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SOBRE A PERTINÊNCIA DO ESTUDO

DE LETRAS CLÁSSICAS NO BRASIL


CONTEMPORÂNEO

O estudo das Letras Clássicas é o estudo do Grego e do Latim e dos textos (literários,
filosóficos, historiográficos etc.) e são produzidos nessas línguas desde Homero (foi um poeta
épico grego que viveu por volta do século VIII a.C e ter compilado os poemas épicos Ilíada e
Odisseia), até o fim do Império Romano (começou em 27 a.C. e terminou em 476 d.C).
Levanta-se a questão “grego? Latim? Para que serve isso? Ou para que estudarmos isso? E
diante da impaciência, das zombarias e críticas sobre o assunto, compara como a resposta de
Louis Armstrong, quando certa vez lhe perguntaram o que era o jazz: se você precisa fazer essa
pergunta, nem vale a pena eu tentar explicar. Trazendo a reflexão sobre a construção de um
sistema público de educação voltado para os interesses maiores da sociedade que o financia.
A questão se torna política (Política é a resolução de conflitos ou um conjunto de
procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à
resolução pacífica dos conflitos), envolvendo a pertinência dos estudos das Clássicas neste país.
Então ensinar clássicas não exige uma resposta absoluta, pois depende do contexto histórico em
que é formulada e dos pontos de vista de quem a formula e de quem a responde sobre o tipo de
sociedade.
Em relação à pertinência do ensino de clássicas no Brasil de hoje pode ser utilizado o ensaio de
T. S. Eliot escreveu em 1932 sobre o tema: “Modern Education and the Classics”. Esse texto é
evocado com frequência por aqueles que defendem o estudo de clássicas, considera que
podemos adotar três tipos de atitude quando se refere a educação;
a) O sistema liberal, o aluno tem liberdade para escolher o estudo daquelas disciplinas que
lhe permitirem o desenvolvimento mais completo de suas aptidões naturais- Portanto, à
questão “devemos estudar clássicas hoje?” O educador liberal responderá: não
necessariamente. Pode-se estudar, pode-se não estudar: fica a gosto do freguês;

b) Atitude radical, é pragmático se vou formar um médico, ele deve aprender tudo o que é
necessário para que seja um bom médico e nada mais - dessa perspectiva é muito difícil
justificar o estudo de grego: de fato, o grego não serve para construir pontes ou para
plantar soja;

c) A atitude ortodoxa é, para Eliot, a educação cristã. E, no quadro de uma educação cristã,
o ensino de grego e latim é imprescindível: precisamos dele para preservar a cultura e
os valores cristãos. Eliot era cristão.

Portanto para Eliot, só havia duas possibilidades de civilização no mundo moderno: a


civilização cristã e a civilização materialista marxista. Seu ensaio foi escrito em 1932,
quinze anos depois da Revolução Russa e dez anos depois da fundação da União
Soviética. Foi escrito antes de Auschwitz e antes de Hiroshima. Para o autor, o destino
de nossa civilização se decidia no conflito de valores entre marxismo e cristianismo.

Em relação ao ensino de clássicas, a atitude marxista é a radical: ela


é pragmática. A exemplo do sistema soviético a preocupação maior era
formar engenheiros, médicos, físicos etc. que dominassem as disciplinas
específicas indispensáveis para sua adequada formação. O estudo do grego e latim eram
supérfluos.

Essa era a posição de Eliot. E nosso caso particular – o Brasil de 2013 – está fora dela.
Hoje, mais de 80 anos depois de Eliot ter escrito seu ensaio, vivemos numa cultura que
não é nem marxista nem cristã: na história do século XX, nenhum dos dois modelos
prevaleceu. Países em desenvolvimento, como o Brasil, enfrentam hoje problemas que
Eliot não
vislumbrava em 1932.

Tivemos acontecimentos como a Segunda Guerra Mundial, a Shoa, as bombas


atômicas, a Guerra Fria, o fim do império soviético, o fundamentalismo islâmico, o
atentado de 11 de setembro.

O Brasil tem características próprias que Eliot não considerava: a diversidade étnica e
cultural, a fragmentação do cristianismo em uma multiplicidade de seitas populistas e
imediatistas, a (ainda lenta) ascensão de classes sociais que até recentemente viveram
totalmente à margem da cidadania e do progresso econômico do país...
Aquele debate que se divide entre civilização cristã e civilização marxista já não se
encaixa em nossa situação atual. O que nos faz perguntar se ainda assim faz sentido o
estudo de clássicas.

Ainda em seu ensaio Eliot responde essa pergunta e defende que em uma sociedade
com uma cultura situada fora da dicotomia que opõe marxismo a cristianismo, para ele
pouco importa se o grego e o latim se tornarem línguas desconhecidas. Já não faria
diferença porque o mundo teria se tornado bárbaro. Bárbaro ou não, esse é o nosso
mundo. Eliot pode não se interessar por ele, mas nós devemos fazer isso. Devemos
responder a essa pergunta: por que nós do Brasil contemporâneo, que vivemos em um
país repleto de desigualdades e injustiças sociais, devemos nos importar em ensinar
clássicos aos jovens? Com a nossa realidade atual não seria mais sensato adotarmos
uma atitude pragmática e nos preocuparmos em formar bons médicos, biólogos e
engenheiros?

Um texto feito pelo escritor Italo Calvino e publicado em 1981 pode nos
direcionar uma resposta para nossa reflexão: trata-se do ensaio “Italiani, vi esorto ai
classici”.
Nele Calvino defende uma visão ampla do que constitui um clássico, incluindo obras
influentes de várias épocas e culturas. Entre os “clássicos” estão, sim, Homero,
Sófocles, Virgílio, Horácio – mas também Dante, Cervantes, Dostoiévski, Flaubert. Há
uma definição mais flexível onde cada um de nós tem seu conjunto de clássicos. No
entanto apesar dessa abordagem liberal, há uma base sólida de autores clássicos,
especialmente gregos e latinos, cujas obras são universalmente reconhecidas como
clássicas e que devem fazer parte de qualquer lista pessoal de clássicos. Como Homero,
Platão e Horácio, por exemplo. Portanto a definição mais abrangente de clássicos
adotada por Calvino não impede a relevância de seus argumentos para o contexto atual.
Outro ponto que Calvino defende é que clássicos devem ser lidos foras da escola, pois
tais livros devem ser lidos por escolha e amor e não por dever. Contudo não é possível
que esse pensamento se aplique em nosso cenário, já que, diferente das civilizações com
uma tradição solida a qual Calvino se apoia, no contexto brasileiro, os clássicos devem
ser ensinados nas instituições de educação, dada a importância da educação formal em
uma sociedade onde outras fontes culturais são limitadas, como a televisão.
Portanto se queremos que os estudantes conheçam e cultivem um apreço pelo os
clássicos, eles devem ser ensinados na escola. Com isso voltamos a questão principal,
que continua sem resposta: É realmente necessário que esses estudantes conheçam e
apreciem os clássicos?

Ao finalizar seu ensaio, Calvino nos orienta um caminho. Ler os clássicos é melhor do
que não os ler porque tais leituras formam seres humanos melhores. Os estudos
clássicos promovem uma formação humanística que vai além do conhecimento técnico.
Eles incentivam a reflexão crítica, a apreciação da arte e da ética, e contribuem para o
desenvolvimento de cidadãos mais informados e éticos. Podem até não torná-lo um
engenheiro ou um médico melhor, mas com certeza, o formarão uma pessoa melhor.
Com isso se conclui que a pertinência dos estudos clássicos no Brasil contemporâneo é
um tema relevante que merece consideração, pois envolve questões fundamentais
relacionadas à educação e à formação cultural e humana, onde os clássicos gregos e
latinos são imprescindíveis – mas também o são, por exemplo, Dante, Shakespeare,
Stendhal, Machado de Assis. Contudo estes não devem ser vistos como privilégio de
uma elite, mas como um direito de todos os jovens, contribuindo para uma educação
humanista laica. Portanto não é certo que seja privada a oportunidade dos jovens de
conhecer os clássicos.

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