................................... 3
CURRICULUM VITAE DO PROFESSOR ....................................................................... 3

2. TEXTO PARA ESTUDO ...................................................................................... 4


2.1 SESSÃO 1 ....................................................................................................... 4
2.1.1 BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA ..................................................................... 4
2.1.2 EMPRESA E EMPRESÁRIO ............................................................................... 5
2.1.3 ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL .................................................................. 7
2.1.4 AVIAMENTO.................................................................................................10
2.1.5 CLIENTELA E FREGUESIA ..............................................................................11
2.1.6 DISSOLUÇÃO PARCIAL X FUNDO DE COMÉRCIO ..............................................11
2.1.7 ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL (TRESPASSE) – NÃO
RESTABELECIMENTO ............................................................................................11
2.1.8 TEORIA DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E SUA FUNÇÃO SOCIAL .......................13
2.1.9 DISTINÇÕES ENTRE EMPRESÁRIO INDIVIDUAL E A EIRELI ................................15
2.1.6 ESTRUTURA DA EIRELI .................................................................................17
2.1.7 QUESTÕES DE AUTO MONITORAMENTO ..........................................................19
2.1.8 CASO GERADOR ...........................................................................................19
2.2 SESSÃO 2 ......................................................................................................19
2.2.1 SOCIEDADES ...............................................................................................19
2.2.2 QUESTÕES DE AUTO MONITORAMENTO ..........................................................27
2.3 SESSÃO 3 ......................................................................................................27
2.3.1 PERSONALIDADE JURÍDICA E PESSOA JURÍDICA .............................................27
2.3.2 SOCIEDADEES PERSONIFICADAS ...................................................................31
2.3.3 ÓRGÃOS SOCIETÁRIOS.................................................................................43
2.3.4 TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES ...................................................................44
2.3.5 QUESTÕES DE AUTO MONITORAMENTO ..........................................................44
2.3.6 CASO GERADOR ...........................................................................................45
2.4 SESSÃO 4 ......................................................................................................45
2.4.1 TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE ACORDO COM O
NOVO CPC ...........................................................................................................45
2.4.2 QUESTÕES DE AUTO MONITORAMENTO ..........................................................51
2.4.3 CASO GERADOR ...........................................................................................51
2.4.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................52
1

1. PROGRAMA DA DISCIPLINA

1.1 Ementa
Teoria Geral do Direito Societário. Breve abordagem histórica. Empresa e
empresário. Estabelecimento empresarial. Aviamento. Clientela. Freguesia. Trespasse.
Teoria da preservação da empresa. Função social. Empresário individual. Eireli.
Sociedades. Sociedades despersonificadas. Sociedade em comum. Sociedade em conta de
participação. Personalidade jurídica. Pessoa jurídica. Espécies de sociedades
personificadas. Sociedade em comandita simples. Sociedade em nome coletivo. Sociedade
limitada. Sociedade por ações. Teoria ato ultra vires. Desconsideração da personalidade
jurídica.

1.2 Carga horária total


24 horas/aula

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivos gerais


Examinar os conceitos pertinentes ao tema, aprofundando as análises por meio de
utilização de casos concretos.

1.3.2 Objetivos específicos


Essa disciplina tem como objetivos específico: (i) propiciar aos alunos aprendizado
de diversos institutos do Direito Societário, com especial enfoque às sociedades limitadas;
(ii) provocar o interesse dos alunos para questões jurídicas atinentes ao ambiente
empresarial e à dinâmica econômica, abordando questões jurídicas à luz da aplicação
prática das mesmas; (iii) desenvolver as habilidades dos alunos para identificar e
compreender problemas inerentes a situações concretas e conceber soluções para superá-
las

Teoria Geral do Direito Societário


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1.4 Conteúdo programático


1.Teoria Geral do Compreender a figura da empresa, do empresário e do
direito Societário estabelecimento
visão crítica da teoria da preservação da empresa e sua função
social
Diferenças entre empresário individual e a eireli
compreender a estrutura da eireli
aplicar os conhecimentos na resolução de casos práticos da teoria
geral do direito de empresa
2.Sociedades compreender o conceito de sociedade
distinguir as sociedades personificadas das não personificadas
compreender a legislação aplicada
distinguir as espécies de sociedades despersonificadas
compreender a estrutura dessas sociedades
compreensão das cláusulas essenciais dos contratos
aplicar os conhecimentos na resolução de casos práticos que
envolvam as sociedades
3. Pessoa e Compreender o conceito de personalidade do empresário individual
Personalidade e personalidade jurídica das pessoas jurídicas
Jurídica Conhecer a legislação aplicada
Compreender as espécies de sociedades personificadas
Compreensão das clausulas essenciais dos contratos
Aplicar os conhecimentos na resolução de casos práticos que
envolvam questões referentes à personalidade do empresário
individual e das pessoas jurídicas
Teoria da Compreender o conceito e a aplicação da teoria da desconsideração
Desconsideração da personalidade jurídica
da personalidade Conhecer a legislação aplicada
jurídicas Compreender as espécies de teorias
Analise da teoria à luz do novo Código de Processo Civil
Compreensão das consequências da aplicação da teoria
Aplicar os conhecimentos na resolução de casos práticos que
envolvam a Teoria da desconsideração da personalidade jurídica
(microssistemas e novo código de processo civil)

1.5 Metodologia
Adota-se a metodologia participativa na qual as aulas ministradas visam possibilitar
a participação ativa dos alunos não somente na construção e apreensão de conceitos
trabalhados ao longo do curso, mas também na aplicação destes conceitos às suas
atividades práticas. As primeiras aulas serão importantes para firmar os conceitos básicos
da matéria

Teoria Geral do Direito Societário


3

1.6 Critérios de avaliação


O aluno será avaliado a partir de uma prova escrita, discursiva e individual, com
consulta apenas à legislação não comentada, na qual serão abordadas questões discutidas
em sala de aula (que podem ou não constar expressamente desta apostila) cuja nota
poderá atingir o conceito 10 (professor está responsável por definir este critério).

1.7 Bibliografia recomendada


COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial vol. 2. Saraiva, 2017.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Atlas, 2017.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Empresarial. São Paulo: Saraiva, 2005.
CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à luz do Novo Código Civil. 12ª ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. 6 ed. São Paulo: Gen, 2018

Curriculum vitae do professor


Eduardo Rodrigues é Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento; Pós
Graduado em Direito Empresarial com Concentração em Societário e Mercado de Capitais
pela Fundação Getúlio Vargas; Professor e Orientador dos cursos de LL.M. em Direito
Empresarial, Societário e MBA em Direito Civil e Processual Civil da Fundação Getúlio
Vargas - Escola de Direito FGV DIREITO RIO; Foi Coordenador Geral dos cursos de LL.M.
e Pós Graduação em Direito do IBMEC/RJ; Professor e Orientador dos cursos de LL.M. e
Pós Graduação em Direito do IBMEC/RJ; Coordenador Técnico dos Programas “In
Company” do IBMEC/RJ; Coordenador dos cursos de Direito Empresarial da Escola Superior
da Advocacia da OAB/RJ; Professor da Escola Superior da Advocacia da OAB/RJ; Professor
do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças - IBEF; Professor da Pós-graduação
“Departamento Fiscal e Administração Estratégica Tributária” na Escola de Negócios
Trevisan; Professor convidado no curso de Pós-Graduação em Direito na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ; Membro do Conselho de Pareceristas da
Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ; Membro Titular do
Centro para Estudos Empíricos Jurídicos - CEEJ; Membro do Conselho Científico da Escola
Superior da Advocacia da OAB/RJ; Membro do Conselho Editorial da Revista da Escola
Superior da Advocacia da OAB/RJ; Membro do Conselho Editorial da Revista da Escola
Superior da Advocacia da OAB/TO; Membro da Comissão de Direito Societário da OAB/RJ;
Membro do Conselho Científico da Revista Brasileira de Direito Societário e Registro de
Empresa do Instituto Brasileiro de Registro Empresarial. Membro honorário do Instituto
Brasileiro de Registro Empresarial. Integra a Presidência do Superior Tribunal de Justiça
Desportiva do Futebol – CBF; Foi Julgador no Superior Tribunal de Justiça Desportiva da
Confederação Brasileira de Automobilismo; Foi Subprocurador Geral do Município de Duque
de Caxias/RJ; Foi Membro da Banca Examinadora do Exame de Ordem – OAB; Foi
Procurador da 16ª Subseção da OAB/RJ. Foi membro da Comissão de Mercado de Capitais
da OAB/RJ. Trabalhou em renomadas bancas de advogados.

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2. TEXTO PARA ESTUDO

2.1 Sessão 1

2.1.1 Breve abordagem histórica


Os núcleos familiares na antiguidade apresentam as primeiras manifestações do
comércio, sendo a economia fundada na produção e, logo em seguida, na troca. Com o
comércio marítimo, as trocas, realizadas por aquelas comunidades fechadas e tribais dão
lugar à venda com divisão dos lucros entre produtor e intermediador (comerciante), no
período da Idade Média. 1
Surge então na primeira fase de evolução do direito comercial no mundo, as
Corporações de ofício, entidades burguesas, as quais passam a ditar a regras de
regulamentação dessas relações econômicas. Nesse período da Idade Média, marcada pelo
renascimento mercantil e ressurgimento das cidades, cada Corporação desenvolve suas
próprias regras voltadas para seus membros, representando, nas palavras de Silvio de
Salvo Venosa, “um direito comercial consuetudinário, porém estatutário, fundado nos usos
e costumes de cada corporação” 2
Assim, nessa fase, como se pode verificar, o perfil é nitidamente subjetivo, uma vez
que a mercantilidade 3 da relação jurídica é definida pelos sujeitos e não pela noção de
“atos de comércio” que representariam o centro da segunda fase de evolução. 4
Acrescente-se que o perfil subjetivo vigora até o estopim do liberalismo com a
promulgação do Código Comercial Francês em 1808 e, a partir desse momento, o mesmo
autor, destaca que a qualificação do comerciante deixa de ser importante como sujeito da
ação, mas importante na pratica de atos denominados comerciais. O Brasil, seguindo essa
tendência, elenca os atos de comércio no regulamento 737 de 1850, de forma a determinar
que materiais seriam afetas ao Tribunal do Comércio. 5
Note-se que com a expansão do capitalismo, o rol de atividades econômicas se
amplia, embora a lista de atos de comércio não acompanhasse essa evolução. Por essa
razão é editado o Código Civil italiano de 1942, o qual inaugura a terceira fase de evolução
do direito comercial com a adoção da teoria da empresa e a unificação do direito privado.
Isso só viria ser repetido no Brasil, com o Código Civil de 2002, no qual o empresário, não
precisaria mais fazer parte de uma corporação de ofício e muito menos desempenhar um
específico ato de comércio, bastando, na verdade, desempenhar uma atividade econômica
organizada.
A empresa, segundo, Walfrido Jorge Warde Júnior, a empresa aparece como uma
resposta para os fenômenos sociais, políticos e econômicos que marcaram o curso dos
processos civilizatórios a partir da virada do séc. xix como uma técnica regulatória, em
primeiro lugar. E complementa afirmando que decorreu da vontade de se estabelecer um
regramento de toda a atividade econômica. 6 BRANDÃO. Alfredo de Barros L. (comp.).
Modelos de contratos. Procurações. Requerimentos e petições. 5. ed. São Paulo: Trio, 1974

1
VENOSA, Silvio de Salvo e RODRIGUES, Cláudia. Direito Empresarial, São Paulo: Editora Atlas, 2018, p 15-16
2
Ibid., p. 15-16
3
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial, São Paulo: Editora Atlas, 2017, p. 42
4
VENOSA, Silvio de Salvo e RODRIGUES, Cláudia. Direito Empresarial, São Paulo: Editora Atlas, 2018, p 15-16
5
Ibid, p. 15-16
6
CARVALHOSA, Modesto (Coord). Tratado de Direito empresarial. Vol1. Teoria da empresa. Revista dos tribunais,
2016, p.91.

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5

2.1.2 Empresa e Empresário


Antes de analisarmos a empresa no Código Civil 2002, é imperioso apresentarmos
os perfis da empresa, ou melhor, o conceito poliédrico desenvolvido por Alberto Asquini.
Nesse conceito estão presentes o aspecto subjetivo (a pessoa natural ou jurídica que
exerce a atividade empresaria, o objetivo (bens corpóreos e incorpóreos que
instrumentalizam a vida negocial, isto é, o estabelecimento empresaria), o funcional
(exercício da atividade, enquanto complexo de atos) e o corporativo (abrange os
colaboradores da empresa). 7
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, ao citar Francis-Paul Benoît,
afirmam que “a empresa, realmente, constitui o lugar de eclosão da força vital de uma
nação”. 8
José Edwaldo Tavares Borba informa que o novo Código Civil adotou a teoria da
empresa, baseada na existência ou não de uma estrutura empresarial, a fim de se
classificar as sociedades em simples ou empresárias, afastando, portanto, a antiga
distinção entre sociedades civis e comerciais, fundada em seu objeto. 9
Assim, Tavares Borba traz à baila a seguinte observação:
Pode-se, por conseguinte, afirmar que o direito brasileiro adotou a
teoria da empresa, embora mitigando-a, a exemplo do direito
italiano, mediante concessões aos interesses dos empresários
rurais, resquícios dos privilégios do senhor feudal, que o direito
comercial havia preservado, e também, por razões de política social
e econômica, ao objetivo de favorecer o pequeno empresário, em
cumprimento inclusive do princípio previsto no art. 170, IX, da
Constituição Federal ("tratamento favorecido para as empresas de
pequeno porte").
No campo da atividade econômica, exercida profissionalmente para
a produção de bens ou serviços, tem-se, portanto, a figura do
profissional autônomo, que trabalha de forma pessoal, e tem-se o
empresário individual, este contando com uma organização de
pessoas ou bens materiais. No universo societário, se não se
delineia a organização, a hipótese é de sociedade simples; presente
a organização, configura-se a sociedade empresária.
As exceções a serem consideradas, inclusive no plano societário,
onde seriam sociedades simples, concernem ao trabalho intelectual,
que não tem natureza empresarial; à atividade rural, que poderá
ser empresária ou não, de acordo com o registro; e ao pequeno
empresário que, atendida essa qualificação, poderá se registrar no
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não sendo tratado como
empresário 10.

7
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Empresarial, São Paulo: Editora Atlas, 2018, p 34-35
8
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A. 3. ed. V. I. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
p. 97.
9
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 14.
10
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. pp. 24-25.

Teoria Geral do Direito Societário


6

Do ponto de vista socioeconômico, a empresa consiste na unidade de produção


coletiva existente em uma economia de mercado, ou seja, na organização de recursos
(humanos, naturais e de capital) para a realização de atividade produtiva.
José Luiz Bulhões Pedreira complementa:
A empresa é a unidade de produção típica da economia moderna,
com alto grau de especialização e intensidade de trocas, em que a
dimensão e intercomunicação dos mercados tornam viável a
produção destinada à venda. 11

Conforme se vislumbra do art. 966 do Código Civil, será considerado empresário


“quem exercer profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou
circulação de bens ou serviços”. Esse, enquanto primeiro artigo do Livro II (do Direito de
Empresa), Título I (Do Empresário) e Capítulo I (Da Caracterização e da Inscrição) não
define empresa, talvez por se entender que esse fenômeno sócio-econômico, tenha uma
natureza dinâmica. Diante disso, verifica-se que o legislador preferiu conceituar o sujeito
da atividade empresária no lugar de definir diretamente a figura da empresa.
Do termo “profissionalmente” se depreende a habitualidade, do termo “atividade
econômica” extraímos a atividade que visa lucro e do termo “organizada”, verificamos a
reunião de fatores de produção (dentre os quais, capital, insumos, mão de obra e
tecnologia).
Assim, ao produzir bens com o objetivo de vendê-lo nos mercados, a empresa
promove e estimula a circulação de bens econômicos, bem como utiliza bens e serviços de
outras empresas em seu processo produtivo.
Nesse sentido, a empresa, enquanto aspecto funcional de Asquini, terá as seguintes
funções para Bulhões Pedreira: a) na produção e na circulação econômicas, b) repartição
da renda e c) como agente da poupança e do investimento. 12
É imperioso que se exclua do instituto de empresário as atividades civis, das quais
se pode extrair três figuras: 1) as atividades fundadas em profissão intelectual, de natureza
científica, literária ou artística (médico, escritor, ator, arquiteto), salvo se o exercício da
profissão constituir elemento de empresa (vide art. 966, parágrafo único do CC), 2)
atividades desempenhadas por produtores rurais não registrados no registro público de
empresas mercantis, já que para eles o registro (facultativo) será “útil” apenas se quiserem
equiparar-se à empresários e 3) atividades desenvolvidas por cooperativas, que segundo
o art. 982, parágrafo único do CPC, serão sempre simples. 13
Cumpre informar que segundo o art. 15, caput, do Estatuto da Advocacia (lei nº
8906/1994), a atividade exercida por sociedade de advogados será sempre simples, ainda
que se verifique o elemento de empresa, por decisão do legislador e fugindo a lógica do
direito empresarial, talvez pelo fato de o múnus público exercido pelo advogado precisar
visar a justiça como valor principal, em detrimento do lucro, o qual é objetivo que justifica
o nascedouro de uma atividade empresarial desenvolvida por um empresário.

11
BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia. Rio de Janeiro: Forense,
1989.
12
BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia. Rio de Janeiro: Forense,
1989
13
Ibid.

Teoria Geral do Direito Societário


7

É importante que o empresário (sociedade empresária, empresário individual ou


Eireli) faça a inscrição do registro público de empresas mercantis antes do início da
atividade propriamente dita, sempre observando os elementos do art. 968 do CC (como
por exemplo, o objeto e a sede da empresa).
Já o processo de abertura, registro, alteração e baixa do microempreendedor
individual deverá observar a regra prevista no art. 18-A da lei complementar 123 de 2006.
Com relação à capacidade do empresário, é salutar observar que caso a pessoa
legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, caso a exerça,
responderá por todas as obrigações contraídas, conforme art. 973 do CC. E se o incapaz
já era empresário quando capaz ou, se a empresa era exercida pelos pais do incapaz ou
pelo autor da herança, poderá o incapaz, em qualquer dessas situações, continuar a
exercer a empresa desde que devidamente representado ou assistido e que haja
autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como
da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, sem
prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros, conforme regra estatuída no art. 974 do CC.
Outro ponto a ser observado é que empresário casado pode, sem necessidade de
outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o
patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real, conforme art. 978 do CC.

2.1.3 Estabelecimento Empresarial


O empresário reúne elementos e bens, sejam corpóreos ou incorpóreos, para a
consecução da sua atividade empresarial. Na definição de Fábio Ulhoa Coelho 14:
O complexo de bens reunidos pelo empresário para o
desenvolvimento de sua atividade econômica é o estabelecimento
empresarial. [...]
O estabelecimento empresarial é a reunião dos bens necessários ao
desenvolvimento da atividade econômica. Quando o empresário
reúne bens de variada natureza, como as mercadorias, máquinas,
instalações, tecnologia, prédio e etc., em função do exercício de uma
atividade, ele agrega a esse conjunto de bens uma organização
racional que importará em um aumento do seu valor enquanto
continuarem reunidos. Alguns autores usam a expressão
“aviamento” para se referir a esse valor acrescido.

De forma brilhantemente didática, Fábio Ulhoa contribui com a seguinte analogia:


Para se entender a natureza desse instituto jurídico é útil socorrer-
se de uma analogia com outro conjunto de bens: a biblioteca. Nela,
não há apenas livros agrupados ao acaso, mas um conjunto de livros
sistematicamente reunidos, dispostos organizadamente, com vistas
a um fim – possibilitar o acesso racional a determinado tipo de
informação. Uma biblioteca tem o valor comercial superior ao da
simples soma dos preços dos livros que a compõem, justamente em
razão desse plus, dessa organização racional das informações
contidas nos livros nela reunidos. 15

14
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. pp. 77
15
Ibid.

Teoria Geral do Direito Societário


8

De acordo com o art. 1142 do Código Civil, que se inspirou no Código Civil Italiano,
o estabelecimento é todo complexo de bens organizados, para exercício da empresa, por
empresário, ou por sociedade empresária”.
Convém destacar que a esta reunião de bens, corpóreos ou incorpóreos, também
pode dar-se a nomenclatura de “fundo de comércio”, que é adotada na doutrina brasileira,
em virtude de influência do direito francês, assim como se pode denominar esta reunião
de bens como “azienda”, em razão da influência do Direito Italiano.
Considerável parte da doutrina brasileira tem entendido que a expressão “fundo de
comércio” quer exprimir o “goodwill”, isto é, o aviamento do estabelecimento, que consiste,
nas palavras de Alfredo de Assis:
[...] Na sua aptidão para produzir bons resultados futuros e que leva
em conta diversos fatores e qualidades que o estabelecimento pode
apresentar, tornando-o mais valioso do que a simples somatória do
valor de conjunto dos bens que o compõe. É neste sentido que se
fala em indenização pela perda do fundo de comércio nas
desapropriações que atinjam bens onde estão abertas casas
comerciais e é também neste sentido que o vocábulo é empregado
na determinação dos haveres do sócio falecido, que se retira da
sociedade ou que é dela excluído. 16

De outro lado, há entendimento no sentido de que o estabelecimento comercial


também está presente nos casos em que a atividade desenvolvida não seja considerada
empresarial, como é a hipótese das atividades de natureza científica, intelectual ou artística
(art. 966, parágrafo único do Código Civil), os “empresários” rurais (CC, art. 971) e com
as sociedades simples (CC, art. 982). Com relação a esse tipo de atividade, Alfredo de
Assis traz a seguinte reflexão:
O agente econômico não empresário, a igual do que ocorre com o
empresário, normalmente precisa, como este, de um
estabelecimento para o desempenho das atividades econômicas a
que se propõem. Refiro-me ao estabelecimento da sociedade
simples, onde se inclui a cooperativa, ao do empresário rural e
daquele que exerce atividade intelectual. Qualquer desses
estabelecimentos, à semelhança do que ocorre com o
estabelecimento do empresário, pode ser objeto unitário de direitos,
caso em que, na falta de outras disposições normativas, lhe são
aplicáveis, por analogia, as regras dos preceitos legais atinentes ao
estabelecimento do empresário (mercantil) 17

16
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil.
3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
17
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil.
3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

Teoria Geral do Direito Societário


9

Em que pese a discussão calorosa acerca da natureza jurídica do estabelecimento


comercial, grande parte da doutrina tem convergido na opinião de que o estabelecimento
comercial é uma universalidade de fato (universitas facti), inclusive no vigente Código Civil
de 1916, o que nas palavras de Sérgio Campinho:
É complexo de bens, cada qual com individualidade própria, com
existência autônoma, mas que, em razão da simples vontade de seu
titular, encontram-se organizados para exploração da empresa,
formando, assim, uma unidade, adquirindo um valor patrimonial em
seu todo.
A universalidade de fato, consoante dispõe o art. 90, consiste em
uma pluralidade de bens singulares que, pertencentes à mesma
pessoa, tenham destinação unitária. 18

Fábio Ulhoa traz a seguinte reflexão sobre o estabelecimento virtual:


Distingue-se do estabelecimento empresarial físico, em razão dos
meios de acessibilidade. Aquele o consumidor ou adquirente de bens
ou serviços acessa exclusivamente por transmissão eletrônica de
dados, enquanto o estabelecimento físico é acessível pelo
deslocamento no espaço. 19
E complementa apresentando três tipos de estabelecimento virtual:
[...] B2B (que deriva da expressão business to business), em que
os internautas compradores são também empresários, e se
destinam a negociar insumos; B2C (denominação derivada de
business to consumer), em que os internautas são consumidores,
na acepção legal do termo (CDC, art. 2º); e C2C (consumers to
consumers), em que os negócios são feitos entre internautas
consumidores, cumprindo o empresário titular do site apenas função
de intermediação (é o caso dos leilões virtuais). 20

Os bens materiais ou corpóreos que integram o estabelecimento comercial são


aqueles que guarnecem o mesmo, ou seja: mercadorias do estoque, os mobiliários,
utensílios, veículos, máquinas, equipamentos e demais objetos que o comerciante utilize
para a consecução do objeto da sua atividade empresarial
Já os elementos imateriais, são definidos por Rubens Requião como “define como
sendo “ideais, frutos da elaboração da elaboração abstrata da inteligência ou do
conhecimento humano” 21
Um exemplo de bem incorpóreo é o ponto comercial que recebe como proteção a
possibilidade de o empresário obter a renovação compulsória do contrato de locação do
imóvel em que está sediado. Vejamos, assim, a seguinte abordagem de Alfredo de Assis:
[...] O exercício do comércio durante algum tempo no mesmo local
representa um valor economicamente apreciável por expressar um
referencial do ramo de atividade nele desenvolvido, determinador
do movimento comercial da empresa. (...) Atento a isso, o legislador

18
CAMPINHO, Sérgio. Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
19
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. pp. 92-93
20
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 93.
21
REQUIÃO, Rubens, 1918. Curso de direito comercial. 1. v. 28. ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião.
São Paulo: Saraiva, 2009. p. 304.

Teoria Geral do Direito Societário


10

nacional reconheceu ao locatário responsável por essa valorização


trazida ao imóvel que não era seu, em virtude do exercício da sua
atividade por período de longo tempo, o direito de permanecer no
local. 22

Para esse ponto comercial receber tutela do art. 51 da Lei de Locações é preciso
que sejam observados os seguintes requisitos:
a) o contrato de locação comercial tenha sido celebrado por escrito
e com prazo determinado; b) o prazo mínimo do contrato a renovar
ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de
cinco anos; c) o locatário esteja explorando sua atividade
empresarial, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de
três anos.

Outrossim, o locatário deve atentar para o prazo decadencial da ação renovatória


em apreço, posto que deverá ajuizá-la no interregno de um ano, no máximo, até seis
meses, no mínimo, anteriores à finalização do prazo do contrato em vigor, conforme § 5º,
do artigo 51 da Lei nº 8.245/1991.
Com relação a essa figura, Marcelo M. Bertoldi traz à baila que o ponto,
emblematicamente marcado por exemplos como da lanchonete estabelecida defronte de
uma universidade, do armazém próximo do porto, etc., os quais demonstram que uma vez
perdido pelo empresário, poderá significar o fim da atividade empresarial. 23

2.1.4 Aviamento
A doutrina, capitaneada por Sérgio Campinho, Rubens Requião e Alfredo de Assis
Carvalho de Mendonça, converge no sentido de desassociar o aviamento dos bens
imateriais que compõem o estabelecimento comercial.
Assim, o aviamento decorre da reunião de diversos fatores, como materiais,
imateriais e pessoais, os quais permitem que o estabelecimento tenha como resultado o
lucro. 24
Alfredo de Assis traz, ainda, a seguinte subdivisão do aviamento:
[...] A maneira como ficam organizados os bens para o exercício da
atividade, sua disposição na loja, a espécie ou qualidade das
mercadorias ou produtos que são comercializados (aviamento
objetivo), as qualidades pessoais do próprio empresário e seus
empregados no trato com a clientela (aviamento subjetivo) fazem
com que o estabelecimento tenha um valor próprio (valor do
conjunto predisposto ao exercício da atividade empresarial),
normalmente maior do que a somatória dos valores de todos os bens
que o integram. 25

22
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil.
3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 587
23
BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. São Paulo: RT, p.
118
24
ASCARELLI, Tullio. Iniciación AL estudio del direcho comercial. Barcelona: Bosch, 1964. p. 290.
25
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil.
3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 592

Teoria Geral do Direito Societário


11

Mister considerar que a importância do aviamento objetivo ganha relevo tanto para
a análise de concorrência ilícita, como para questões atinentes a venda, locação, usufruto
etc.
Isto porque o aviamento de ordem objetiva pode ser alvo destes tipos de contratos,
transferindo-se ao eventual novo titular do estabelecimento, enquanto o aviamento
subjetivo, por sua vez, só é transferido indiretamente, por meio de cláusulas proibitivas,
expressas ou implícitas.

2.1.5 Clientela e Freguesia


Enquanto a freguesia se verifica quando não há identidade entre as pessoas e o
estabelecimento, ou seja, as pessoas frequentam apenas o estabelecimento, por exemplo,
por ser o mesmo próximo de seu trabalho ou morada, a clientela consiste no conjunto de
pessoas que regularmente se dirigem a determinado estabelecimento comercial, a fim de
adquirir produtos ou serviços disponibilizados

2.1.6 Dissolução parcial x fundo de comércio


A jurisprudência, assim como a doutrina, devido à relevância que se dá ao
estabelecimento comercial, garante-se ao sócio excluído – que se retira da sociedade – e
ao falecido, o direito de que, na apuração de haveres, seja levado em consideração o valor
do estabelecimento comercial. 26
Veja-se o aresto abaixo colacionado, proveniente do Superior Tribunal de Justiça,
sobre o tema em apreço:
DIREITO SOCIETÁRIO. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE.
APURAÇÃO DE HAVERES. INCLUSÃO DO FUNDO DE COMÉRCIO. 1.
De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de
Justiça, o fundo de comércio (hoje denominado pelo Código Civil de
estabelecimento empresarial - art. 1.142) deve ser levado em conta
na aferição dos valores eventualmente devidos a sócio excluído da
sociedade. 2. O fato de a sociedade ter apresentado resultados
negativos nos anos anteriores à exclusão do sócio não significa que
ela não tenha fundo de comércio. 3. Recurso especial conhecido e
provido. (Os grifos não são do original) 27

2.1.7 Alienação do estabelecimento comercial (trespasse) – não


restabelecimento
O artigo 1.143 do Código Civil Brasileiro dispõe que o estabelecimento comercial
pode ser objeto unitário de direitos de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos,
desde que compatíveis com a sua natureza e as transferências do estabelecimento podem
ser consideradas como involuntárias e voluntárias.
No primeiro caso (transferência involuntária), pode ocorrer seja em função do
falecimento de quem era o titular do estabelecimento - assumindo os seus herdeiros ou
legatários o fundo de comércio - ou em virtude de alienação judicial.

26
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio. São Paulo: Atlas, 2002.
27
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 907014-MS. Quarta Turma. Relator: Ministro Antonio Carlos
Ferreira.

Teoria Geral do Direito Societário


12

No segundo caso, que trata da alienação voluntária, a celebração do negócio jurídico


contratualmente se opera gratuita ou onerosamente, dependendo da operação que for
realizada (v.g. compra e venda e doação).
É certo que pode o empresário alienar o estabelecimento comercial, haja vista que
possui sobre este a mesma disponibilidade que possui em face dos seus demais bens
particulares. A doutrina denomina esta operação de trespasse, também conhecido como
no mundo empresarial como “passa-se o ponto”.
Este é um contrato consensual, oneroso, bilateral, comutativo e não Solene. 28
Contudo, é certo que o estabelecimento comercial para ser alienado, por
representar a garantia dos credores da sociedade, necessita ultrapassar etapas
procedimentais prévias.
Destarte, o contrato de alienação que visa a vender o estabelecimento comercial
deve ser celebrado por escrito e ser arquivado na Junta Comercial, assim como ser
publicado na Imprensa Oficial (CC, art. 1.144). Assim, enquanto não ultrapassada esta
fase, a alienação do estabelecimento não produzirá seus efeitos perante terceiros. 29
Sem prejuízo, o empresário deve obter a anuência dos credores da empresa, sendo
que tal anuência pode ser expressa ou tácita. No caso da anuência tácita, a mesma é tida
como existente se passados 30 dias desde a notificação de alienação do estabelecimento
comercial sem a manifestação do credor 30 (CC, art. 1.145).
Se o empresário alienante não proceder desta forma, estará sujeito a perceber
decretada a sua falência, na forma do artigo 94, III, “c” da Lei nº 11.101/2005, sendo que
na hipótese de vir a falir o empresário, a alienação não produzirá efeitos perante a massa
falida (LF, 129, VI e parágrafo único). Assim, o adquirente poderá ser solicitado a devolver
o estabelecimento comercial.
Para que isto ocorra independe o fato de o adquirente ser conhecedor ou não da
situação econômica do alienante, tornando-se desnecessária a intenção de fraudar
terceiros (credores), com a alienação do estabelecimento comercial.
Na verdade, no contrato firmado entre alienante e adquirente, poderá ser
contemplada cláusula em que fique ajustado que o alienante se obriga a ressarcir o
adquirente por outras obrigações, notadamente as que estiverem sendo discutidas em
juízo.
Mister ressaltar que a inclusão de cláusula no contrato de não responsabilização do
adquirente pelo passivo do estabelecimento não importa em óbice para os credores
demandarem por débitos do alienante. Dessa maneira, poderão os credores, como dito
acima, cobrarem do adquirente os seus créditos.
Contudo, poderá este mesmo adquirente ajuizar ação de regresso em face do
alienante, com base na previsão contratual.

28
É um contrato consensual porque se perfaz pela simples anuência dos contratantes, sem necessidade de outro
ato; é oneroso, pois traz vantagens para ambas as partes, onde cada contraparte suporta um sacrifício de ordem
patrimonial com o intuito de obter vantagem correspondente, de forma que o ônus e proveito fiquem numa
relação de equivalência; é sinalagmático ou bilateral perfeito, porque ambos os contratantes se obrigam
reciprocamente, sendo credores e devedores uns dos outros; é comutativo, pois as partes podem antever o que
receberão em troca das prestações que realizarem; é não solene, sendo desnecessário que se perfaça através de
instrumento público, porém não pode deixar de ter forma escrita para regular as relações entre os contratantes.”
MORAES, Antonieta Lynch de. O trespasse: a alienação do estabelecimento e a cláusula de não estabelecimento.
In: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT,
2001, v. 792, pp. 119-120.
29
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
30
Apesar de o Código Civil Brasileiro não dispor como deverá ser feita tal notificação, a nova Lei de Falência
esclareceu essa questão ao determinar que a referida notificação seja feita via Registro de Títulos e Documentos.

Teoria Geral do Direito Societário


13

Cumpre destacar que existem ainda previsões específicas no que concernem aos
débitos trabalhistas (CLT, art. 448) e fiscais (CTN, art. 133) quando associados ao tema
do trespasse.
Isto porque o credor trabalhista poderá demandar tanto do alienante, quanto do
adquirente, pelos créditos que possui em face do estabelecimento comercial. Ademais,
para questões trabalhistas, pouco importa a limitação de um ano de solidariedade, que
está prevista na Lei, eis que enquanto não prescreverem as obrigações trabalhistas do
estabelecimento, o alienante responde pelos créditos.
Quanto aos créditos fiscais, a responsabilidade do adquirente é subsidiária ou
integral pelas obrigações fiscais do alienante, independentemente deste continuar ou não
a explorar atividade econômica 31

2.1.8 Teoria da Preservação da Empresa e sua Função Social


“Como um organismo vivo a empresa nasce, vive e pode sofrer desordem diversas,
nas quais as mais graves são suscetíveis de provocar o desaparecimento do crédito e do
fluxo financeiro. ” Assim, crise da empresa às vezes é como uma doença, a qual todos nós,
enquanto ser humanos, passamos e muitas vezes nos recuperamos e conseguimos sair
ainda mais fortes. 32
Ele reforça um das razões principais pelas quais o legislador da lei nº 11.101/05 e
a jurisprudência pátria entendem que deve ser possibilitada a oportunidade para que uma
pessoa jurídica possa tentar se soerguer. Vejamos:
“Uma empresa em crise não paga tributos e não gera os
consequentes benefícios advindos desse adimplemento, correndo o
risco, ainda, de deixar de pagar seus empregados. Portanto, a crise
da empresa é contagiosa: ela deixa de cumprir seus compromissos,
colocando seus próprios clientes e fornecedores em dificuldades,
propagando o mal a outras empresas, tal como o princípio dos vasos
comunicantes.
O legislador tenta por vários meios quebrar a engrenagem do efeito
cascata provocado pela empresa em crise. Nesse sentido, a atual
Lei de Falências e Recuperação Judicial, Lei nº 11.101/05, funda-se
primordialmente na preservação da empresa, criando processos de
recuperação extrajudicial e judicial como medidas de alerta no
tratamento das empresas em dificuldades e permitindo, em sede de
falência, a permanência do seu funcionamento.
O que se conclui, portanto, é que o direito contemporâneo das
empresas em dificuldades é mais ambicioso que o tradicional direito
falimentar, que visava principalmente coordenar a liquidação e a
extinção das empresas moribundas.
O caráter repressivo que dominava a anterior lei de falências foi
abandonado. A lei vigente traz meios de conciliação e
regulamentação amigáveis para a salvaguarda da pessoa jurídica.

31
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 82.
32
VENOSA, Silvio de, RODRIGUES, Claudia. Direito Empresarial. Atlas: 2018, p. 257

Teoria Geral do Direito Societário


14

Em países desenvolvidos como França e Itália, não se fala mais em


“lei de falências”, mas em “lei das empresas em dificuldade”. 33

Fabio Ulhoa assevera que o princípio da preservação da empresa não está apenas
associado aos interesses individuais dos empresários e empreendedores, mas também aos
metaindividuais de trabalhadores, consumidores e outras pessoas. Ele apresenta a
dissolução parcial da sociedade empresaria, construída jurisprudencialmente em meados
do século passado, a desconsideração da personalidade jurídica e a recuperação judicial
como reflexos daquele princípio. 34
Com relação à função social da empresa, o mesmo traz as seguintes palavras:
A função social da empresa é a tônica da atual lei de recuperação e
falência, não se restringindo aos interesses privados do empresário
e dos credores, pois serve também aos interesses da sociedade. Sob
esse aspecto Ecio Perin Junior anota: “A empresa serve ao
empresário e acionistas em geral como fonte de obtenção de lucros
decorrentes do capital investido para sua constituição e
desenvolvimento; aos credores, como garantia de venda de seus
produtos, e por consequência, também à obtenção de lucros; à
sociedade serve, uma vez que gera empregos, recolhe tributos e
produz ou circula bens ou serviços, exercendo, dessa forma, função
social indispensável, que proporciona, em sentido lato, a tutela da
dignidade da pessoa humana” (2009, p. 6).” 35

Conforme destacado por Fabio Konder Comparato, citado no livro de Fabio Ulhoa,
extrai-se do princípio da função social da propriedade estatuído no art. 5, XXIII c/c 170,
III, da CF, a função social da empresa. E complementando a conclusão de Comparato,
Ulhoa exemplifica como a função social é cumprida pela empresa, senão, pela geração de
empregos, tributos e riqueza que contribuem para o desenvolvimento econômico, social e
cultural da comunidade em que se atua, tendo em vista práticas empresariais sustentáveis
visando a proteção do meio ambiente e ao respeito dos direitos dos consumidores,
inclusive. 36
A Lei nº 11.101/2005, em seu artigo 3º, define que é competente para homologar
o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência
o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha
sede fora do Brasil. Ou seja, segue a necessidade de verificação do estabelecimento
principal do empresário.
Importante destacar que a jurisprudência tem pendido para entender que se define
como principal endereço comercial aquele que representa o centro vital da principal
atividade da sociedade e não aquele a que os atos constitutivos conferem o título de
principal. 37

33
Ibid., p. 257
34
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 76
35
Ibid, 76.
36
Ibid., p. 75
37
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Conflito de Jurisdição n. 6025 – SP/76; e BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Conflito de Competência n. 21.896 – MG/98.

Teoria Geral do Direito Societário


15

A exceção à responsabilização do adquirente do estabelecimento em conjunto com


o alienante é se a aquisição do estabelecimento comercial deu-se via leilão judicial
promovido em sede de recuperação judicial ou falência (LF, arts. 60, parágrafo único, e
141, II). Nestas hipóteses, por se tratar de aquisição originária do estabelecimento
comercial, o adquirente não será considerado sucessor das obrigações do estabelecimento.

2.1.9 Distinções entre Empresário Individual e a Eireli


Convém iniciarmos a presente sessão com o seguinte trecho do autor André Santa
Cruz:
A EIRELI não é um empresário individual nem uma sociedade
unipessoal: trata-se de uma nova espécie de pessoa jurídica de
direito privado, que se junta às outras já existentes (sociedades,
associações, fundações, partidos políticos E ORGANIZACOES
RELIGIOSAS). 38

O mesmo autor lembra que:


Alguns autores entendem que o simples fato de a EIRELI ter sido
prevista em novo inciso acrescentado ao art. 44 do CC não é
suficiente para caracterizá-la como nova espécie de pessoa jurídica.
Para esses autores, a EIRELI seria uma subespécie da sociedade,
assim como os partidos políticos e as organizações religiosas seriam
subespécies da associação. Este não parece, entretanto, ser o
entendimento majoritário, tanto que foi aprovado o Enunciado 3, da
I Jornada de Direito Comercial, com o seguinte teor: “A Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade
unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e
da sociedade empresária.

André Santa Cruz faz uma crítica à nomenclatura da Empresa individual de


responsabilidade limitada, conforme se segue:
o legislador deveria ter optado por duas figuras jurídicas: (i)
empresário individual de responsabilidade limitada ou (ii) sociedade
limitada unipessoal. No primeiro caso, o empresário individual,
pessoa física, ao iniciar o exercício de uma atividade empresarial,
constituiria para tanto um patrimônio de afetação, que não se
confundiria com seu patrimônio pessoal, e o registraria na Junta
Comercial. Assim, as dívidas que contraísse em função do exercício
de sua atividade empresarial, em princípio, não poderiam ser
executadas no seu patrimônio pessoal.
No segundo caso, seria suprimida a exigência de pluralidade de
sócios para a constituição de sociedade limitada, o que permitiria
que uma pessoa, sozinha, fosse titular de 100% das quotas do seu
capital social. Assim, o patrimônio social não se confundiria com o
patrimônio pessoal do sócio, o qual não poderia, em princípio, ser
executado para garantia de dívidas sociais.

38
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Manual de Direito empresarial. 8 ed. Método: 2018, p. 76

Teoria Geral do Direito Societário


16

Em ambos os casos, o objetivo seria o mesmo: permitir que um


determinado empreendedor, individualmente, exercesse atividade
empresarial limitando sua responsabilidade, em princípio, ao capital
investido no empreendimento, ficando os seus bens particulares
resguardados. Isso funcionaria como um estímulo ao
empreendedorismo e acabaria com a prática, tão comum no Brasil,
de constituição de sociedades limitadas em que um dos sócios tem
percentual ínfimo do capital social (geralmente 1%) e nenhuma
participação na gestão dos negócios sociais.
Vale frisar que em ambos os casos seria possível a execução dos
bens pessoais do empreendedor que utilizasse qualquer uma dessas
figuras jurídicas. Para tanto, os credores usariam a regra do art. 50
do CC (desconsideração da personalidade jurídica), ou seja, em caso
de abuso no uso desses institutos, caracterizado pelo desvio de
finalidade ou pela confusão patrimonial, o juiz poderia determinar
que a execução recaísse sobre os bens pessoais do empresário
individual de responsabilidade limitada ou do sócio da sociedade
limitada unipessoal.
O legislador brasileiro, porém, acabou criando uma nova figura
jurídica, a qual se assemelha a essas duas (a eireli). 39

Em que pese o enunciado 3 da Jornada I de Direito Comercial, há quem defenda que


a EIRELI seja uma sociedade unipessoal, como por exemplo, Fábio Ulhoa. O que
precisaremos analisar nos próximos meses é se a EIRELI continuará a existir ou se cairá
em desuso, com a então criada sociedade limitada unipessoal pela MP 881 de 2019, no
art. 1052, parágrafo único do Código Civil (“A sociedade limitada pode ser constituída por
uma ou mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de constituição do sócio
único, no que couber, as disposições sobre o contrato social. ”)
O empresário individual, não goza da separação patrimonial, respondendo com
todos os seus bens, inclusive os pessoais, pelo risco do empreendimento. Em sentido
contrário, na forma do novo §7 inserido ao art. 980-A do CC, oriundo da MP 881,
determina-se que somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da
empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em
qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de
fraude.
O código civil não estabelece qualquer restrição expressa à participação de pessoa
jurídica como titular da EIRELI e isso é confirmado pela instrução nº 47 do DREI de 3 de
agosto de 2018 e uma vez integralizado o capital social no valor de 100 (cem) salários
mínimos, conforme exigência do art. 980-A, o seu titular poderá a exercer individualmente
sem o risco de que o valor passivo que ultrapasse o valor do capital social atinja o
patrimônio do titular. 40

39
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Manual de Direito empresarial. 8 ed. Método: 2018, p. 76-78
40
GOMES, Fábio Bellote, Manual de Direito Empresarial. Juspodvm: 2018, p. 34-36

Teoria Geral do Direito Societário


17

Flávio Tartuce em artigo para o Migalhas assevera que “a ressalva quanto à fraude
deve ser ampliada, para que conste também a possibilidade de desconsideração da sua
personalidade jurídica em qualquer outra hipótese prevista pela legislação. ” 41
Assim, ele propõe a seguinte redação para o texto de conversão da MP 881 nesse
ponto:
"Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas
da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em
que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do
titular que a constitui, ressalvados os casos de aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, prevista neste Código
Civil e na legislação específica"

Enquanto a responsabilidade do empresário individual é direta e ilimitada, a


responsabilidade do sócio de uma sociedade empresária é subsidiária (seus bens só podem
ser executados após a execução dos bens sociais) e pode ser limitada, a depender do tipo
societário utilizado 42
Sendo assim, pode-se concluir que a responsabilidade dos sócios de uma sociedade
empresária é subsidiária (já que primeiro devem ser executados os bens da própria
sociedade), enquanto a responsabilidade do empresário individual é direta.

2.1.6 Estrutura da Eireli


A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única
pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será
inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, nos moldes do art. 980-
A, caput, do CC.
Além disso, a pessoa natural que constituir uma empresa individual de
responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa
modalidade, o que extrai do §2º do mesmo art. acima mencionado.
Um ponto curioso do Título I-A do Código Civil é que no §3º do seu art. 980-A, a
empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração
das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões
que motivaram tal concentração
Outrossim, poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada
constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente
da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que
seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
As regras previstas para as sociedades limitadas aplicam-se à empresa individual
de responsabilidade limitada, no que couber (art. 980-A, §6º).
A empresa individual de responsabilidade limitada pode usar tanto firma quanto
denominação e a expressão EIRELI deve constar obrigatoriamente do nome empresarial,
ao final dele.

41
TARTUCE, Flávio. MP 881, Liberdade Econômica e as Alterações do Código Civil;
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301761,91041A+MP+88119+liberdade+economica+e+as+altera
coes+do+Codigo+Civil Flavio Tartuce> Acesso em 02 ago. 2018.
42
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Manual de Direito empresarial. 8 ed. Método: 2018, p. 76.

Teoria Geral do Direito Societário


18

Cumpre destacar uma inovação incluída no Manual de Registro da EIRELI do


Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) com relação à capacidade para
ser titular de EIRELI, qual seja, a inserida no item 1.2.5, d), da instrução normativa nº 55
de 8 de março de 2019, no sentido de possibilitar que o incapaz, desde que representado
ou assistido, conforme o grau de sua incapacidade, e com a administração a cargo de
terceira pessoa não impedida seja titular de EIRELI.
Além disso, na instrução normativa nº 47 de 3 de agosto de 2018, do DREI, passou
a contar com as seguintes previsões importantes: 1) A Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada - EIRELI poderá ser constituída tanto por pessoa natural quanto
por pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, 2) Quando o titular da EIRELI for pessoa
natural deverá constar do corpo do ato e 3) A pessoa jurídica pode figurar em mais de uma
EIRELI. Não custa destacar que a eireli além de poder explorar atividade empresarial,
poderá realizar atividade típica de sociedade simples.
Com relação às cláusulas obrigatórias de contrato social de EIRELI, o manual
DREI menciona as seguintes:
a) nome empresarial, que poderá ser firma ou denominação, do qual
constará obrigatoriamente, como última expressão, a abreviatura
EIRELI;
b) capital, expresso em moeda corrente, equivalente a, pelo menos,
100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 980-
A do CC); sendo desnecessária a atualização do capital social por
alteração e/ou decisão do titular, quando houver mudanças no valor
instituído pelo Governo Federal. Havendo qualquer outra alteração
de dados, o capital deverá ser atualizado;
c) declaração de integralização de todo o capital (art. 980-A do CC);
d) endereço completo da sede (tipo e nome do logradouro, número,
complemento, bairro/distrito, município, unidade federativa e CEP,
bem como o endereço das filiais;
e) declaração precisa e detalhada do objeto da empresa;
f) prazo de duração da empresa;

Já as cláusulas facultativas são mencionadas as seguintes:


a) atos que dependam de aprovação prévia do titular da empresa
para que possam ser adotados pela administração (por exemplo,
assinatura de contratos acima de determinado valor, alienação de
ativos etc.);
b) declaração, sob as penas da lei, de que o administrador não está
impedido, por lei especial, e nem condenado ou encontrar-se sob os
efeitos de condenação, que o proíba de exercer a administração de
empresa individual de responsabilidade limitada; e
c) outras, de interesse do titular da empresa

Teoria Geral do Direito Societário


19

2.1.7 Questões de auto monitoramento


1. Após ler o material, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando as partes
envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Diferencie Empresa de empresário?
3. Quais principais peculiaridades a serem observadas por um empresário?
4. Conceitue Estabelecimento.
5. Defina quais são os bens materiais e imateriais do estabelecimento comercial
6. Resuma em poucas palavras aviamento objetivo e subjetivo.
7. Discorra brevemente sobre o contrato de trespasse e a cláusula de não
restabelecimento
8. Comente a respeito da teoria da preservação da empresa e da função social.
9. Qual a diferença entre empresário individual e EIRELI?
10. Quais os principais aspectos no tocante à estrutura da EIRELI?

2.1.8 Caso Gerador


Caso 1
A Companhia Metalúrgica Metalco S.A, cujo objeto social consiste em realizar
atividades relacionadas à metalurgia, é constituída com sede no Estado do Rio de Janeiro,
onde passa a exercer sua empresa.
Ao longo de dez anos, forma-se, ao redor do estabelecimento industrial da
Companhia, comunidade cujos moradores são, em sua maioria, empregados e prestadores
de serviços da Companhia e seus familiares. Nessa comunidade, também é desenvolvido
pequeno comércio, que depende economicamente da atividade e das riquezas distribuídas
pela Companhia. Analise as seguintes questões:
a) A companhia em questão pode ser considerada um empresário?
b) A companhia pode ser considerada uma empresa?
c) As atividades relacionadas à metalurgia integram o conceito de empresa?

Caso 2
A sociedade Transportes da Silva Ltda., que enfrenta crise financeira substancial,
haja vista que nos últimos anos deixou de pagar os impostos incidentes sobre a sua
atividade comercial, assim como verbas trabalhistas devidas aos seus empregados,
procura-lhe informando que recebeu proposta irrecusável de alienação de seu
estabelecimento comercial. Contudo, não como proceder para operacionalizar esta
alienação, razão pela qual solicita que sejam informados todos os riscos e requisitos para
que seja concretizada a alienação do estabelecimento

2.2 Sessão 2

2.2.1 Sociedades
As sociedades podem ser definidas como grupos de duas ou mais pessoas que
reúnem capitais e esforços para realização de uma atividade comum, com o objetivo de
partilhar os resultados de tal atividade. Estabelecem, pois, obrigações e direitos recíprocos
entre seus sócios.

Teoria Geral do Direito Societário


20

Além disso, Walfrido Jorge Walfrido Junior, apresenta as sociedades como “a forma
prevalente de organizaçao jurídica da empresa”. E complementa afirmando, que o direito
societário corresponderia a quase todo o “direito privado interno da empresa”, o qual se
oporia ao direito privado externo da empresa ou mais precisamente ao direito comercial.
Isso se explicaria, uma vez que enquanto o direito interno (estudo das sociedades) estaria
relacionado à organização, o direito externo (direito comercial) estaria voltado para o
exercício da empresa. 43
Ele acrescenta, inclusive, que a empresa-atividade (“empresa de fora”), associada
a direito privado e externo estaria voltado para o regramento das condutas do empresário
em sentido amplo (o seu registro, o nome empresarial, a expressão contábil do estado da
empresa, os contratos empresariais em exercício, a garantia e a titularização dos direitos
creditórios), assim como seria voltado para transferência, compra e venda, arrendamento
da empresa e proteção da concorrência e dos elementos imateriais.
Dentro desse gênero sociedade extraímos a sociedade não personificada, a qual
pode ter a forma de sociedade em comum (enquanto não forem devidamente inscritos os
atos constitutivos da sociedade) e sociedade em conta de participação (constituída na
forma do Código Civil, assim como a sociedade personificada, a qual pode ter diversas
formas jurídicas, a sociedade simples, a sociedade em nome coletivo, a sociedade em
comandita simples, a sociedade limitada, a sociedade anônima e a sociedade em comandita
por ações.
Outra subdivisão importante a ser apresentada, nos termos do art. 982 c/c 966,
ambos do Código Civil é a que divide as sociedades em simples (as que que exercem
atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, salvo se constituir
elemento de empresa) e em empresárias (que exerça atividade econômica organizada
para a produção ou a circulação de bens ou de serviços)
Quanto à responsabilidade dos sócios nas sociedades, subdividem-se em limitada,
nas quais, em regra, os sócios respondem no limite das quotas ou ações subscritas, uma
vez integralizado o capital social, em ilimitada, em que todos são responsáveis de forma
ilimitada e, por fim, em mista, na qual existem a responsabilidade limitada e ilimitada,
como ocorre na sociedade em comandita simples e por ações.
O interesse comum dos sócios no sucesso do negócio está relacionado à realização
do objeto social da sociedade, assim como à geração de lucros a serem repartidos entre
os sócios. Nesse sentido, a forma ordinária de atuação do sócio no ambiente social se dá
por meio do exercício de voto, sendo que é nesta ocasião que o interesse social funciona
usualmente como parâmetro para aferição de condutas abusivas quer dos sócios
majoritários, quer dos minoritários. Daí o legislador ter se preocupado, precipuamente,
com normas que visam coibir o voto proferido em contrariedade ao interesse social,
reputando-o como abusivo.
A participação dos sócios, é não só nos lucros, mas também nas perdas, a qual é
inerente ao contrato de sociedade. O artigo 1.008, do Código Civil, determina ser “nula a
estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar nos lucros e nas perdas”,
por ser considerada claramente leonina.

43
CARVALHOSA, Modesto (Coord). Tratado de Direito empresarial. Vol1. Teoria da empresa. Revista dos tribunais,
2016, p.91.

Teoria Geral do Direito Societário


21

A contribuição dos sócios ao capital social, como fonte de financiamento, permite a


obtenção de fatores de produção para o desempenho da atividade econômica, na forma
por eles acordada. O desenvolvimento das atividades sociais dependerá, contudo, de ações
contínuas dos sócios, seja da forma mais comum, que é o exercício do direito de voto nas
reuniões ou assembleias da sociedade, seja, exemplificativamente, na orientação da
atuação dos administradores, na contribuição com seu trabalho pessoal, ou, ainda,
deixando de realizar atos que possam prejudicar a sociedade e os demais sócios.
Um importante conceito associado à sociedade é a affectio societatis, sendo a figura
jurídica relacionada não somente ao ânimo de se associar, mas também ao de permanecer
associado, admitindo-se a dissolução da sociedade ou a resolução da sociedade com
relação a um ou mais sócios, nos casos em que fosse verificado seu simples
desaparecimento.

2.2.1.1 Sociedades Despersonificadas

As sociedades despersonificadas estão previstas entre o art. 986 e 996, quais


sejam, a sociedade em comum e a sociedade em conta de participação. Essas sociedades,
cumpre destacar, são aquelas carentes de registro e sem atributo da personalidade
jurídica.

2.2.1.1.1 Sociedade em Comum

É importante observar que a sociedade em comum, ora disciplinada no Código Civil


de 2002, guarda certa semelhança com a sociedade em nome coletivo 44 - que é uma
sociedade personificada - já que em ambas a responsabilidade dos sócios é solidária e
ilimitada, de modo que essa aproximação poderia significar que a sociedade em comum
seria também personificada.
Todavia, de acordo com a lição de Marcelo Andrade Feres, tal raciocínio não
procede. Tratando-se de sociedade em nome coletivo, assim como sucede nas demais
sociedades por codificação, a sociedade em comum deveria ser considerada uma etapa
anterior ao registro das sociedades, ou seja, entre a assinatura de um contrato da
sociedade em nome coletivo e seu correspondente arquivamento, a sociedade reger-se-ia
pelas normas da sociedade em comum. 45
Daniel Kalansky buscando diferenciar sociedade em comum de sociedade irregular
traz à baila o seguinte posicionamento:
[...] entendemos que a sociedade que não levar ao registro
competente seus atos constitutivos não deve ser considerada como
uma sociedade irregular, mas sim dentro de uma nova categoria
societária, chamada de sociedade em comum, com características
próprias, conforme abaixo examinadas. Desta forma, como o Novo
Código Civil, passamos a ter um regime próprio para as sociedades
contratuais em formação, que em nada se confunde com as
sociedades irregulares. 46

44
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade em Comum Disciplina Jurídica e Institutos afins. São
Paulo: Saraiva 2011. p. 115
45
Ibid. p. 115
46
KALANSKY, Daniel. A Sociedade em Comum: Um Novo Tipo Societário? (Coordenação FRANÇA, Erasmo
Valladão Azevedo e Novaes. Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. pp. 513/514.

Teoria Geral do Direito Societário


22

Não há óbice que a sociedade em comum seja administrada por não sócios, tendo
em vista que o capítulo a ela destinado é silente sobre o tema e este modo de
administração é admitido nas sociedades do tipo simples.
Feitas essas considerações, concluímos que não é possível confundir os conceitos
de sociedade em comum com o de sociedade em nome coletivo, pois elas apenas se
aproximam na medida em que esta sucede aquela, mas ambas se fazem distintas a partir
do registro
De acordo com o enunciado nº 58 da 1ª Jornada de Direito Civil do CJF a sociedade
em comum compreende as figuras doutrinárias da sociedade de fato e da irregular”. Porém,
convém salientar que a sociedade em comum, sociedade de fato e sociedade irregular são
categorias distintas, o que extrai do seguinte trecho:
(i) sociedade de fato é a sociedade sem contrato escrito, que já está
exercendo suas atividades sem nenhum indício de que seus sócios
estejam tomando as providências necessárias à sua regularização
regularização; (ii) sociedade em comum é a sociedade contratual
em formação, isto é, aquela que tem contrato escrito e que está
realizando os atos preparatórios para o seu registro perante o órgão
competente, antes de iniciar a exploração do seu objeto social; e
(iii) sociedade irregular é a sociedade com contrato escrito e
registrado, que já iniciou suas atividades normais, mas que
apresenta irregularidade superveniente ao registro (por exemplo:
não averbou alterações do contrato social). 47

Acrescenta André Santa Cruz que:


Nada impede, todavia, que eventualmente se apliquem as normas
da sociedade em comum (arts. 986 a 990 do Código Civil) às
sociedades de fato e às sociedades irregulares, por analogia. Nesse
sentido, confira-se o Enunciado 383 do CJF: “A falta de registro do
contrato social (irregularidade originária – art. 998) ou de alteração
contratual versando sobre matéria referida no art. 997
(irregularidade superveniente – art. 999, parágrafo único)
conduzem à aplicação das regras da sociedade em comum (art.
986). 48

Esta distinção entre sociedade em comum, sociedade de fato e irregular se revela


extremamente importante do ponto de vista prático, bastando pensar nas seguintes
situações hipotéticas:
a) Sociedades cujos atos constitutivos arquivaram-se no registro
incompetente;
b) Inatividade da sociedade registrada (artigo 60 da Lei 8.934/94);
c) Sociedades que não se adequaram ao Código Civil de 2002;
d) Sociedades sem autorização para funcionar, quando esta é
exigida por lei;
e) Sociedades que realizaram uma alteração contratual sem levá-
las ao registro.

47
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial, São Paulo: Editora Atlas, 2017, p. 321
48
Ibid, p. 321

Teoria Geral do Direito Societário


23

Em decisão do TJRJ reconhece-se que o registro da sociedade demandada no


Registro Civil de Pessoas Jurídicas seria equivocado, por ser a mesma qualificada como
empresária, ensejando, por consequência, a responsabilidade ilimitada dos sócios e, dessa
maneira, a aplicação do artigo 81 da Lei de Falências, no qual é permitida a extensão da
quebra da sociedade para os sócios. Vejamos:
Apelação Cível. Pedido de falência. Prestação de serviço médico.
Atividade empresarial. Reconhecimento. Sociedade irregular. Falta
de registro na Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro. Reforma
da decisão. Decretação da falência com reconhecimento da
responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios. Recurso provido 49

A sociedade em comum, em virtude da sua falta de personalidade jurídica oriunda


da falta de registro no registro público, apresenta características próprias: os seus bens e
as dívidas sociais constituem patrimônio especial, seus atos constitutivos não estão
inscritos no órgão competente e os sócios respondem de forma ilimitada e solidária,
podendo alegar benefício de ordem (salvo aqueles que contratem em nome da sociedade 50
A prova da existência de uma sociedade em comum pode ser pretendida por um
terceiro credor da sociedade, ou até mesmo pelos próprios sócios, no intuito de partilhar
as perdas ou sucessos da atividade. Nesse sentido, enquanto a prova da existência da
sociedade em comum é limitada quanto a seus sócios, será ela plena perante terceiros,
isso porque, para os sócios, apenas teria-se a possibilidade de prová-la em juízo mediante
prova por escrito, ao passo que, em relação a terceiros, a prova de sua existência poderá
ser realizada por qualquer meio.
Marcelo Féres critica tal dispositivo na medida em que permitir um meio de prova
para os sócios (prova escrita) e outro (qualquer) para terceiros poderia induzir alguém a
pensar que a sociedade em comum existiria mesmo sem qualquer instrumento
mandamental 51
A sociedade em comum não pode requerer a recuperação judicial ou extrajudicial
(artigo 48 c/c 161, ambos da Lei nº 11.101/2005), não possuem proteção quanto ao nome
empresarial (art. 33 da Lei nº 8.934/1994), sendo decretada a falência incorrem os sócios
em crime falimentar (art. 178 da Lei nº 11.101/2005), não possuem proteção quanto à
marca (art. 128 da Lei nº 9.279/1996 e não podem requerer a falência de outro empresário
(art. 97, § 1º, da Lei 11.101/2005). No entanto, podem confessar sua própria falência, nos
termos do artigo 105, Inciso IV, da Lei 11.101/2005.
Respondem os sócios da sociedade em comum de forma ilimitada e solidária pelas
obrigações sociais. Contudo, sua responsabilidade será sempre subsidiária em virtude do
benefício de ordem oriundo do § 1º do Art. 795 CPC/15. O patrimônio deste só será atingido
se faltarem bens do patrimônio da sociedade que possam suprir o valor de suas obrigações
e dívidas. 52
Podem os sócios, ainda, realizar pacto limitativo de responsabilidade dos bens
sociais por seus atos de gestão desde que este seja expresso e de conhecimento de
terceiros que mantenham relações com a sociedade. Inclusive, o conhecimento de terceiros

49
BRASIL. TJRJ. 9ª Câmara Cível. Apelação nº 0106837-38.2004.8.19.0001. Relator: Des. Carlos Eduardo
Moreira Silva. Julgamento: 05/10/2010.
50
RESTIFFE, Paulo Sérgio. Manual do Novo Direito Comercial. São Paulo: Dialética, 2006. p. 100-101.
51
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade em Comum Disciplina Jurídica e Institutos afins. São Paulo: Saraiva., 2011.
p. 108.
52
RESTIFFE, Paulo Sérgio. Manual do Novo Direito Comercial. São Paulo: Dialética, 2006. p. 101.

Teoria Geral do Direito Societário


24

sobre o pacto limitativo de responsabilidade se presume se ao terceiro tiver o dever de


conhecê-lo.
O patrimônio especial da sociedade em comum é composto por bens que não mais
pertencem aos sócios, sendo agora bens sociais, da mesma forma que não se cuida mais
do sócio em si, mas sim do núcleo social. A sociedade que aparece perante terceiros contrai
obrigações, realiza contratos e desempenha diversas atividades no mundo econômico e
constitui um patrimônio especial e próprio. 53

2.2.1.1.2 Sociedade em conta de participação

Na SCP, uma ou mais pessoas fornecem bens ou dinheiro a um empresário ou uma


sociedade empresária para que esta os aplique em determinadas operações no interesse
comum. 54
Para Tavares Borba, a SCP, apesar de ser elencada na parte do Código Civil que
trata dessa modalidade, não é considerada propriamente uma sociedade, já que lhe falta
personalização e patrimônio próprio, que são características essenciais das sociedades. A
conta de participação apresenta elementos de sociedade, quais sejam a união de esforços
para um objetivo comum, mas não reúne os pressupostos para tal e, por isso, seria um
contrato de participação 55
Ele afirma, inclusive, sobre a importância do registro para SCP, embora seja
dispensada pela legislação, em que pese Carvalho de Mendonça e Fran Martins, à época
do Código Comercial, entender por defeso 56. Vejamos:
mesmo não havendo necessidade do registro, em virtude da sua
faixa fronteiriça com a Sociedade em Comum, a falta do
arquivamento no Registro de Empresas (ou no Registro Civil de
Pessoas Jurídicas, se for o caso) poderá fazer o participante ser
confundido com sócio de uma Sociedade em Comum, o que
acarretaria responsabilidade ilimitada”

O Código Civil de 2002, por sua vez, em seu artigo 993, optou pela consagração da
possibilidade do registro, sem que o referido registro lhe confira personalidade jurídica.
A SCP congrega os sócios ostensivos e os participantes. Ao primeiro compete
explorar sob sua responsabilidade exclusiva o objeto determinado no contrato. O sócio
participante, por sua vez, é o financiador, aquele que empresta o capital, sem, contudo,
assumir quaisquer riscos pelo negócio 57
Os riscos do negócio são dimensionados e sempre se limitam à prestação pela qual
se obrigou o sócio ostensivo. Por isso, diz-se que a sociedade existe somente entre os
sócios e não perante terceiros. Os direitos e obrigações entre os sócios são regulados pelos
termos dispostos no contrato. Perante terceiros, a sociedade não se apresenta, apenas o

53
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade em Comum Disciplina Jurídica e Institutos afins. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 111.
54
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p 107 – 108.
55
Idem. p 107 – 108.
56
CAMPINHO, Sergio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p. 84 Ob. Cit., MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 27ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p . 179.
57
CAMPINHO, Sergio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p 83.

Teoria Geral do Direito Societário


25

sócio ostensivo se obriga, realiza as operações em seu nome e assume todos os riscos da
empreitada. 58
Os riscos do sócio ostensivo são ilimitados, já os do participante são limitados. Os
terceiros não terão ação contra o sócio participante, salvo se este vier a tomar parte nas
relações passando ele a responder de forma solidária pelas obrigações 59
Limitam-se os riscos do sócio participante à prestação que ele se obrigou com o
sócio ostensivo nos termos ajustados no contrato; este, por sua vez, se obriga para com
terceiros pelos resultados das obrigações, nunca com o sócio participante - este não é
sequer conhecido por terceiros 60
Da mesma forma, uma vez que as atividades sociais serão exercidas no local em
que o sócio ostensivo as desenvolver, a SCP não tem domicílio ou sede. 61 Assim, as
obrigações contratadas com terceiros serão respondidas pelo sócio ostensivo no lugar em
que tenha sede.
O sócio ostensivo é o único que se obriga e adquire direitos, pois é ele quem registra
todas as despesas, os ingressos, dispêndios e resultados acumulados, além de distribuir
os lucros ou imputar os prejuízos aos participantes, limitando ao que se destinou nos
contratos. 62
Note-se que o sócio ostensivo deve prestar contas ao participante e este fará jus
ao recebimento de sua parte em relação ao proveito econômico resultante do contrato de
participação. Nesse sentindo, confira-se decisão do TJ-RJ:
0017815-25.2011.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES.
EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO - Julgamento: 06/03/2012 -
DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL. Agravo de Instrumento.
Arrolamento cautelar. Sociedade em conta de participação. Sócio
oculto que sustenta estar sendo lesado pela resistência do sócio
ostensivo em repassar o proveito econômico da atividade objeto do
contrato, em retribuição por aportes de capital de cerca de R$
2.500.000,00. Arrolamento deferido mas limitado aos bens dados
em garantia da operação. Pretensão de estendê-lo às contas
correntes do réu. 1 - Em uma sociedade em conta de participação,
constitui o acesso às contas correntes providência essencial à prova,
pelo sócio oculto, das operações financeiras sobre as quais é
calculado o retorno do capital investido. 2 - Imobilizá-las
indefinidamente, sem certeza sobre o crédito do sócio oculto e ante
a suficiência das garantias apresentadas, constituiria iniquidade e
risco de quebra pelo estrangulamento da atividade econômica. 3 –
Recurso conhecido e provido para, compatibilizado os interesses,
permitir o bloqueio das contas, a listagem dos valores e a
identificação de sua proveniência, com a subsequente liberação do
quantum retido. (Os grifos não são do original.)

58
CAMPINHO, Sergio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p 83.
59
CAMPINHO, Sergio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p 83.
60
Idem.
61
LOPES, Mauro Brandão. A Sociedade em Conta de Participação. São Paulo: Ed. Saraiva, 1990. pp. 47-48.
62
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. P 110.

Teoria Geral do Direito Societário


26

É importante destacar, ainda, que o contrato da SCP é personalíssimo, restando-se


evidente que nenhum dos seus sócios poderá ceder sua participação sem o prévio
consentimento dos demais, nos termos do art. 995 do Código Civil. Soma-se a isso que
sempre que o sócio ostensivo firmar vários contratos, ele deverá abrir uma conta para
cada participante, salvo se todos estiverem envolvidos na mesma operação (nesse caso,
será uma conta só).
A falência do sócio ostensivo resulta na dissolução da SCP e, por consequência, na
liquidação da conta. É certo, portanto, que o participante, caso tenha algum crédito a
receber, irá se habilitar na falência do ostensivo como credor quirografário (art. 994 § 2º
do CC), enquanto a falência do sócio participante implica a sujeição aos efeitos desta em
relação aos contratos bilaterais do falido, nos termos do art. 994 § 3º do CC, c/c artigo
117 da Lei 11.101/2005. 63
Dessa maneira, o contrato não se resolve de pleno direito pela falência do sócio
ostensivo, facultando-se ao administrador judicial - mediante autorização do Comitê de
Credores, caso julgue conveniente para a maximização dos ativos do falido - exigir a
execução desse contrato, entrando os respectivos saldos devidos ao sócio participante para
o pagamento dos credores ou permanecendo na SCP, substituindo-se o falido pela massa
falida 64
A SCP não está sujeita à falência, já que, ainda que seu instrumento venha a ser
registrado no registro público, não terá personalidade jurídica e, dessa maneira, não
assumirá diretamente qualquer tipo de obrigação. Deve-se lembrar, também, que a SCP
é, na realidade, um contrato, sendo essa a sua natureza jurídica. Quem pode incorrer em
falência é o sócio ostensivo, por parte de seus credores, ou o sócio participante, podendo,
inclusive, na qualidade de credor do sócio ostensivo, requerer sua falência 65
Qualquer credor do sócio ostensivo poderá requerer-lhe a falência, não sendo
relevante se o crédito é decorrente do desempenho do objeto do contrato de participação
ou de qualquer outra atividade de sua responsabilidade. O sócio ostensivo fica sujeito ao
requerimento de falência 66
Os contratos de participação vêm se destacando na área das incorporações
imobiliárias em que um empresário (empresário individual, empresa individual de
responsabilidade limitada – EIRELI ou sociedade empresária), que presta serviços de
engenharia, mas que, apesar de ter um terreno e pessoas capacitadas para elaboração e
implementação de um projeto imobiliário, não tem capacidade financeira para tanto.
Assim, esse empresário pode se associar a um investidor, que assume o papel de sócio
participante, limitando sua responsabilidade ao valor do investimento. 67
Por conseguinte, sempre que um determinado empreendimento ou negócio
necessite de recursos de terceiros e esses terceiros não queiram assumir a direção do
negócio, bem como não desejem ter seu nome vinculado ao empreendimento, a SCP
poderá ser uma alternativa. 68

63
RESTIFFE, Paulo Sérgio. Manual do Novo Direito Comercial. São Paulo: Dialética, 2006. P 103.
64
Idem.
65
CAMPINHO, Sergio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p 86.
66
Idem, p.87.
67
Idem, p.87
68
Idem, p.87

Teoria Geral do Direito Societário


27

2.2.2 Questões de auto monitoramento


1. O que é sociedade?
2. Qual a diferença entre sociedade personificada e sociedade não personificada?
3. Quais as espécies de sociedades despersonificadas?
4. Qual a diferença entre sociedade em comum, irregular e de fato?
5. Como se estrutura uma sociedade e quais as cláusulas essenciais desses contratos?
6. No que consiste a sociedade em conta de participação?
7. Diferencie os papeis do sócio ostensivo do sócio participativo na sociedade em conta
de participação

Caso Gerador
Roberto adquiriu as unidades 118 e 214 do Condomínio Edifício Morumbi Business
Apart Hotel. Trata-se de empreendimento hoteleiro, que funciona por meio de uma
sociedade de conta de participação cujos sócios participantes são os proprietários dos flats
do Condomínio e a sócia ostensiva é a sociedade Conceito Assessoria e Hotelaria Ltda.,
responsável pela administração hoteleira. Conceito Assessoria e Hotelaria Ltda. contratou
Qualitá Indústria e Comércio de Móveis Ltda. para fornecimento dos móveis para os flats
que seriam alugados a terceiros e não pagou pelo serviço contratado. Como os serviços
foram contratados pela Conceito Assessoria e Hotelaria Ltda., sócia ostensiva da sociedade
em conta de participação (SCP) também integrada por Roberto e outros proprietários das
demais unidades do condomínio, Qualitá sacou duplicata contra Roberto, levando-a a
protesto. Roberto promoveu contra a Qualitá uma Medida Cautelar de Sustação de Protesto
e, posteriormente, uma Ação de Rito Sumaríssimo Declaratória de inexigibilidade de Título
de Crédito, cumulada com Pedido de Indenização por Danos Morais, afirmando que jamais
firmara qualquer negócio com a Qualitá. Qualitá alega que a finalidade da SCP, da qual
Roberto é um dos sócios, é fazer com que o empreendimento hoteleiro funcione, com a
aquisição de móveis e com a administração hoteleira propriamente dita. Assim, ao firmar
contrato com a Conceito, o autor autorizou a empresa a assumir compromissos, em seu
nome, para que suas unidades funcionassem. Como juiz do caso, de que maneira proferiria
a sentença nas ações propostas por Roberto? Julgaria o pedido procedente ou
improcedente, com qual fundamento?

2.3 Sessão 3

2.3.1 Personalidade Jurídica e Pessoa Jurídica


A personalidade jurídica define-se como a capacidade de ser sujeito de direitos e
obrigações, conforme reconhecida por Orlando Gomes. 69
Pode-se dizer inclusive que a personalizacao da pessoa jurídica se realiza em duas
fases, segundo Arnaldo Rizzardo:
A primeira através da exteriorização da vontade humano em
instrumento escrito, também conhecido por contrato social e a
segunda por meio do registro no órgão competente. 70

69
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2007. p. 170, n. 108.
70
RIZZARDO, Arnaldo. Manual de Direito Empresarial, Gen. 2018, p.22

Teoria Geral do Direito Societário


28

Com relação à titularidade processual Vera Helena traz a seguinte reflexão:


a personalização da sociedade empresária importa a definição da
sua legitimidade para demandar e ser demandada em juízo, nos
processos relacionados as suas obrigações a parte legitima para
mover ou responder a ação é a própria pessoa jurídica da sociedade
e não os sócios. Se, por exemplo, não é pago o aluguel do imóvel
em que se encontra o estabelecimento empresarial de uma
sociedade anônima, o locador terá ação de despejo por falta de
pagamento contra esta e não contra os acionistas, nem mesmo o
acionista controlador. Se processar esses últimos, em vez da
sociedade, ele será carecedor da ação, extinguindo-se o processo
sem julgamento de mérito por ilegitimidade da parte passiva 71

Ela inclusive destaca que três exemplos são as consequências da personalização, a


titularidade processual, acima exemplificada, a titularidade obrigacional e a
responsabilidade patrimonial. 72
Com base no exposto, pode-se de antemão chegar a conclusão de que o empresário
individua não teria personalidade jurídica, uma vez que lhe faltaria o contrato social, haja
vista que ele exerce atividade econômica sozinho sem a presença da affectio societatis.
Já a pessoa jurídica, segundo Arnaldo Rizzardo, seria o que se segue:
ente personalizado composto de duas ou mais pessoas físicas,
unidas por um nexo, visando a uma finalidade especifica, e com
capacidade realizar vários atos da via civil (...) 73

Cumpre destacar que só após a averbação dos atos constitutivos no órgão próprio
é que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica será constituída e será desligada das
pessoas dos sócios.
Visando discernir a figura de sócio da de empresário, o autor André Santa Cruz
apresenta a seguinte análise:
Quando se está diante de uma sociedade empresária, é importante
atentar para o fato de que os seus sócios não são empresários: o
empresário, nesse caso, é a própria sociedade, ente ao qual o
ordenamento jurídico confere personalidade e, consequentemente,
capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações. Assim,
pode-se dizer que expressão empresário designa um gênero, do
qual são espécies o empresário individual (pessoa física) e a
sociedade empresária (pessoa jurídica). 74

Isso se confirma quando se observa o seguinte arresto do STJ:


Recurso especial. Direito Civil e Processual Civil. Insolvência civil.
Ofensa aos arts. 458, II, e 515, § 1.º, do CPC. Alegação genérica.
Incidência da Súmula 284/STF. Omissão. Não ocorrência.
Manifestação direta do Tribunal acerca do ponto pretensamente
omisso. Julgamento da causa madura. Aplicação extensiva do art.

71
FRANCO, Vera Helena de Melo, Direito Empresarial, Revista dos Tribunais, 2016, p. 33
72
Ibid., p. 32
73
RIZZARDO, Arnaldo. Manual de Direito Empresarial, Gen. 2018, p.22
74
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial, São Paulo: Editora Atlas, 2017, p. 75

Teoria Geral do Direito Societário


29

515, § 3.º, do CPC. Pedido de insolvência civil manejado contra sócio


de empresa. Possibilidade. Ausência da figura do comerciante.
Recurso especial não conhecido. (...) 5. A pessoa física, por meio de
quem o ente jurídico pratica a mercancia, por óbvio, não adquire a
personalidade desta. Nesse caso, comerciante é somente a pessoa
jurídica, mas não o civil, sócio ou preposto, que a representa em
suas relações comerciais. Em suma, não se há confundir a pessoa,
física ou jurídica, que pratica objetiva e habitualmente atos de
comércio, com aquela em nome da qual estes são praticados. O
sócio de sociedade empresarial não é comerciante, uma vez
que a prática de atos nessa qualidade é imputada à pessoa
jurídica à qual está vinculada, esta sim, detentora de
personalidade jurídica própria. Com efeito, deverá aquele
sujeitar-se ao Direito Civil comum e não ao Direito Comercial, sendo
possível, portanto, a decretação de sua insolvência civil. 6. Recurso
especial não conhecido (REsp 785.101/MG, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, 4.ª Turma, j. 19.05.2009, DJe 01.06.2009).

Assim, a personalidade jurídica da pessoa jurídica constituída na forma de


sociedade (espécie de empresário) evitará que em eventual execução em face dela se
atinja o patrimônio dos sócios dessa pessoa jurídica por dividas da sociedade. Todavia, o
empresário individual em que pese tenha tratamento como pessoa jurídica para fins
tributários, por exemplo, possuindo registro no CNPJ, não adquire a personalidade jurídica,
continuando a ser uma pessoa física que pratica atividade empresária.
O autor Fabio Bellote Gomes apresenta em seu livro o exercício individual da
empresa e o exercício coletivo de empresa. Destaca que aquele que exerce individualmente
a empresa (empresário individual) se inscreve no registro de empresas com sua firma
individual (em seu nome próprio), ainda que possua empregados e auxiliares, contraindo,
assim, obrigações em seu próprio nome. Menciona, inclusive, que ele não é pessoa jurídica,
ainda que se inscreva no CNPJ/MF, uma vez que isso serve apenas para que recolha as
mesmas alíquotas asseguradas às pessoas jurídicas, como forma de incentivar legalmente
sua atividade empresarial, o que não a transforma em pessoa jurídica. 75
Ao adquirir personalidade, as pessoas jurídicas também passam a ter legitimidade
para demandar e ser demandadas em juízo. Em outras palavras, a pessoa jurídica, e não
seus sócios, passa a ser responsável por suas obrigações, da mesma forma que passa a
ser titular de direitos contra terceiros.
Na visão de Arnoldo Wald, a personalidade jurídica da sociedade:
não deve servir de biombo para encobrir as irregularidades das
pessoas físicas que as constituem, aplicando-se, em tais casos, a
teoria da desconsideração. Admite-se, assim, nos casos de fraude,
a aplicação da chamada teoria da desconsideração, em virtude da
qual se levanta o véu ou se retira o biombo que dá aparência de
pessoa jurídica a quem, na realidade, não a tem, por ser tão-
somente instrumento de outra pessoa – física ou jurídica – para o
fim específico de violar a lei ou prejudicar terceiros. 76

75
GOMES, Fábio Bellote, Manual de Direito Empresarial. Juspodvm: 2018, p. 34-36
76
WALD, Arnoldo. Direito Civil: Introdução e parte geral. 11. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 188.

Teoria Geral do Direito Societário


30

Soma-se ao exposto que a questão da autonomia patrimonial pode ser destacada


como o principal efeito da aquisição de personalidade pela pessoa jurídica. A pessoa
jurídica passa a ter um patrimônio próprio, autônomo, inconfundível e incomunicável em
relação ao patrimônio de seus sócios.
No patrimônio dos sócios, permanece apenas a participação societária detida na
pessoa jurídica constituída, representada pelas quotas ou ações por eles detidas, mas esta
participação societária não se confunde, em nenhum momento, com os bens detidos pela
própria pessoa jurídica da qual são sócios. Da mesma forma, os bens adquiridos pela
sociedade são para uso desta e não podem ser usufruídos por seus membros.
Pertence apenas à pessoa jurídica a titularidade de seus bens e é com estes bens
que ele responde pelas obrigações e dívidas contraídas. É o patrimônio da sociedade, e
não dos sócios, que deve ser usado como garantia aos credores. Isso porque, partindo do
pressuposto de que a pessoa jurídica e seus sócios não se confundem, seria desarrazoado
impor aos sócios a obrigação de responder pelas dívidas da sociedade.
O princípio da autonomia patrimonial é essencial ao desenvolvimento da atividade
econômica, por impor limite a eventuais perdas sofridas pelos sócios como resultado de
investimentos mais arriscados. Em outras palavras, estimula-se o empreendedorismo ao
garantir-se a autonomia patrimonial, uma vez que, caso contrário, eventuais insucessos
da atividade econômica poderiam recair sobre patrimônio dos próprios investidores.
Waldo Fazzio Junior distingue capital social e patrimônio da seguinte forma:
“ Enquanto o capital social permanece nominal, expresso na soma
declarada no contrato, o patrimônio social crescera ou não,
conforme o desempenho da sociedade, produzindo lucros que são
periodicamente partilhados entre os sócios. O patrimônio responde
pelo passivo social e não pode ser inferior ao capital social. Como
garantia mínima para terceiros, o capital social é intangível. 77

A autora Vera Helena de Mello Franco, por sua vez, entende que o capital pode ser
analisado sob uma configuração jurídico-contábil ou como configuração patrimonial-
financeira. 78
Fazendo um paralelo ao exposto por Waldo Fazzio Junior, a configuração jurídico-
contábil seria basicamente o capital social, ao passo que a configuração patrimonial-
financeira seria o patrimônio da sociedade. 79
Assim, a autora Vera Helena explica que o capital social seria o montante das
contribuições do sócio no ato da constituição da sociedade e que o patrimônio equivaleria
ao complexo de direitos e obrigações, relações jurídicas ativas e passivas, ocorrentes
durante a gestão sujeitas às flutuações e transformações determinadas pelas exigências e
pelos efeitos da realidade econômica 80
O capital social para Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, conforme análise de
Adalberto Simão Filho, teria duas funções básicas. A primeira seria a função interna que
fixa “a relação patrimonial entre os sócios e regula a participação social nos lucros e nos
riscos, em conformidade com a contribuição social”. Já a segunda seria a função externa
que “representa o capital social a segurança dos terceiros que com a sociedade entabulam

77
Fazzio Junior, Waldo. Fundamentos de Direito Comercial, 6 ed. São Paulo, Editora Atlas, 2006, p. 50.
78
Franco, Vera Helena de Mello. Manual de Direito Comercial: O empresário e seus auxiliares, o estabelecimento
empresarial, as sociedades. 2 ed. São Paulo: Editora Thomson Reuters, 2004, p. 236.
79
Fazzio Junior, Waldo. Fundamentos de Direito Comercial, 6 ed. São Paulo, Editora Atlas, 2006, p. 51.
80
Franco, Vera Helena de Mello. Op., cit., p. 236

Teoria Geral do Direito Societário


31

negócios jurídicos, na medida em que não é permitido pela lei a distribuição do capital
entre sócios, haja vista a intangibilidade do capital social”. 81
Conforme bem lembrado por Adalberto Simão o capital e sua integralização tem
estrita relação com o conceito da limitação de responsabilidade, como se depreende do
art. 1.052 82 do Código Civil, de modo que a responsabilidade do sócio é restrita ao valor
de suas quotas e que todos os sócios têm responsabilidade solidária por sua integralização.
83

Esse mesmo autor reforça a ideia de que:


“Embora o capital social possa formar o patrimônio inicial da
sociedade, não deve ser confundido com o fundo social que é
formado pelo patrimônio social. Tal fato ocorre, porque o capital
permanecerá estático no curso das atividades sociais até o momento
da correção, atualização, aumento, ao passo que o fundo social
poderá aumentar na razão do crescimento do patrimônio social e do
próprio estabelecimento” 84

2.3.2 Sociedadees personificadas


2.3.2.1 Sociedade Simples

Enquanto as sociedades empresárias praticam atividade própria de empresário, nos


termos do art. 982 CC/02, ou seja, atividade econômica organizada para a produção ou
circulação de bens ou serviços. As sociedades simples praticam as demais atividades
econômicas, como as de natureza intelectual, científica, literária ou artística, com a
ressalva de não constituírem elemento de empresa. Ainda, enquanto nas sociedades
empresárias há complexidade, estrutura e organização, nas sociedades simples, há
simplicidade e pessoalidade
Nem sempre é fácil a tarefa de diferenciar uma sociedade simples de uma sociedade
empresária. Dentro da linha de que a sociedade simples é marcada pela simplicidade e
pela pessoalidade, pode-se citar como exemplo o de um consultório, constituído por dois
médicos, que dividem as despesas. Tratar-se-á, no caso, de uma sociedade simples, pela
pessoalidade. Imaginem um paciente chegando à portaria do prédio. Ele informa que subirá
para o consultório dos doutores X e Y (pessoalidade + simplicidade).
Imagine, porém, um outro exemplo. Os mesmos dois médicos trabalhando dentro
de um grande hospital. Além desses dois médicos, existem mais 100 clínicos gerais, mais
30 cirurgiões e mais 15 enfermeiros, dentre outros setores, como o de marketing, o jurídico
e etc. Aqui, deixa de existir a simplicidade e a pessoalidade e passa-se a se observar uma
organização complexa, características próprias de sociedades empresárias (complexidade
+ estrutura + organização).

81
SIMÃO FILHO, Adalberto. A nova sociedade limitada. Barueri, São Paulo: Manole, 2004, p. 94
82
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas
todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
83
SIMÃO FILHO, Adalberto. A nova sociedade limitada. Barueri, São Paulo: Manole, 2004., p. 94.
84
SIMÃO FILHO, Adalberto. SIMÃO FILHO, Adalberto. A nova sociedade limitada. Barueri, São Paulo: Manole,
2004p. 94.

Teoria Geral do Direito Societário


32

O Código Civil de 2002, na redação do seu artigo 997, descreve como se constitui
a sociedade simples, discriminando os elementos que, obrigatoriamente, devem constar
do contrato social. Vejamos:
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos
sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação,
nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo
compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação
pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista
em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade,
e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas
obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto

Todos os elementos supra referidos no artigo devem constar dos atos constitutivos
da sociedade, ainda que seja facultado aos sócios a estipulação de outras cláusulas que
acharem por conveniente, com a lembrança de que nada que não esteja previsto no
contrato social pode ser oposto a terceiros, já que não foi dada a necessária publicidade.
Conforme mencionado, redigido o contrato, nos trinta dias subsequentes à sua
constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil
das Pessoas Jurídicas do local de sua sede - art. 998 CC/02.
Depois de arquivados os atos constitutivos da sociedade, as modificações
contratuais que envolverem aspectos fundamentais e constitutivos (relativos ao art. 997
do CC/2002), irão requerer o consentimento de todos os sócios; já as demais matérias
poderão ser decididas por maioria absoluta (caso o contrato não exija a unanimidade) –
art. 999 CC/02.
As sociedades simples, em regra, adotarão a denominação, que deverá ter uma
correlação com o objeto da sociedade. Contudo, nada impede que a sociedade tenha uma
firma. De acordo com o art. 1.157 CC/2002, a sociedade que inclui sócio de
responsabilidade ilimitada operará sob a firma ou sob a razão social que adotou.
Assim, se a sociedade simples contiver sócio de responsabilidade subsidiária e
ilimitadamente pelas obrigações da sociedade, logicamente, será adotada a firma, ou a
razão social.
A sociedade simples não se sujeita à falência ou à recuperação judicial ou
extrajudicial, uma vez que não exerce atividades mercantis, ou produtivas, de caráter
econômico, dirigidas a conceder lucro aos seus integrantes. O art. 1.044 CC/02 determina
que a sociedade simples se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas
no art. 1.033 do mesmo diploma.

Teoria Geral do Direito Societário


33

O administrador da sociedade simples não necessariamente deverá ser um sócio.


Contudo, se o administrador for sócio da sociedade, e nomeado através de cláusula do
contrato social, este será protegido pela prerrogativa do art. 1.019 CC/2002, que
determina que ele não poderá ser destituído, e nem mesmo os seus poderes serão
modificados, a não ser que haja, para tanto, justa causa, declarada judicialmente, a
requerimento de qualquer dos sócios.
Ao sócio é conferido o direito de retirada, que está previsto no art. 1.029 do CC/02.
Para tanto, se a sociedade for de prazo indeterminado, ele terá o prazo de sessenta dias
para notificar a sociedade, e, no caso de a sociedade ter prazo determinado, ele poderá
desligar-se comprovando judicialmente a justa causa.
A retirada do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas
obrigações sociais anteriores, até dois anos depois de averbada a resolução da sociedade.
As causas de dissolução da sociedade simples estão enumeradas no art. 1.033
CC/02. Veja-se o referido artigo:
Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem
oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em
que se prorrogará por tempo indeterminado;
II - o consenso unânime dos sócios;
III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de
prazo indeterminado;
IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de
cento e oitenta dias;
V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.

Cumpre ressaltar, ademais, que não se aplica o disposto no inciso IV quando o sócio
remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob
sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do
registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de
responsabilidade limitada – art. 1033, parágrafo único, CC/02
Por fim, cumpre destacar que da mesma forma que há a sociedade simples que
pode ser pura, caso em que haverá previsão no contrato social da responsabilidade
ilimitada para os sócios, há a sociedade simples limitada, em que há a limitação da
responsabilidade.
Não se deve esquecer que a sociedade limitada empresária deve ser registrada na
Junta Comercial e a sociedade simples limitada deve ser registrado no Registro Civil de
pessoa jurídica.

2.3.2.2 Sociedade em Comandita Simples

Essa sociedade apresenta duas categorias de sócios: os comanditados e os


comanditários. Enquanto aqueles são pessoas físicas que respondem solidária e
ilimitadamente, pelas obrigações sociais, estes, são pessoas naturais ou jurídicas, que
respondem somente pelo valor das quotas de capital.85

85
CAMPINHO, Sérgio. Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p.
212

Teoria Geral do Direito Societário


34

A parte que assemelha a figura dos sócios comanditados com as dos sócios da
sociedade em nome coletivo e que: no ato constitutivo ou em convenção unânime posterior
(da qual não participam os comanditários), limitar entre si suas responsabilidades. A
administração da sociedade é deles privativa e a composição da firma social somente
poderá espelhar nome ou nomes dos sócios comanditados. 86
Um cuidado que é preciso ter é que os sócios comanditários não podem receber dos
sócios comanditados mandato genéricos, pois isso acarretaria a perda da limitação de sua
responsabilidade, uma vez que estaria fraudando a lei. Todavia, se forem procuradores da
sociedade, com base em mandato para a realização de negócio determinado e com poderes
especiais para isso, a lei restará respeitada. 87
Campinho brilhantemente traz à baila o seguinte resumo sobre a sociedade:
A sociedade em comandita simples dissolve-se de pleno direito
quando, por mais de 180 dias, perdurar a falta de uma das
categorias de sócio ou por qualquer das causas previstas para as
sociedades simples (art. 1.033) e, se empresária, pela falência. Na
falta da categoria de sócios comanditados, os comanditários
nomearão administrador provisório para praticar, até que fique
recomposta a sociedade, os atos de administração. Todavia, o
administrador não irá assumir a condição de sócio. No mais,
aplicam-se à sociedade em comandita simples as normas da
sociedade em nome coletivo, que, por sua vez, é regida
subsidiariamente pelas regras da sociedade simples.

2.3.2.3 Sociedade em nome coletivo

Com relação às sociedades em nome coletivo, cumpre destacar a seguinte


observação de Serio Campinho:
A sociedade em nome coletivo caracteriza-se como único tipo
societário no Direito brasileiro em que todos os sócios respondem
solidária e ilimitadamente pelas dívidas da sociedade. Nessa
medida, os sócios – que necessariamente serão pessoas físicas –
responderão, pelas obrigações sociais, de forma pessoal (com
patrimônio próprio), subsidiária (a responsabilidade do sócio é
sempre em grau subsidiário nas sociedades personalizadas),
solidária (os credores podem exigir a integralidade do valor de seus
créditos de qualquer dos sócios) e ilimitada (respondem com todas
as forças do patrimônio pessoal). 88

No entanto, no que concerne à relação interna entre os integrantes da sociedade


poderão estabelecer no contrato social ou posteriormente em convenção a limitação da
responsabilidade entre eles.

86
Ibid
87
Ibid
88
CAMPINHO, Sérgio. Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p.
210

Teoria Geral do Direito Societário


35

O nome empresarial por sua vez poderá ser firma social (firma coletiva ou razão
social), a qual só poderá ser utilizada pelo sócio autorizado em contrato social.
É de fundamental importância que não se olvide que as regras da sociedade simples
se aplicam de forma supletiva a sociedade em nome coletivo, haja vista serem, segundo
campinho, normas gerais do direito societário. 89 Nesse caso, a dissolução de pleno direito
observará o art. 1033 do cc.
Uma observação que merece ser feita é que o credor particular do sócio, “ não tem
o direito de, antes de dissolver-se a sociedade em nome coletivo, pretender a liquidação
da quota do devedor, consoante prevê o caput do art. 1.043 do Código”. Todavia, se a
sociedade for de prazo determinado e for prorrogada tacitamente será possível essa
liquidação, o mesmo só ocorrera no caso de prorrogação expressa se for inventada
oposição dentro de 90 dias da publicação do ato dilatório e for acolhida judicialmente. Além
disso, cumpre destacar que a administração dessa sociedade competirá exclusivamente
aos sócios.

2.3.2.4 Sociedade Limitada

É a partir da análise feita pelo professor Cassio Cavali de obras de Karl Heinsheimer,
Felipe de Sola Cañizares, Enrique Aztiria e de Hernani Estrella que se chega à seguinte
introdução para o presente tópico:
“É no contexto encontrado no fim do séc. XIX e no início do sec. XX
que nasce por impulso de iniciativas legislativas que pipocaram em
diversos países, a sociedade limitada, com o propósito de favorecer
os empreendimentos de menor expressão econômica, cuja esfera
de atuação fosse reduzida e que congregassem reduzido número
de sócios, mediante limitação de sua responsabilidade, sem que
tivesse de recorrer à sociedade anônima, com sua armadura pesada
e solene, cuja burocracia e custos constituíam empecilho de monta
ao pequeno comércio. 90”

Além disso, cumpre destacar que o Código Civil de 2002 com suas disposições
legais, previstas no capítulo IV, do subtítulo II do título II do livro II, conforme será
percebido ao logo dessa sessão, possibilitou que a sociedade limitada fosse o tipo societário
mais utilizado no País, o que nas palavras de Adalberto Simão Filho permitirá:
“(...) instrumentalizar novos negócios e perspectivas para bem
cumprir a função social (...) 91

Será por meio de um contrato social firmado entre os sócios que a sociedade
limitada será constituída. Nele estarão cláusulas essenciais que são regulamentadas no
art. 997 e 998 do Código Civil, os quais são aplicáveis às sociedades limitadas, por força
do art. 1054 do mesmo diploma legal.

89
CAMPINHO, Sérgio. Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p.
211
90
CAVALLI, Cássio. Sociedades Limitadas: Regime de Circulação das Quotas. Revista dos tribunais: São Paulo,
2011, p. 12.
91
SIMÃO FILHO, Adalberto. A nova sociedade limitada. Barueri, São Paulo: Manole, 2004, p. 8.

Teoria Geral do Direito Societário


36

Disposições legais acima citadas que convém serem destacadas a seguir:


Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos
sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação,
nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo
compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação
pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista
em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade,
e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas
obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto
separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.

Art. 998. Nos trinta dias subsequentes à sua constituição, a


sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro
Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede.
§ 1° O pedido de inscrição será acompanhado do instrumento
autenticado do contrato, e, se algum sócio nele houver sido
representado por procurador, o da respectiva procuração, bem
como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade
competente.
§ 2° Com todas as indicações enumeradas no artigo antecedente,
será a inscrição tomada por termo no livro de registro próprio, e
obedecerá a número de ordem contínua para todas as sociedades
inscritas.
Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do
art. 997, e, se for o caso, a firma social

Cumpre observar que caso não estejam presentes os requisitos do art. 997 da
Código Civil, a sociedade será irregular, haja vista que o contrato social não poderá ser
arquivado, seja na Junta Comercial, seja no Registro Público de Empresas Mercantis.

Teoria Geral do Direito Societário


37

Jose Waldecy Lucena além dos requisitos destacados no art. 997 do Código Civil,
serão necessários também:
“ os requisitos gerais de todos os contratos – capacidade,
consentimento, objeto – e os da sociedade em geral – ao porte ,
fundo comum, affectio societatis, participação nos benefícios e
contribuição as perdas” 92

Além dos elementos obrigatórios do art. 997, Celso Marcelo de Oliveira 93 indica
alguns elementos facultativos:
a) aqueles que disciplinam as regras das reuniões dos sócios (art.
1072 do Código Civil) b) os que tratam da previsão supletiva
das sociedades limitadas pelas normas da sociedade anônima
(1053, parágrafo único, do cc), c) os que preverem a exclusão
dos sócios por justa causa (1085 do cc), d) os que contemplam
expressamente a autorização de pessoa não sócia para assumir
a administração (art. 1061 do Código Civil) e e) instituição do
conselho fiscal (art.1066 do código civil)

É de fundamental importância ser destacado que nas sociedades limitadas é


vedada a contribuição ao capital social consistente em prestação de serviços, por expressa
disposição legal do art. 1.055, §2º, do Código Civil.
A sociedade ora em comento pode ser subdividida em empresária ou simples, a
depender do objeto social escolhido, isto é, se houver o desempenho de atividade
empresarial, o registro será feito na Junta Comercial e será considera empresária, ao passo
que poderá não desempenhar atividade empresarial e o registro será feito no Cartório de
Registro Civil de Pessoas Jurídicas. 94
Por não ter como objeto o exercício de atividade própria de empresário, a sociedade
simples não se sujeitará aos ditames legais do diploma recuperacional e falimentar da lei
11.101/05.
Antes de mais nada cumpre destacar que essa sociedade pode adotar como nome
empresarial, a firma ou denominação. Se for adotada a firma, deve ser incluído o nome
de um ou mais sócios, desde que pessoas físicas, de modo indicativo da relação social,
porém se for adotada a denominação se utilizará o nome criado pelos sócios, seguido do
ramo de atividade e da terminação “limitada”, conforme previsto no art. 1158. 95
Ademais, é preciso ter em mente que a falta da terminação “Ltda” implica a
responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores que realizarem negócios se
valendo da sociedade, o que se constata da leitura do art. 1158, § 3o , do Código Civil.
Elisabete Vido alerta que enquanto não registrado o contrato social da sociedade
limitada da qual os sócios fazem parte, a sociedade será considerada em comum, sendo
aplicado o diploma previsto entre os arts. 986 e 990 do Código Civil. 96
É mister registrar que enquanto o conselho fiscal (com propósito fiscalizador) é um
órgão optativo, uma vez que o contrato pode adotá-lo ou não, a sociedade limitada deverá

92
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades por Quotas de Responsabilidade limitada, São Paulo, max limonad
editor, 1956, p 82
93
OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Manual de direito empresarial, São Paulo: editora iob Thompson, 2005,vols I e II
94
VIDO, Elisabete. Curso de Direito Empresarial. Thomas Reuters Brasil: São Paulo, 2018, p. 215.
95
VIDO, Elisabete. Curso de Direito Empresarial, Op., cit., p. 216.
96
VIDO, Elisabete. Curso de Direito Empresarial, Op., cit., p. 220.

Teoria Geral do Direito Societário


38

tomar suas deliberações necessariamente em assembleia, se possuir mais de 10 (dez)


sócios, caso contrário, poderão as deliberações serem tomadas em sede de reunião.
Mesmo a assembleia sendo obrigatória, todos os sócios podem firmar documento decidindo
as matérias que serão objeto de decisão colegiada
Nesse sentido, Cassio Cavali resume a estrutura da sociedade limitada da seguinte
forma:
“A nova sociedade limitada nos moldes como concebida pelo
legislador possui características que tanto viabilizam o
prosseguimento das atividades econômicas exercidas pelos micro e
pequenos empresários, sem que eles sofram a burocratização
excessiva na condução de seus negócios, como também são
apropriadas e estão capacitadas para instrumentalizar grandes
investimentos e perspectivas negociais de forma condizente com as
expectativas do sócio, no plano da segurança e do alcance da
responsabilidade e do mercado e no plano da abertura de
informações estruturais internas que passa a ser a tônica dos
negócios jurídicos atuais, a julgar pelas imposições registrarias.”

Na sociedade limitada, como o próprio nome já traduz, a responsabilidade dos


sócios é limitada ao valor de suas quotas. Contudo, os sócios também respondem pelo
total do capital social ainda não integralizado. Assim, perante a sociedade, cada sócio
encontra-se obrigado a integralizar as próprias cotas; já diante de terceiros, todos os sócios
respondem solidariamente pela integralização de todo o capital social.
A sociedade limitada caracteriza-se como sociedade de natureza mista, ostentando
caracteres tanto de sociedade de pessoas como de capital. De acordo com o contrato social,
pode ser enaltecida uma dessas características.
Diferentemente da Sociedade Anônima, a sociedade limitada pode optar ou
não pela adoção do Conselho Fiscal como função principal a fiscalização dos
administradores, especialmente no que se refere aos aspectos financeiros.

2.3.2.5 Sociedade por Ações

Em que pese a sociedade anônima ser regulada por lei especifica (lei 6.404), a
comandita por ações é regulada pelo próprio código civil.
A responsabilidade na sociedade anônima ou companhia 97 será determinada pelo
preço de emissão da ação que subscrever ou adquirir e na omissão se aplicará as regras
do art. 1008 e parágrafo único do art. 1015 do código civil.
Uma importante observação que se pode fazer ao analisar as duas sociedades em
conjunto é que:
sob a regência das normas relativas à sociedade anônima, continua
a não ser aplicável à sociedade em comandita por ações o disposto
na Lei n. 6.404/76 sobre conselho de administração, autorização
estatutária de aumento de capital e emissão de bônus de subscrição
(art. 1.090 do Código Civil c/c art. 284 da Lei n. 6.404/76).

97
CAMPINHO, Sérgio. Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010,
p.214.

Teoria Geral do Direito Societário


39

Já em relação à sociedade em comandita por ações, que também tem o capital


dividido em ações, apesar de reafirmar o princípio de continuar a ser ela regida pelas regras
da sociedade anônima, acaba por traçar os seus elementos característicos que a
diferenciam da anônima. São eles:
a sociedade adotará como nome empresarial firma ou
denominação; b) somente o sócio (acionista) tem qualidade
para administrar a sociedade; c) como diretor, o sócio
responderá subsidiariamente e de forma ilimitada pelas
obrigações sociais, contemporâneas à sua gestão, ao passo que
os demais continuam a ter responsabilidade limitada ao preço
de emissão das ações subscritas ou adquiridas; d) se houver
dois ou mais diretores, estabelecer-se-á a solidariedade entre
eles, mas sempre condicionada ao esgotamento dos bens da
sociedade; e) a nomeação dos diretores se materializa no
estatuto social; f) o prazo de gestão é indeterminado; g) a
destituição do sócio-diretor somente se opera com a deliberação
de acionista ou acionistas titulares de, no mínimo, 2/3 do capital
social; h) o diretor exonerado ou destituído continua, durante
dois anos, responsável pelas obrigações sociais contraídas sob
a sua administração; i) a assembleia não pode, sem o
assentimento dos diretores, alterar o objeto essencial da
sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aumentar ou
reduzir o capital, criar debêntures ou partes beneficiárias. 98

2.3.2.5.1 Sociedade anônima

O nome empresarial da sociedade anônima sempre revestirá a forma da


denominação. A denominação compõe-se de expressões ligadas à atividade da sociedade
e deverá conter a locução “sociedade anônima” (ou abreviadamente S.A.). Além desta
última locução, é também possível a utilização do termo “companhia” que, no entanto, não
pode figurar ao final da denominação.
Enquanto a sociedade fechada se constitui por subscrição particular, sendo
dispensado o processo de oferta das ações ao público interessado e do registro da emissão
das ações na CVM, a sociedade aberta se constitui por subscrição pública havendo nítido
apelo ao público investidor, disponibilizando as ações mediante a bolsa de valores e mais
raramente pelo Mercado de balcão. Nessa última, o prévio registro na CVM será condição
necessária para a emissão pública de valores mobiliários, dentre os quais, as ações são
uma das espécies. 99
Cumpre destacar, ainda, que enquanto na sociedade aberta, a sociedade deverá
produzir tanto o projeto do estatuto como o prospecto da sociedade, na sociedade fechada
só será necessário o projeto do estatuto.

98
CAMPINHO, Sérgio. Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p.
214.
99
RIZZARDO, Arnaldo. Manual de Direito Empresarial, Gen. 2018, p.384

Teoria Geral do Direito Societário


40

Assim, o estatuto deverá observar o que se segue:


Art. 84. O prospecto deverá mencionar, com precisão e clareza, as
bases da companhia e os motivos que justifiquem a expectativa de
bom êxito do empreendimento, e em especial:
I - o valor do capital social a ser subscrito, o modo de sua realização
e a existência ou não de autorização para aumento futuro;
II - a parte do capital a ser formada com bens, a discriminação
desses bens e o valor a eles atribuídos pelos fundadores;
III - o número, as espécies e classes de ações em que se dividirá o
capital; o valor nominal das ações, e o preço da emissão das ações;
IV - a importância da entrada a ser realizada no ato da subscrição;
V - as obrigações assumidas pelos fundadores, os contratos
assinados no interesse da futura companhia e as quantias já
despendidas e por despender;
VI - as vantagens particulares, a que terão direito os fundadores ou
terceiros, e o dispositivo do projeto do estatuto que as regula;
VII - a autorização governamental para constituir-se a companhia,
se necessária;
VIII - as datas de início e término da subscrição e as instituições
autorizadas a receber as entradas;
IX - a solução prevista para o caso de excesso de subscrição;
X - o prazo dentro do qual deverá realizar-se a assembleia de
constituição da companhia, ou a preliminar para avaliação dos bens,
se for o caso;
XI - o nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos
fundadores, ou, se pessoa jurídica, a firma ou denominação,
nacionalidade e sede, bem como o número e espécie de ações que
cada um houver subscrito,
XII - a instituição financeira intermediária do lançamento, em cujo
poder ficarão depositados os originais do prospecto e do projeto de
estatuto, com os documentos a que fizerem menção, para exame
de qualquer interessado.

Já o projeto, apresenta os seguintes elementos previstos na LSA:


Art. 83. O projeto de estatuto deverá satisfazer a todos os requisitos
exigidos para os contratos das sociedades mercantis em geral e aos
peculiares às companhias, e conterá as normas pelas quais se
regerá a companhia.

Tanto a aberta como a fechada devem observar os seguintes elementos no estatuto


social (lei interna da sociedade):
a) denominação social, b) designação específica do objeto social, c)
início e o prazo de duração da sociedade, d) sede ou domicilio da
sociedade, destacando o lugar do funcionamento dos respectivos e)
órgãos administrativos, a criação de filiais, sucursais e agenciais, f)
o montante d capital social, o número e o valor nominal das ações,
a espécie, o modo de colocação à venda e a forma de integralização,
g) a composição do conselho de administração número de

Teoria Geral do Direito Societário


41

conselheiros, a sua organização e fiscalização, o modo de


investidura dos administradores, as atribuições ou competências, os
deveres, a remuneração, as diretorias , as gerencias e outro cargos
relevantes, h) a época da realização da assembleia geral ordinária,
i) a composição do conselho fiscal e de outros conselhos
introduzidos (como o consultivo e o técnico), j) previsão de
reservas, partes beneficiarias, bônus de subscrição e dos
dividendos, vantagens especiais conferidas aos fundadores e
administradores, com a participação nos lucros, se houver l)o modo
de proceder a liquidação e a partilha no caso de dissolução da
sociedade 100

Cumpre apresentar ainda alguns regramentos importantes da lei 6404 concernentes


à constituição da sociedade anônima:
Art. 81. O depósito referido no número III do artigo 80 deverá ser
feito pelo fundador, no prazo de 5 (cinco) dias contados do
recebimento das quantias, em nome do subscritor e a favor da
sociedade em organização, que só poderá levantá-lo após haver
adquirido personalidade jurídica.
Parágrafo único. Caso a companhia não se constitua dentro de 6
(seis) meses da data do depósito, o banco restituirá as quantias
depositadas diretamente aos subscritores.
Art. 82. A constituição de companhia por subscrição pública depende
do prévio registro da emissão na Comissão de Valores Mobiliários, e
a subscrição somente poderá ser efetuada com a intermediação de
instituição financeira.
§ 1º O pedido de registro de emissão obedecerá às normas
expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e será instruído
com:
a) o estudo de viabilidade econômica e financeira do
empreendimento;
b) o projeto do estatuto social;
c) o prospecto, organizado e assinado pelos fundadores e pela
instituição financeira intermediária.
§ 2º A Comissão de Valores Mobiliários poderá condicionar o registro
a modificações no estatuto ou no prospecto e denegá-lo por
inviabilidade ou temeridade do empreendimento, ou inidoneidade
dos fundadores
Art. 86. Encerrada a subscrição e havendo sido subscrito todo o
capital social, os fundadores convocarão a assembléia-geral que
deverá:
I - promover a avaliação dos bens, se for o caso (artigo 8º);
II - deliberar sobre a constituição da companhia.
Parágrafo único. Os anúncios de convocação mencionarão hora, dia
e local da reunião e serão inseridos nos jornais em que houver sido
feita a publicidade da oferta de subscrição.

100
Arnaldo Ricardo, do.394-395

Teoria Geral do Direito Societário


42

Art. 87. A assembléia de constituição instalar-se-á, em primeira


convocação, com a presença de subscritores que representem, no
mínimo, metade do capital social, e, em segunda convocação, com
qualquer número.
§ 1º Na assembléia, presidida por um dos fundadores e secretariada
por subscritor, será lido o recibo de depósito de que trata o número
III do artigo 80, bem como discutido e votado o projeto de estatuto.
§ 2º Cada ação, independentemente de sua espécie ou classe, dá
direito a um voto; a maioria não tem poder para alterar o projeto
de estatuto.
§ 3º Verificando-se que foram observadas as formalidades legais e
não havendo oposição de subscritores que representem mais da
metade do capital social, o presidente declarará constituída a
companhia, procedendo-se, a seguir, à eleição dos administradores
e fiscais.
§ 4º A ata da reunião, lavrada em duplicata, depois de lida e
aprovada pela assembléia, será assinada por todos os subscritores
presentes, ou por quantos bastem à validade das deliberações; um
exemplar ficará em poder da companhia e o outro será destinado ao
registro do comércio.
Art. 88. A constituição da companhia por subscrição particular do
capital pode fazer-se por deliberação dos subscritores em
assembléia-geral ou por escritura pública, considerando-se
fundadores todos os subscritores.
§ 1º Se a forma escolhida for a de assembléia-geral, observar-se-á
o disposto nos artigos 86 e 87, devendo ser entregues à assembléia
o projeto do estatuto, assinado em duplicata por todos os
subscritores do capital, e as listas ou boletins de subscrição de todas
as ações.
§ 2º Preferida a escritura pública, será ela assinada por todos os
subscritores, e conterá:
a) a qualificação dos subscritores, nos termos do artigo 85;
b) o estatuto da companhia;
c) a relação das ações tomadas pelos subscritores e a importância
das entradas pagas;
d) a transcrição do recibo do depósito referido no número III do
artigo 80;
e) a transcrição do laudo de avaliação dos peritos, caso tenha havido
subscrição do capital social em bens (artigo 8°);
f) a nomeação dos primeiros administradores e, quando for o caso,
dos fiscais.
Art. 91. Nos atos e publicações referentes a companhia em
constituição, sua denominação deverá ser aditada da cláusula "em
organização
Art. 92. Os fundadores e as instituições financeiras que participarem
da constituição por subscrição pública responderão, no âmbito das
respectivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da inobservância
de preceitos legais.

Teoria Geral do Direito Societário


43

Parágrafo único. Os fundadores responderão, solidariamente, pelo


prejuízo decorrente de culpa ou dolo em atos ou operações
anteriores à constituição.
Art. 93. Os fundadores entregarão aos primeiros administradores
eleitos todos os documentos, livros ou papéis relativos à
constituição da companhia ou a esta pertencentes.
Art. 98. Arquivados os documentos relativos à constituição da
companhia, os seus administradores providenciarão, nos 30 (trinta)
dias subseqüentes, a publicação deles, bem como a de certidão do
arquivamento, em órgão oficial do local de sua sede.
§ 1° Um exemplar do órgão oficial deverá ser arquivado no registro
do comércio.
§ 2º A certidão dos atos constitutivos da companhia, passada pelo
registro do comércio em que foram arquivados, será o documento
hábil para a transferência, por transcrição no registro público
competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a
formação do capital social (artigo 8º, § 2º).
§ 3º A ata da assembléia-geral que aprovar a incorporação deverá
identificar o bem com precisão, mas poderá descrevê-lo
sumariamente, desde que seja suplementada por declaração,
assinada pelo subscritor, contendo todos os elementos necessários
para a transcrição no registro público.

2.3.3 Órgãos Societários


Os órgãos da sociedade anônima com competência e composição disciplinadas na
lei são: a Assembleia Geral, o Conselho de Administração, a Diretoria e o Conselho Fiscal.
Outros órgãos, contudo, podem ser estruturados livremente pela “companhia”.

a) Assembleia geral
A assembleia geral tem competência para apreciar qualquer assunto de
interesse social, mesmo os relacionados à gestão de negócios específicos. Trata-se
do órgão supremo da sociedade, uma vez que concentra o maior número de poderes
em relação aos demais.
A assembleia geral pode ser ordinária ou extraordinária. A assembleia geral
ordinária (AGO) realiza-se uma vez por mês, nos quatro meses subsequentes ao
término do exercício social, e somente pode deliberar os assuntos listados no art.
132 da Lei 6.404/1976. A assembleia geral extraordinária (AGE) realiza-se a
qualquer tempo, e sua competência é irrestrita.

b) Conselho de Administração
O conselho de administração é órgão deliberativo e fiscalizador, composto
por no mínimo três membros, acionistas ou não, com competência para deliberar
sobre qualquer matéria de interesse da sociedade, exceto as privativas da
assembleia. O membro do conselho de administração exerce cargo de confiança e
pode ser substituído ou destituído (pela assembleia geral) a qualquer tempo.

Teoria Geral do Direito Societário


44

É o único órgão facultativo da S/A, sendo obrigatório apenas quando esta é


aberta, de capital autorizado ou de economia mista. Existindo, tem função
permanente.

c) Diretoria
A diretoria é o órgão executivo da sociedade. Aos seus membros, que são
eleitos pelo conselho de administração (quando não existente, o são pela
Assembleia), compete: (i) internamente, a direção da empresa, e (ii) externamente,
a manifestação de vontade da pessoa jurídica, na generalidade de seus atos e
negócios.

d) Conselho Fiscal
O conselho fiscal é o órgão de assessoramento da assembleia geral, na
votação das matérias pertinentes à regularidade de administração da companhia.
É, por outras palavras, o principal instrumento de fiscalização da empresa. A
existência do conselho fiscal na sociedade anônima é obrigatória, mas a sua atuação
é facultativa.

2.3.4 Teoria dos atos ultra vires


Convém destacar aqui a teoria dos atos ultra vires, a qual segundo, Tavares Borba,
não se pode praticar ato que desatenda a se objeto social, seja previsto em estatuto de
Sociedade Anônima como em contrato social das espécies societárias já destacadas.
Nesse sentido, os administradores caso não ultrapassem os limites do instrumento
social já incorreram ato ultravires elaborado inicialmente pelo sistema anglo-americano.
101

Acrescenta, ainda, que enquanto entre nós, a matéria e tratada sob a ótica da teoria
do desvio do poder admitindo a ratificação, no direito americano, o mesmo não ocorrera,
classificando o ato praticado como nulo.

2.3.5 Questões de auto monitoramento


1) O que é personalidade jurídica?
2) Quais os principais aspectos da sociedade simples?
3) Em que consiste a estrutura da sociedade limitada?
4) Entre a sociedade simples e Sociedade limitada simples existem diferencas? Quais?
5) Quais os principais pontos verificados na sociedade anônima e comandita por
ações?
6) O que se verifica de mais relevante ao se estudar a sociedade em nome coletivo
7) Qual a diferença de sociedade aberta para fechada?
8) O que é teoria do ato ultra vires?

101
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 71

Teoria Geral do Direito Societário


45

2.3.6 Caso Gerador


Vejam-se os casos hipotéticos a seguir:
i. Uma padaria com dois sócios, com intuito de atuar no mercado local e
com poucos recursos para o investimento na atividade;
ii. Um empreendimento imobiliário, de médio porte, sendo de propriedade
familiar e com intuito de atuar no mercado local;
iii. Uma rede de supermercados, de atuação nacional e com necessidade de
expansão em razão da concorrência;
iv. Uma sociedade de advogados.

Analisando os casos mencionados, defina o tipo societário mais adequado à


atividade desenvolvida por cada uma das atividades, delimitando a existência ou não das
seguintes características: simplicidade, pessoalidade, estrutura, organização ou
complexidade.

2.4 Sessão 4

2.4.1 Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica de acordo com


o novo CPC
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, conforme destacado por
Gustavo Bandeira surge no final do sec. XIX, no célebre caso Salomon vs. Salomon & Co,
como uma reação da jurisprudência às hipóteses em que a pessoa jurídica era utilizada
para prejudicar credores, fraudar à lei ou o contrato. 102
Fredie Didier relembra que a doutrina brasileira absorveu o disregard of legal entity
do alemão Rolf Serick nos anos 50 do séc. XX, como um remédio à disfuncionalidade da
pessoa jurídica e para se proteger a função social da propriedade (ou da empresa).
Acrescenta, ainda, que a mencionada teoria existe enquanto sanção aplicada a ato ilícito,
promove a “suspensão episódica” da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, de
modo a buscar no patrimônio do sócio, bens que responderão pela dívida contraída. 103
Porém, é no Código de Defesa do Consumidor se verifica de forma emblemática sua
inserção:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.
[...]
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre
que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

102
BANDEIRA, Gustavo. Relativização da Pessoa Jurídica: A falta de patrimônio e a responsabilidade do sócio. Rio
de Janeiro: Impetus, 2004, p. 51.
103
DIDIER JUNIOR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Salvador: Juspodvm, p. 584-585.

Teoria Geral do Direito Societário


46

Apesar de representar um avanço, o dispositivo acima transcrito sofreu diversas


críticas, principalmente pelo fato de ter previsto hipótese deveras ampla de
desconsideração da personalidade jurídica, podendo abranger qualquer situação em que
seja frustrado ou dificultado o interesse do consumidor.
Outra crítica é em razão da caracterização da má administração como hipótese de
desconsideração da personalidade jurídica, sendo certo que o administrador que atue
legalmente e nos limites do ato societário não pode ser responsabilizado pelo insucesso da
atividade. Por fim, critica-se o fato de o dispositivo não prever a fraude, considerado como
principal
É mister destacar que a personalidade só será desconsiderada se não for possível
imputar o ato fraudulento diretamente ao sócio, uma vez que o ato praticado tinha
aparência de lícito. Outrossim, não há que se falar em desconsideração da personalidade
jurídica quando o sócio já for responsável pela dívida societária, de acordo com o regime
da responsabilidade patrimonial do tipo societário de que faz parte (limitada ou ilimitada).
104

Além disso, J. Lamartine, de forma brilhante, reforça que:


“Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a
pessoa jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa
jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado
contrário à lei, ao contrato, ou as coordenadas axiológicas
fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é
necessário fazer com que a imputação se faça com o predomínio da
realidade sobre a aparência. 105

Antes de se realizar uma análise processual do instituto, convém mencionar que a


teoria da desconsideração pode ser encontrada em determinados diplomas legais, sendo
que os requisitos poderão variar a depender do direito material. Assim, podem ser
destacados os seguintes: a) art. 50 do Código Civil, b) art. 28 do Código de Defesa do
Consumidor, c) art. 855-A da CLT (após a Reforma Trabalhista de 2017, d) No Código
Tributário Nacional, e) no art. 4º da lei 9.605 (trata sobre lesões ao meio ambiente), f) no
art. 34 da lei 12.529 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência).
Oksandro Gonçalves e Helena Toledo tendo em vista a previsão do instituto em
vários diplomas legais e, com requisitos e formatos diferentes, implicou insegurança
jurídica para os agentes econômicos, os quais não conseguem encontrar parâmetros
seguros para a incidência do instituto, sendo ora aplicada a teoria menor, e ora a teoria
maior, afirmam:
As críticas e farpas lançadas se referem à rotinização e completa
banalização do instituto, colocando em risco a própria atividade
empresarial, haja vista que não é apenas a empresa responsável
que tem o véu levantado, mas qualquer outra que disponha de
algum vínculo ou esteja na situação grupal, sob o prisma da
atividade econômica. Colocando cerceio à realidade, fato surpresa,
quando muitos empresários se sentiam tomados de indignação com
a medida, máxime pela ausência do contraditório ou de qualquer

104
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Op., cit., p. 585
105
OLIVEIRA, Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva,1979, p. 613

Teoria Geral do Direito Societário


47

ponderação antes da constrição, o novo CPC redesenhou a


formatação do instituto da desconsideração da pessoa jurídica. 106

Além disso, Tavares Borba ao comentar sobre os contornos da desconsideração da


personalidade jurídica no Código de Processo Civil afirma que:
“Essa nova disciplina afigura-se de extrema importância, uma vez
que sistematiza a apuração dos fatos e dos argumentos destinados
a comprovar o abuso da personalidade jurídica. Anteriormente, essa
matéria vinha sendo tratada de forma verdadeiramente caótica e,
como tal, propiciando, em muitos casos, decisões destituídas de
qualquer fundamento fático ou jurídico”. 107

É importante registrar a partir das lições de André Santa Cruz o exposto abaixo:
O Novo CPC não criou nova hipótese de desconsideração, mas
apenas disciplinou o procedimento. Em casos de litígios
empresariais, ‘os pressupostos previstos em lei’ a que se refere o
art. 133, § 1º, são aqueles do art. 50 do CC: abuso de personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade ou pela confusão
patrimonial 108

Com o novo código de processo civil não mais será necessário requerer a
desconsideração da personalidade jurídica na inicial, de modo que agora basta a produção
de um incidente processual, o que nas palavras de Marlon Tomazete será decisivo para ser
consagrar a efetividade do processo, independente de um processo de conhecimento.
Assim, se possibilitará que o fim seja alcançado de modo menos moroso se coadunando,
assim, com a garantia constitucional da adequada tutela jurisdicional. 109
Fábio Ulhoa, ao abordar sobre os aspectos processuais do instituto, previsto entre
os arts. 133 e 137 do CPC, menciona que o pressuposto dele é o uso fraudulento ou abusivo
da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Ademais, ensina que o juiz não pode
desconsiderar a personalidade por simples despacho judicial no processo de execução da
sentença e que quem deve ser demandado no polo passivo é sócio (e não a pessoa jurídica)
a quem se pretende atribuir responsabilidade. Esse, por sua vez, será citado para se
manifestar no prazo de 15 (quinze) dias e requerer provas, sendo que, posteriormente, o
juiz decidirá o incidente e este poderá ser agravado, conforme art. 1015, IV, do CPC. 110

106
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. V. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 367
107
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 41.
108
RAMOS, André Luiz. Direito Empresarial: Método: Rio de Janeiro, 2017, p. 558
109
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial - Teoria Geral e Direito Societário. Vol. 1. São Paulo: Atlas,
2017, p. 348
110
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Op., cit., p. 68.

Teoria Geral do Direito Societário


48

Conforme análise de Fredie Didier, a desconsideração da personalidade jurídica tem


as seguintes características: a) é cabível em todas as fases do processo de conhecimento,
no cumprimento de sentença e na execução de título extrajudicial, b) Não pode ser
decretada ex officio, c) é cabível nos Juizados Especiais Cíveis, conforme art. 1062, do
CPC, d) requerimento é dirigido ao sócio, e)o incidente serve para a desconsideração
inversa (afasta a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a
sociedade por obrigação do sócio), f) amplia o objeto litigioso do processo, g) a instauração
do incidente suspende o processo , h) aplica-se ao incidente a tutela provisória de urgência.
111

É importante salientar que em determinadas ocasiões o devedor decide de forma


fraudulenta transferir para o domínio de uma “offshore company” bens como imóveis,
veículos, quotas ou ações de sociedades brasileiras. Situação essa, a qual também se
aplicarão os mesmos pressupostos para desconsideração de uma sociedade brasileira. 112
A fim de visualizar a aplicação da teoria da desconsideração, destacamos a seguir
um julgado do STJ sobre a matéria, in verbis:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 1.042 DO NCPC)- EXECUÇÃO
- DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA -
DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO
PARA AFASTAR A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA DA EMPRESA. INSURGÊNCIA DO EXEQUENTE. 1. A teoria
da desconsideração da personalidade jurídica, medida
excepcional prevista no art. 50 do Código Civil de 2002,
pressupõe a ocorrência de abusos da sociedade, advindos do
desvio de finalidade ou da demonstração de confusão patrimonial.
2. A mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual
encerramento irregular das atividades da empresa não
ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. 3.
Manutenção da decisão monocrática que, ante a ausência dos
requisitos previstos no art. 50 do CC/2002, afastou a
desconsideração da personalidade jurídica. 4. Agravo interno
desprovido. 113

Conforme se verifica do julgado acima, é preciso cuidado ao se aplicar a teoria da


desconsideração, de modo que a sua aplicação incorreta poderá refletir na crise do
princípio da autonomia patrimonial. Assim, ao se aplicar de forma apressada a teoria,
sem verificar no caso concreto se de fato ocorreu algum ato fraudulento, pode implicar
eliminação do princípio da separação entre pessoa jurídica e seus integrantes, o que não
é o propósito do instituto. 114

111
Ibid, p. 588.
112
Ibid. p. 69 e 70.
113
STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: - AgInt no AREsp: 1018483 SP
2016/0303810-1, Relator: Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, Dj: 12/12/2017.
114
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p 68 e 69.

Teoria Geral do Direito Societário


49

Nesse mesmo sentido, o autor Waldo Fazzio Junior diz que:


“Não basta a impotência patrimonial da sociedade; reclama-se seja
derivada de fraude. A desconsideração visa corrigir o mau uso da
pessoa jurídica, não sua singela inadimplência. Com certeza, o
mecanismo da desconsideração há de ser aplicado com cautela,
evitando-se destruir o instituto da pessoa jurídica e lesionar os
direitos da pessoa física.” 115

Cumpre agora observamos que a doutrina e a jurisprudência apresenta uma outra


hipótese de desconsideração, qual seja, a inversa, segundo a qual a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica poderia ser desconsiderada para que seu patrimônio
responda a uma obrigação inicialmente assumida por seus sócios (ao contrário da
desconsideração direta da personalidade jurídica, em que a personalidade jurídica é
superada para que os sócios respondam por obrigação da sociedade).
Sobre a desconsideração inversa, é de se considerar que representa o afastamento
da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na
desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu
patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio.
Não obstante a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de ser é a
mesma da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita: combater a
utilização indevida do ente societário por seus sócios. Tem-se como objetivo combater a
prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém
controle, evitando com isso a redução de seu patrimônio pessoal.
Outro tipo de desconsideração que merece ser analisado é a indireta, a qual é
utilizada para atingir sociedade pertencente ao mesmo grupo econômico, sujeita a uma
mesma unidade gerencial e patrimonial. É o caso, por exemplo, da criação de sociedades
holding, que se destinam a deter participação societária em diversas sociedades e unificar
a administração destas.
Cumpre, por fim, trazer à baila, a seguinte inovação trazida pela MP 881/2019 ao
código civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz,
a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas
e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada
pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a
utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar
credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
(Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação
de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela
Medida Provisória nº 881, de 2019)

115
JUNIOR FAZZIO, Waldo, Manual de Direito Comercial. São Paulo: Atlas, 2017, p. 18.

Teoria Geral do Direito Societário


50

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou


do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Medida Provisória nº
881, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas
contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente
insignificante; e (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
(Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à
extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa
jurídica. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos
requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Medida Provisória
nº 881, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a
alteração da finalidade original da atividade econômica específica da
pessoa jurídica. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

Assim, conforme se constata das observações feitas em artigo de autoria de Thiago


A. Spercel e de Victor Goulart Lazarini, no JOTA, das alterações no art. 50 do CC feito pela
MP da Liberdade Econômica, o artigo antes da alteração não caracterizava o desvio de
finalidade ou confusão patrimonial, o que cabia à doutrina e à jurisprudência tais conceitos.
É lembrado por eles que:
ao prever que a desconsideração seria devida para que os efeitos
de certas e determinadas relações de obrigações da sociedade
fossem estendidos aos bens particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica, o legislador acabou deixando margem
suficiente para que sócios e administradores que nada tinham a ver
com o ato abusivo também fossem responsabilizados, como sócios
minoritários sem poder de gestão, por exemplo.

Além disso, complementam que:


É louvável, portanto, a inovação trazida pela MP da Liberdade
Econômica, por meio da alteração ao artigo 50 do Código Civil que,
além de especificar que a desconsideração deve ocorrer para
alcançar os bens particulares de administradores ou de sócios da
pessoa jurídica “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”,
trouxe as definições de “desvio de finalidade” e “confusão
patrimonial”, a fim de garantir tratamento equânime sobre o tema
perante os diversos tribunais do país, bem como para garantir maior
segurança jurídica ao ambiente de negócios brasileiro.
Quanto à definição de desvio de finalidade trazida no §1º,
caracterizada pela “utilização dolosa da pessoa jurídica com o
propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de
qualquer natureza” (grifos nossos), ela basicamente deu força legal
ao entendimento jurisprudencial consolidado nesse sentido, que já
havia caracterizado o desvio de finalidade como o “ato intencional

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dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade


jurídica, de modo a confirmar o modelo subjetivo e agravado
adotado pelos tribunais brasileiros, que exige comprovação de dolo
no caso concreto.

No entanto, lembram que as mudanças ao artigo 50, ainda não foram suficientes.
Vejamos a análise deles:
A principal raiz do problema quando se fala em limitação da
responsabilidade: a existência de múltiplos parâmetros de aplicação
da teoria menor da desconsideração nos diversos microssistemas
jurídicos e a inconsistência de interpretação das cortes sobre os
limites da desconsideração.
Para o bom desenvolvimento do mercado, seria interessante que a
MP da Liberdade Econômica também trouxesse maior clareza e
segurança jurídica sobre as hipóteses em que terceiros possam ter
sus patrimônios expostos às dívidas e obrigações de sociedades
empresárias. Exceto nos casos da teoria maior da desconsideração
da personalidade jurídica (Art. 50 do Código Civil) e de solidariedade
por previsão expressa em lei ou contrato, seria importante que as
cortes evitassem interpretações extensivas da disregard doctrine,
que visem unicamente endereçar o problema da insuficiência de
patrimônio (que faz parte do risco da concorrência em mercado).
Dessa forma, ainda que a MP da Liberdade Econômica tenha
acertado em trazer maior objetividade para a redação do artigo 50
do Código Civil, há o risco que tal alteração não venha a produzir
muitos efeitos práticos na aplicação do instituto da desconsideração
nos tribunais brasileiros, principalmente porque atualmente as
maiores afrontas à responsabilidade limitada decorrem da aplicação
da desconsideração em matérias consumeristas, trabalhistas e
ambientais, e não civil. 116

2.4.2 Questões de auto monitoramento


1. O que é desconsideração da personalidade jurídica?
2. Em que hipóteses a desconsideração será aplicável?
3. Quais as diferenças entre a desconsideração direta, inversa e indireta?

2.4.3 Caso Gerador


João e sua cunhada, Ana, atuam em conjunto como autônomos revendedores de
automóveis usados, sem manter vínculo empregatício com nenhuma concessionária de
veículos. Por ser “dono do próprio negócio”, João tem muita flexibilidade negocial, e
revende tanto automóveis usados que compra com deságio de particulares, como também
(e principalmente) automóveis que consegue por consignação (pagando, ao final, o preço
acordado que deve ao proprietário-consignante). João e Ana guardam os automóveis de
revenda na ampla garagem do condomínio onde mora João. João e Ana dividem igualmente

116
SPERCEL, Thiago, LAZARINI, Victor Goulart. MP da liberdade econômica e mudanças no art. 50 do Código
Civil. Disponível em : < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-machado-meyer/mp-da-
liberdade-economica-e-mudancas-ao-art-50-do-codigo-civil-15072019> . Acesso em: 15/07/2019

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os lucros remanescentes após os pagamentos das despesas de manutenção de suas


operações – despesas, estas, que são pequenas, devido especialmente ao fato de não
incorrerem no custo fixo de ter loja própria.
Em função de suas qualidades pessoais além do nome na praça, que mantém por
ser reconhecidamente honesto e bom pagador, João logrou sucesso e atingiu estabilidade
financeira, possuindo apartamento próprio e carros de luxo
Há menos de um mês, contudo, um grande infortúnio lhe ocorreu, e furtaram,
durante a noite, todos os dezessete veículos guardados na garagem por João e Ana, treze
dos quais a dupla era consignatária.
Objetivando proteger seu patrimônio contra eventuais dívidas relativas aos carros
que estavam em consignação, João, após consultar um advogado, constituiu uma
sociedade limitada com sua esposa e nela aportou todos os seus bens.
Poucos dias após, o cliente Rodrigo – que havia deixado em confiança com João seu
veículo usado, a fim de que fosse revendido – veio a tomar conhecimento do furto ocorrido,
e exigiu de João o preço ajustado. Como resposta, Rodrigo ouviu de João que tudo se havia
perdido, e que não tinha condições financeiras de pagamento. Rodrigo conhecia a boa
condição financeira de João e, portanto, a original capacidade de pagamento, mas veio a
saber por um “disse me disse” que João havia tomado providências para proteger seu
patrimônio, e não demorou até que a verdade viesse à tona.
Consultado por Rodrigo, e sabedor de todos os fatos acima, qual a solução sugerida
e os meios para alcançá-la?

2.4.4 Referências bibliográficas


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Jurisprudências
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BRASIL. TJRJ. 9ª Câmara Cível. Apelação nº 0106837-38.2004.8.19.0001. Relator: Des.
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1018483 SP 2016/0303810-1, Relator: Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, Dj:
12/12/2017.

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