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UFPR - SACOD - DeArtes


Disciplina OA865
Estética da Música 2023 II
Professor José Estevam Gava

Atividade: fichamento 8

VITÓRIA CAROLINA CUNHA


Endereço eletrônico: vitoria.cunha98@gmail.com

Assuntos gerais deste fichamento/documentação: FUBINI, 2008, p.44-51 – A música e o


sentido da sua historicidade (capítulo 3).

Para um modelo diferente de historicidade


Além de ser arte temporal e móvel, a música é feita de mensagens enigmáticas, de
significados mais abertos do que outras artes; muitas vezes unicamente sensoriais. Apesar disso,
ela não é presa ao presente ou incapaz de ter uma memória histórica própria construída. Ao invés
disso, é importante reconhecer que, sendo arte de sons – e não de palavras, cores ou formas –, a
música exige um modelo diferente de historicidade, uma forma inédita de transmitir sua história.
Assim, qualquer que seja a reflexão que se faça sobre música, a nível filosófico, histórico,
antropológico ou teórico, é essencial que se leve em consideração sua situação existencial
extremamente peculiar. Portanto, a estética da música, ao pensar sobre a natureza dessa arte,
precisa estruturar-se nas características específicas que a organizaram durante séculos.

A teoria da recepção
Mais recentemente, criaram-se linhas de estudo voltadas à recepção da música –
aceitação ou recolhimento daquilo que ela oferece a quem a ouve; experiência diante do
fenômeno musical – apreciação, percepção, cognição – envolvendo psicologia, sociologia e teoria
da informação. Nestes casos, interessa ao pesquisador o momento em que a música é
interpretada, executada, e os modos de audição. Não interessam, portanto, os processos
composicionais fincados num passado remoto ou mais recente. A obra musical, além de existir
como documento de época, projeta-se e se recria no futuro sempre que é tocada e ouvida. A
relação entre obra, intérprete e ouvinte é, portanto, constitutiva da própria vida e essência da
música – outro paradoxo que aparece. Essa consciência e abordagem da música é evidente na
contemporaneidade mediante a valorização, geralmente exagerada, do intérprete, a abertura ao
aleatório e à participação do ouvinte no ato criativo. O desdém pelos direitos autorais, a livre
manipulação de fonogramas e as versões e interpretações “alternativas” incisivamente criativas
são, hoje, realidades incontestáveis que adicionam mais “problemas” e possibilidades num
cenário cada vez mais complexo.
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Instinto e razão na música


A grande dualidade na música: por um lado há “aspectos instintivos, alógicos, pré-
racionais e pré-linguísticos da natureza humana”. Por outro, há sua natureza física, racionalizável,
matemática, mais que apenas linguagem. A série harmônica, presente na natureza terrestre e
cósmica como um dado natural, confere à música esse potencial a-histórico que extrapola épocas
e culturas. Antes de mero item sociocultural, a música tem esse modo “naturalista” de ser,
tocando-nos de forma imediata e instintiva. Outra dualidade paradoxal se encontra no estudo da
música. A prática e o conhecimento musical, sem dúvida, aprimoram a audição, apreciação
estética e senso crítico. No entanto, pessoas “leigas” em teoria musical podem perfeitamente fruir
músicas de modo instintivo e não menos intenso; da mesma forma, podem tocar um instrumento
ou cantar. A fruição da música seria, portanto, intrínseca a uma parcela de nossa natureza que é
pré-lógica; que evoca precisamente este fundo obscuro, instintivo, que se encontra na linguagem
musical e que curiosamente não contradiz em nada a sua natureza racional e matemática. Esse
fundo obscuro talvez se revele, na tradição ocidental, na busca em superar modelos mediante
improvisações abertas ao inconsciente e ao aleatório, como se a própria natureza indicasse os
futuros da música, independentemente da racionalidade humana.

Interpretação e improvisação
A música depende de ser executada, “interpretada”, para poder existir. Dava-se
unicamente assim, até fins do século XIX, mas tal circunstância se mantém até hoje, apesar das
gravações. O intérprete faz a música sempre rebrotar de sua natureza intrinsecamente temporal.
Surge, então, outra dualidade do fenômeno musical: o intérprete “disputa, às vezes, o mérito da
criatividade com o próprio compositor”. Se a música depende de um intérprete para poder existir,
cabe a este não apenas ter habilidades necessárias para decodificar partituras musicais, mas ter
uma personalidade artística e humana apta para tal recriação e ser musicalmente tão ou mais
capaz do que quem compôs. Entra em cena, portanto, e em qualquer execução musical, o ato
criativo aliado a doses variáveis de aleatoriedade e improviso. O intérprete “vive” a música como
se fosse sua e, em certo sentido, ela de fato é sua, já que se trata de fenômeno que brota de um
substrato físico universal pré-existente, não apenas fruto de uma pessoa ou cultura.
Tratando-se de som, a notação musical é sempre precária e aproximativa; incapaz de
representar por meio de símbolos gráficos uma realidade que é sonora. Daí surge a necessidade
de haver um intérprete com habilidade e notoriedade artístico-criativa suficientes para realizar a
tarefa. Com o século XIX, essa preeminência do intérprete se tornou notória. Hoje em dia, mais
do que nunca, o executante ou o cantor está acima do próprio compositor; está, de fato, acima da
própria obra; o intérprete, como meio, se encontra, não raro, acima da própria “mensagem” – não
obstante seu antigo posto de inferioridade na classificação musical.

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