Notas de Leitura do Livro “Cidades Rebeldes” de David Harvey | A liberdade da cidade | Teoria
e Crítica - 2023.2 | Professor Marcus Fiorito | Amanda Salerno
A liberdade das Cidades A cidade, como expressa o sociólogo urbano renomado Robert Park em seu trabalho, representa a mais sólida e bem-sucedida tentativa do ser humano de remodelar o ambiente ao seu redor conforme seus anseios mais profundos. No entanto, essa criação urbana também implica que, daqui para frente, estamos fadados a viver nesse ambiente que construímos. Em última análise, ao criar a cidade, recriamos a nós mesmos, ainda que de forma indireta e muitas vezes sem compreender plenamente a natureza dessa tarefa. A cidade deve ser avaliada à luz daquilo que eu, você, nós e até mesmo "eles" desejam. Se a cidade não estiver alinhada com essas aspirações, ela precisa ser modificada. O direito à cidade não se limita a um mero acesso ou retorno a cidades tradicionais, mas se manifesta como um direito renovado e transformado à vida urbana. A liberdade da cidade é mais do que o acesso ao que já existe; é o direito de moldar a cidade de acordo com nossos anseios mais profundos. No entanto, como Park sugere, ao remodelar a cidade, também remodelamos a nós mesmos. Portanto, é imperativo que continuamente avaliemos o impacto que essa transformação pode ter sobre nós e os outros durante o processo urbano. Se a vida na cidade se tornar estressante, alienante, desconfortável ou desprovida de motivação, temos o direito de buscar mudanças e recriá-la de acordo com uma visão mais satisfatória. A questão do tipo de cidade que desejamos está intrinsecamente ligada ao tipo de pessoa que desejamos nos tornar. Assim, a liberdade de transformar a cidade de acordo com nossos desejos é, sem dúvida, um dos direitos humanos mais preciosos. No entanto, muitas forças atuam contra o exercício livre desses direitos, dificultando a reflexão devido ao rápido crescimento urbano e à constante evolução histórica e geográfica. Isso pode levar à reconstrução das cidades e de nós mesmos sem plena consciência das razões e das consequências. Tais mudanças podem resultar tanto em bem-estar quanto em alienação. Vivemos em cidades divididas e fragmentadas, caracterizadas por desigualdades sociais acentuadas, exacerbadas pela globalização e pela adoção do neoliberalismo. Essas mudanças são refletidas nas estruturas urbanas que consistem cada vez mais em "fragmentos fortificados". A urbanização desigual, especialmente nos países em desenvolvimento, leva à formação de "microestados" onde bairros ricos têm acesso a serviços exclusivos, enquanto áreas mais pobres enfrentam condições precárias. Notas de Leitura do Livro “Cidades Rebeldes” de David Harvey | A liberdade da cidade | Teoria e Crítica - 2023.2 | Professor Marcus Fiorito | Amanda Salerno “Os bairros ricos são atendidos por toda sorte de serviços, tais como escolas caras, campos de golfe, quadras de tênis e patrulhamento particular 24 horas por dia, que se emaranham entre ocupações ilegais, onde a água é disponível somente em fontes públicas, nenhum sistema sanitário existe, a eletricidade é privilégio de poucos, as ruas se tornam lama quando chove e o compartilhamento dos espaços domésticos é a norma. Cada fragmento parece viver e funcionar autonomamente, atendo-se com firmeza àquilo que foi possível agarrar na luta diária pela sobrevivência.” Essas disparidades urbanas proporcionam o pano de fundo para o conflito social. As cidades nunca foram lugares pacíficos, e as diferenças proliferam de maneira negativa, criando tensões civis. A luta por recursos e território nas cidades gera confrontos, frequentemente resultando em criatividade destrutiva. Migrações, movimentos de elites, deslocamentos e a formação de comunidades marginais tornam as questões de cidadania e direitos difíceis de definir, especialmente diante das forças de mercado e da vigilância estatal. O direito à cidade não se limita ao acesso a estruturas existentes; envolve a transformação ativa da cidade para atender às necessidades coletivas. Portanto, a mobilização social e a luta política e social desempenham um papel fundamental na busca por essa transformação. No entanto, é crucial definir uma visão clara para orientar essa luta, a fim de evitar violência incontrolável. A cidade é um espaço onde nossas ações diárias, engajamentos políticos, intelectuais e econômicos moldam nossa realidade urbana. A cidade também nos molda, tornando desafiador imaginar alternativas enquanto estamos imersos em sua experiência. Assim, a cidade nos fornece oportunidades para criar, refletir e desafiar a ordem estabelecida. O direito à cidade não é um direito abstrato, mas uma parte integrante de nossas práticas diárias, mesmo que não estejamos plenamente conscientes disso. O direito à cidade não é apenas um direito individual; requer esforços coletivos e a formação de direitos políticos coletivos baseados em solidariedades sociais. O neoliberalismo alterou as regras do jogo político, enfatizando a governança em detrimento do governo e colocando os direitos e liberdades acima da democracia. Isso exige que as culturas oposicionistas se adaptem às novas regras e busquem novas formas de desafiar a ordem vigente. A cidade é muito mais do que um conjunto de edifícios e estruturas urbanas; é um espaço onde a vida acontece, onde pessoas de diferentes origens se encontram, interagem e criam. É um palco para a diversidade e a pluralidade de ideias, culturas e perspectivas. Essa característica única da cidade torna o "direito à cidade" uma demanda fundamental, que vai além do acesso aos serviços urbanos tradicionais. Notas de Leitura do Livro “Cidades Rebeldes” de David Harvey | A liberdade da cidade | Teoria e Crítica - 2023.2 | Professor Marcus Fiorito | Amanda Salerno “O direito à cidade não pode ser concebido simplesmente como um direito individual. Ele demanda um esforço coletivo e a formação de direitos políticos coletivos ao redor de solidariedades sociais. No entanto, o neoliberalismo transformou as regras do jogo político. A governança substituiu o governo; os direitos e as liberdades têm prioridade sobre a democracia; (...). Culturas oposicionistas tiveram, portanto, de se adaptar a essas novas regras e encontrar novas maneiras de desafiar a hegemonia da ordem existente. Elas podem ter aprendido a inserir-se em estruturas de governança, por vezes com poderosos efeitos. No entanto, a criação de espaços urbanos comuns e uma esfera pública participativa exige reverter a onda de privatização que caracteriza o neoliberalismo. É essencial imaginar uma cidade mais inclusiva, baseada em diferentes direitos e práticas político-econômicas. O direito à cidade não é um presente; deve ser conquistado por meio de ações políticas. A luta pelo direito à cidade pode ser árdua e demorada, mas é um esforço que merece ser realizado. Como Bertolt Brecht escreveu, muitos elementos, incluindo raiva, tenacidade, ciência e indignação, são necessários para mudar o mundo. “A iniciativa rápida, a reflexão longa, A paciência fria e a infinita perseverança, A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto, Apenas as lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade” Para garantir que o direito à cidade seja respeitado e exercido, as lutas e demandas devem ser visíveis no espaço público. A praça, a rua e os comícios se tornam os lugares onde os movimentos sociais podem representar seus ideais para uma audiência maior. É nesses espaços públicos que as reivindicações são ouvidas e ganham força, transformando-se em uma força que pode influenciar a mudança. Em suma, o direito à cidade é uma demanda vital que exige mobilização social, representação em espaços públicos e a busca por alternativas à ordem neoliberal. Ele é um chamado para a ação e uma luta contínua para criar cidades que reflitam nossos desejos mais profundos e onde todos tenham a oportunidade de viver com dignidade e justiça. A cidade não é apenas um lugar físico; é um espaço onde construímos nossa identidade e moldamos nossa sociedade. Portanto, o direito à cidade é um direito fundamental que merece ser perseguido com determinação e paixão. O arquiteto num contexto de liberdade da cidade O texto destaca a cidade como um espaço de constante transformação e reflexão, moldado pelo desejo humano. O arquiteto, nesse contexto, emerge como um agente fundamental na construção e reconstrução da cidade, capaz de materializar as aspirações e necessidades das pessoas. Alguns dos papéis dos arquitetos, abordados pelo texto: Notas de Leitura do Livro “Cidades Rebeldes” de David Harvey | A liberdade da cidade | Teoria e Crítica - 2023.2 | Professor Marcus Fiorito | Amanda Salerno Reconstrução do Mundo Urbano: O arquiteto é visto como aquele que "refaz o mundo onde vive de acordo com o desejo de seu coração". Essa capacidade de dar forma ao ambiente urbano faz do arquiteto um mediador poderoso entre as visões e necessidades da sociedade e a materialização dessas aspirações no tecido da cidade. Reflexão Sobre a Vida Urbana: O arquiteto é um agente que, ao criar ou remodelar a cidade, deve refletir sobre como as escolhas urbanísticas afetam a vida das pessoas. Isso implica levar em consideração a qualidade de vida, a acessibilidade, a sustentabilidade e a inclusão. Mudança e Transformação: O direito à cidade não se limita a um mero acesso aos recursos urbanos existentes, mas envolve a capacidade de mudar a cidade de acordo com as necessidades e desejos da sociedade. Os arquitetos desempenham um papel-chave nesse processo, promovendo a transformação de ambientes urbanos de acordo com novas visões. Participação e Mobilização: O texto enfatiza que o direito à cidade envolve a participação ativa das pessoas na construção e na transformação dos espaços urbanos. Os arquitetos podem facilitar processos de consulta pública e envolver a comunidade na tomada de decisões urbanísticas. Conflito e Possibilidade: O texto destaca que as cidades sempre foram palcos de conflito e criatividade. O arquiteto tem o desafio de canalizar a criatividade em vez de torná-la destrutiva. É um agente-chave na busca por soluções que promovam a harmonia e a coexistência na cidade. Ou seja, o arquiteto desempenha um papel central na concretização do direito à cidade. Ele é encarregado de criar e remodelar os espaços urbanos, refletir sobre as implicações de suas escolhas e promover ambientes urbanos mais inclusivos, sustentáveis e democráticos. “O que separa o pior dos arquitetos das melhores abelhas é que o arquiteto erige uma estrutura na imaginação antes de materializá-la no solo. É a metáfora, mais do que a profissão do arquiteto, que deveria chamar nossa atenção. A implicação é que nós, individual e coletivamente, fazemos nossa cidade através de nossas ações diárias e de nossos engajamentos políticos, intelectuais e econômicos. Todos somos, de um jeito ou de outro, arquitetos de nossos futuros urbanos.”