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Apocalipse 3.

7-13
1. Preliminares
Raramente é proposto um texto do último livro da bíblia no calendário
eclesiástico. Apenas a época do advento, por causa do motivo 'vinda ', faz-nos
lembrar dos textos apocalípticos. Já pelos reformadores, o livro do Apocalipse
foi tratado com certa cautela, mas não lhe negaram a canonicidade. Com
certeza, ele também não é nossa leitura predileta. Por isso cabem aqui
algumas notas explicativas. Apocalipsis significa revelação. Sua ênfase sempre
foi a história. Já no apocalipsismo judaico, onde o Apocalipse joanino tem suas
raízes, a preocupação estava voltada para o futuro da História. Em épocas
difíceis, homens interpretavam o curso da história e previam acontecimentos do
futuro para dar esperança aos que viviam no presente difícil. O apocalipsismo,
visto a partir da perspectiva do evento de Jesus Cristo, não é mais particular,
restrito ao povo de Israel. Ele rompeu os limites e tornou-se interpretação da
história universal. Apocalipse preserva a herança do AT que Deus é um Deus
da história. A salvação deste Deus faz com que essa história se movimente
para um alvo. A partir desse centro, devemos avaliar todos os detalhes do
apocalipse, para não nos perdermos em incansáveis especulações.
Na atualidade, o tema do Apocalipse esperança ultrapassou os muros cristãos
e desempenha um papel importante no marxismo. Esse, por sua vez, desafia a
comunidade cristã a recobrar a potencialidade que é a esperança cristã com
todas as suas implicações aqui e agora. Neste sentido não deve ver o
apocalipse como consolo barato para uma um além distante, mas como
testemunho de que Deus é Senhor da história e que as rédeas não lhe
escaparam de suas mãos. A promessa que encontramos no último livro não
nos leva à passividade, mas nos impulsiona em direção ao que foi afiançado já
na realidade social em que vivemos. Este texto do Apocalipse pode nos
contagiar com a dinâmica da esperança que pulsa nesse livro.
1.1 – Contexto
A perícope (3,7-13) está inserida na primeira parte do livro, onde o autor trata
das coisas presentes (1,19 as que são). A segunda parte perfaz o tema
principal, tratando de eventos futuros. Essa abrange Ap 4,1 a 22,5. A carta a
Filadélfia é a penúltima das sete cartas dirigidas às comunidades da Ásia
Menor. Mesmo que Ap 1,19 sugere esta divisão, as cartas foram escritas à luz
das coisas que estão por acontecer. Toda frase está cheia de expectativa e de
espera pela vinda do Cristo exaltado. Venho sem demora, ele mesmo diz
(3,11). As sete cartas não circularam independentemente, mas já foram
compiladas dentro do corpo maior que é o livro de Ap. Assim todas as
comunidades receberam ao mesmo tempo as sete cartas. O número sete
significa a totalidade. Disto presume-se que são dirigidas a toda a igreja,
representada pelas sete. Suas referências às comunidades são históricas, mas
isto não é empecilho para que continue escrito de exortação para a igreja de
todos os tempos até que ele venha.
1.2 - Texto
O texto apresenta uma estrutura clara:
a) Ordem de escrever - v.7a;
b) Auto-apresentação daquele que dá a ordem - v.7b;
c) Elogios à comunidade - vv. 8-9;
d) Promessa e exortação - vv. 10-1 l; e) Conclamação à vitória e promessa –
vv..12-13.
v.7 A carta é dirigida ao anjo da comunidade. Para alguns ele é o bispo que a
representa. Comparando-se, porém, este termo com uma outra paralela (1,20),
percebe-se que anjo aqui representa o que E. Schweizer chama de existência
espiritual. Como os 7 espíritos (1,4) perfazem a totalidade do agir de Deus em
relação às comunidades, assim os 7 anjos correspondem à resposta dada ao
agir salvífico. É, em outras palavras, a realidade criada pela intervenção
libertadora de Deus. Significa que a comunidade de Filadélfia deve sua
existência à ação de Deus em Cristo. Filadélfia provavelmente foi a cidade de
menor porte e de menor importância em relação às demais cidades citadas.
Sabemos que recebeu seu nome do fundador Atalo II, chamado Filadelfos de
Pérgamo (159-138 a.C.). Era assolada frequentemente por terremotos e por
isso tinha que recorrer à ajuda estatal. A pequena comunidade cristã, lá
existente, recebeu ainda mais tarde, de Inácio de Antioquia, o mesmo elogio.
Só elogios são atribuídos a essa insignificante comunidade, como igualmente
aconteceu com Esmirna.
Quem fala a ela é o próprio Cristo Exaltado. Ele se apresenta com predicados
repetidos várias vezes no livro. ‘Santo’ e ‘verdadeiro’ são títulos divinos. Esses
atributos ele quer atribuir aos que lhe pertencem. Ele quer abarcar o homem
com sua santidade e sua verdade. Só por isso a comunidade pode
corresponder as características de Cristo. A auto-apresentação continua,
citando Is 22,22. Aqui significando o poder que lhe assiste de dar ou não
acesso ao reino messiânico. Ele abre a porta à comunidade de Filadélfia. Além
de ser autodesignação, ela encerra uma promessa.
v.8 - O elogio se refere as obras que são a expressão da vida da comunidade.
Pode parecer estranho que uma comunidade com pouca força (dinamis)
recebe um juízo tão positivo. Será que se pensa no pequeno número? Ou seus
membros não eram pessoas de destaque? Ou talvez faltam certos carismáticos
no sentido de l Co 1,4? Este pequeno potencial não é camuflado, nem
escondido. Fala-se abertamente sobre sua situação, isto em si já é uma obra
positiva: aceitar sua pouca força como dada por Deus. Mas a obra
especificamente positiva é: Guardaste minha palavra e não negaste o meu
nome. Este é o real motivo de todo o elogio à Fi1adélfia. Este é o critério para
avaliar até onde uma comunidade é ou não é autêntica e verdadeira. É uma
completa inversão de nossos valores. A vida da comunidade consiste em
receber (palavra) e no dar (testemunho). A igreja tem o tanto quanto ela der
adiante. Não deve ser coincidência, se Esmirna, que também só é elogiada, é
uma comunidade pobre (2, J). A pobre e a de pouca força, segundo o juízo do
Senhor Exaltado, correspondem mais aos traços da comunidade verdadeira e
autêntica. Exatamente assim se manifesta a realidade de Deus em Cristo (II Co
11,30; 12,5). À Filadélfia é prometida uma porta aberta, a qual ninguém pode
fechar. Quando Paulo fala em porta aberta (Co 16,9; II Co 2,12) , ele pensa em
novas perspectivas para a atividade missionária. Aqui porta aberta tem um
sentido mais amplo. A pouca força tem seu lugar nos grandes planos do
Pantocrator. A pequena Filadélfia está inserida no grande evento da vinda do
Reino de Cristo neste mundo. O reino messiânico para o qual o Cristo exaltado
abriu a porta (v.7), já irrompeu e abrange a atividade missionária de Filadélfia.
v.9 - A comunidade triunfará sobre todos seus adversários que agora a afligem.
Entre eles são mencionados os judeus que nos primeiros decênios eram os
perseguidores mais ferrenhos. Eles não são mais povo de Deus, mas Sinagoga
de Satanás. Satanás é o poder que quer destruir o que pertence a Deus. Trata-
se da pergunta: quem são os verdadeiros judeus - os que assim se declaram
ou os cristãos? A decisão da carta é: A comunidade cristã é o verdadeiro Israel
e não os judeus. Os cristãos não são homens melhores ou mais piedosos do
que os outros. Mas eles sabem que são amados (escolhidos) imerecidamente.
Quem reconhece isto não é mais adversário, mas se torna testemunha do amor
de Deus em Cristo.
vv. 10/11 - A comunidade com pouca força orientou sua vida conforme a
palavra deste Jesus que a convoca a perseverar. Experimentou assim que na
comunhão com Jesus recebe força para aguentar. Como recompensa, o
Senhor quer guardá-la na hora da provação que sobrevirá a todos os
habitantes da terra. O conflito entre os comprometidos com Deus através de
Cristo na comunidade, e os separados de Deus, sem Cristo no mundo,
perpassa toda a história (conforme o Ap.) e vai se intensificar no seu fim. Esta
é a provação constante da comunidade, viver no mundo sem ser do mundo.
Até a breve vinda do Senhor vale segurar-se na palavra, e o Senhor desta
palavra promete segurá-la na provação máxima que atingirá a todos. A
comunidade não será poupada desta provação, mas será sustentada (cf.
também Jo 17,15).
vv. 12/13 - Como todas as demais cartas, esta também termina com as
promessas para o vencedor. O autor vale-se da figura da competição no
estádio, onde o atleta não poupa esforços para sair vencedor. Essas
promessas para o vencedor querem, por um lado, mostrar a gravidade da luta
e, por outro lado, estimulá-lo à esperança no futuro de Deus. Com isso
estamos dentro do tema do Apocalipse: A esperança no futuro que pertence a
Deus quer determinar o presente da comunidade.
Cristo mesmo quer fazer do vencedor coluna no santuário de meu Deus e
acrescenta expressamente: e daí jamais sairá. No judaísmo, Abraão e os
piedosos eram chamados colunas. Também os apóstolos na comunidade
primitiva (Gl 2,9; Ef 2,19-22). Na arquitetura, a coluna tem a função de
sustentar a construção. Aquele que sair vencedor será incluído no todo do
santuário, onde assumirá a responsabilidade de sustentar. Provavelmente
santuário e cidade são idênticos. Referem-se ao Reino de Deus consumado, a
cujo serviço a comunidade de Filadélfia está agora. Com o nome de Deus, são
designados propriedade exclusiva dele. E a inscrição do nome nova Jerusalém
lhes confere cidadania nesta cidade. A esperança cristã não é algo
individualista, isto o emprego do termo cidade nos proíbe. A esperança e o
futuro dos cristãos não é idêntico com alguma das melhores sociedades
possíveis, nem um projeto ou expectativa por situações ideais. Esperança
cristã é esperança em nome de Deus por algo novo que homens não podem
arquitetar. Isto significa que a cidade de Deus tem algo a ver com nossas
cidades. A fuga da realidade é negação do nome daquele em quem
esperamos. Neste sentido o futuro prometido determina a vida do homem com
seus planos, suas construções e seus projetos. Só assim os cidadãos das
cidades onde vivem os cristãos crerão naquele que vai criar novo céu e nova
terra. Vale, enfim, ressaltar que a pessoa não é esquecida ao ser integrada
definitivamente na futura comunidade, isto é, na nova cidade. Através do
recebimento do nome a pessoa permanece com seu devido valor. Ao viver esta
esperança, o cristão tem que levantar sua voz quando a pessoa é esmagada
nos grandes projetos aqui e agora.
A promessa deste futuro absoluto de Deus é o estímulo que pode conservar a
cabeça erguida de uma comunidade com 'pouca força' e ameaçada por todos
os lados.
Escopo: A comunidade com pouca força corresponde mais às características
de seu Senhor, porque está atenta à sua palavra. Assim ela pode confessar
seu Senhor e este Ihe promete ampará-la nas provações e lhe garante
participação no futuro de Deus.
2.1. – Meditação
2.1.1 - O texto e a Comunidade
a) Provavelmente a nossa comunidade não receberia apenas elogios, como
Filadélfia. Nem por isso a carta deixa de ter a sua atualidade. Como as sete
cartas são dirigidas à totalidade da Igreja, também a nossa está incluída.
b) O fundamento nos une diretamente àquelas comunidades da Ásia Menor. O
mesmo Senhor que criou e sustentou a comunidade de Filadélfia é o que ainda
hoje cria e sustém sua comunidade.
c) Temos comunidades com muitos recursos e ao lado dessas existem
inúmeras que poderiam ser equiparadas à de pouca força em Filadélfia. Pouca
participação em relação ao número de inscritos. Poucos colaboradores. Pouca
penetração diante dos grandes desafios. Este texto confronta a comunidade
com a avaliação da Palavra de Deus: fraco, mas forte; pobre, mas rico! A
comunidade é, neste sentido, a visualização da própria vida de Jesus. O texto
não quer suscitar a autocompaixão com nossa fraqueza, mas estimular o
pequeno grupo a ater-se à palavra. Somos uma igreja que se declara viver da
palavra, mas não usa este critério para medir até onde é autêntica e
verdadeira. Continuamos aplicando critérios muito próprios de nossa
sociedade: poder, imponência das edificações, retórica dos pregadores,
ativismo. Para o texto a ‘nota ecclesiae’ é guardar a palavra e sua imediata
implicação: Não negar seu nome. Até que ponto uma comunidade que se torna
uma potência não esta negando seu Senhor? Cada pregador deve descobrir o
que em seu meio significa: negação de Jesus Cristo.
d) Outra dificuldade que a comunidade encontrara será quanto à parusia de
Cristo. Não se pode negar que a vinda de Cristo foi descrita com cores vivas e
com imagens presas ao mundo contemporâneo do autor. Cabe ao pregador
falar com muita sobriedade do futuro de Deus que na ressurreição de Jesus
Cristo teve seu início. Lá Deus manifestou sua soberania sobre a morte e sobre
todos os poderes destruidores, criando do nada algo novo. A esperança cristã -
que na época de advento recebe atenção especial - é esperança no Deus que
cria algo novo que é o alvo da história.
2.1.2 - Sobre a Prédica
Talvez se deva partir do pensamento central e excluir alguns detalhes. Quase
se impõe como tópico principal: pouca força” da comunidade. Esta pouca
potencialidade, a comunidade recebeu. Sabe lá que pregadores, que recursos,
que classe de pessoas a constituíam. Aceitar isto já e louvável porque
corresponde ao caminho seguido por seu Senhor em sua encarnação. A pouca
força também não legitima qualquer fuga para outros grupos ou potências, cuja
contribuição aparentemente é mais influente na sociedade.
O recado deste texto é que ainda vale a pena apegar-se à palavra. Onde a
comunidade não tem sua fonte na palavra, ela perde sua contribuição
específica que ela tem a dar. É importante que sejamos convencidos a derivar
toda e qualquer atuação na sociedade da palavra. As maiores atividades
podem ser negação a Jesus Cristo, em vez de testemunho. A existência da
comunidade é examinada por um critério, aparentemente muito conservador
aos nossos olhos: Guardar a palavra e não negar seu nome. Será que nossa
comunidade seria aprovada diante de um exame destes?
Esta é a comunidade que vive no advento, isto é, a ela é prometido o futuro.
Esta pequena comunidade tem participação na vinda do reino definitivo de
Deus. A esperança no futuro definitivo determina seu presente de lutas e
provações. Esta esperança leva a comunidade a viver a promessa de uma
nova cidade. A esperança e o futuro em Deus vão determinar nossos planos e
projetos parciais. Apenas a comunidade que presta este testemunho será
ouvida quando falar do novo céu da nova terra.

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