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(Trilologo)
De Gabriel Penner
Tradução: Ronei Vieira
Personagens
R1: Passado
R2: Presente
R3: Futuro
1
Das Ding em alemão: A coisa. Também pode ser entendido como a “mesma coisa” ou a “última
realidade”
(Eles vão até o barril e entram nele)
R2: O que está surgindo?
R1: Tudo tem sido tão urgente!
R3: Será, será, será, serei, sempre serei INDIGENTE.
CORO: Pessoas em conservas! (Três vezes
(Eles saem do barril)
(Os três personagens realizam ações cotidianas)
R1: (Cortando suas unhas) Eu compliquei tudo. Tive dois filhos e muitas
ausências. Eu raspei as marcas que deixaram em mim e não soube esperar a
minha vez. Fracassei, fracassei, fracassei, fracassei, fracassei...
R2: (Ajoelhando-se, juntando seus cabelos em uma sacola) O FRACASSO é
luminoso. Esclarece. Resistência. Fracassar é resistir!
R3: (aproximando-se da máquina de escrever) Sim, é claro, a náusea do
fracasso invadirá minhas teclas.
R2: Raiter, o que está fazendo? Você está proibido de escrever, as mãos são
condutoras de ANGÚSTIA.
R3: (Movendo suas mãos como se estivesse enrolando algo) O papel
higiênico, viverá perseguido, submetido ao papel higiênico, que limpará as
manchas. O mundo te acusará, mas este, esta coisa, COISIFICARÁ. A
escritura será sempre suja.
R1: (gesto de parafusar com a mão no ar) Por que eu não troquei a lâmpada?
2
Em grego faz referência a virtude de usar a palavra para dizer a verdade. Está vinculado a dizer tudo
sem limites, falar guiado pela franqueza absoluta, inclusive em relação a si mesmo.
R2: Parrhesia! Ah não! É meu. Quero me mover com franqueza. Minha
verdade, minha verdade mecânica!
R1: Vocês me ouviram? Parrhesia! Eu era o Raiter, o cavaleiro desbocado.
(Ele pula sobre o touro e inicia um movimento feroz e em ziguezague)
(Os outros dois olham para ele por um momento e depois um vai para o barril,
o outro para a máquina de escrever ou fica dando voltas).
R3: (Desapontado) É possível servir a sinceridade?
A quem?
Virá outro homem por trás da culpa?
R2: (Profético) Há noites que incendeiam com uma flecha.
Deixa!
Deixe-me!
Deixe-o!
R1: (Falando rapidamente) Eu era o PAI de meu pai, o julgava, perdi suas
pegadas, matei todos os meus amigos querendo mudá-los, eu ri da pureza
como um louco, não aceitei, não escutei ninguém, fui paranóico, egoísta,
orgulhoso, SOBERBO, doce. (Soberba doce) Parrhesia, parrhesia, parrhesia!
(Confusão entre as palavras Raiter e parrhesia) Eu era teimoso, TEIMOSO,
teimoso, teimoso eu era. O que se esperava de mim? Desesperava de mim...
Es/des/es/es/es/des/es/es/es/es/es/es/es/es/des.... (O corpo convulsiona até
cair fora do palco)
(R2 e R3 olham para o corpo caído, depois um para o outro. Um deles retira
uma toalha de mesa do barril e a estende perto de R1, há três copos ou rolhas
e três abacates ou frutas de caroço).
R2: (Segurando um copo) Viene!
R3: (Levantando outro copo) Por venir!
R1: (Bebe um brinde) Vino!3
(Levantam os abacates como em um ritual de celebração)
R2: (Levantando a fruta)
Nós somos isto!
O mundo no mundo!
Nada nítido!
3
N.T. A opção por manter em espanhol se dá pelo jogo que o autor faz com a palavra “vino”, que é tanto
uma conjugação do verbo vir quanto significa vinho.
(Todos dividem a fruta ao meio)
CORO: Ponto cego do DESASSOSSEGO!
(Eles retiram os caroços e os rolam pelo chão. Cada personagem persegue
uma caroço, discursos ininteligíveis de preferência associados com as palavras
passado, futuro e presente ou Raiter-Parrhesia).
R3: (Em um arrebatamento R3 monta o touro mecânico) Parhesia! Não terei
dentes, não terei casa, não terei nada! Jamais farei o mesmo, nunca serei o
mesmo! ABOMINAREI o que fiz! Infelizes aqueles que dirão: (voz imposta) "Se
eu nascesse de novo, eu faria o mesmo". Devemos ter cuidado com a
repetição do repetido!
R2: O cuidado de se é NÃO. (Repete várias vezes acompanhando com
movimentos robóticos, precisos, como uma máquina).
(R3 desce do touro mecânico. Está confuso, atordoado).
R1: (Como se estivesse semeando algo) Éramos uma caravana, as vidas
convergiam em pessoas, sementes de grama espalhadas no ar.
R2: Estão todas aqui, eu as vejo, eu as toco (Abraçando o ar) Esta consciência
da inconsciência é tudo que eu tenho. Toda escritura tem um destino!
R1: Porque chegou quem a enviou.
R3: Qual será o sentido do destino?
CORO: Anagrama!
R1: De que foi feita a história da minha vida? Quantos dias, pães e páginas
foram necessários?
R2: (R2 pega um frasco, olha para ele, sacode-o) Sem comprimidos!
Consciência entorpecida!
R3: Estaremos sempre chegando.
R1: Apenas três dias, três gestos inúteis...
(Os três começam a realizar exercícios físicos, gerando uma máquina ginástica
com formas rotineiras e respirações sincronizadas, uma percussão corporal,
um teatro físico é priorizado).
(Após alguns minutos prolongados, eles começam a emitir palavras a partir
desta situação).
R3: O ESTILO vai atravessar o corpo.
R1: (Cantando uma canção infantil)
Uma faca fez um corte,
uma faca corta um gomo,
uma faca rasgou o véu...
R3: Sempre terei um bisturi.
R2: (Enfatizando o N)
Ninguém tem nada.
Ninguém tende nada.
Ninguém entende nada.
Ninguém em nada.
Ninguém de nada.
(Interrupção dos exercícios)
CORO: Mimesis, Mimesis, Mimesis!
R1: (Começa a realizar movimentos cotidianos identificáveis) Nós nos
entregamos à imitação, buscando a singularidade na cópia fiel, traçando
comportamentos, estipulando formas com um LÁPIS QUEBRADO.
R3: (imita rigorosamente R1 simulando a voz do papagaio) Vamos repetir:
Raiter...Raiter...até que os ossos não possam se juntar....
Raiter... Raiter... até que os ossos não possam se soldar...
Raiter...Raiter...até que os ossos não possam se dar...
R2: (Também imita) O problema é a fome. (Olhando uma vez para R1 e outra
vez para R3) A primeira, segunda e terceira pessoas desaparecem na
continuidade. A questão é o desejo... carregar com o talento de desejar... A
INFIDELIDADE: aqui está a arte... Protagoras4, está aí? Você estava errado:
não é o Homem, é a Fome a medida de todas as coisas.
R3: Fome de... (completar o ator/atriz)
R1: Fome de... (completar o ator/atriz)
R2: Fome de... (completar o ator/atriz)
(Repita o jogo com cânone de voz tantas vezes quanto a respiração do jogo
exigir)
R2: E se tudo isso fosse uma citação ou, ainda, uma citação entre aspas ou
uma NOTA DE RODAPÉ DA VIDA?
4
Sofista, que estava comprometido com o relativismo de valores e conhecimentos. De acordo com seu
pensamento, não existe uma verdade universal e objetiva. Seus "Discursos Demolidores" começam com a
frase que o fez transcender: "O homem é a medida de todas as coisas, das que são, na medida em que são,
e das que não são, na medida em que não são". Nascido em Abdera por volta de 490 AC, ele viveu em
Atenas e na Sicília. Platão escreveu um diálogo com seu nome.
(R1 e R3 começam a despir R2)
R1 e R2: (Eles substituem a roupa preta por uma branca) A roupa é o destino.
R2: Tenho febre gelada.
R1: A fome do homem.
R3: Salto no vazio.
CORO: (Vozes de papagaio em atraso/atraso/efeito eco)
Fé de (R) erratas...
Fé de (R) erratas...
Fé de (R) erratas...
//////FIM/////