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Academia de Ciencias Ocultas

Theodor Reuss

Filho de pai alemão e mãe inglesa, Reuss nasceu na cidade de Augsburgo, em 28 de junho de 1855.
Pouco depois de completar 21 anos, já residindo em Londres, por indicação de um amigo ex-maçom
chamado Heinrich Klein (?-1912) Reuss foi recebido e iniciado como Aprendiz na Loja Maçônica
Peregrino nº 238, Loja esta que abrigava em seus quadros apenas maçons de ascendência alemã (Howe
& Möller, 1979:28).

Considerado um sujeito esquisito, Reuss por vezes se posicionava como um enfático militante da causa
comunista (King, 1987:78), característica esta que logo após a sua chegada a Londres o levou a solicitar
ingresso na Liga Socialista daquela cidade. Para ser aceito, ele se apresentou disfarçado sob o
pseudônimo de Charles Theodore (tradução inglesa de seu nome alemão de batismo) e, querendo se
passar como um homem profundamente envolvido nas atividades da extrema esquerda, falsamente se
declarou membro de uma associação socialista internacional de trabalhadores dedicada à educação.
Deste modo, uma vez admitido na Liga e, de certa forma, graças à inicial credulidade suscitada por sua
pompa exibicionista, Reuss foi apontado como uma espécie de secretário de educação, passando a
ensinar Inglês aos seus camaradas alemães. Na época, ele também costumava se ostentar como um
preclaro cantor lírico, inclusive se dizendo amigo pessoal do extraordinário compositor Richard Wagner
(1813-1883). Tão amigos eram que, segundo o próprio Reuss, aquele o havia pessoalmente escolhido
para cantar na primeira apresentação pública da ópera Parsifal, ocorrida em 1882 (Howe & Möller,
1979:29).

Em 1887, agora como escritor, Reuss publica seu primeiro ensaio literário sob o sugestivo título The
Matrimonial Question from an Anarchistic Point of View. Neste breve texto, ele abertamente se declara
comunista (apesar do título do ensaio mencionar anarquista), defensor da revolução social e da total
igualdade entre os sexos, bem como se posiciona em defesa da liberdade sexual das mulheres. Numa
análise superficial, o texto parece bem interessante, ousado e profundamente vanguardista, mas em
última forma ele apenas se mostra como fruto de uma fraude intelectual: mais da metade deste
pequenino ensaio assinado por Reuss não passa de uma literal tradução de um capítulo da, esta sim
polêmica, obra do crítico social húngaro Max Nordau (1849-1923) intitulada As Mentiras Convencionais
da nossa Sociedade, originalmente publicada 4 anos antes, em 1883 (Howe & Möller, 1979:30). Em
palavras mais claras, a “ousada obra” de Reuss nada mais era senão um crasso plágio.

Em seguida, o cantor, professor, farmacêutico, escritor, “anarquista comunista” e membro da Liga


Socialista Theodor Reuss acabaria por ser o pivô de um pequeno escândalo: ao cantar em um dos muitos
encontros da Liga, ele acabou por provocar a desconfiança e a indignação justamente de Eleanor Marx
(1855-1898) – filha caçula de Karl Marx (1818-1883) – pois ela, além de achá-lo um cantor de qualidades
duvidosas, considerou a canção escolhida de péssimo gosto e bastante ordinária para quem se dizia
tanto. A desconfiança de Eleanor fez com que a Liga abrisse uma investigação para saber quem era, na
verdade, aquele mau cantor. Após um brevíssimo inquérito, a Liga publicou um violento artigo onde
Reuss era desmascarado e exposto como espião (King, 2002:99). Deste modo, agora enfurecida pelo que
julgava serem as reais intenções de Reuss, Eleanor logo viria a sumariamente expulsá-lo da Liga, sob a
alegação de que ele a haveria traído e fornecido informações tanto para um governo estrangeiro
equanto para a imprensa burguesa (Howe & Möller, 1979:29). Embora hoje seja voga afirmar que Reuss,
naquela ocasião, exercia secretamente a atividade de espião, sendo um agente pago pelo departamento
de inteligência da polícia secreta prussiana para investigar as atividades londrinas da família de Karl Marx
(King, 1976:69), as evidências contra Reuss jamais passaram de circunstanciais, não havendo prova
conclusiva de que ele realmente fosse qualquer tipo de espião ou agente policial secreto (Howe &
Möller, 1979:30). Porém, de certa forma, é correto concluir que nesse período Reuss possuía uma
verdadeira obsessão pela família Marx, muito embora isto não signifique que ele tenha sido –
propriamente dito – um espião infiltrado. Longe disso, especula-se que uma das principais razões de
Reuss para pedir sua admissão na Liga Socialista era a esperança de ingressar na família Marx, através de
um bem sucedido casamento com Eleanor, e não meramente para melhor exercer algum tipo de eficaz
militância comunista, fazer espionagem ou qualquer outra coisa. Contudo, a grande antipatia da filha de
Marx em relação a ele (simplesmente, Eleanor achava Reuss um homem vulgar), logo o faria desistir
dessa ideia (King, 2002:99).

Excluído da Maçonaria, expulso da Liga Socialista e definitivamente privado do convívio com a família
Marx, com fama de espião e traidor, Reuss, também percebendo que sua carreira de cantor não teria
futuro algum,seguiu como escritor, mas também exercendo outras atividades tais como jornalismo ou
atuando como publicitário de eventos teatrais.

Considerado por alguns como um jovem rico de modos rude e apressado, que não era mesquinho
quando se tratava de apoiar propaganda revolucionária, Reuss, de forma evasiva e sem muitos detalhes,
dizia que sua fortuna vinha de uma bem favorecida esposa londrina, embora pouco se saiba sobre este
seu suposto casamento. Por outro lado, conforme alguns registros, Reuss teria ganhado bastante
dinheiro negociando patentes maçônicas (Koenig, 1999:13). A má fama de espião, contudo, forçou-o a
deixar Londres (Koenig, 1993:189). Assim, em 1889, Reuss se mudou para Berlim, onde continuou com
suas atividades como jornalista e professor de Inglês. Depois, conforme o próprio Reuss alega, quando
de sua permanência nesta cidade, ele teria sido um importante delegado do ramo alemão da Sociedade
Teosófica,tendo conhecido pessoalmente sua famosa fundadora, a russa Helena P. Blavatsky (Howe &
Möller, 1979:30).

Talvez este tivesse sido o início da carreira de Reuss como ocultista o que viria, mais tarde, levá-lo a
conhecer o também ocultista, praticante de hipnotismo, espiritualista e ator Leopold Engel (1858-1931)
[4] e, principalmente, o industrial Carl Kellner. Com aquele, Reuss pretendeu dar novo alento a Ordem
dos Iluminados (a Ordo Illuminati),[5]organização criada por volta de 1776 por Adam Weishaupt (1748-
1830), e, a partir do contato com Kellner, Reuss ingressou em um pequeno círculo de praticantes de
yoga, cujos ensinamentos o levaram, logo após a morte do austríaco, a idealizar e fundar a sua Ordo
Templi Orientis. Entretanto, a amizade com Engel não duraria muito. Por volta de 1901, este acusaria
Reuss de ser um completo farsante e romperia qualquer vínculo com o mesmo (Koenig, 1993:188).

Além destas duas Ordens, a partir de 1902, Reuss também fundaria uma fantástica série de outras
Ordens esotéricas e pseudomaçônicas, muitas das quais apenas existiram como um nome a ser citado.
Ao mesmo tempo, ele iniciou uma série de contatos, visando a promoção das Ordens as quais dizia ter
representação, patenteando e sendo patenteado por diversas personalidades do mundo ocultista
europeu e americano. Ocupando a posição de líder supremo e vitalício da O.T.O., bem como de uma
série de outras organizações místicas, Reuss assim seguiu, até 1923, quando veio a falecer, sem designar
explicitamente qualquer nome como herdeiro legítimo da sua principal criação, a Ordo Templi Orientis.

Ás conexões amplamente questionáveis de Reuss, suas preferências políticas suspeitas, desconfiança de


espionagem, comércio de patentes, fama de plagiador, criação indiscriminada de supostas Ordens
ocultas, seu comportamento dissimulado quando perguntado sobre si mesmo e a tendência
rocambolesca de criar falsas notícias, tudo isso acabou por construir nele a imagem de alguém
simplesmente a ser evitado. De modo seco e quase que exaustivamente repetitivo, Reuss é, de modo
direto, descrito pela historiografia como réles empresário do oculto (Webb, 1989:98), pessoa pouco
confiável (Howe & Möller, 1979:29), meramente alguém a ser taxado como um pitoresco ocultista
alemão, maçom marginal e aventureiro (McIntosh, 1988:173), negociante de graus (Gilbert, 1996:135)
ou até mesmo rotulado como maçom charlatão que presumivelmente usava a Maçonaria apenas para
seus próprios fins, vivendo às custas da credulidade alheia (cit. Howe & Möller, 1979:44). Até mesmo
Aleister Crowley considerava Reuss um sujeito de temperamento incerto e não confiável (cit. Scriven,
2001: 220), que no final de sua vida emitia patentes, a torto e a direito, a qualquer um que se dispusesse
a pagar por elas (cit. Koenig, 1994b:43).

Resumidamente, esse era Theodor Reuss, o fundador da Ordo Templi Orientis.

Registre-se que, atualmente, devido unicamente aos fatos pertinentes a sua biografia, tão fortemente
questionável é a não convincente personalidade de Reuss, que os membros da O.T.O. simplesmente
tendem a citá-lo an passant, ora como um maçom de altíssimo grau ora como um dos líderes que
haveriam pertencido a uma espécie de “fase maçônica” da Ordem. Concomitantemente, graças à débil
confiança gerada pelo seu caráter, há hoje a nítida tendência dos membros da O.T.O. de desviarem a
fundação da Ordem do nome de Theodor Reuss, associando-a a um nome de maior respeitabilidade
como o de Carl Kellner. No entanto, ante a imperiosa dificuldade de sustentá-lo como fundador, a
alternativa tem sido imputar a Kellner a gasosa condição de “Pai Espiritual” da Ordem.

Finalmente, registre-se também o inglório esforço de se construir em Reuss a imagem de alguém a se


idolatrar. Não por menos que os membros da O.T.O. citam-no como um “Santo” (Scriven, 2001: 218), ou
seja, alguém a quem se deve adoração.

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