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LIPIDOSE HEPÁTICA EM FELINOS DO DIAGNÓSTICO AO MANEJO

TERAPÊUTICO: RELATO DE CASO

1 Introdução

A Lipidose hepática (LH) é uma doença hepatobiliar que se manifesta


predominantemente nos gatos, é comumente vista na rotina clínica, sendo caracterizada pela
acumulação de triglicerídeos no fígado, o qual atinge mais de 80% dos hepatócitos
(VALTOLINA; FAVIER, 2017). De acordo com Fiorentin (2014), a lipidose hepática é
causada por um desequilíbrio entre a captação hepática dos ácidos graxos e sua utilização.
Pode ser desenvolvida devido a obesidade, ingestão calórica desbalanceada, desnutrição,
hepatotoxinas, anorexia crônica, estresse, doenças sistêmicas e doença idiopática, provocando
o surgimento de diversas alterações clínicas assim como modificações hematológicas e
bioquímicas nos animais acometidos.
A LH, classifica-se em primária ou secundária. Lipidose hepática primária dar-se
quando um gato saudável inicia uma dieta de perda de peso violenta, passa por privação
involuntária de alimentos, mudança severa de alimentação (ou troca para uma ração que ele
não aceita), modificação rápida de ciclo de vida ou estresse. Já a secundária refere-se a uma
anorexia subjacente a alguma afecção primária (ARMSTRONG; BLANCHARD, 2009).
A sua patogenia é complexa e a obesidade e o estresse são as causas propensas a essa
doença (FIORENTIN, 2014). Um estudo norte-americano revela que cerca de 20 a 40% dos
gatos atendidos estão obesos (CRYSTAL, 2009), em contrapartida outro estudo brasileiro
indica que cerca de 60% dos felinos já estão em sobrepeso ou obesos (ALVES et al., 2017).
Percebe-se que esse é um quadro frequente no cotidiano da clínica, visto que vários
tutores desconhecem que este é um importante fator de risco para diversas doenças, como a
LH, ou desconsideram o estado corporal do seu animal (COLLIARD et al., 2009). Já o
estresse pode provocar modificações comportamentais nos felinos e está associado ao
desenvolvimento de diversas patologias tais como, anorexia, perda de peso, letargia, vômito,
icterícia e ocasionalmente sintomas comportamentais ou neurológicos como, salivação
excessiva, cegueira, coma e convulsões. Um dos principais problemas comportamentais
decorrentes do estresse é a anorexia, que é capaz de dar início a um quadro de LH. Portanto,
essa é uma doença muito comum em gatos com excesso de peso ou que param de comer
devido a uma resposta ao estresse (AMAT; CAMPS; MANTECA, 2015). Partindo dessa
premissa, pode-se afirmar que a perda de peso acelerada e icterícia são consideradas como
manifestação clínica de maior relevância.
Dessa forma, os felinos acometidos pela LHF apresentam manifestações clínicas que
se baseiam em anorexia, perda de peso, atrofia muscular, icterícia, desidratação, diarreia,
vomito, salivação e depressão, em casos mais graves pode ocasionar manifestações de
encefalopatia hepática (FIORENTIN, 2014).
O presente trabalho teve como objetivo relatar um caso de Lipidose hepática em um
gato a fim de elucidar sobre a doença em felinos domésticos e complementar as informações
sobre os sinais clínicos observados e tratamento.
2 Material e métodos

No dia 12 de setembro de 2022 foi atendido numa clínica veterinária particular, um


felino, macho, não castrado, 4,350kg, sem raça definida, 03 anos, com queixa de anorexia,
prostração e êmese.
No histórico clínico, a tutora relatou que há uma semana atrás havia trocado de ração
de forma abrupta, sem processo de adaptação, e desde então o animal tem estado apático e
prostrado. No dia 10 de setembro o animal tomou vacina antirrábica e após a vacinação o
quadro piorou. A tutora precisou se ausentar durante o final de semana, deixando o animal
sem acompanhamento, a mesma relata que quando retornou o pote de ração continuava cheio
e o animal apresentou episódios de êmese. O paciente tem histórico de obstrução uretral,
estava com a vermifugação atrasada e apenas a vacina antirrábica em dia.
No exame físico, observou-se desidratação, mucosas ictéricas (Figura 1A) e
hipocoradas (Figura 1B), febre (39,3°C), halitose, urina de coloração alaranjada (Figura 2) e
odor fétido, frequência cardíaca 196bpm, frequência respiratória 68rpm, sem linfadenopatia e
sem desconforto abdominal.
Foi administrado fluidoterapia (IV), antitóxico UCB na dose de 0,1ml/kg, bionew na
dose de 0,2ml/kg e glicose 50% todos IV, lento e diluído. Paciente permaneceu estável e sem
episódio de êmese durante todo o período de observação.
A suspeita inicial foi de lipidose hepática. Foi solicitado hemograma, perfil
bioquímico (proteínas totais e frações, creatinina, ureia, glicose, alanina aminotransferase,
gamaglutamiltransferase), e exame ultrassonográfico.

Figura 1 – Animal do presente relato. Mucosa ictéricas (A) e Hipocoradas (B)

A B

Fonte: Arquivo pessoal (2022)


Figura 2 – Urina do paciente.

Fonte: Arquivo pessoal (2022)

Diante do caso, o paciente foi encaminhado para internamento, onde permaneceu por
14 dias. Durante o período de internação iniciou-se o tratamento com ornitil na dose de
1ml/kg SID (IV), bionew 0,2ml/kg (IV), hemopet 0,1ml/kg SID (VO), pró-figado (VO), além
de fluidoterapia (ringer lactato). Após 02 dias de uso, o bionew foi substituido pelo vitasil hep
0,1 ml/kg (VO), pois, durante a administração do bionew o paciente ficava estressado e
agressivo. No 3° dia o paciente apresentou febre (39,4°c) e foi administrado 0,2ml de algivet
(IM). Durante os 02 primeiros dias o paciente aceitava apenas ração úmida (sachê), foi feita
alimentação forçada com alimento úmido hipercalórico (nutralife, VO, 10ml a cada 02 horas)
e 0,5ml de melaço a cada 08 horas. A partir do 3° dia, o paciente já se alimentava de ração
seca, sozinho.
Durante a internação também foi realizado o exame parasitológico de fezes e feito
administração de vermífugo a base de fembendazol, pamoato de pirantel e praziquantel e
repetido a administração após 15 dias.
O paciente apresentou uma boa recuperação, não se apresentava mais ictérico (Figura
3A), e no dia 26 de setembro recebeu alta (Figura3B).

A B

Figura 3 – Animal do presente relato. Mucosa normocoradas (A) Paciente no dia da alta. (B)
Fonte: Arquivo pessoal (2022)
3 Referências

ALVES, Raquel Sampaio et al. Frequência e fatores de risco da obesidade em uma população de gatos
domésticos no Rio de Janeiro. Brazilian Journal Of Veterinary Medicine, [S.L.], v. 39, n. 1, p. 33-45, 2017.
Revista Brasileira de Medicina Veterinaria. http://dx.doi.org/10.29374/2527-2179.bjvm0081.

AMAT, Marta; CAMPS, Tomàs; MANTECA, Xavier. Stress in owned cats: behavioural changes and welfare
implications. Journal Of Feline Medicine And Surgery, [S.L.], v. 18, n. 8, p. 577-586, 22 jun. 2015. SAGE
Publications. http://dx.doi.org/10.1177/1098612x15590867.

COLLIARD, Laurence et al. Prevalence and risk factors of obesity in an urban population of healthy cats.
Journal Of Feline Medicine And Surgery, [S.L.], v. 11, n. 2, p. 135-140, fev. 2009. SAGE Publications.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfms.2008.07.002. Crystal, M. A. (2009). Obesity. In G. D. Norsworthy, M. A.
Crystal, S. F. Grace, & L. P. Tilley (Eds.), O paciente felino (3rd ed., pp. 223-224)

Fiorentin, E. L. Lipidose hepática: causas, patogenia e tratamento. Seminário apresentado na disciplina


Transtornos Metabólicos nos Animais Domésticos, Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014. 10 p.

VALTOLINA, Chiara; FAVIER, Robert P.. Feline Hepatic Lipidosis. Veterinary Clinics Of North America:
Small Animal Practice, [S.L.], v. 47, n. 3, p. 683-702, maio 2017. Elsevier BV.
http://dx.doi.org/10.1016/j.cvsm.2016.11.014.

ARMSTRONG, P. Jane; BLANCHARD, Geraldine. Hepatic Lipidosis in Cats. Veterinary Clinics Of North
America: Small Animal Practice, [S.L.], v. 39, n. 3, p. 599-616, maio 2009. Elsevier BV.
http://dx.doi.org/10.1016/j.cvsm.2009.03.003.

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