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ARTIGOS

Amizade na adolescência e a entrada na


universidade1

Friendship in adolescence and college admission

Suellen Ibrahim Peron


Graduanda em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo
Horizonte, MG, Brasil

Luisa Schivek Guimarães


Graduanda em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo
Horizonte, MG, Brasil

Luciana Karine de Souza*


Docente da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG,
Brasil

RESUMO
O presente estudo investigou o relacionamento de amizade em jovens que
recém-ingressaram na universidade. Os aspectos estudados da amizade
foram: freqüência de amizades, presença de melhor amizade, origem,
duração, influências de outros contextos de interação (família, romance,
escola), freqüência de contato e presença de melhores amizades extras.
Integraram a amostra 24 estudantes com idade entre 16 e 17 anos,
regularmente matriculados em cursos de graduação na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, envolvendo diversas áreas do
conhecimento. O estudo procura contribuir para uma melhor compreensão
desta fase peculiar da vida de alguns adolescentes – o ingresso na
universidade. Além disso, abre possibilidades para futuras investigações que
promovam um melhor entendimento sobre este tema de pesquisa e de
intervenção.
Palavras-chave: Amizade, Adolescente, Universidade, Desenvolvimento.

ABSTRACT
This study investigated friendship in youngsters that had just been admitted
into college. The friendship aspects under study were: frequency of friends,
presence of a best friend, origin, duration, influence from other contexts of
interaction (family, romance, school), frequency of contact and presence of
extra-best friends. The sample was composed of 24 adolescents, from 16 to
17 years-old, registered in major courses at Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, in Porto Alegre, south of Brazil, comprising diverse areas of
knowledge. The study aims at contributing to a better understanding of this
peculiar life-phase for some adolescents – admission into college. In addition
to that, this study brings about possibilities concerning future investigations
that evince a better understanding about this research and intervention
topic.
Keywords: Friendship, Adolescent, College, Development.

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ISSN: 1808-4281
ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 10, N.3, P. 664-681, 3° QUADRIMESTRE DE 2010
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De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a
adolescência diz respeito ao período compreendido entre 10 e 19
anos de idade (MARTINS; TRINDADE; ALMEIDA, 2003). No Brasil, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (1990), no entanto,
estabelece o período da adolescência entre 12 e 18 anos. Na
literatura científica internacional é possível notar a menção à
adolescência até os 21 anos de idade, correspondendo
aproximadamente ao final do período universitário conhecido como
college nos Estados Unidos. A despeito dos marcadores cronológicos
escolhidos para delimitar o início e o final da adolescência, esta fase é
a mais recente incluída nos estudos em desenvolvimento humano,
ainda apresentando discrepâncias em torno de suas características
principais. Desse modo, a adolescência é uma etapa da vida que
merece atenção e investigação redobradas por parte de profissionais
da saúde, dentre eles o psicólogo.
Segundo Martins, Trindade, Almeida (2003), a adolescência refere-se
à fase na qual ocorrem diversas mudanças de âmbito biológico, social
e cognitivo. Stanley Hall é apontado como um dos primeiros
estudiosos desse período, sendo considerado “o pai da Psicologia da
Adolescência”. Para S. Hall trata-se de uma época tempestuosa da
vida, oriunda de tendências contraditórias: energia, exaltação,
superatividade, de um lado; indiferença, letargia e desprezo, de outro
(MARTIN; TRINDADE; ALMEIDA, 2003).
Na análise de Ozella (2002), a adolescência passa a ser considerada
um período especial no processo de desenvolvimento humano com a
idéia de Erik Erikson sobre a confusão de papéis e dificuldade de
estabelecer identidade, característicos desta fase. Para Erikson
(1976), os progressos tecnológicos ocasionaram um aumento entre o
começo da vida escolar e o acesso ao trabalho especializado, o que
fez com que a adolescência fosse concebida como um período
acentuado e consciente. Assim, essa fase alcançou um estilo de vida
típico entre a infância e a idade adulta.
Ariès (1981), na obra “História Social da Criança e da Família”,
aborda a demarcação científica fornecida às fases da vida, afirmando
que, na verdade, trata-se de marcadores artificiais para naturalizar as
“idades da vida”. Segundo o autor, a adolescência – cuja noção surge
no séc. XVIII e como termo apenas no XX – é um período histórica e
socialmente construído, com características ímpares a depender da
cultura na qual o sujeito se insere. Na letra de uma canção do séc.
XX, Ariès observa que o adolescente é descrito como um indivíduo
dotado de “pureza (provisória), força física, de naturismo, de
espontaneidade e de alegria de viver que faria do adolescente o herói
do nosso século XX, o século da adolescência” (p. 46).
Anna Freud também atribuiu importância à adolescência,
considerando-a como um estágio do desenvolvimento humano de
relevância para a formação do caráter do indivíduo. Assim como para
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S. Hall e para Erikson (1968/1976), a autora concebe o período em
questão como caracterizado por turbulências (MARTINS; TRINDADE;
ALMEIDA, 2003). No entanto, Ozella (2002) questiona a concepção
de que a adolescência é um período marcado por conflitos. Para este
autor não se trata de uma fase natural e universal do
desenvolvimento humano, mas de um momento de vida significado,
interpretado e criado historicamente pelos homens. Tal significação e
interpretação ocorrem a partir de marcadores biológicos e fisiológicos
que a sociedade destaca e que não são focalizados em outros
momentos da vida, mesmo quando presentes. Essa representação da
adolescência depende diretamente da cultura e das classes sociais
nas quais os indivíduos se inserem. Apesar da divergência teórica
entre Erikson (1976) e Ozella (2002), ambos defendem que a
adolescência tem origem no adiamento do ingresso no mercado de
trabalho e na conseqüente extensão do período escolar, geradas por
uma sociedade de funcionamento capitalista. Portanto, é possível
concluir que algumas idéias propostas de Erikson refletem ainda
tendências atuais em desenvolvimento humano.
Outro autor que apresentou uma perspectiva crítica em relação à
concepção tradicional de adolescência foi Bandura (apud GÜNTHER,
1996). Para Bandura muitas das suposições negativas sobre esse
período se originam do sensacionalismo da mídia e de generalizações
inapropriadas feitas a partir de amostras clínicas de comportamentos
incomuns. Assim, estes comportamentos devem ser vistos como
resultantes de experiências ambientais, e não como características
típicas de uma fase conturbada.
Há atualmente uma nova tendência no meio acadêmico em perceber
a adolescência não mais como um período de turbulência para o
jovem, mas sim para seus pais. Muito da representação deste período
da vida como uma fase marcada por crises teve origem em uma visão
adultocêntrica, ou seja, uma visão do jovem a partir dos valores e
expectativas dos adultos (OZELLA, 2002). Rayou (2005) ressalta a
importância de adotar uma posição menos adultocêntrica ao estudar
assuntos referentes à experiência de crianças e jovens,
principalmente ao entrevistá-los, pois há o risco de direcionar as
respostas dos entrevistados. Na pesquisa de Rayou (2005), através
da qual se permitiu que os adolescentes falassem à vontade na
entrevista, o tema da amizade ocupou quase a totalidade do
conteúdo expresso.
Martins, Trindade, Almeida (2003) compararam as representações
sociais de adolescentes de zona urbana e rural sobre esta fase da
vida. Nos resultados, notou-se que a discrepância encontrada entre
as amostras sobre a concepção de adolescência ocorreu em virtude
do caráter historicamente construído deste período da vida.
De acordo com Marques (1993), as relações românticas, de amizade
e de família são as mais representativas das várias dimensões que
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pode assumir o conceito de intimidade. No entanto, ainda não há um
consenso em relação ao que caracteriza uma relação íntima. Para
Erikson (apud MONSOUR, 1992), por exemplo, o contato sexual é
uma manifestação central da intimidade nas relações com as pessoas
do sexo oposto, enquanto para Sullivan (apud MONSOUR, 1992) o
contato sexual é uma questão separada da intimidade.
Cordeiro (2006) considera a intimidade como uma “relação emocional
caracterizada pela concessão mútua de bem-estar, pelo
consentimento implícito para revelação de assuntos privados,
podendo envolver a esfera dos sentidos (toque, proximidade do
corpo, etc.) e pela partilha de interesse em atividades comuns”. Para
esse autor, é na adolescência que as verdadeiras relações de amizade
baseadas na intimidade emergem, na medida em que nessa fase há
uma maior capacidade em expressar valores, como, por exemplo, a
honestidade. Estudiosos salientam a diferença de sexo na vivência de
relações desse nível, afirmando que, na metade da adolescência, as
meninas demonstram mais aptidões para o estabelecimento dessas
relações íntimas (JONES; DEMBO apud CORDEIRO, 2006; SULLIVAN,
1953). Alguns estudos estruturam o conceito de intimidade/amizade
íntima na adolescência em oito dimensões. São elas: sinceridade e
espontaneidade, sensibilidade e conhecimento, vinculação,
exclusividade, dádiva e partilha, imposição, atividades comuns,
confiança e lealdade (SHARABANY, 1994). Como argumentado por
Pereira e Garcia (2007), as amizades são as principais fontes de
intimidade na adolescência.
Minto, Pedro, Netto, Bugliani e Gorayeb (2006) argumentam que o
estudo das relações de amizade na adolescência é de grande
importância visto que o afastamento da família por parte dos jovens e
o estreitamento dos laços com os pares é uma importante
característica deste período. As mudanças sociais, políticas, culturais
e econômicas ocorridas nos últimos anos do século passado e no
início do presente século motivaram novas configurações sociais: os
papéis sociais tornaram-se mais permeáveis e propícios a mutações.
Tais mudanças trouxeram certa instabilidade geradora de angústia
nos adolescentes, por não compreenderem o seu lugar social. Esta
pode ser a razão para o aumento da importância dos pares em
detrimento da família, na medida em que eles compartilham tal
situação e proporcionam apoio emocional (PEREIRA; GARCIA, 2007).
De acordo com Erikson (1976), há uma tendência de os jovens
ajudarem uns aos outros formando turmas e estereotipando-se a si
próprios, seus ideais e seus inimigos, além de testarem
insistentemente a capacidade para a lealdade.
Araújo e Gomes (1998) investigaram as expectativas de adolescentes
de Porto Alegre (RS) em relação aos efeitos do álcool. Observou-se
que os adolescentes pertencentes ao padrão que utiliza álcool com
maior freqüência normalmente compartilham esse uso com o grupo
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de amigos, e que beber faz parte da amizade. Além disso, os efeitos
da ingestão de bebidas alcoólicas podem atuar como facilitadores da
aceitação pelo grupo de amigos, especialmente para os adolescentes
incluídos neste padrão. Os resultados mostraram ainda que no
padrão em que não há uso de álcool, os entrevistados saem com
amigos que também não bebem. Segundo os autores, os
adolescentes se influenciam mutuamente, modelando o
comportamento de beber, já que o grupo se apresenta como uma
fonte de entretenimento, gratificação e validação de status para estes
jovens que lutam por aceitação no mundo adulto.
Pereira e Garcia (2007) conduziram uma investigação sobre a
influência da amizade na escolha profissional com 96 adolescentes
com idades entre 15 e 18 anos, estudantes do 2º ano do ensino
médio de uma escola particular de Vitória (ES). Dentre os principais
resultados, notou-se uma grande participação dos amigos na escolha
da profissão, embora esta influência tenha sido relatada como pouco
percebida pelos participantes. Na visão dos autores, é possível supor
que essa participação dos amigos esteja relacionada a uma
cooperação entre pares na busca de uma profissão. A natureza desse
objetivo sofreria, dessa forma, uma influência maior de pessoas que
estão situadas em uma posição hierarquicamente superior em relação
ao desenvolvimento profissional, como os pais e professores. Assim,
a cooperação dos amigos consiste na troca de informações sobre
carreiras e cursos, opiniões sobre as opções selecionadas pelos
estudantes e apoio social mútuo, principalmente em aspectos
emocionais do processo de escolha profissional.
São ainda escassos os estudos brasileiros que investigam
especificamente a amizade na adolescência. Pylro (2007), por
exemplo, abordou a influência do uso da Internet sobre as amizades
de adolescentes de Vitória (ES), observando que a Internet é um
“instrumento para aglutinar, reordenar e delimitar grupos de amigos
que já se conheciam pessoalmente e passaram a construir um
sentimento de maior proximidade” (p. 5). Lema (1997) investigou a
amizade na fase final da adolescência em 388 universitários de Porto
Alegre (RS) com idade entre 17 e 21 anos. Mais especificamente, a
autora estudou a intimidade e a competência em dar apoio,
comparando relações de amizade com relações entre pessoas
conhecidas. Dentre as principais conclusões, Lema (1997) encontrou
que a intimidade exerce forte impacto sobre a habilidade de apoiar os
amigos. Também Silva et al. (2004) dedicaram-se sobre amizade em
adolescentes, focalizando o número de amigos. Estes autores
notaram, em adolescentes de 11 a 18 anos, que as meninas tem
entre dois e três amigos íntimos, ao passo que os meninos possuem
quatro ou mais amigos deste tipo.
Entende-se amizade como uma interação diádica recíproca e íntima,
iniciada por livre escolha e marcada por um forte componente afetivo.
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Tal interação tem, como principais funções, a promoção de afeto,
intimidade e segurança. Além disso, a amizade também pode ter
influência positiva na aprendizagem de crianças e adolescentes, na
medida em que, a partir da geração de sentimentos e experiências
que possibilitam certa redução de ansiedade, pode estimular
atividades de exploração do ambiente e de novos conteúdos. As
relações de amizade têm crucial importância, também, no que diz
respeito ao desenvolvimento de habilidades sociais como cooperação
e resolução de conflitos (LISBOA; KOLLER, 2003).
O estreitamento dos laços com os pares na adolescência é observado
também no início da vida universitária. Segundo Pagotti e Pagotti
(2005), no ingresso na universidade os laços familiares se fragilizam
e a busca por novidades (inclusive amigos e afetos) é mais
acentuada. O jovem adulto (de 18 a 25 anos) vivencia desafios de
integração que são importantes para o desenvolvimento da
autonomia e da intimidade (MOREIRA, 2007). Nesse sentido, a
pesquisa sobre as relações de amizade íntima no contexto da vida
dos adolescentes e jovens ingressantes na universidade faz-se
necessária. Trata-se de relacionamentos determinantes na construção
da identidade do indivíduo e na construção de seus ideais, valores e
objetivos para a vida adulta, além do sentimento de pertença e da
auto-estima (CORDEIRO, 2006).
O ingresso no ensino superior possui, no Brasil, um significado
importante para muitos adolescentes, a ponto de ser considerado,
por alguns autores, como um rito de passagem da adolescência para
o início da vida adulta (SILVA; SOARES, 2001). A literatura brasileira
sobre a entrada na universidade é extensa, e foge ao presente
objetivo citá-la. No entanto, dois trabalhos exemplificam o papel das
relações de amizade nos adolescentes que ingressam no ensino
superior. Igue, Bariani e Milanesi (2008) perceberam, no contato com
203 universitários do Estado de São Paulo, que o âmbito interpessoal
da vida do ingressante, especialmente sua integração social, afeta
diretamente seu compromisso com a instituição e com os estudos
universitários. Portes (2001) analisou cinco estudantes de graduação
de origem humilde sobre sua vida acadêmica na Universidade Federal
de Minas Gerais. O autor observou preconceito de colegas frente à
condição financeira difícil dos cinco estudantes, com melhores
condições de fazer amizade com indivíduos de condição financeira
semelhante ou de outras minorias sociais. Acima de tudo, os
participantes do estudo de Portes (2001) salientaram a importância
de se ter pelo menos um amigo que seja confidente sobre os
momentos difíceis da trajetória acadêmica.
Para Carbery e Buhrmester (1998), dentre as fases da vida definidas
como celibatária (indivíduos solteiros e não comprometidos
seriamente com parceiro romântico), marital (casal sem filhos) e
parental (casal com filhos pequenos), a amizade tem sua fase de
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maior significância funcional na rede de relacionamentos na primeira
delas. Isso ocorre devido ao fato de que, na fase celibatária da
adultez jovem os amigos são fontes primárias de apoio social,
companheirismo e confidências.
Rawlins (1992) afirma que o ingresso na universidade exige da
pessoa uma adaptação emocional para poder construir um novo
sistema de apoio social e renegociar os relacionamentos com a
família e com as amizades pré-existentes à faculdade. Para o autor,
este período de transição para a adultez é chamado de período
universitário (dos 17 aos 22 anos de idade). Nesta etapa, os
estudantes são formalmente educados para a futura profissão;
experimentam, em conjunto, alternativas de carreira e de estilos de
vida, no encontro destes com os próprios relacionamentos pessoais e
valores; e estão com as faculdades físicas e mentais no pico de suas
capacidades. Em outras palavras, vivenciam juntos desafios e dúvidas
semelhantes, tanto sociais como intelectuais, e uma grande
expectativa quanto ao que a vida adulta trará após a universidade
(Levinson apud RAWLINS, 1992). Assim, o período universitário é
favorável à formação de amizades intensas e estimulantes, na
concepção de Rawlins (1992).
Em uma pesquisa que investigou as preocupações mais freqüentes
em jovens universitários de Uberlândia (MG) com idade entre 17 e 22
anos, observou-se a importância dos laços afetivos nessa fase. Mais
da metade dos estudantes manifestou temer a perda de um amigo e,
além disso, a dor existencial de “não ter amigos” também apareceu
como preocupação na amostra (PAGOTTI; PAGOTTI, 2005). Essa
preocupação é pertinente na medida em que não ter amigos íntimos
é uma fonte significativa de estresse, como também foi apontado por
Marques (1993).
Oliveira e Costa (1995) propuseram a adolescentes de Belo Horizonte
(MG) a elaboração de um dilema que tinham vivenciado e de um
dilema que tinham observado na vida de outra pessoa. Todos os
dilemas produzidos foram categorizados, resultando três grupos:
dilemas morais (classificados em individuais, interpessoais e sociais),
dilemas emocionais e dilemas racionais. Os dilemas morais
interpessoais vividos pelos próprios estudantes foram os mais citados
(94%), com maior freqüência no tema familiar (65%), seguido pelo
grupo de pares (29%), no qual foram incluídos amigos e namorados.
Já dentre os dilemas morais interpessoais observados na vida de
outras pessoas, os amigos e colegas foram citados em 76% dos
dilemas elaborados. Na visão de Oliveira e Costa (1995), “o amigo
apareceu predominantemente como a pessoa que vive problemas
capazes de despertar empatia por parte do outro, mais do que como
agente desencadeador de conflitos” (p. 88).
A literatura empírica estrangeira é extensa sobre amizade em
adolescentes. Tradicionalmente é conhecido que as amizades de
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crianças mais velhas e de adolescentes incluem aspectos mais
abstratos, como lealdade, confiança e intimidade, requerendo
interesses em comum e comprometimento, tanto para manter os
amigos como para que se formem novas amizades, além de
competição e conflitos (BUKOWSKI; NEWCOMB; HARTUP, 1989,
1996). Como exemplo de pesquisa mais recente, o trabalho de Poulin
e Pedersen (2007), que investigou diferenças de gênero na amizade
de adolescentes durante cinco anos (da 6ª à 10ª série), encontrou
que o crescimento identificado na proporção de amizades de sexo
oposto foi bem maior nas meninas. Além disso, chamou a atenção o
resultado de que, tanto para meninos como para meninas, ao se ter
uma amizade com uma menina recebe-se mais ajuda do na amizade
com um indivíduo do sexo masculino.
O presente estudo tem por objetivo investigar o relacionamento de
amizade em 24 jovens que recém ingressaram na universidade. Os
aspectos investigados da amizade foram os mesmos abordados na
pesquisa conduzida anteriormente por Souza e Hutz (2007a, 2007b),
a saber: número de amizades, presença de melhor amizade, origem,
duração, influências de outros contextos de interação (família,
romance, escola), frequência de contato e presença de outras
melhores amizades.

Método
Participantes
Integraram a amostra deste estudo 24 estudantes regularmente
matriculados em cursos de graduação na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, em Porto Alegre (RS), envolvendo diversas áreas do
conhecimento, sendo 37,5% estudantes de administração, 21% de
pedagogia, 21% de letras e 20,5% de outros cursos. Os participantes
têm 16 e 17 anos de idade, com média de 16,91 anos (Desvio Padrão
= 0,28). Todos cursam o primeiro período da graduação e residem na
capital gaúcha. Quanto ao sexo dos indivíduos que compuseram a
amostra, 14 são do sexo feminino (58%) e 10 do sexo masculino
(42%). Em relação ao estado civil, 54% dos participantes são
solteiros e 46% estão envolvidos em um namoro ou noivado.
Outros dados sociodemográficos coletados com os participantes
foram: 92% mora com familiares e 4% mora sozinho; 12,5% residem
com 1 pessoa, enquanto 83,5% com 2 a 4 pessoas; 29% freqüentam
outros cursos (por exemplo, escola de idiomas); 46% praticam
atividades físicas; 33% são sócios de clubes ou associações; 92%
possuem hobby ou lazer; 79% são católicos e 33% do total da
amostra praticam sua religião.

Instrumentos
No presente estudo foram analisados os dados coletados com os
instrumentos Questionário Sócio-demográfico (QSD), Questionário
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Introdutório de Amizade (QIA) e Questionário Complementar de
Amizade (QCA). O QSD requer do participante dados como sexo,
idade, estado civil, atividade remunerada, número de irmãos, pessoas
com quem reside, religião, lazer, etc. O QIA solicita a indicação de
até dez amizades mais próximas, situando-as em termos de sexo,
cidade de residência e a indicação de uma melhor amizade. O QCA
apresenta questões específicas sobre esta melhor amizade do
participante, como duração, origem, distância geográfica, frequência
de contato, tipo de relacionamento atual com este melhor amigo,
conhecimento dele sobre o status de melhor amizade, e indicação de
amizades extras. Ao final do QCA, há a seguinte questão aberta:
“Existe algum aspecto da amizade que em sua opinião é importante e
que não foi mencionado neste questionário? Por que este aspecto é
importante?”.

Procedimentos
A coleta de dados foi realizada utilizando-se um conjunto de
questionários organizados para uma investigação anterior, conduzida
para o estudo de amizades em jovens adultos com idade mínima de
18 anos (SOUZA; HUTZ, 2007a, 2007b). Contudo, 24 estudantes de
16 e 17 anos de idade foram excluídos daquela pesquisa, mas foram
analisados na presente oportunidade.
Todos os questionários foram aplicados seqüencialmente e
respondidos pelos universitários participantes, em um período pré-
determinado e comum às aulas. O tempo necessário para
apresentação dos objetivos da pesquisa, distribuição dos
questionários, do termo de consentimento livre e esclarecido,
preenchimento e recolhimento destes foi de cerca de 40 minutos.

Análise dos dados


Estatísticas descritivas simples foram conduzidas para levantar os
resultados dos questionários aplicados. Quando pertinente,
comparações quanto ao sexo do participante foram calculadas (testes
t e de qui-quadrado), na expectativa de diferenças de gênero nas
variáveis estudadas, como mencionado pela literatura.
Para a análise da última questão do Questionário Complementar de
Amizade, foi feita uma leitura livre para familiarização das respostas
e concomitante digitação das mesmas. Em seguida, foi feita uma
identificação, por dois avaliadores independentes, de unidades
temáticas nas respostas à última questão do instrumento, que
possuíam semelhança em conteúdo com os Questionários McGill de
Amizade (SOUZA; HUTZ, 2007a) e com o Questionário Complementar
de Amizade. Estas unidades temáticas foram agrupadas em
categorias mediante análise de conteúdo, seguindo critérios sugeridos
por Bardin (1977). As unidades temáticas cujos conteúdos se
aproximaram àqueles abordados nas escalas dos questionários McGill
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foram organizadas em categorias de mesmo nome das escalas.
Foram elaboradas categorias cujo conteúdo não se assemelha aos
Questionários McGill e Complementar, abordando aspectos não
mencionados anteriormente pelos instrumentos. Houve consulta a um
terceiro avaliador em casos de discordância no processo de
julgamento e busca de consenso na construção das categorias.
Finalmente, foi efetuado o cálculo das freqüências de respostas em
todas as categorias elaboradas.

Resultados
Primeiramente serão expostos os dados relativos às amizades
próximas. Logo após são apresentados os dados sobre a melhor
amizade, seguidos dos resultados referentes às amizades extras e às
respostas relativas às perguntas qualitativas.
A Tabela 1 apresenta as médias e desvios-padrão para o total de
amizades próximas, para amigos próximos do sexo masculino, do
sexo feminino, incidência de amizades que moram na mesma cidade,
a média da freqüência de contato semanal com estas amizades
(muito freqüentemente, freqüentemente, de vez em quando e
raramente). Os participantes indicaram um número de amizades
próximas que variou de 2 a 10. Não consta na Tabela 1 a média para
“encontra raramente” (0,87).

Como se pode ver na Tabela 1, a média de amigos homens indicados


foi levemente menor que a média de amigas mulheres indicadas. Por
outro lado, os dados sobre amizades próximas por sexo dos
participantes foram os seguintes: as mulheres indicaram uma média
de 8,7 amigos próximos (DP = 2,2), apresentando uma média de
2,71 amizades do sexo masculino (DP = 1,3) e uma média de 5,35
amizades do sexo feminino (DP = 1,9); já os homens indicaram uma
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média de 6,4 amigos próximos (DP = 2,7), apresentando uma média
de 4,0 amizades do sexo masculino (DP = 1,7) e uma média de 2,4
amizades do sexo feminino (DP = 1,9).
Diferenças significativas foram encontradas para amizades próximas
de mesmo sexo, ou seja, tanto os participantes homens como as
mulheres possuem mais amizades próximas de mesmo sexo: t (24) =
-2,04 (p = 0,0053); e t (24) = 3,57 (p = 0,002), respectivamente
(os cálculos com testes não-paramétricos confirmaram este
resultado). Não foram encontradas diferenças significativas em
relação ao tempo de duração da melhor amizade, na medida em que
as mulheres apresentaram uma média de 6,92 anos (DP = 5,04) e os
homens apresentaram uma média de 6,10 anos (DP = 4,43).
Foi solicitado aos participantes que indicassem se possuíam uma
melhor amizade. Caso a resposta fosse negativa, o mesmo deveria
responder às perguntas referentes à melhor amizade de acordo com
a pessoa que escolheria se tivesse que indicar alguém como melhor
amigo. Setenta e nove por cento dos participantes responderam que
possuíam uma melhor amizade, enquanto 21% responderam que não
possuíam. Quanto ao tempo de duração da melhor amizade em anos,
foi encontrada uma média de 6,58 anos (DP = 4,71) para o total da
amostra. A Tabela 2 apresenta as porcentagens relativas aos dados
encontrados sobre melhor amizade: sexo do melhor amigo, origem
da amizade, tipo de relacionamento atual e conhecimento do status
da amizade.

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Alguns dados não constam na Tabela 2. A porcentagem de melhores
amizades que residem na mesma cidade que o participante alcançou
67%. Outros tipos de relacionamento atual com este melhor amigo
foram citados, numa porcentagem de 4. Outras origens da melhor
amizade também foram observadas, resultando em 17%.
Em relação ao conhecimento de status, ou seja, se o melhor amigo
sabe que é considerado como tal, não houve diferença significativa
entre homens e mulheres, segundo o cálculo do qui-quadrado. Isto
ocorreu porque dez participantes do sexo feminino e sete do sexo
masculino afirmaram que a melhor amizade sabe do status. Já os
resultados referentes à média de contatos semanais com o melhor
amigo foram: 2,5 (DP = 2,28) para contato face-a-face; 2,79 (DP =
2,41) para contato por telefone; 1,31 (DP = 1,98) para contato por
e-mail.
Ao responder o questionário, os participantes deveriam, ainda, indicar
se possuíam outras pessoas que consideravam como melhor amigo,
além daquela indicada anteriormente. A quantidade de amizades
extras indicadas variou de 1 a 6, sendo que 25% dos participantes
indicou mais uma melhor amizade extra e 21% indicou mais três. A
média total de amizades extras indicadas foi de 2,50 (DP = 1,76),
enquanto a média de amizades extras do sexo feminino indicada foi
de 1,62 (DP = 1,49) e a do sexo masculino foi de 0,87.
No início do questionário, havia uma pergunta aberta na qual os
indivíduos que compuseram a amostra deveriam responder se
possuíam um hobby ou lazer preferido e, caso a resposta fosse
afirmativa, deveriam indicar qual era. Os resultados, categorizados de
acordo com o tipo de atividade indicada e a freqüência com que cada
um apareceu, foram os seguintes: as categorias esportes (exemplo:
futebol), leitura e praticar artes (exemplo: canto) tiveram uma
freqüência de seis respostas; as categorias ouvir música e sair (por
exemplo, com os amigos), apresentaram uma freqüência de cinco
indicações; as categorias conversar (por exemplo, ao telefone), jogar
(exemplo: RPG), namorar e televisão foram citadas com uma
freqüência de duas vezes; por fim, a categoria dormir foi apontada
apenas uma vez.
Como já referido, havia também, no final do questionário, uma
pergunta qualitativa na qual o participante deveria escrever se existia
algum aspecto importante da amizade que não havia sido
mencionado anteriormente. As respostas a esta pergunta foram
categorizadas e tiveram suas frequências calculadas. A categoria
mais citada foi aliança confiável, com uma freqüência de quatro
respostas, seguida da categoria intimidade, que foi apontada três
vezes. As categorias distância relacional, respeito e aceitação,
tiveram uma frequência de duas respostas, enquanto as categorias
possibilidade de melhor amizade exclusiva, dedicação, laços fortes e
origem e manutenção da amizade tiveram a freqüência de apenas
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uma indicação cada.

Discussão
Em um primeiro momento são debatidos os resultados sobre as
amizades próximas. Posteriormente são discutidos os achados para
as melhores amizades, seguidos da discussão dos dados encontrados
sobre as melhores amizades extras. Por fim, serão comentados os
dados qualitativos relacionados aos aspectos importantes da amizade
e às categorias de hobby/lazer que foram apresentados pelos
participantes.
Como encontrado por Souza e Hutz (2008), em uma pesquisa feita
com adultos, os resultados mostraram uma predominância
significativa de indicações de amizades próximas de mesmo sexo. Um
resultado interessante do presente trabalho e que contraria a
literatura prévia – no caso, o estudo de Silva et al. (2004) – foi um
maior número de amizades próximas nas meninas (média de 8,7) do
que nos meninos (média de 6,4). Um terceiro estudo será necessário
para se poder concluir sobre a tendência para quantidade de
amizades próximas em adolescentes brasileiros.
Os dados sobre a média de amizades próximas segundo a freqüência
de contato semanal (muito freqüentemente, freqüentemente, de vez
em quando e raramente) permitem a inferência de que um contato
freqüente tem grande importância em uma amizade para os
adolescentes “calouros”. A média de amizades próximas com que os
participantes têm raro encontro face-a-face foi pequena em relação
às demais modalidades de contato.
O presente estudo também não apresentou diferença
estatisticamente significativa nas médias de tempo de melhor
amizade para homens e para mulheres, da mesma forma como
ocorreu no estudo de Souza e Hutz (2008). No entanto, ao contrário
do último, o presente trabalho encontrou uma média levemente
maior dentre as meninas.
Ainda em relação ao estudo citado com adultos-jovens, o tempo
médio de duração da amizade dos adolescentes “calouros”, em anos
(mulheres = 6,92; e homens = 6,10), foi menor que o tempo médio
de melhor amizade encontrado no trabalho com adultos (mulheres =
8,5; e homens = 9,1). Não tendo sido encontrada literatura que
explique a diferença entre tempo de melhor amizade na adolescência
(dados do presente estudo) e na juventude e adultez jovem (dados
do estudo de Souza e Hutz), é possível, no entanto, construir uma
hipótese-explicativa. O fato de que a amostra do presente estudo é
constituída por participantes com menos tempo de vida pode explicar
tal diferença.
Mesmo sendo a busca por novas amizades e afetos uma característica
específica da entrada na universidade (PAGOTTI; PAGOTTI, 2005), os
resultados obtidos mostraram uma manutenção dos vínculos que
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foram estabelecidos antes dessa entrada. Como visto, 46% dos
participantes apontaram, como melhor amigo, um ex-colega de
colégio e apenas um participante apontou um colega de faculdade
(porém, o havia conhecido no colégio). Estes dados podem ter sido
encontrados devido ao fato de que todos os participantes cursavam o
primeiro período (semestre) do curso de graduação. Assim, tiveram
poucos meses de contato com os colegas de faculdade. De qualquer
forma, os resultados aqui descritos demonstram que, mesmo após o
ingresso na universidade, há uma manutenção de vínculos
estabelecidos antes do início do curso. Já quanto à freqüência de
contato semanal com o melhor amigo, observou-se que apesar de
atualmente o acesso à Internet ser facilitado, o contato por e-mail
não é de grande relevância nas melhores amizades em adolescentes
calouros.
No entanto, aproximando estes dados para frequência de contato
com os encontrados por Pylro (2007), é possível afirmar que a
presente amostra de adolescentes também valoriza mais os contatos
face-a-face ou por telefone, deixando a Internet como um meio
secundário às amizades mais íntimas. A este respeito, Sant'Anna
(2007), ao examinar o papel mediador do telefone celular nas
amizades de adolescentes, percebeu que o celular eleva o nível de
proximidade entre os amigos, além de favorecer o planejamento de
atividades compartilhadas. De fato, no presente trabalho a maior
média do tipo de contato com a melhor amizade foi com o uso do
telefone, corroborando os resultados recentes do estudo de 2007.
Curiosamente, apesar de 71% dos participantes afirmarem que a
amizade teve origem no colégio, apenas 46% da amostra afirmou
que o relacionamento atual com o melhor amigo é de ex-colega de
colégio. É possível inferir, portanto, que parte das melhores amizades
que surgiram no colégio têm outro tipo de relacionamento atual com
o participante, o que sugere a manutenção de atividades comuns
entre amigos.
Confirmando os achados de Minto et al. (2006), referidos na
introdução, os jovens pouco a pouco se afastam da família, levando a
um estreitamento de laços com os pares. Como se pôde constatar,
somente um participante indicou um familiar como melhor amigo. A
maioria dos participantes (71%) afirmou que o melhor amigo sabe de
seu status na “pirâmide das amizades”, assim como encontrado na
pesquisa realizada com adultos (SOUZA; HUTZ, 2008), na qual a
porcentagem foi de 66,7%.
Em relação às melhores amizades extras, os dados encontrados no
presente estudo foram semelhantes aos encontrados por Souza e
Hutz (2008). Assim, naquela amostra de jovens adultos encontrou-se
27% de indivíduos que indicaram mais uma melhor amizade extra,
enquanto na amostra de adolescentes calouros a porcentagem foi de
25%. Já a porcentagem de indicações de três melhores amizades
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extras em Souza e Hutz (2008) foi de 17%, enquanto no presente
trabalho foi de 21%.
Considerando-se que as categorias de hobby/lazer referentes a
esportes, sair, conversar, jogar e namorar são atividades que
normalmente envolvem mais de uma pessoa, pode-se afirmar que
são atividades sociais. Como foi encontrado que tais atividades
apareceram com uma freqüência total de 46% na presente amostra,
é possível inferir que atividades realizadas com outras pessoas,
inclusive amigos, são de grande importância para estes “calouros”
adolescentes.
Em relação às respostas qualitativas sobre aspectos importantes da
amizade que não foram mencionados no questionário, observou-se
que, assim como encontrado por Duarte e Souza (no prelo) em
amostra com universitários adultos, a categoria mais mencionada foi
aliança confiável, seguida de intimidade. Nas categorias referentes ao
Questionário Complementar de Amizade, o tema mais mencionado foi
distância relacional. Isso demonstra a importância destas
características em uma amizade, tanto para adultos, como para
adolescentes universitários.
A partir de todos os resultados encontrados, é possível concluir que,
conforme aponta a literatura sobre o tema, a amizade em
adolescentes que acabaram de ingressar na universidade é de grande
relevância, sendo ela principalmente estabelecida antes de tal
ingresso. São necessários novos estudos que investiguem se essa
característica e origem se mantêm em épocas posteriores, ou seja,
períodos medianos e finais da graduação.

Considerações finais
Ao analisar os resultados encontrados, é importante salientar o fato
de que a amostra é pequena, o que gera limitações na interpretação
e generalização dos mesmos. Sendo assim, são necessários novos
estudos que tratem sobre o tema da amizade em “calouros”
adolescentes. Além disso, uma sugestão de pesquisa é comparar a
percepção e qualidade dos relacionamentos de amizade em calouros
adolescentes com estudantes que estejam cursando períodos
intermediários e finais da graduação.
Apesar das limitações relacionadas ao tamanho da amostra, o
presente estudo contribui para uma melhor compreensão desta fase
peculiar da vida de alguns adolescentes – o ingresso na universidade.
Além disso, abre possibilidades para futuras investigações que
promovam um melhor entendimento sobre este tema de estudo.

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Endereço para correspondência


Suellen Ibrahim Peron
UFMG, FAFICH, Depto. de Psicologia, Av. Antônio Carlos, 6627, sala F-4050,
Campus Pampulha, CEP 31.270-901, Belo Horizonte–MG, Brasil.
Endereço eletrônico: suellenperon@hotmail.com
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Luciana Karine de Souza
UFMG, FAFICH, Depto. de Psicologia, Av. Antônio Carlos, 6627, sala F-4050,
Campus Pampulha, CEP 31.270-901, Belo Horizonte–MG, Brasil.
Endereço eletrônico: lucianak@fafich.ufmg.br

Recebido em: 23/06/2008


Aceito para publicação em: 10/03/2010
Acompanhamento do processo editorial: Eleonôra Torres Prestrelo

Notas
*Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande so Sul - UFRGS.
1
O presente texto é resultado da análise de dados inéditos, coletados para os
estudos de doutorado da terceira autora, que agradece o trabalho em iniciação
científica voluntária das duas primeiras autoras sobre os dados referidos, podendo
torná-los públicos. Agradecimentos a M. G. Duarte, à equipe do Grupo de Pesquisa
(CNPq) “Desenvolvimento Humano: Processos Cognitivos e Interacionais” e a C. S.
Hutz. Agradecemos também aos pareceristas desta publicação, cujos apontamentos
colaboraram para a melhoria do trabalho.

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