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Introdução

DISCIPLINA
INTRODUÇÃO À
NEUROPSICOLOGIA

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Sumário

Sumário
Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
Introdução -------------------------------------------------------------------------------------------------- 4
1 Sistema Nervoso ------------------------------------------------------------------------------------- 4
1.1 Sinapses ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 6
1.2 Organização do Sistema Nervoso ---------------------------------------------------------------------------- 9
2 Áreas Sensoriais------------------------------------------------------------------------------------- 12
2.1 Áreas Relacionadas com a Linguagem -------------------------------------------------------------------- 13
3 Estudos sobre Atenção ---------------------------------------------------------------------------- 14
3.1 Bases Biológicas e Comportamentais do Mecanismo de Atenção -------------------------------- 14
3.2 Tipos de Atenção------------------------------------------------------------------------------------------------ 15
3.3 Desenvolvimento da Atenção: suas relações com a afetividade, vontade, memória e
pensamento 16
3.4 Interação entre Atenção e Afetividade. ------------------------------------------------------------------ 18

4 Relações entre Estimulação, Aprendizagem e Plasticidade Cerebral ---------------- 26


4.1 Como a experiência altera a estrutura cerebral? ------------------------------------------------------ 28
5 Cronobiologia ---------------------------------------------------------------------------------------- 31
5.1 Relações do Sono e Aprendizagem ------------------------------------------------------------------------ 34
5.2 Os Tipos de Sono ------------------------------------------------------------------------------------------------ 38
O sono de ondas lentas------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 38
O sono paradoxal -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 39
5.3 A relação de causalidade entre sono e outros fenômenos ------------------------------------------ 40
6 Memória e Aprendizagem ----------------------------------------------------------------------- 42
6.1 Aspectos biológicos da memória --------------------------------------------------------------------------- 45
6.2 Classificação da Memória------------------------------------------------------------------------------------- 45
6.3 Os Mecanismos Cerebrais da Memória ------------------------------------------------------------------- 47
6.4 Distúrbios na Memória ---------------------------------------------------------------------------------------- 49

7 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) - Um breve resumo-- 50


7.1 Alterações Cerebrais e TDAH -------------------------------------------------------------------------------- 53
Hipofuncionamento do córtex pré-frontal ------------------------------------------------------------------------------------ 58
Hiperfuncionamento do sistema límbico -------------------------------------------------------------------------------------- 59

Referências ------------------------------------------------------------------------------------------------ 61

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Sumário

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Introdução à Neuropsicologia |

Introdução

Introdução
Vamos, aqui, conceituar os elementos básicos do sistema nervoso para
compreensão dos processos complexos como, mente, atenção, consciência,
aprendizagem, memória, fala e pensamento; reconhecer as estruturas do sistema
nervoso e suas principais funções; compreender os conceitos neurológicos para
aplicação em diagnósticos de diferentes dificuldades e necessidades especiais de
aprendizagem

1 Sistema Nervoso
O grande desafio da ciência é compreender a base biológica da consciência e
dos processos mentais pelos quais percebemos, agimos, aprendemos e lembramos.
Um passo evolutivo importante foi a fusão entre o estudo do comportamento - a
ciência da mente e a ciência neural - a ciência do cérebro.

Existe diferença entre cérebro e mente?

➢ O cérebro é uma estrutura localizada no interior do crânio, que pode ser


visualizado e manipulado. Sua arquitetura é caracterizada por diferentes células,
substâncias químicas como neurotransmissores, hormônios e enzimas.

➢ A mente representa a essência do homem, que emerge da existência de


funções mentais que permite a ela pensar e perceber, amar e odiar, aprender e
lembrar, resolver problemas, comunicar-se através da fala e da escrita, criar e
destruir civilizações. Assim, sem o cérebro, a mente não pode existir, sem a
manifestação comportamental, a mente não pode ser expressa.

O sistema nervoso coordena todas as atividades orgânicas, integra sensações e


ideias, conjuga fenômenos da consciência e adapta o organismo às condições de
momento. Seu substrato morfológico e funcional é o arco reflexo e sua constituição
permite que estímulos deflagrem respostas adequadas a cada um destes estímulos.
Ex. estímulos táteis (carícia) podem resultar em um sorriso.

Os neurônios representam a unidade morfológica e fisiológica do sistema


nervoso. São caracterizados por serem capazes de gerar e conduzir energia
eletroquímica (impulso nervoso). Morfologicamente podemos distinguir nos
neurônios as seguintes regiões:

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Sistema Nervoso

• Corpo celular (soma/pericário) - é a “fábrica” do neurônio, o centro


metabólico da célula. Contém diversas estruturas imersas no citoplasma,
dentre elas o núcleo que representa o arquiteto da célula, onde estão os
genes, consistindo de DNA, o qual contém a informação básica para
manufaturar todas as substâncias químicas neurotransmissoras. Em geral do
corpo celular originam-se dois tipos de prolongamentos: o axônio e os
dendritos.

• Axônios - Geralmente cada neurônio possui apenas um único axônio, que


conduz impulsos do corpo celular em direção a outro neurônio ou para um
órgão efetor. Os sinais elétricos conduzidos pelos axônios são denominados
de potencial de ação ou impulso nervoso e podem percorrer distâncias de
alguns milímetros a mais de um metro. Os axônios de muitos neurônios são
envolvidos por uma bainha de mielina. A mielina protege e isola o axônio,
prevenindo a interferência entre axônios à medida que elas passam ao
longo dos feixes e aumenta a velocidade de transmissão do impulso
nervoso.

• Dendritos - geralmente são estruturas curtas que se ramificam como galhos


de uma árvore e representam o principal aparato para recepção de sinais de
outras células nervosas. Eles funcionam como “antenas” do neurônio e são
cobertas por milhares de sinapses.

De acordo com o número de prolongamentos associados ao corpo celular os


neurônios são classificados em:

− Unipolares: um único prolongamento a partir de um polo do corpo celular


(soma).
− Bipolares: tem dois prolongamentos em polos diferentes do corpo celular,
sendo que os dendritos levam informação para a célula e o axônio transmite
essa informação para outras células.
− Pseudo-unipolar: o prolongamento que emerge do corpo celular se divide
em dois, ambos atuando como axônios, um dirige-se para a periferia (pele,
músculos) e o outro dirige-se para a medula espinal.
− Multipolares: tem apenas um axônio e muitos dendritos. Representam o
tipo de neurônio mais comum do sistema nervoso nos mamíferos.
− Bainha de mielina: A bainha de mielina é um revestimento que envolve
alguns tipos de neurônios e é formada a partir da célula de Schwann. A
mielina tem por função proteger o neurônio e, principalmente, fazer com

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Sistema Nervoso

que o impulso nervoso se propague com mais velocidade pelo axônio.

Um neurônio sem mielina conduz o impulso com velocidade de no máximo 2


m/s (cerca de 7 km/k, velocidade de uma pessoa caminhando rapidamente), enquanto
que um neurônio com mielina pode conduzir seu impulso nervoso com velocidade de
até 120 m/s (mais de 430 km/h). Dessa forma, de acordo com a presença de bainha
de mielina, os neurônios se classificam em mielinizadados (mielínicos) e amielínicos.
O processo de mielinização acontece desde a vida intra-uterina e se completa após o
nascimento durante a fase de crescimento e desenvolvimento da criança.

Para se ter uma ideia da importância da mielina, basta observar que enquanto
não se alcança um determinado grau de desenvolvimento do processo de
mielinização neuronal não se aprende a falar ou a andar. A estimulação durante essa
fase é de importância crucial para esse processo.

De acordo com a sua função os neurônios podem ser classificados em:

− Neurônio sensorial (aferente) - recebe estímulos sensoriais do meio


ambiente e do próprio organismo, transformam estes estímulos em impulsos
nervosos e enviam-no ao sistema nervoso central. A região responsável pela
captação do estímulo é denominada de terminação nervosa sensitiva
(receptor), que pode ser sensível a diferentes tipos de estímulos: tato, pressão,
dor, posição, tensão muscular, concentração química, luz e outros estímulos
mecânicos.
− Neurônio motor (eferente) - conduz impulsos nervosos do sistema nervoso
central para um órgão efetor (músculo ou glândula) através de estruturas
denominadas de botões sinápticos (terminais).
− Neurônio de associação (interneurônio) - o corpo deste neurônio está
sempre dentro do SNC, e constitui a maior parte da substância cinzenta do
SNC e seus axônios mielinizados formam grande parte da substância branca.
Apresentam várias formas e tamanhos. Muitos estão diretamente
relacionados à entrada de impulsos aferentes e outros, à saída de impulsos
eferentes. Outros, servem para integrar estímulo sensorial com centros mais
elevados a fim de conduzir resposta motora mais apropriada.

1.1 Sinapses
Os neurônios entrem em contato com outros neurônios, principalmente através
de suas terminações axônicas, passando- lhes informações. Os locais de conexões são

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Sistema Nervoso

denominados sinapses. As sinapses podem ocorrer entre neurônios (axônio e corpo;


axônio e dendrito; axônio e axônio) e podem ocorrer também entre neurônios e
células não neuronais denominada de órgão efetor que podem ser as células
musculares (esqueléticas, lisas e cardíacas) e células secretoras (glândulas).

O impulso nervoso move- se ao longo do axônio, e quando alcança o terminal


axônico do neurônio pré-sináptico, vesículas contendo substância química
neurotransmissor) são liberadas. Estas substâncias provocam reação no neurônio pós-
sináptico que pode ser excitado (capaz de deflagrar o impulso nervoso) ou inibido
(não é capaz de gerar impulso nervoso). Capacidade para integrar, coordenar, associar
e modificar os impulsos aferentes e alcançar uma resposta motora desejada está
diretamente relacionada ao número de sinapses realizadas no interior do cérebro e da
medula espinal. Reflexo representa uma atividade básica do sistema nervoso: resposta
a um estímulo sem início intencional (involuntário). Pode ser de dois tipos:

• simples - é o arco reflexo que se processa em nível medular, ocorrendo de


maneira inconsciente e sem envolvimento dos centros nervosos do encéfalo.

Por exemplo, quando um objeto pontiagudo é introduzido na pele, provoca


estimulação de receptores da dor, os quais convertem o estímulo em impulso nervoso,
com que percorre a via aferente (sensitiva) chegando até a coluna posterior da coluna
posterior da medula espinal. Neste local ocorre sinapse com um neurônio de
associação que por sua vez transmite o impulso nervoso para o neurônio motor da
coluna anterior da medula espinal. A seguir o impulso do neurônio motor parte para
os músculos estriados e através de suas terminações nervosas motoras liberam o
neurotransmissor que provocará a reação da musculatura. Todo este mecanismo é
muito rápido e não ocorre intervenção da esfera consciente.

• complexo - para que seja processado, este arco reflexo envolve as vias
aferentes, ascendentes, de associação, descendentes e eferentes.

Voltando ao exemplo da dor: para tomarmos consciência não basta que o


estímulo percorra o arco reflexo simples, é preciso que o mesmo atinja o encéfalo.
Desta forma, o estímulo é conduzido pela via aferente (sensitiva), chega até a coluna
posterior da medula espinal, onde ganha uma via ascendente, indo até o diencéfalo
(tálamo). Neste nível ocorre consciência da dor, porém de forma difusa. A seguir, os
estímulos dirigem-se para a área sensitiva do córtex cerebral, localizada no giro pós-
central, ocorrendo então uma percepção discriminada do estímulo.

Os axônios dos neurônios, em alguns tratos e vias, são muito longos e formam

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Sistema Nervoso

diversas vias, que serão percorridas pelos impulsos nervosos. Essas vias levam
informações sobre as condições do meio ambiente ou sobre atividades viscerais até o
sistema nervoso central, e conduzem estímulos deste para órgãos efetores,
permitindo ao organismo adaptar-se às condições de cada momento, além de
conjugar os fenômenos da consciência e integrar sensações e ideias.

− Via aferente - constituída pelo axônio do neurônio sensitivo. Inicia-se em


estruturas denominadas receptores. Os receptores captam estímulos de
diferentes naturezas (calor, frio, pressão etc.) e os convertem em energia
eletroquímica (impulso nervoso). Este estímulo percorre o axônio do
neurônio sensitivo (via aferente), passa pelo corpo celular localizado no
gânglio sensitivo, e finalmente chega até a coluna posterior da substância
cinzenta da medula espinal, onde pode atravessar uma sinapse e comunicar-
se diretamente com o neurônio motor ou alcançar um neurônio de
associação.
− Via eferente somática e visceral - são constituídas por axônios de neurônios
motores, cujos corpos celulares se localizam na substância cinzenta da
medula espinal, na coluna anterior (eferente somático) e na coluna lateral
(eferente visceral). Conduzem estímulos em direção aos músculos estriados
(eferente somático), músculo liso, pele e glândulas (eferente visceral).
− Vias de associação - são encontradas apenas no encéfalo e medula espinal.
Sua função é interligar neurônios, permitindo interações entre diferentes
áreas do sistema nervoso. Estas vias são as que mais se desenvolveram na
escala filogenética. Com o surgimento dos neurônios de associação do
encéfalo, que permitem a realização de funções psíquicas superiores,
chegou-se ao ápice da evolução do sistema nervoso.
− Vias ascendentes - são constituídas por axônios de neurônios cujos corpos
celulares estão localizados na medula espinal. Os axônios, por sua vez,
percorrem a substância branca da medula espinal, levando os estímulos
nervosos sensitivos para o encéfalo.
− Vias descendentes - possuem o corpo do neurônio localizado na substância
cinzenta de estruturas encefálicas. Os axônios percorrem a substância branca
do encéfalo e da medula espinal, levando estímulos para neurônios motores
somáticos, o que resultam em atividades conscientes e voluntárias, ou para
neurônios viscerais, que controlam de forma inconsciente o funcionamento
das glândulas, vasos sanguíneos, vísceras.

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Sistema Nervoso

1.2 Organização do Sistema Nervoso


Sistema Nervoso Central Sistema Nervoso periférico
- Encéfalo - Gânglios motores e sensitivos
- Cérebro - Nervos motores e sensitivos
- Telencéfalo - Terminações nervosas Sensitivas e
- Diencéfalo motoras
- Cerebelo
- Tronco Encefálico
- Mesencéfalo
- Ponte
- Bulbo
- Medula Espinal

O sistema nervoso consiste de uma parte central, denominada sistema nervoso


central (SNC), formado pelo encéfalo e pela medula espinal, que estão alojados no
interior do crânio e coluna vertebral respectivamente. As estruturas que se encontram
fora do crânio e da coluna vertebral constituem o sistema nervoso periférico, formado
pelos nervos, gânglios e terminações nervosas.

A medula espinal é a parte mais caudal do SNC. Estende-se desde a base do


crânio até a primeira vértebra lombar, e portanto, não percorre todo comprimento da
coluna vertebral. A medula espinal recebe informações sensoriais da pele, das
articulações e dos músculos do tronco e dos membros e, por sua vez, contém
neurônios motores responsáveis pelos movimentos voluntários e reflexos. Também
recebe informações sensoriais dos órgãos internos e tem aglomerados de neurônios
que controlam muitas funções viscerais. No interior da medula espinal, os grupos
sensoriais que recebem entradas da periferia e os grupos de células motoras que
controlam grupos específicos de fibras motoras não ficam misturados aleatoriamente.
Os sensoriais ficam agrupados na coluna posterior, os motores somáticos na coluna
anterior; e os motores viscerais na coluna lateral.

O Tronco encefálico é a estrutura do SNC com funções vegetativas vitais. É


constituído de bulbo, ponte e mesencéfalo. Sendo que o bulbo continua-se com a
medula espinal e o mesencéfalo continua-se com o diencéfalo. Recebe informações
sensoriais da pele e das articulações da cabeça, pescoço e face, e contém os neurônios
motores que controlam os músculos da cabeça e do pescoço. Também está
relacionado com os sentidos especializados, como a audição, a gustação e o equilíbrio.

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Sistema Nervoso

Participa da regulação da respiração e da pressão sanguínea. As entradas sensoriais e


as saídas motoras do tronco encefálico são conduzidas pelos 12 pares de nervos
cranianos. Apresenta uma agregação mais ou menos difusa de neurônios de
tamanhos e tipos diferentes, separados por uma rede de fibras nervosas que ocupa a
parte central do tronco encefálico denominada de formação reticular. A formação
reticular constitui, juntamente com o diencéfalo, o Sistema Ativador Reticular
Ascendente (SARA), que tem ação ativadora sobre o córtex cerebral.

O cerebelo recebe entradas sensoriais da medula espinal, informações motoras


do córtex cerebral, e entradas a respeito do equilíbrio dos órgãos vestibulares do
ouvido interno. A convergência de todas essas entradas torna o cerebelo capaz de
coordenar o planejamento, a cronologia e os padrões de atividade dos músculos
esqueléticos durante o movimento. O cerebelo também desempenha importante
função na manutenção da postura e na coordenação dos movimentos da cabeça e
dos olhos.

O Diencéfalo está relacionado com funções vegetativas e cognitivas. O tálamo,


processa e distribui quase todas as informações sensoriais que vão para o córtex
cerebral. Está relacionado com a ativação do córtex cerebral, motricidade e com
comportamento emocional.

O hipotálamo desempenha inúmeras funções, como regulação do sistema


nervoso autônomo, regulação da glândula hipófise, regulação da fome e da sede,
participa do comportamento emocional, e da ativação do córtex cerebral (SARA).

O Telencéfalo é constituído por dois hemisférios cerebrais que se comunicam


através de feixes de axônios. Os hemisférios cerebrais formam, de longe, a maior
região do encéfalo. São constituídos pelo córtex cerebral, pela substância branca
subjacente (principalmente axônios mielinizados e células da glia) e três aglomerados
de substância cinzenta denominados de núcleos: gânglios da base; hipocampo e
amígdala. Na maior parte os hemisférios cerebrais direito e esquerdo constituem
imagens em espelho um do outro. Apesar de cada hemisfério ter funções
especializadas, ambos estão conjuntamente implicados em funções perceptivas,
cognitivas, e com funções motoras superiores, bem como na emoção e na memória.

O Córtex cerebral é a superfície altamente enrugada do hemisfério cerebral, onde


pode-se distinguir os sulcos (depressões) que separam regiões elevadas (giros). Os
sulcos maiores são geralmente (sulco lateral e central), e podem ser usados para dividir
o córtex em quatro lobos: frontal; parietal; temporal e occipital.

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Sistema Nervoso

Todas as partes do córtex estão relacionadas com o armazenamento de


experiências (memória), troca de impulsos com outras áreas corticais (associação) e a
transmissão dupla de impulsos (aferentes e eferentes) com áreas subcorticais.

O lobo frontal está relacionado com funções intelectuais tais como o raciocínio
e o pensamento abstrato; comportamento agressivo e sexual; fala (área de Broca),
linguagem e iniciação do movimento, tanto treinado quando postural. A área rotulada
como giro pré-central inicia especificamente o movimento treinado, e os impulsos
desta área motora são conduzidos, ao longo do tracto corticospinal, diretamente aos
neurônios motores dos nervos cranianos/espinais.

O sulco central é considerado a divisão anatômica entre as áreas motoras


anteriormente a as áreas sensoriais posteriormente.

O lobo parietal está relacionado com o reconhecimento de estímulos sensoriais


específicos; o paladar; a habilidade de usar símbolos como meio de comunicação
(linguagem) e a habilidade de desenvolver ideias e as respostas motoras necessárias
para levá-las a termo. O giro pós-central recebe impulsos aferentes ligados à dor,
temperatura, tato, pressão, tensão muscular e posição das articulações de receptores
de todo o corpo. Quando o impulso alcança esta área torna-se consciente, e o
indivíduo torna-se capaz de discriminá-lo.

O lobo temporal está relacionado ao olfato e à linguagem; ao comportamento


emocional (incluindo raiva, hostilidade e comportamento sexual). A área recebe
impulsos aferentes relacionados à audição.

O lobo occipital está relacionado com o recebimento de estímulos visuais do


tracto óptico.

Funcionalmente falando, os dois hemisférios, em especial com relação ao córtex


não são iguais; ou seja, eles não são imagens especulares um do outro.

De modo interessante, a maioria dos tractos longos que vão ou vêm do córtex
(de outras áreas também) de neurônios sensitivos e motores respectivamente, cruzam
para o lado oposto. Assim, grande parte dos receptores do lado esquerdo são
representados do lado direito do córtex, e dos impulsos motores que se original do
lado esquerdo geram atividade muscular no lado direito do corpo.

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Áreas Sensoriais

2 Áreas Sensoriais
PRIMÁRIA SECUNDÁRIA TERCIÁRIA
Podem ser denominadas Podem ser denominadas Podem ser denominadas
também de área de projeção. também de áreas de também de área de
São áreas do córtex que associação ou interpretativas. associação. Recebem e
recebem ou dão origem a Estão localizadas no córtex integram as informações
fibras relacionadas adjacentes às áreas primárias. sensoriais já elaboradas por
diretamente com a Função: ocorre a interpretação, todas as áreas secundárias e
sensibilidade e com a ou seja, as características são responsáveis também pela
motricidade. sensoriais são comparadas elaboração das diversas
Função: têm-se consciência com o conceito do objeto estratégias do
das características sensoriais existente na memória do comportamento. Está
do objeto, sua forma, dureza, indivíduo, o que permite a sua relacionado também com o
tamanho. identificação. pensamento e memória.
Ex: Sensorial (giro pós -central) Ex: área pré-frontal; áreas
Motora (giro pré-central). límbicas (hipocampo).

ÁREAS CORTICAIS FUNÇÃO LESÃO


Área visual primária Visão de sinais luminosos, Cegueira
linhas brilhantes, cores e outras
visões simples.
Área de associação Visual (área Interpretação do que está Redução acentuada na
secundária) vendo interpretação do que se vê,
incapacidade de reconhecer o
significado das palavras
(cegueira verbal ou alexia)
Área auditiva primária Sons simples, porém não Surdez
distingue sons inteligíveis
Área de associação auditiva Compreensão do significado Perda da capacidade do
das palavras ou de outras entendimento das palavras e
experiências auditivas. outras experiências auditivas
mesmo quando se ouve bem.
Córtex sensorial primário (giro Aspectos simples das sensações Depressão da sensação
pós-central) (formigamento na pele, sensorial somática.
dormência, graus leves de
sensações térmicas)
Área de associação sensorial Percepção espacial para as Perda da percepção espacial do
somática distintas partes do corpo, corpo, diminuição da
interpretação das experiências capacidade de interpretação
sensoriais somáticas. das experiências sensoriais
somáticas.

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Áreas Sensoriais

Área terciária ou interpretativa Interpretação dos significados Incapacidade para ordenar as


geral do hemisfério dominante. complicados das distintas palavras ouvidas em
experiências sensoriais. pensamentos coerentes;
incapacidade para perceber a
mensagem contida em palavras
escritas; dificuldade de
compreensão em níveis mais
elevados dos significados das
experiências sensoriais
somáticas; alterações severas
do pensamento e da memória.
A perda desta área, no adulto,
resulta em vida próximo a
demência.

2.1 Áreas Relacionadas com a Linguagem


A linguagem verbal é um fenômeno complexo do qual participam áreas corticais
e subcorticais. No entanto, o córtex cerebral tem o papel mais importante, e na maioria
dos indivíduos as áreas corticais da linguagem se localizam apenas no lado esquerdo.

Admite-se a existência de duas áreas corticais para a linguagem: uma anterior e


outra posterior, ambas de associação. A área anterior da linguagem corresponde à
área de Broca e está relacionada com a expressão da linguagem. A área posterior da
linguagem situa-se na junção entre os lóbulos temporal e parietal e corresponde à
área de Wernicke. Está relacionada basicamente com a percepção da linguagem. A
área de Wernicke comunica-se com a da área de Broca através feixes de axônios.
Lesões destas áreas dão origem a distúrbios de linguagem denominados afasias. Nas
afasias, as perturbações da linguagem não podem ser atribuídas a lesões das vias
sensitivas ou motoras envolvidas na fonação, mas apenas lesão das áreas corticais de
associação responsáveis pela linguagem.

Distinguem-se dois tipos básicos de afasia: a) motora ou de expressão, em que a


lesão ocorre na área de Broca; b) sensitiva ou de percepção, em que a lesão ocorre na
área de Wernicke. Nas afasias motoras o indivíduo é capaz de compreender a
linguagem falada ou escrita, mas tem dificuldade de se expressar adequadamente,
falando ou escrevendo. Nos casos mais comuns, ele consegue apenas produzir poucas
palavras com dificuldade e tende a encontrar as frases falando ou escrevendo de
maneira telegráfica. Nas afasias sensitivas a compreensão da linguagem tanto falada
como escrita é muito deficiente. Há também algum déficit na expressão da linguagem,

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Estudos sobre Atenção

uma vez que o perfeito funcionamento da área de Broca depende de informações que
recebe da área de Wernicke, através do fascículo arqueado (feixe de axônios). Nos
raros casos em que esse fascículo é lesado, temos a chamada afasia de condução, em
que a compreensão da linguagem é normal (pois a área de Wernicke está íntegra),
mas existe déficit da expressão.

As dislexias estão presentes em muitos indivíduos, no entanto, muitas vezes são


erroneamente diagnosticadas. Não é uma doença, e sim uma disfunção do SNC de
origem constitucional (neurotransmissores) caracterizada pela dificuldade na
aquisição ou no uso da leitura e ou/escrita, que acomete crianças com inteligência
normal ou acima da média, sem défices sensoriais.

3 Estudos sobre Atenção

3.1 Bases Biológicas e Comportamentais do Mecanismo de Atenção


A atenção para ser processada conta com a atuação de todo o sistema nervoso
desde os receptores do sistema nervoso periférico ao córtex encefálico. Como o
sistema nervoso é um todo dinâmico, cada uma de suas estruturas pode estar
relacionada a numerosas funções. É no córtex cerebral que as sensações se tornam
conscientes, são processadas e transformadas em percepções, entretanto, não atua
sozinho, para desempenhar suas atividades recebe a colaboração de todo o restante
do sistema nervoso.

O sistema nervoso periférico, através dos receptores e das vias sensitivas envia
para o sistema nervoso central impulsos nervosos originados a partir de estímulos
diferentes, como os visuais, táteis, dolorosos, olfativos, auditivos etc. Estes impulsos,
após percorrerem várias estruturas neurais, chegam ao córtex cerebral para serem
interpretados.

O tronco encefálico, através da atuação da formação reticular, influencia o


funcionamento do córtex, por meio da ativação ou desativação dos neurônios
corticais, o que guarda uma relação direta com as fases do ciclo de vigília e sono e
com os estados da atenção.

No processo de interpretação, o córtex, devidamente ativado pela formação


reticular seleciona as informações relevantes, mobiliza informações pré-existentes na

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Estudos sobre Atenção

memória e as compara com as novas. O hipocampo e o tálamo, enquanto partes do


sistema límbico (sistema relacionado às emoções), são acionados e ajudam a decidir
se os pensamentos promovidos pelo estímulo são suficientemente importantes para
merecerem memória. Por outro lado, de acordo com o significado que este estímulo
ganhou, são programadas as respostas motoras.

As respostas motoras conscientes elaboradas pelo cérebro, após percorrerem


diversas estruturas do sistema nervoso central atingem o sistema nervoso periférico.
Percorrem então, as vias motoras dos nervos e chegam até os músculos para
coordenar suas ações.

Nesta breve descrição das ações neurais envolvidas no recebimento de um


estímulo, no seu processamento mental, e na elaboração de uma resposta motora
consciente, ficou subentendido todo um processo de direcionamento da atenção
voluntária em suas modalidades sensorial, intelectual e motora. Trata-se, portanto, de
uma função mental complexa que para ser desempenhada envolve amplamente o
substrato orgânico da mente e seus componentes psíquicos. O substrato orgânico
aqui entendido como o conjunto de estruturas macro e microanatômicas, que dão
suporte à atenção, e os componentes psíquicos como afetividade, motivação,
memória, linguagem e pensamento. Logo se faz plenamente justificada a afirmação
de Campos-Castelló (1998; 2000) de que a atenção é uma função cognitiva de alta
complexidade em que estão implicados numerosos subprocessos como a percepção,
a intenção e a ação.

Através da atenção focalizamos nossas atividades conscientes, possibilitando a


percepção, a memória e a aprendizagem, pois o direcionamento da atenção promove
uma filtragem da informação não desejada. É, portanto, a base sobre a qual se
organiza o caráter direcional e a seletividade dos processos mentais.

3.2 Tipos de Atenção


De acordo com o tipo de atividade predominante a atenção pode ser classificada
em sensorial, motora e intelectual.

A atenção sensorial corresponde a uma atividade de espera. Os fenômenos


envolvidos são semelhantes na atenção visual, auditiva, gustativa, tátil, etc. Por
exemplo ouvir uma música e identificar que instrumentos musicais estão sendo
executados.

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Estudos sobre Atenção

A atenção motora consiste no aparecimento de movimentos voluntários de uma


tensão ao mesmo tempo sensorial e intelectual. Neste tipo de atenção, a consciência
está centrada na execução de uma atividade, representa uma forma de alerta às
atividades musculares que devem responder a determinada orientação. Por exemplo
quando se está aprendendo nadar o sujeito pensa no movimento que tem que realizar
focalizando sua atenção para os grupamentos musculares que vão realizar o
movimento, aumentando desta forma o controle motor e a propriocepção.

A criança realiza os esforços supramencionados para aprender andar, escrever,


jogar enfim no aprendizado de todas as suas atividades motoras até que elas se
tornem automatizadas.

A atenção intelectual é o tipo de atenção que predomina quando nós voltamos


aos aspectos de nossa vida intrapsíquica, atua selecionando os elementos que
ocuparão o foco de nossos pensamentos. É solicitada, quando necessitamos resolver
problemas que envolvem o raciocínio. Ex.: montar quebra cabeça, realizar cálculos
matemáticos, planejar o próprio dia, contar a estória de um filme a que assistiu,
resumir um texto. Este tipo de atenção conta com forte participação do córtex pré-
frontal.

Esta classificação tem mais um caráter didático, pois em qualquer de suas formas
conhecidas a atenção sempre implica em atividade intelectual, quer seja orientando
os movimentos ou dando sentido às percepções sem perder o seu caráter de
independência.

3.3 Desenvolvimento da Atenção: suas relações com a afetividade,


vontade, memória e pensamento
Como é característico das funções mentais a atenção apresenta aspectos inatos
e aspectos que se desenvolvem após o nascimento. É construída em duas vertentes,
uma orgânica e outra psicológica, que se retroalimentam podendo modificar-se
durante toda a vida. É portando causa e consequência do desenvolvimento do sistema
nervoso. Causa porque a criança, a partir das interações sociais, aprende a focalizar
sua atenção, o que contribui para o desenvolvimento dos circuitos neuronais que dão
suporte biológico a esta função. Consequência porque à medida que os circuitos
neuronais vão sendo otimizados aumenta-se a possibilidade de estar atento.

Podemos dizer que a atenção é uma função plástica moldada através de


processos sociais que tem o poder de atuar sobre a plasticidade do tecido nervoso,

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modificando-o para que seja otimizada a sua possibilidade de atuação em resposta


aos processos sociais que solicitam a mobilização da atenção.

Nos primeiros meses de vida há um grande predomínio da atenção involuntária,


esta é atraída pelos estímulos mais poderosos ou biologicamente significativos. Este
tipo de atenção quando mobilizado leva a manifestações como voltar os olhos em
direção ao estímulo, parar outras formas de atividades irrelevantes no momento. O
exemplo clássico é o do recém-nascido que para os movimentos de sucção por
ocasião da apresentação de estímulos luminosos. Nota-se, portanto, que mesmo
tendo um caráter involuntário, a reação de orientação pode ter caráter seletivo,
criando a base para o comportamento organizado, direcional e seletivo.

A atenção voluntária, vai sendo desenvolvida gradativamente, e a criança só


adquire uma atenção estável e socialmente organizado próximo à idade escolar.

No início do segundo ano de vida em resposta a uma pergunta simples do tipo


“onde está a boneca?”, a criança dirige-se para o objeto nomeado e procura pegá-lo.
Se for colocado ao lado da criança um objeto não familiar, ao mesmo tempo em que
se solicita a boneca, a criança ao invés de se deter na boneca se detém no outro
objeto. Este estágio de desenvolvimento vai mais ou menos dos 18 aos 28 meses, nele
a resposta de orientação a um estímulo novo suprime com facilidade a forma superior
de atenção socialmente organizada que começou a aparecer. Uma instrução falada é
ainda facilmente sobrepujada pelas informações visuais.

Durante toda a vida a visão constitui-se num sentido que tende a sobrepujar os
demais, e por isto, objetos inseridos no campo visual tendem a atrair a atenção com
grande facilidade. Por este motivo, brincadeiras de cabra cega e outras similares em
que se priva o sujeito da visão colaboram para mobilizar e desenvolver a atenção a
partir de informações provenientes dos outros sentidos.

Por volta dos cinco anos de idade a capacidade de obedecer a uma instrução
falada se torna suficientemente forte permitindo que a criança facilmente elimine os
fatores irrelevantes, distrativos, mas ainda podem aparecer sinais de instabilidade das
formas superiores da atenção.

Na idade escolar está estabelecido um comportamento seletivo estável


subordinado a fala audível de um adulto e a fala interior da própria criança. Muitas
vezes a criança lê em voz alta como forma de reforçar sua atenção pela entrada de
informações auditivas.

A atenção desenvolve-se gradualmente e o ritmo de desenvolvimento é diferente

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de uma criança para outra, sendo que as crianças com Déficit de Atenção mostram
uma capacidade para manter a atenção seletiva semelhante à de crianças de idade
inferior, e menor que de seus colegas de mesma idade e sem problemas de
aprendizagem.

3.4 Interação entre Atenção e Afetividade.


No processo de aprendizagem temos um imbricamento de funções. De maneira
geral podemos dizer que a afetividade mobiliza a nossa vontade, que mobiliza a
atenção de maneira voluntária para aquilo que vai ao encontro do nosso interesse,
colocando o estímulo no centro de nossa atenção.

Uma vez mobilizada a atenção, há um direcionamento dos canais sensoriais para


captarem estímulos oriundos do objeto ou situação que despertou nosso interesse.
Estes estímulos são enviados para o sistema nervoso central, sendo interpretados em
nível encefálico em diversas áreas do cérebro. O novo e o antigo são comparados, as
informações julgadas relevantes são consolidadas e armazenadas no cérebro em
associação direta com outras memórias do mesmo tipo.

A motivação para se manter a atenção direcionada aos estímulos que a estão


solicitando, bem como para julgar se as informações e o pensamento a ela associados
são importantes a ponto de merecerem fazer parte de nossa memória, é dada
principalmente pelo sistema límbico. Os estímulos sensoriais que causam dor ou
aversão excitam os centros de punição límbicos, enquanto os estímulos que causam
prazer, felicidade ou recompensa excitam os centros de premiação límbicos.
Esquematicamente teríamos:

afetividade-vontade-atenção-memória-pensamento.

A atenção e a memória têm um papel fundamental para o desenvolvimento da


mente, que usa como principal instrumento o pensamento. De acordo com
Pernambuco (1991), “pensar”, segundo uma visão psicanalítica, pode ser entendido
como “incorporar o mundo”, ou seja, é o processo pelo qual tomamos contato com a
realidade e a tornamos algo internalizado, que faz parte de nosso cabedal, e que pode
ser reaproveitado em novos contatos com a realidade.

Estas modificações do sistema nervoso são indispensáveis para a consolidação

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da memória, que é um dos requisitos fundamentais para a aprendizagem, porém elas


não ocorrerão a contento se não houver mobilização e tenacidade da atenção
voluntária. Segundo Guyton & Hall, 1997, estudos psicológicos mostraram que a
repetição continuada de uma mesma informação na mente acelera e potência o grau
de transferência de memória a curto prazo para memória a longo prazo e, portanto,
acelera e potência a consolidação, pois o cérebro tem uma tendência natural a repetir
as informações recém-descobertas, especialmente as que chamam a atenção. Isto,
segundo os autores, explica porque uma pessoa pode lembrar pequenas quantidades
de informação estudadas a fundo muito melhor do que grandes quantidades
estudadas superficialmente.

A apresentação de um estímulo especial (visual, acústico, táctil ou doloroso)


evoca uma resposta elétrica nas áreas sensoriais primárias do córtex cerebral. Vamos
imaginar que este estímulo seja uma música que o sujeito está ouvindo usando um
fone de ouvido sem a preocupação de atentar-se para a letra. Se a televisão for ligada
de imediato há uma inibição na área auditiva primária, demonstrando os efeitos da
distração causada por estímulos irrelevantes sobre a atenção. Por outro lado, se o
sujeito receber uma instrução do tipo conte o número de vezes que a palavra amor
aparecer na música a atenção é então atraída pela expectativa ativa e há um apreciável
aumento da atividade na área auditiva primária.

Luria (1981) argumenta que o aumento da amplitude dos potenciais evocados


sob a influência de uma instrução falada, mobilizadora da atenção, é mal definido na
criança de idade pré-escolar, mas vai se formando gradualmente e aparece de forma
precisa e estável por volta dos 12 a 15 anos. Chama atenção para o fato de que é nesta
idade que mudanças claras e duradouras nos potenciais evocados começam a surgir
não somente nas áreas sensoriais do córtex como também nas zonas frontais que
estão começando a desempenhar um papel mais íntimo nas formas complexas e
estáveis da atenção superior, voluntária (em outras palavras, a atenção intelectual está
mais desenvolvida).

Partindo-se do princípio de que a plasticidade neuronal envolvida no


desempenho de uma função cerebral é máxima quando esta função ainda está em
desenvolvimento, e que tal plasticidade reduz-se bastante quando a função se
estabiliza, o trabalho de otimização da atenção voluntária através de instruções
faladas deve iniciar-se na idade pré-escolar e ser intenso até por volta dos quinze anos
de idade.

É preciso ter em mente que a atenção voluntária embora precise de um suporte

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biológico para ocorrer, sua origem não é biológica e sim social.

É preciso salientar que a atenção voluntária é base fundamental para a


aprendizagem, mas ela também é desenvolvida através da aprendizagem, daí seu
desenvolvimento gradativo e sua forte vinculação com a linguagem.

A atenção voluntária enquanto função mental é operacionalizada a partir de um


substrato biológico (formação reticular do tronco encefálico, sistema límbico, córtex
pré-frontal). Quando este tipo de atenção começa a se desenvolver a partir das
interações com o adulto os circuitos neuronais e as bases cognitivas da criança ainda
são frágeis, por isto ela se distrai facilmente. À medida que a criança é estimulada, que
os objetos vão sendo nomeados ela vai construindo o seu léxico interno. Ao adquirir
a capacidade de nomear os objetos consegue sua autonomia, deixando claro a
importância da linguagem para dar significado as coisas e acontecimentos do mundo
de maneira a permitir ao sujeito considerá-los significantes ou não para ocuparem o
foco central de sua atenção.

Considerando os trabalhos de investigação nas diferentes habilidades: visuais,


motoras e cognitivas, percebe-se que é importante compreender melhor alguns
aspectos que envolvem diretamente a atenção.

De acordo com Naglieri e Rojahn (2001), a atenção é um dos processos


importantes que afetam muitas áreas da vida diária dos indivíduos, como o
rendimento escolar.

Na concepção de Luria (1981), o homem recebe um imenso número de estímulos,


mas seleciona os mais importantes, ignorando os restantes. Potencialmente ele faria
um grande número de movimentos, mas destaca poucos movimentos racionais, que
integram suas habilidades, e inibe outros. Entre o grande número de associações
possíveis que existe, ele conserva apenas algumas, essenciais para a sua atividade, e
abstrai-se das outras que dificultam o processo racional de pensamento. A seleção da
informação necessária, o asseguramento dos programas seletivos de ação e a
manutenção de um controle permanente sobre ele são convencionalmente chamados
de atenção. O caráter seletivo da atividade consciente, que é função da atenção,
manifesta-se igualmente na percepção, nos processos motores e no pensamento,
complementa Luria (1981).

Para este autor, existem pelo menos dois grupos de fatores que são
determinantes da atenção e que asseguram o caráter seletivo dos processos psíquicos
que determinam tanto a orientação como o volume e a estabilidade da atividade

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consciente. O primeiro desses grupos é constituído por estímulos exteriores; o


segundo grupo é constituído de fatores relacionados “com o próprio sujeito e com a
estrutura de sua atividade”. Para o estudo dos mecanismos neurofisiológicos da
atenção, é fundamental o fato de que o caráter seletivo da ocorrência dos processos
psíquicos, característicos da atenção, pode ser assegurado apenas pelo estado de
vigília do córtex, do qual é típico um nível ótimo de excitabilidade. Esse nível de vigília
(excitabilidade) é assegurado pelos mecanismos de manutenção do tônus cortical.

De acordo com Aston-Jones et al. (1999), a atenção pode ser vista de acordo com
três aspectos distintos. O primeiro diz respeito à orientação para os eventos sensoriais,
que são as diferentes formas de atenção: motora, visomotora, auditiva etc. O segundo
refere-se ao controle executivo que relaciona a atenção à memória semântica e à
linguagem. O terceiro é o estado de vigília e alerta sustentado que prepara o sistema
nervoso para os aspectos anteriormente mencionados.

Sabe-se que o nível de vigília e alerta pode variar desde o coma profundo até um
estado de hiperalerta ansioso (WEINTRAUB e MESULAM, 1985). Esse nível pode ser
definido operacionalmente pela intensidade de estímulo necessário para desencadear
uma resposta do indivíduo. A qualidade da resposta em função da intensidade do
estímulo permite caracterizar estados como "estupor", "sonolência", "alerta" e
"hiperalerta" que descrevem, em ordem ascendente, os níveis de vigília e alerta de
uma pessoa.

Segundo Weintraub e Mesulam (1985), as funções atencionais são divididas em


duas grandes categorias. Uma categoria, geralmente associada com as funções das
vias reticulares ascendentes e com o lobo frontal, é responsável pela manutenção de
um tono, ou matriz, atencional geral. Termos como "vigília", "concentração" e
"perseverança" são utilizados para descrever os aspectos positivos dessa matriz
atencional. Qualquer distúrbio nessa matriz atencional leva à impersistência,
perseveração, distratibilidade, vulnerabilidade aumentada à interferência e inabilidade
peculiar para inibir tendências de respostas imediatas, mas não apropriadas.

A focalização e a concentração da consciência são a essência da atenção. Isso


implica privar-se de algumas coisas a fim de interagir eficientemente com outras
(ASTON-JONES et al., 1999; KANDEL et al., 2000).

No homem, o estado de vigília manifesta-se subjetivamente pela consciência do


que está ocorrendo no meio externo ou no próprio organismo. A consciência, através
do estado de alerta (atenção), só permite avaliar o que está ocorrendo em uma
estreitíssima faixa; todo o restante das alterações do meio ambiente e do próprio

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organismo é avaliado apenas inconscientemente. Embora seja difícil separá-los,


aparentemente existe um alerta inespecífico, geral, e alertas específicos (várias formas
de atenção: visual, auditiva, visomotora etc.). Os alertas específicos (atenção) se
centram numa faixa estreita de alerta que possibilita a análise de uma quantidade
restrita de informação ao mesmo tempo (TIMO-IARIA, no prelo).

Luria (1981) afirma que seria um engano imaginar que a atenção da criança
pequena pudesse ser atraída somente por estímulos poderosos e novos ou por
estímulos ligados à exigência imediata. Ele ressalta que a criança vive em um ambiente
de adultos. Quando a mãe nomeia um objeto e o aponta com o dedo, a atenção da
criança é atraída para aquele objeto que, assim, começa a se sobressair dentre os
demais, não importando se ele origina um estímulo forte, novo ou importante.

Dessa forma, continua Luria (1981), o processo de atenção pode ser observado
não apenas durante o comportamento organizado, seletivo, mas reflete-se também
em indicadores fisiológicos precisos, que podem ser usados para estudar a
estabilidade da atenção.

Além dos trabalhos clássicos referidos por Luria (1981) abordando os processos
da atenção, outros mais recentes têm demonstrado que o desenvolvimento da
atenção passa pelo desenvolvimento de mecanismos cerebrais inibitórios (van der
MOLEN, 2000).

Deve-se entender inibição como o processo da supressão (ou redução) das


funções de uma estrutura ou um órgão pela ação de um outro. Enquanto a capacidade
de executar as funções da estrutura suprimida é mantida, ela pode se manifestar tão
logo a ação supressora seja removida. Tradicionalmente, as teorias do
desenvolvimento enfatizam a importância das mudanças na capacidade de armazenar
e processar informação durante o desenvolvimento cognitivo (van der MOLEN, 2000).

A ideia, prossegue ainda o pesquisador, de que os processos inibitórios no


sistema nervoso também podem contribuir paras as mudanças do desenvolvimento
surgiu muito lentamente a partir de investigações recentes sobre o desenvolvimento
cognitivo em crianças e sobre outros aspectos do comportamento. Essa visão de uma
participação crucial das funções inibitórias durante o desenvolvimento decorre de
achados sobre diferenças etárias na habilidade a partir da aplicação de uma grande
variedade de tarefas que exigiam inibição para a sua execução. Ele exemplifica com o
dado de que a criança, à medida que se torna mais adulta, vai se tornando mais apta
a suprimir respostas reflexas. A criança torna-se menos sensível aos ruídos, em tarefas
que exigem atenção seletiva, e a distratores, em tarefas que envolvem memorização.

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Nessa mesma revisão, van der Molen (2000) assume que os processos inibitórios
se tornam mais eficientes ao longo da infância, possibilitando uma entrada menor de
informação irrelevante para a memória de trabalho e aumentando, assim, a
capacidade funcional da criança. Essa hipótese se assenta na ideia de que a eficiência
do processamento se dá em função das velocidades de ativação e inibição em termos
de um processo que bloquearia o alastramento da ativação. Essas mudanças na
eficiência de processamento e inibição cerebral ao longo do desenvolvimento da
criança estariam ligadas à maturação do sistema nervoso e, mais notoriamente, à
formação da mielina. A mielinização aumentaria a transmissão linear entre grupos de
células nervosas e reduziria a transmissão lateral (alastramento). ~

Segundo essa hipótese, o efeito combinado do aumento na velocidade linear de


transmissão da informação nervosa e a redução na interferência potencial entre outros
grupamentos neuronais, num dado processamento, vai resultar em melhor
disponibilidade de armazenamento da memória de curto prazo, de forma a se poder
processar outra informação ou executar uma outra tarefa.

Finalmente, ainda segundo o mesmo autor, revisões recentes sobre a relação


entre o desenvolvimento cognitivo e a maturação cerebral têm ressaltado que os
resultados de vários paradigmas experimentais têm sido consistentes com a noção do
crescimento no desenvolvimento cognitivo associado à eficiência dos processos
inibitórios. Essas evidências incluem achados a partir de tarefas de atenção seletiva,
tarefas de memória, tarefas que requerem habilidade para inibir respostas motoras
(incluindo tarefas de “sinal-de-pare”).

Segundo Brodeur e Pond (2001), muitos estudos sobre o desenvolvimento da


atenção têm consistentemente demonstrado que as crianças melhoram
consideravelmente sua capacidade de responder seletivamente a diferentes estímulos
do meio ambiente aos três e 12 anos. As crianças com desordem de déficit de atenção
parecem demonstrar deficiências em algumas condições seletivas de atenção, mas
não em outras. Por exemplo: crianças com déficit de atenção demonstram dificuldade
em tarefas em que é importante ignorar e inibir respostas a estímulos irrelevantes,
mas desempenham adequadamente tarefas que requerem memória de localização
espacial. Os autores relatam ainda experimentos recentes que têm demonstrado não
existirem diferenças entre o desempenho de crianças com déficit de atenção e o de
crianças normais em tarefas que envolvem habilidades relacionadas à velocidade de
classificação ou habilidades de atenção auditiva seletiva.

Plude et al. (1994) postulam uma conceitualização multidimensional da atenção.

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Estudos sobre Atenção

Eles “olham” para a atenção através de um grande modelo no espaço tridimensional,


no qual as tarefas de atenção podem ser colocadas ao longo de um plano. Segundo
os pesquisadores, talvez a dimensão mais fundamental (primeira) da atenção seja a
modalidade ou fonte da informação que está sendo processada, a qual poderia ser
primariamente visual, auditiva, somatossensorial ou mesmo de memória, conforme o
modelo ao lado.

A segunda dimensão se referiria à distribuição da atenção no espaço e no tempo,


sendo que os esforços de processamento seriam focados em um objeto específico, ou
localização específica, ou, ainda, divididos entre objetos e eventos.

A terceira dimensão da atenção enfatizaria as várias tarefas que requerem


mecanismos de seleção especializados, como orientação a um estímulo em particular,
seleção de um objeto baseado Modelo de organização da atenção proposto por Plude
et al. (1994) em atributos específicos e outros. Ainda segundo os mesmos autores,
essas três dimensões seriam amplamente independentes umas das outras,
significando que, em uma dada circunstância, nós estaríamos aptos a definir uma
modalidade de informação, um grau de distribuição e uma tarefa a ser executada.

Em ampla revisão, Ridderinkhof e van der Stelt (2000) afirmaram que a nossa
compreensão limitada das mudanças no desenvolvimento da seleção da atenção, em
crianças durante o processo de crescimento, é consequência de poucas pesquisas
sobre o tema.

Os resultados básicos desses estudos mostraram que, nos processos de filtragem


atencional e nos arranjos seletivos (dois paradigmas básicos nas pesquisas de
atenção), os processos necessários para a seleção da atenção estão, em essência,
presentes nas crianças desde a idade mais tenra; entretanto, prosseguem os autores,
a velocidade e a eficiência desses processos tendem a aumentar à medida que a
criança cresce e se aproxima da adolescência. Em condições ideais de estimulação, o
processo de filtragem ocorre nos estágios bem iniciais de processamento da
informação. Porém, estímulos com características menos ideais e a necessidade de
tarefas podem induzir a uma mudança do locus (foco) da seleção para estágios
posteriores de processamento em crianças mais jovens, enquanto que indivíduos mais
velhos estão mais aptos a reservar seus focos anteriores de atenção.

Continuando, Ridderinkhof e van der Stelt (2000) afirmaram que, quando o foco
de atenção inicialmente selecionado é inibido, as crianças mais jovens ficam mais
sensíveis aos efeitos adversos da competição de resposta aos estímulos do que as
crianças mais velhas.

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Estudos sobre Atenção

Para Ruff e Lawson (1990), o alerta sustentado é uma característica da atenção


em um indivíduo que representa a capacidade de manter a atenção ao longo do
tempo. O desempenho adequado de muitas tarefas orientadas segundo a idade,
particularmente nas condições estruturadas na escola, requer a habilidade de
sustentar a atenção por longo tempo.

Ruff et al. (1998) afirmaram que, durante a idade pré-escolar, as crianças focam
sua atenção por tempo muito variável em razão do objeto de atenção e em razão da
idade. Entre 2,5 e 4,5 anos de idade, vários índices de atenção aumentam enquanto
os de desatenção diminuem.

Sarter et al. (2001) descreveram o construto psicológico, “atenção sustentada”,


como um componente fundamental da atenção, e o caracterizaram pela prontidão do
indivíduo em detectar estímulos de ocorrência rara e imprevisível por períodos
prolongados de tempo. O estado de prontidão para responder a esses estímulos é
caracterizado por uma habilidade generalizada para detectar sinais, conhecida como
nível de vigilância. A atenção sustentada, prosseguem os autores, representa uma
função atencional básica, a qual determina a eficácia de aspectos de ordem superior,
ou complexos, da atenção (atenção seletiva e atenção dividida) e das capacidades
cognitivas em geral.

A atenção, de acordo com Bracy (1995), é constituída de habilidades executivas.


O sistema sensorial atua continuamente enviando quantidade inimaginável de
informações para o cérebro. As informações vindas de alguns sistemas e parte da
informação vinda de outros sistemas sofrem algum tipo de processamento por
centros inferiores do cérebro, de tal forma que o sinal pode ser combinado, separado,
ampliado ou diminuído. As informações, puras ou parcialmente processadas, são
posteriormente enviadas a centros encefálicos superiores, podendo chegar até as
áreas corticais. Nesse momento, é necessário um processamento adicional para trazer
a informação para o consciente, decodificar, integrar, formar pensamentos e imagens
(do estímulo), manipular e utilizar a informação. Todo o conjunto de habilidades
envolvidas nessa tarefa é referido como habilidade executiva e representa vários
aspectos da atenção.

Ainda de acordo com Bracy (1995), o primeiro grupo de habilidades (básico) é


representado por aquelas que contribuem para a interface que possibilita receber e
utilizar apropriadamente as informações provenientes dos sistemas sensoriais –
referidas como habilidades executivas da atenção ou habilidades atencionais. Essas
habilidades devem capacitar o indivíduo a monitorar constantemente as informações

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Relações entre Estimulação, Aprendizagem e Plasticidade Cerebral

provenientes do meio ambiente; reconhecer o que é importante, focalizar o que é


essencial e monitorar uma atividade permanente; continuar monitorando outras
informações como atividade de fundo; alternar entre o que é monitoração de fundo
ou de foco, de acordo com a necessidade; manter o foco por toda a duração do evento
focado e compartilhar o foco com múltiplos eventos, de acordo com a necessidade.

Para Halperin (1991), a atenção é o processo de selecionar, a partir do nosso


meio, o que é relevante para o comportamento corrente e ignorar aquilo que não é
relevante. Uma forma eficiente de se avaliar essa capacidade seria através de testes de
performance continuada (TOLEDO, 1999).

De acordo com Toledo (1999), o “teste de cancelamento com lápis e papel” é um


teste de performance continuada que avalia a atenção sustentada enfatizando
aspectos da atenção visual.

Geldmacher (1996) afirma que os testes de cancelamento são comumente


utilizados na avaliação clínica de disfunções vísuo-espaciais. Todos os testes de
cancelamento envolvem a identificação e marcação de um determinado estímulo-
alvo, que podem variar quanto à forma e dimensão.

Segundo Geldmacher (1998), as tarefas de cancelamento são “testes de lápis e


papel” de atenção seletiva e direcionada e têm sido largamente utilizadas nas
avaliações neurológicas, neuropsicológicas e na investigação da atenção seletiva em
indivíduos saudáveis. Dessa forma, os testes podem ser adaptados para diferentes
graus de dificuldade e de exigência da atenção do indivíduo, visto que tais testes de
cancelamento requerem desempenho contínuo e atenção sustentada.

4 Relações entre Estimulação, Aprendizagem e Plasticidade


Cerebral
Até pouco tempo, acreditava-se que após o nascimento, os neurônios eram
incapazes de se recuperar de lesões e não podiam se autorreproduzir. No entanto,
atualmente sabemos que essa teoria não é completamente verdadeira. No sistema
nervoso periférico está bem estabelecida a capacidade de regeneração dos nervos e
terminações nervosas. E, no sistema nervoso central (SNC), diversos estudos científicos
têm mostrado que os neurônios são capazes de regenerar, se modificar durante toda
a vida, e até mesmo de se autorreproduzirem em alguns locais do cérebro. Essa
capacidade adaptativa do SNC, a habilidade para modificar sua organização estrutural

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Relações entre Estimulação, Aprendizagem e Plasticidade Cerebral

e funcional em resposta à experiência, ou seja, aos estímulos ambientais, denomina-


se plasticidade cerebral.

Essa capacidade de adaptar-se, e modificar-se ocorre através dos seguintes


dispositivos:

• eliminação dos neurônios que não são utilizados;


• manutenção do dinamismo morfológico e funcional daqueles neurônios
que são utilizados, através do crescimento dos seus dendritos e axônios;
• modificação na produção das substâncias neurotransmissoras (moléculas
químicas);
• modificação das estruturas envolvidas nas sinapses (dendritos, espinhas
dendríticas, terminal axônico);
• formação de novas sinapses.

Nas sinapses, os impulsos nervosos (informações) chegam através dos axônios e


provocam a liberação de neurotransmissores nos locais de “contato”, que podem ser
nos no corpo celular, axônio, dendritos, sendo que este último representa o maior
local de sinapses. Mais dendritos significa mais conexões, e menos dendritos, menos
conexões. A alteração na estrutura dendrítica, implica alteração na organização
sináptica.

Assim, através das sinapses, as informações são transportadas, processadas e


armazenadas no SNC, e representam o fenômeno biológico envolvido com atividades
cognitivas como memória, inteligência e comportamentos e outras atividades não
cognitivas.

Todas as atividades como caminhar, dançar, escrever, ler um livro, memorizar a


tabela periódica tem o envolvimento de sinapses. Novos aprendizados, desenvolvem
novas sinapses, que aumentam o número de comunicações entre os neurônios que
são solicitados para o desempenho de atividades físicas e mentais (vida de relação) e
para o controle de nossas funções vitais (vida vegetativa).

Devido a sua plasticidade, nosso cérebro irá constituir-se durante toda a vida
numa obra de arte inacabada pois, a cada novo estímulo, a cada nova necessidade de
interação e, principalmente, a cada nova aprendizagem, novos circuitos neuronais são
ativados, novas sinapses são formadas. Os neurônios envolvidos aumentam o seu
vigor funcional reduzindo a possibilidade de serem eliminados através da apoptose.

Ao nascimento, o número de neurônios existentes em nosso sistema nervoso é


muito maior do que precisamos para realizar nossas atividades físicas e mentais, no

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Relações entre Estimulação, Aprendizagem e Plasticidade Cerebral

entanto, o bebê não consegue realizar tarefas que parecem simples como falar,
controlar o ato de urinar, e, simplesmente ficar de pé. Isto decorre da imaturidade
biológica do sistema nervoso, apesar de ter número excessivo de neurônios, estas
células ainda não estão se comunicando adequadamente, devido às poucas conexões
neuronais e ao processo de mielinização incompleto.

À medida que novos estímulos vão sendo incorporados na vida deste sujeito,
novas conexões são exigidas, e os comportamentos motores, intelectuais, e
vegetativos sofrem processo de amadurecimento.

A plasticidade cerebral não se deve apenas à resposta a eventos externos ao


organismo, mas também à eventos internos, incluindo efeitos hormonais, lesões e
genes anormais.

4.1 Como a experiência altera a estrutura cerebral?


Inicialmente é necessário fazer uma reflexão acerca dos locais onde se processam
as funções cognitivas. A inteligência é o produto da exploração de inúmeras
informações visuais, táteis, auditivas, olfativas e gustativas processadas e armazenadas
pelo cérebro. O substrato biológico dessas funções pode ser representado pelas
estruturas que constituem o córtex cerebral (células nervosas e suas conexões).

Em uma das experiências científicas para se comprovar os efeitos do meio


ambiente na plasticidade cerebral, os cientistas criaram dois grupos de ratos. O
primeiro grupo foi criado num laboratório dentro de uma gaiola, com apenas água e
comida. O outro grupo foi criado numa gaiola repleta de objetos de diferentes cores
e formas, uma rampa que dava acesso a um andar superior da gaiola. Ou seja, estes
animais além dos estímulos cognitivos, como visualizar, tocar os objetos diferentes,
ainda faziam atividades físicas.

Quando se fazia testes de inteligência (adaptados para os ratos) os animais da


segunda gaiola tinham desempenho muito melhor. Em outro experimento os
cientistas procederam com o mesmo método, mas analisaram a estrutura do cérebro
através de técnicas histológicas. O primeiro dado interessante foi que houve aumento
na espessura do córtex cerebral. E esse aumento não era devido apenas ao maior
número de células nervosas, mas também ao aumento expressivo das ramificações
neuronais, ou seja, os dendritos e axônios. Em reposta aos estímulos, as partes dos
neurônios que mais se modificaram foram os dendritos, e isto significa que no córtex
cerebral a intercomunicação entre as células. Ou seja, a experiência altera a estrutura

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Relações entre Estimulação, Aprendizagem e Plasticidade Cerebral

dos neurônios no cérebro, especialmente no córtex. O maior número de estruturas


envolvidas nas sinapses, e portanto, o maior número de sinapses. Essas informações
nos levam à ideia de que a experiência, alterando a morfologia, altera o
funcionamento e provavelmente o comportamento do indivíduo. Frente aos estímulos
o indivíduo teria mais opções de respostas.

Nos seres humanos, diversos casos relatados na literatura e novos exames por
método de ressonância magnética funcional sugerem que a plasticidade cerebral
observada nos ratos pode ser extrapolada para os seres humanos. Tarefas mentais
como ouvir, falar, fazer um cálculo ou lembrar de algum fato faz áreas diferentes do
cérebro aumentar o seu metabolismo, ou seja, consumir mais glicose, e provavelmente
realizar mais sinapses.

Uma questão importante a ser definida é: quanto tempo dura a plasticidade


cerebral? A vida toda. No entanto, ela é máxima aos 7 anos de idade, mais ou menos,
e diminui com o envelhecimento. Caso interessante relacionando ao tempo de
duração da plasticidade cerebral, pode ser constato por estudo realizado com freiras
católicas vivendo em um convento nos Estados Unidos. As freiras apresentavam uma
longevidade maior do que o restante da população (várias tinham mais de 100 anos).
Aquelas que viviam mais, eram aquelas que praticavam atividades como ensino,
pintura, palavras cruzadas.

Do mesmo modo que a estimulação causa o enriquecimento do nosso cérebro,


a falta dela no início da vida pode ser desastrosa. Crianças abandonadas em orfanatos,
vivendo em ambientes sem praticamente nenhum estímulo ambiental, sem interação
pessoal com os adultos apresentaram desenvolvimento motor e cognitivo semelhante
a crianças com retardo. Um caso que pode ilustrar o texto acima aconteceu com uma
garota que experimentou severas privações sociais, intelectuais e desnutrição crônica
devido a um pai psicótico. Quando foi encontrada aos 13 anos, após ter passado
grande parte de sua vida em um quarto fechado e ser punida por fazer qualquer
barulho, apresentava baixo desenvolvimento. Após trabalho de reintegração dessa
criança, apresentou rápido crescimento e desenvolvimento cognitivo, mas o
desenvolvimento da linguagem permaneceu gravemente retardado. Tais fatos nos
mostram que há um período crítico, ou seja, um período do desenvolvimento no qual
algum evento possui uma influência duradoura sobre o cérebro. Por exemplo, para a
linguagem esse período crítico ocorre até os 12 anos de idade aproximadamente.

Sugere-se que a inteligência deve ser influenciada pela experiência. E pode-se


dizer que pessoas educadas em ambientes estimulantes maximizariam seu

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Introdução à Neuropsicologia |

Relações entre Estimulação, Aprendizagem e Plasticidade Cerebral

desenvolvimento intelectual, e as pessoas criadas em ambientes empobrecidos não


atingiriam seu potencial intelectual.

Há que se tomar cuidado com o significado de ambiente enriquecedor. Por


exemplo, pessoas que vivem em condições de vida precária (ex.: favela), não tem o
que se pode chamar de ambiente enriquecedor, mas não significa que não tenha
estímulos cognitivos.

Se as conexões são a chave para o aprendizado, e se a maioria dos neurônios


não se reproduz durante a vida, como essas células conseguem manter esse vigor
físico necessário para suportar a plasticidade cerebral? A reposta vem de substâncias
químicas produzidas pelas próprias células nervosas, denominadas de fatores
neurotróficos, e que agem como nutrientes para os neurônios, promovendo a “saúde”
destas células e otimizando a sua capacidade de realizar novas sinapses.

A quantidade dos fatores neurotróficos está relacionada a vários fatores:

− à própria atividade das células, ou seja, quanto mais ativas as células


nervosas, maior a produção destas moléculas;
− aos tipos específicos de estimulação sensorial, principalmente aquelas fora
da rotina, que produzem novos padrões de atividades nos circuitos
nervosos e levam à sua maior produção;
− ao stress, que provoca o aumento de hormônios corticosteroides, que
diminui a disponibilidade dos fatores neurotróficos.
− à atividade física aeróbica, que aumenta a disponibilidade dos fatores
neurotróficos.

Deve ficar claro a definição de novas e ricas estimulações para o cérebro e o seu
limite. Pois o excesso de estímulos provoca uma sobrecarga, que conduz ao stress. E
na intenção de estar otimizando o funcionamento cerebral, muitas pessoas acabam
por um caminho reverso. Ou seja, submetidos ao stress e os efeitos negativos
cerebrais, como diminuição da memória e consequentemente do aprendizado.

Como a mente possui um substrato orgânico, representado pelo sistema


nervoso, em especial pelo cérebro, que dá suporte ao componente psíquico, podemos
inferir que a ampliação da malha neuronal abre novos caminhos que aumentam a
capacidade do cérebro processar o conhecimento através de suas funções
neuropsicológicas. Nesta visão de que funções neuropsicológicas são funções
mentais, cuja manifestação concreta é a capacidade de pensar, pode-se entender a
plasticidade como algo muito mais amplo do que um mero somatório de mecanismos

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Introdução à Neuropsicologia |

Cronobiologia

neurofisiológicos adaptativos que conferem ao sistema nervoso maior ou menor


complexidade e sim como algo que também possibilita ao sujeito durante toda a sua
vida modificar ou ampliar a sua capacidade de pensar.

5 Cronobiologia
A Cronobiologia é o estudo sistemático da organização temporal da matéria viva,
ou seja, da capacidade dos seres vivos de expressarem seus comportamentos, bem
como controlarem sua fisiologia, de forma periódica e recorrente.

Na sequência são apresentados alguns dos principais conceitos relativos à


Cronobiologia.

Ritmos biológicos

Os ritmos biológicos podem ser de: divisão celular; fotossíntese, excreção renal
de K, comportamental, reprodutivo, floração das plantas, hormonal e enzimático.
Caracterizam-se pela recorrência, a intervalos regulares de eventos bioquímicos,
fisiológicos e comportamentais. Variam em frequência, sendo classificados em:

a) Circadianos (24 horas +/- 4 horas ou um ciclo a cada 24 horas).


b) Ultradianos (menor que 20 horas ou mais de um ciclo a cada 24 horas).
c) lnfradianos (maior que 28 horas ou menos deum ciclo a cada 24 horas).

Zeitgebers (Arrastadores)

É o sincronizador externo relativo à fisiologia do sistema de temporização


circadiana – maneira pela qual nosso organismo se adapta à duração do período claro
(dia) e escuro (noite). Os zeitgebers ou arrastadores fornecem informações
importantes para o sistema nervoso central sincronizar com o ritmo circadiano e
biológico.

Ritmos comportamentais

Todos os animais dividem as 24 horas do dia de forma sistemática e periódica,


alocando, em momentos determinados, certas expressões comportamentais. Essa

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Introdução à Neuropsicologia |

Cronobiologia

temporização comportamental é altamente adaptativa, sondo necessária para a


sobrevivência individual e da espécie.

A Cronobiologia é uma disciplina científica recente, tendo o seu surgimento


histórico datado no ano de 1960. Porém, o maior crescimento e impacto da
Cronobiologia na comunidade científica estão ocorrendo nestes últimos anos. No
momento a Cronobiologia não está mais restrita à comunidade científica
especializada, mas já está inserida nos vários ramos das ciências biológicas e na saúde.

O crescimento da Cronobiologia como disciplina científica, nos últimos anos, tem


se dado em várias linhas:

a) na área molecular, com a identificação dos mecanismos moleculares e dos


vários genes que contribuem para o controle da expressão da ritmicidade
circadiana;

b) na fisiologia, com a identificação dos principais mecanismos dos processos de


sincronização e arrastamento dos ritmos biológicos pela luz;

c) na psicologia, com a identificação da importância da ritmicidade biológica para


funções cognitivas, principalmente para o processo de aprendizagem e memória;

d) na medicina, principalmente na caracterização, tanto no diagnóstico quanto


no tratamento de distúrbios da ritmicidade circadiana como uma doença em si e
relacionados a outras patologias médicas;

e) na saúde pública, principalmente em relação aos novos achados sobre as


influências e consequências do trabalho noturno ou em turnos alternantes.

A Cronobiologia tem contribuído para o estudo do comportamento em vários


campos: no estudo do desenvolvimento psicomotor, principalmente com os estudos
sobre as relações entre o desenvolvimento psicomotor e do sistema de temporização
circadiano; no estudo sobre a relação entre a ritmicidade circadiana e a função
cognitiva; nos estudos sobre a implicação de alterações na ritmicidade circadiana e
desordens do humor; nos estudos sobre as alterações do ciclo sono-vigília e
desempenho e nos estudos sobre alterações comportamentais em trabalhadores
noturnos ou em turnos alternantes .

Os ritmos circadianos de um organismo atingem pontos máximos e mínimos em


diferentes momentos do ciclo de horas, variando de indivíduo para indivíduo. Estudos
da ritmicidade circadiana levam a crer que seres vivos reagem de diferentes formas
aos estímulos aplicados em momentos diferentes do dia. Como essas variações

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Cronobiologia

durante as 24 horas têm a função de estar antecipando o organismo do indivíduo para


possíveis situações; essas alterações bioquímicas são previsíveis. Cada um dos
diferentes hormônios apresenta seu pico de máxima produção e secreção em
momentos diferentes do dia, de acordo com as necessidades típicas de espécie.

Todos os animais dividem as horas do dia de forma sistemática e periódica,


alocando, em momentos determinados, certas expressões comportamentais. Essa
temporização comportamental é altamente adaptativa, sendo necessária para a
sobrevivência individual e da espécie. Embora as categorias de atividade e repouso
sejam bem definidas, elas dependem de parâmetros fisiológicos, isso significa que,
nem sempre uma atividade definida, como de vigília, ocorra apenas em estado de
vigília fisiologicamente definida.

A Melatonina é uma substância (neurotransmissor) produzida pelo corpo pineal


(pineal gland) e está diretamente associada à produção de serotonina, um outro
neurotransmissor envolvido no ciclo sono-vigília, nos mecanismos de atenção e nos
distúrbios afetivos. Existe um tipo de depressão que pode ser considerada como uma
disfunção primária dos ritmos biológicos. Os pacientes com síndrome afetiva sazonal
demonstram uma resposta exagerada à mudança das estações que, dependendo da
estação, pode alcançar severas proporções, enquadrando-se nos critérios usuais de
depressão endógena. Este tipo de depressão, possivelmente, manifesta-se quando a
quantidade de horas de claro por dia fica abaixo de um certo valor crítico. Assim, pelo
fato de que, possivelmente, trata-se de um efeito circadiano da luz incidente, usa-se
um tratamento baseado na exposição do sujeito à luz artificial, tendo em vista
recuperar suas relações de fase claro-escuro corretas com os ciclos ambientais.

No ponto de vista cronobiológico não se pode desconsiderar as características


individuais, (CIPOLANETO, 1988), para Horne & Ostberg (1976), a população é dividida
em três grandes grupos. Ao grupo um pertencem os matutinos: indivíduos que
acordam naturalmente entre 5 e 7 horas da manhã e em contrapartida dormem
também muito cedo, em torno de 23 horas, são cerca de 10 a 12% da população geral.
Ao grupo dois pertencem os vespertinos: indivíduos que acordam naturalmente entre
12 e 14 horas e dormem por volta de 2 a 3 da manhã; pertencem a esse grupo em
torno de 8 a 10% da população. esse grupo tem sua curva de ritmos endógenos
atrasada no ponto de vista dos matutinos. No último grupo tem-se grande parte da
população, são os chamados de intermediários, e podem ter seus horários adiantados
(comportando-se assim como um matutino) ou mesmo atrasados.

Sob o ponto de vista cronobiológico, existem dois tipos de indivíduos quanto ao

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Cronobiologia

sono. O primeiro é o pequeno dormidor, que precisa cerca de 5h30 a 6h30 de sono.
O segundo é o grande dormidor, que possui a necessidade de dormir de 8h30 a 9h30
(CIPOLA-NETO, 1988).

Miranda Neto (1997) mostra uma outra variação para o tempo de sono de um
indivíduo adulto, sendo esta dividida em três grupos: os pequenos dormidores, que
têm a necessidade de sono de 5 a 6 horas; os médios dormidores, cujo tempo de sono
é de 7 a 9 horas; e os grandes dormidores, que precisam dormir de 10 a 12 horas
diárias. Com isso, o autor afirma que não se pode dizer que um determinado indivíduo
está em privação de sono olhando apenas para a média da população, é preciso saber
o que é o normal dessa pessoa, observando, por exemplo, o quanto ela normalmente
dorme.

Deve-se ter a consciência que os indivíduos são diferentes fisiologicamente em


diferentes horas do dia ou mesmo da noite. Com o avanço de estudos sobre ritmos
circadianos em fisiologia, para Cipolla-Neto (1988), passa a ser mais interessante
definir faixas de normalidade durante cada momento do dia, ele afirma, ainda, que a
organização temporal interna, caracterizada pela relação de fase dos diversos ritmos
circadianos, é um dos requisitos básicos da normalidade funcional do organismo
humano.

A escola, por exemplo, é organizada para uma sociedade matutina, ou mesmo


homeostática, onde todos os horários são os ideais para o aprendizado. Cabe a
educadores e educandos buscarem novos meios para facilitar esse aprendizado
(MIRANDA-NETO& IWANKO, 1997). Nessa forma de organização escolar não se leva
em consideração as diferenças cronobiológicas ali existentes.

É importante ressaltar que os diversos ritmos possuem tempos diferentes para a


adaptação. Marques et al. (1989) alertam para o fato de que o relógio biológico sofre
esse ajuste de forma lenta e, enquanto ainda está em desequilíbrio, o indivíduo sofre
com problemas como queda no desempenho em suas atividades, irritabilidade,
estresse entre outros.

5.1 Relações do Sono e Aprendizagem


O sono é uma parte essencial de nossas vidas e consome aproximadamente um
terço de nosso tempo. O restante do tempo passamos acordados, ou seja, em estado
de vigília. Durante a noite dois tipos de sono se alternam:

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Cronobiologia

− sono de ondas lentas ou profundo


− sono paradoxal ou sono de movimentos rápidos dos olhos (REM-Rapid
Eye Movements)

O sono de ondas lentas é repousante para o físico porque neste período a


pressão sanguínea cai, os vasos sanguíneos se dilatam, os músculos ficam
preponderantemente relaxados e a taxa do metabolismo basal cai de 10 a 30%. Ocorre
a liberação do hormônio do crescimento (GH) que promove o crescimento, a
renovação e reparação dos tecidos do corpo. A privação do sono profundo provoca
redução do hormônio do crescimento na corrente sanguínea e faz com que o sujeito
se sinta cansado, deprimido e com mal-estar.

No sono REM (ocorre na segunda metade de noite de sono) o cérebro está


altamente ativo e seu metabolismo global pode estar aumentado em até 20%. O
eletroencefalograma mostra um padrão de ondas cerebrais semelhantes ao que
ocorre durante a vigília. O termo paradoxal ocorre porque é um paradoxo que uma
pessoa dormindo esteja realizando acentuada atividade cerebral. Os sonhos que
acontecem durante o sono REM estão intimamente ligados à consolidação da
memória e à aprendizagem, pois nesta fase são ativados mecanismos que originam
novas sinapses, possibilitando o acesso, a otimização ou a formação de novos circuitos
neuronais relacionados à memória. Ocorre a liberação em grande quantidade de
hormônios suprarrenais, colaborando para redução do estresse, melhorando o
metabolismo e a capacidade de resistir a infecções. À medida que a pessoa vai ficando
mais repousada, os episódios de sono REM tornam-se mais longos. Daí a grande
importância da segunda metade da noite de sono para o mecanismo de consolidação
da memória.

A necessidade de sono varia no decorrer da vida. Conforme Ajuriaguerra &


Marcelli (1986), um recém-nascido dorme em média 16 a 17 horas por dia, em frações
de 3 horas. A partir dos 3 meses, dorme 15 horas por dia, com as fases mais longas de
sono ocorrendo durante a noite (até 7 horas consecutivas), e fases prolongadas de
vigília durante o dia. A quantidade de sono diminui progressivamente: 13 horas por
volta de 1 ano; 12 horas entre 3 a 5 anos; 9 horas e 30 min entre 6 e 12 anos; e 8 horas
entre 13 e 15 anos. É preciso ressaltar que, na vida adulta, os indivíduos são
classificados em pequenos, médios e grandes dormidores. Os pequenos dormidores
cumprem com todas as funções do sono em um período de 5 a 6 horas. Os médios
dormidores necessitam de 7 a 9 horas, e os grandes dormidores necessitam de 10 a

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Cronobiologia

12 horas. Inúmeras pesquisas têm mostrado que a maioria da população se enquadra


como médios dormidores.

Entre os adolescentes, por uma questão hormonal, há aumento significativo no


número de horas de sono. Além do mais, ocorrem também nesta fase um mecanismo
denominado poda neuronal, cuja finalidade seria eliminar sinapses antigas, para
preparar para novos circuitos. Diante de todos os conhecimentos que temos sobre o
sono, poderíamos questionar: não seria este aumento no período de sono uma chance
de aumentar o processamento onírico e de ampliar drasticamente a produção de
memória referente àquilo que ocupou a atenção do sujeito durante o dia, já que a
atenção entre 12 e 15 anos atinge seu apogeu de desenvolvimento?

Ao investigar as causas de dificuldades de aprendizagem, deve-se incluir um


levantamento sobre as condições de sono do aprendiz. Um sintoma clássico da
privação de sono é deitar-se no horário habitual e levantar-se muito tarde aos finais
de semana. O problema é que essa “esticadas” de fim de semana não funcionam. É
sabido cientificamente que alguns estágios de sono não podem ser compensados.

A vigília prolongada e a privação do sono REM estão frequentemente associadas


ao mau funcionamento progressivo da mente. Num primeiro momento, ocorre
lentidão do pensamento e, posteriormente, a pessoa pode se tornar irritável e até
mesmo psicótica.

A privação de sono causa alterações da afetividade, em especial, do estado de


ânimo ou humor e das emoções. Quando se associam ao intenso cansaço físico as
alterações do estado de ânimo são ainda mais acentuadas. Em situação de privação
de sono, as crianças que normalmente já possuem instabilidade afetiva, tornam-se
ainda mais instáveis. Ficam irritadas, choronas e contestadoras. É como se estivessem
brigando com o sono. Como as funções psíquicas são completamente interligadas,
verifica-se que a privação do sono, ao interferir com a afetividade, o faz também com
a atividade voluntária, uma vez que a intensidade da ação está subordinada à
afetividade. Desta forma, irrompem-se as mais inesperadas ações que vão desde
adormecer sobre o teclado do computador até quebrá-lo, porque já não se consegue
mais focalizar a atenção e grande número de erros está sendo cometido.

Adultos e crianças com privação de sono têm dificuldade para aprender. Isto
decorre, como já vimos, de alterações de curso do pensamento, da afetividade, da
atividade voluntária, da atenção e também da memória. Em termos práticos, se
estamos cansados e privados de sono, nosso pensamento se torna lento e confuso.
Os níveis de instabilidade afetiva que se instalam com a privação de sono vão se

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Cronobiologia

tornando incompatíveis com a mobilização da vontade de estar atento. A falta de


atenção, por sua vez, somada à lentidão do pensamento, compromete todas as fases
do processo de memorização, com sérias repercussões para a aprendizagem. Tais
repercussões devem-se à necessidade do sono profundo por ser este repousante para
o físico. Por outro lado, o sono REM tem importante função na memorização.

A teoria epigenética de Jouvet (1978, 1991) postula que o sono REM tem a
função de promover uma complexidade crescente das ligações sinápticas, mesmo
após o término da organização anatômica dos circuitos neuronais, que ocorrem
durante a embriogênese e primeira infância. Para o referido autor, o desenvolvimento
humano não pode se restringir a programação genética, aquilo que é fixo e herdado,
mas que, através do processamento onírico, surgem maneiras de o indivíduo transpor
tais limites.

Outra questão que deve ser compreendida é a dos cronotipos (OSTEBERG, 1976;
CARDINALI AET AL., 1992). É sabido que na população existem três diferentes
cronotipos: matutinos, intermediários e vespertinos. Os matutinos acordam cedo e
dormem cedo. São muito produtivos para os trabalhos físicos e mentais no período
da manhã e boa parte da tarde. Porém, no período noturno, em especial, após as 21
ou 22 horas, têm grandes dificuldades para se manterem acordados. Os vespertinos
dormem tarde e acordam tarde. Em compensação, são muito produtivos à tarde e à
noite. Os intermediários situam-se entre os dois tipos anteriores.

É importante saber que os horários de dormir e acordar estão diretamente


relacionados à produção de diferentes hormônios, como a melatonina, cortisol e
hormônio do crescimento.

Na vida adulta, os vespertinos representam aproximadamente 10% da


população. Um dos problemas dos vespertinos é que o sujeito vai deitar-se muito
tarde, pois a melatonina, hormônio que dispara o gatilho para dormir sofre uma
defasagem no momento de sua produção.

Como a maioria das escolas não oferece turmas vespertinas para as últimas séries
do ensino fundamental e para ensino médio, surge um problema bem conhecido:
retirar o adolescente vespertino da cama e mantê-lo acordado. Na verdade, estes
alunos vão para a escola quando ainda deveriam estar dormindo, pois se a sua noite
de sono se iniciou às 2 horas de manhã, às 6 horas ele está começando a segunda
metade do sono, que deveria estender-se até 10 ou 11 horas. Nesta fase, iria ocorrer
a intensificação do sono REM e os processos de consolidação da memória, além da
importante testagem das vivências através do processamento onírico. No entanto, o

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Cronobiologia

aluno tem seu sono interrompido para ir à escola, pois existe uma crença generalista
de que pela manhã a aprendizagem se processa com maior facilidade. Esta crença não
chega a ser errada. O que está incorreto é o conceito de manhã. É preciso diferenciar
a manhã ambiental, marcada pelo surgimento do sol, da manhã de cunho biológico,
que ocorre no organismo de cada indivíduo. Pode-se dizer que para os sujeitos
matutinos a manhã biológica coincide com a ambiental, enquanto para os vespertinos
isto não ocorre, pois a manhã ambiental ocorre enquanto eles ainda se encontram na
segunda metade da noite de sono.

O período que prece o acordar é fundamental para a redução do estresse, pois


nele se intensifica o sono REM e, durante esta fase, cai drasticamente a produção de
adrenalina. Além disso, uma ou duas horas antes do horário de acordar a produção
do cortisol aumenta, o hormônio antiestressante que vai nos preparar para enfrentar
os desafios de um dia. Ao acordar, intensifica-se a atuação do hormônio tireoidiano
provocando uma elevação no metabolismo celular e aumentando a disponibilidade
de energia para as atividades físicas e mentais. Também a serotonina, importante
substância relacionada ao processo de atenção e estado de ânimo, tem seu pico cerca
de duas horas após o horário ideal de acordar. Logo, o período da manhã realmente
é muito bom para aprender, desde que se tenha a compreensão de que para os
matutinos a manhã se inicia por volta de seis ou sete horas enquanto para os
vespertinos por volta do meio-dia.

Se por um lado levantar-se cedo é causa de privação de sono para os vespertinos,


deitar-se tarde é a principal causa para os matutinos. Estes têm que compreender que
não são biologicamente compatíveis com estudar madrugada afora ou fazer ginástica
à meia noite.

5.2 Os Tipos de Sono


O sono de ondas lentas

O sono de ondas lentas é conhecido como sono lento, sono sincronizado, ou


como sono não REM. Essa fase do sono varia desde o estado inicial de sonolência que
todos experimentamos até estados bastante profundos de sono. Esse tipo de sono é
acompanhado de uma diminuição na maioria das funções corporais, redução da
resposta aos estímulos sensoriais, redução generalizada do tônus muscular (maior
relaxamento dos músculos) sem, no entanto, impedir comportamentos relacionados
à termorregulação, embora de forma menos eficiente (p. ex. mudanças de posição

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Cronobiologia

quando estamos dormindo e com frio). Nessa fase do sono a respiração se torna
profunda e regular, a frequência cardíaca e a produção de calor reduzem. Isso provoca
uma queda na temperatura corporal, uma vez que os mecanismos de regulação da
temperatura se tornam menos eficientes embora permaneçam ativos.

A análise da atividade elétrica do cérebro (eletroencefalograma – EEG) de uma


pessoa, durante esse sono, mostra uma lentificação progressiva das ondas geradas
pelo cérebro com aumento na amplitude dessas ondas, processo esse conhecido
como sincronização – grande quantidade de neurônios, em diferentes regiões do
cérebro, que começam a disparar potenciais sincronizadamente. Essa sincronização
está associada a uma redução nas atividades do cérebro. Portanto, quanto mais
profundo o sono, menor a frequência e maior a amplitude das ondas (mais
sincronizadas) e menor a atividade cerebral.

O sono paradoxal

O outro tipo de sono também recebe várias designações: sono dessincronizado,


sono paradoxal, sono REM (rapid eyes movements – movimentos oculares rápidos:
MOR) ou ainda sono onírico. Esse sono é caracterizado por um relaxamento muscular
profundo, associado a movimento oculares rápidos (daí a designação REM ou MOR)
e abalos musculares no corpo. O indivíduo apresenta perda da regulação
homeostática, com aumento da variação da frequência cardíaca; a respiração se torna
irregular e o indivíduo se torna quase poiquilotermo (incapaz de regular a temperatura
corporal). O metabolismo cerebral aumenta aos níveis da vigília (acordado) e o EEG
também fica bastante semelhante (dessincronizado) ao observado quando o sujeito
está desperto [a dessincronização, que a princípio pode parecer desorganização,
significa intensa atividade cerebral; quanto mais alertas estamos ou quando estamos
elaborando um raciocino, a dessincronização é máxima]. O limiar ao despertar se
encontra no seu nível mais alto (daí a designação paradoxal). Quando despertado
durante essa fase do sono, a maioria das pessoas, na maioria das vezes, relata ter sido
interrompida de um sonho (por isso o termo sono onírico). Embora também ocorram
sonhos no sono sincronizado, eles são menos vívidos que durante o sono REM.

Importante ressaltar que durante essa fase a pessoa se encontra no estado mais
profundo do sono e, entretanto, a atividade do cérebro é comparável à observada
quando acordado, tanto no consumo energético como no fluxo sanguíneo ou na
atividade elétrica e mesmo na atividade mental. Esses dois tipos de sono ficam se
alternando continuamente durante um episódio de sono. No homem o ciclo completo

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Cronobiologia

dura aproximadamente 90 minutos e é mantido durante toda a noite num total de 4


a 6 ciclos por noite. Nos primeiros ciclos de sono há um predomínio do sono de ondas
lentas (sincronizado) e há um aumento da incidência do sono dessincronizado (REM)
nos dois últimos ciclo próximos ao amanhecer.

5.3 A relação de causalidade entre sono e outros fenômenos


As características bizarras do sono dos mamíferos, a descoberta de duas fases
extremamente diferentes e a necessidade imperativa do sono derrubam a ideia da
simples necessidade de repouso como resposta à pergunta "por que dormimos?".

A relação causal em comportamentos pode ser interpretada de várias formas. De


uma forma bem simples dizemos que existe uma relação de casualidade entre dois
fenômenos quando se afirma que é necessário e imprescindível que um fenômeno
(ou evento ou estado) ocorra para que o outro também aconteça. Pode-se fazer a
mesma análise para se tentar entender as justificativas que determinariam a existência
do sono nos animais.

Isto posto, um determinado comportamento pode aparecer como resultado de


um estímulo surgido no meio ambiente ou no "meio interno" (no próprio organismo).
Nesse caso o estímulo pode ser considerado uma causa ou o porquê. Uma justificativa
teleológica (busca de um motivo adaptativo ou não) do porquê pode levar a uma
consequência específica em particular, geralmente relacionada a algum aspecto da
manutenção da homeostase. Na função homeostática, o porquê estaria relacionado à
necessidade da manutenção da constância de uma estrutura ou função em particular,
necessária para a vida do organismo.

Existem muitas teorias considerando a função homeostática do sono: a teoria


clássica da função restauradora do sono; a teoria da conservação de energia; e a teoria
termorregulatória. De acordo com uma definição operativa simples, "causa" é
qualquer fator ou evento que mantém uma correlação estatística antecedente
significante com o processo considerado como efeito. Considerando as diferentes
causas ou "porquês" relacionados ao sono, não é difícil de se notar que o sono é
necessário para:

1. obtenção de repouso adequado;

2. restauração da função cerebral;

3. manutenção da memória;

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Cronobiologia

4. desenvolvimento cerebral;

5. desintoxicação.

Entre tantos outros. Todavia, a maioria dessas funções, senão todas, pode ser
alcançada mesmo com grande privação de sono. Dessa forma pode se concluir que a
maioria das funções propostas ao sono têm sido demonstradas como sendo
necessárias, mas não suficientes por si só para justificar a existência desse estado
comportamental tão complexo chamado de sono.

A análise da causalidade tem um nível adicional de complexidade. Explicando:


imagine uma situação em que resultados empíricos teriam demonstrado uma relação
causal precisa entre sono e outra função corporal importante; por exemplo: a
consolidação da memória (formação da memória a longo prazo ou permanente)
nunca ocorreria antes da ocorrência de um episódio de sono. Da mesma forma tem
sido enfaticamente demonstrado que cada vez que ocorre um episódio de sono
também ocorre um episódio de consolidação de memória. Com isso, poderia ser dito
que a necessidade de consolidação da memória seria necessária e suficiente para
justificar o sono? À primeira vista a resposta poderia ser sim. Um primeiro alerta vem
do fato que experimentos têm demonstrado que essa consolidação, em humanos,
ocorre durante a fase REM do sono, e principalmente nos últimos eventos de sono
dessincronizado antes do despertar, próximo ao amanhecer. Portanto apenas uma
parte do sono parece ser necessária para a consolidação da memória. Outra tarefa a
ser desenvolvida nesse caso, seria demonstrar por que a consolidação da memória
seria impossível sem o sono. Por que ela não ocorreria durante a vigília ou durante
algum outro comportamento, por exemplo, alimentando-se ou bocejando.

Esses exemplos e indagações servem para ilustrar que uma inevitável


contingência entre sono e qualquer outra função poderia não ser facilmente
compreendida e justificada, mesmo a despeito da existência de relação empírica entre
elas. Nesse caso, o porquê definitivo do sono não estaria relacionado aos processos
de consolidação da memória exclusivamente, mas a algum tipo de restrição funcional
que tornaria impossível obter um determinado fenômeno orgânico (p. ex. aquisição
de memória) ou comportamento, através de uma outra forma de organização
funcional do organismo.

O sono tem tudo para ser um processo adaptativo que vem se especializando e
adaptando também através da evolução das espécies. Isso pode ser deduzido através
do estudo do sono nas diferentes espécies ao longo da escala evolutiva dos animais.
O sono de uma lagartixa é diferente do sono de uma ave ou de um mamífero. É

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Memória e Aprendizagem

possível que as necessidades para um bom desempenho de algumas (ou de todas??)


as funções orgânicas daqueles animais passem pela necessidade de um sono menos
complexo do que os mamíferos superiores, onde se incluem os humanos. Uma
corrente de pensamento entre os pesquisadores acredita que os répteis não tenham
sono REM; uma outra corrente já acredita que os répteis não têm o estado conhecido
como vigília, o nosso alerta ou nosso "estar acordado".

Portanto, tentar achar uma resposta para a pergunta de "por que dormimos?"
pode passar pela missão de se achar uma resposta para cada função, para cada
fenômeno que mantém um organismo vivo, e, mais ainda, pensando, raciocinando,
lembrando, sentindo, emocionando-se.

6 Memória e Aprendizagem
Muitas das experiências que vivenciamos não esquecemos. Por exemplo, uma
visita às Cataratas do Iguaçu. A exuberância da natureza combinada com a abundância
e a fúria das águas. Cada pessoa guardará essas imagens de forma particular, pois a
memória mescla experiências vividas no ambiente com as nossas vivências interiores.
Assim somos seres "únicos" porque aprendemos e lembramos das nossas
experiências. O conjunto de memórias de cada um determina aquilo que se denomina
personalidade ou forma de ser.

Poderíamos nos perguntar, mas afinal como se processa a memória? Se fôssemos


defini-la de uma forma simples poderíamos dizer que memória é a aquisição, o
armazenamento e a evocação de informações. A aquisição é também denominada de
aprendizado. A evocação é também chamada recordação, lembrança, recuperação.

A memória de trabalho, também chamada de memória operacional, é a interface


entre a percepção da realidade pelos sentidos e a formação ou evocação de memórias.
Para exemplificar a memória de trabalho poderíamos dizer que é a memória de um
número telefônico que alguém nos diz e esquecemos logo depois de discar. A
memória de trabalho não forma arquivos duradouros, nem deixa traços bioquímicos.
É funcionalmente distinta dos outros tipos de memória, as quais formam arquivos por
meio de uma sequência de eventos bioquímicos.

Costumamos classificar as memórias, em relação ao seu conteúdo, em dois


grandes grupos: as memórias declarativas (aquelas para fatos ou eventos e qualquer
informação que possa ser expressa conscientemente) e as memórias procedurais, as

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Memória e Aprendizagem

quais envolvem basicamente habilidades motoras e/ou sensoriais, também chamadas


de hábitos. O processamento das memórias declarativas envolve o hipocampo, córtex
entorrinal, além de outras estruturas corticais. Entre as memórias declarativas, aquelas
que são mais "carregadas" emocionalmente (aversivas, emocionais) são fortemente
moduladas pela amígdala (conjunto de núcleos nervosos situados nos lobos
temporais). As memórias declarativas sofrem influência do estresse, do humor e da
motivação. As memórias procedurais ou implícitas são adquiridas gradativamente e,
além disso, evocadas de modo inconsciente. Para exemplificar melhor: as memórias
procedurais são as nossas habilidades de montar quebra-cabeças, andar de bicicleta,
nadar. As memórias de procedimentos ou implícitas sofrem pouca modulação pelas
emoções e estados de ânimo.

Do ponto de vista de duração, as memórias classificam-se em curta duração, a


qual dura de alguns minutos a poucas horas, e a memória de longa duração que
permanece dias, semanas e anos. Ambas possuem alterações (traços) bioquímicos. As
memórias de curta e de longa duração são processos separados, mas
interdependentes.

A memória é uma função do sistema nervoso. Os neurônios (células nervosas)


emitem prolongamentos aos quais chamamos de axônios, que enviam informações
através da liberação de substâncias, e dendritos que recebem as substâncias liberadas
pelas terminações dos axônios. As substâncias liberadas pelos axônios são chamadas
de neurotransmissores. Os neurotransmissores ao serem liberados em uma pequena
fenda entre os neurônios, denominada sinapse, ligam-se em proteínas da superfície
celular, denominadas receptores. O glutamato é o principal neurotransmissor
excitatório (o qual apresenta um papel fundamental na memória), enquanto o ácido
gama amino butírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibitório. Existem muitos
outros aos quais chamamos de neuromoduladores: a serotonina, a dopamina, a
acetilcolina, a noradrenalina. Esses neuromoduladores modulam a memória e estão
diretamente relacionados com o processamento das emoções, com o nível de alerta
e estados de ânimo. Todos sabemos como é fácil aprender ou evocar algo quando
estamos atentos e de bom humor, ao contrário, o quanto nos custa aprender qualquer
coisa ou até lembrar coisas simples quando estamos cansados, deprimidos ou muito
estressados. Todo esse processo é regulado por sinapses noradrenérgicas,
dopaminérgicas e serotonérgicas.

Além dos moduladores citados acima, a consolidação (armazenamento) da


memória de longa duração sofre influência dos "hormônios do estresse", ß- endorfina,
adrenocorticotropina (ACTH), os corticóides, adrenalina, noradrenalina e vasopressina

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Memória e Aprendizagem

circulantes. Todos esses hormônios atuam através do núcleo basolateral da amígdala


(responsável pela mediação de memórias emocionais). Com exceção da ß- endorfina,
que inibe a consolidação da memória em qualquer dose, os demais "hormônios do
estresse" melhoram a consolidação em níveis moderados e a inibem em doses ou
concentrações elevadas. Isso explica o que chamamos de "branco" quando estamos
excessivamente estressados.

Nos últimos 15 anos houve um grande avanço nas neurociências, especialmente


em relação aos mecanismos fisiológicos e moleculares da formação, consolidação e
evocação da memória. No entanto, desde o final do século XIX Ramon y Cajal (1893)
postulou corretamente que as memórias consistem na modificação na forma e na
função das sinapses envolvidas na formação dessas memórias. Esse processo de
modificação sináptica chamamos de plasticidade neuronal. Cada experiência
vivenciada estimula o processo de plasticidade neuronal em diferentes espécies, que
vão desde invertebrados aos humanos.

Embora possamos armazenar tantas experiências quanto possível, podemos


dizer que tão importante quanto o armazenamento de informações é o seu
esquecimento. O fenômeno do esquecimento é fisiológico e desempenha um papel
adaptativo. Imagine só se fôssemos capazes de "guardar" tudo aquilo que
vivenciamos com uma riqueza de detalhes, seria praticamente impossível, pois
levaríamos boa parte do nosso tempo recordando cada detalhe vivenciado.

No entanto, quando o esquecimento é patológico, e prejudica de maneira


irreversível a vida cognitiva do indivíduo, estamos diante de um quadro de doença
neurodegenerativa. A mais comum delas é a doença de Alzheimer. Na sua fase inicial
o indivíduo esquece fatos mais recentes. À medida que a doença evolui, a memória
remota do paciente é afetada, culminando com o não reconhecimento dos parentes
e pessoas mais próximas, perda das habilidades e por fim da sua própria identidade.
Essas lesões ocorrem inicialmente no córtex entorrinal e, a seguir, no hipocampo. A
utilização de fármacos para o tratamento da doença de Alzheimer, bem como de
outras demências, até o momento, é pouco específica e eficaz. Porém, está bastante
claro que o exercício contínuo da memória em suas diversas formas pode prevenir ou
ao menos retardar o aparecimento das demências e da doença de Alzheimer.

Diferente das memórias esquecidas são as memórias extintas. Estas permanecem


latentes e não são evocadas, a menos que ocorra uma circunstância especial como a
apresentação, de uma forma muito precisa, do estímulo (da situação) utilizado para
adquiri-las e/ou com uma intensidade muito aumentada, uma "dica" muito

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Memória e Aprendizagem

apropriada. As memórias extintas podem ser evocadas, as memórias esquecidas não.


A extinção se produz no hipocampo e na amígdala basolateral e requer expressão
gênica, síntese de proteínas e vários outros processos bioquímicos e tem uma clara
aplicação terapêutica no tratamento de fobias, síndrome do pânico, ansiedade
generalizada e, sobretudo, estresse pós-traumático. Assim, se um paciente for exposto
a uma versão amenizada da situação que lhe causou a fobia ou o trauma,
acompanhado de psicoterapia apropriada, pode levar a eventual extinção da memória
dessa situação.

6.1 Aspectos biológicos da memória


Todas as nossas experiências sensoriais (visuais, táteis, olfativas, gustativas e
auditivas) podem se tornar recordações duradouras, ou simplesmente desaparecer. A
função cognitiva responsável pelo armazenamento é denominada de memória, e
representa um dos processos cognitivos mais complexos e fantásticos do cérebro,
onde ocorre a retenção e evocação de informações de nossas experiências. Está
diretamente relacionada à inteligência de um indivíduo, pois é a faculdade cognitiva
que forma a base para a aprendizagem.

Se não houvesse uma forma de armazenamento mental de representações do


passado, não teríamos uma solução para tirar proveito da experiência. Assim, a
memória envolve um complexo mecanismo que abrange o arquivo e a recuperação
de experiências, portanto, está intimamente associada à aprendizagem, que é a
habilidade de mudarmos o nosso comportamento através das experiências que foram
armazenadas na memória; em outras palavras, a aprendizagem é a aquisição de novos
conhecimentos e a memória é a retenção daqueles conhecimentos aprendidos.

A memória representa a base de nosso conhecimento, e está envolvida com


nossa orientação no tempo e no espaço e nossas habilidades intelectuais e motoras.
Assim, a aprendizagem e memória são o suporte para todo o nosso conhecimento,
habilidades e planejamento, fazendo-nos considerar o passado, nos situarmos no
presente e prevermos o futuro, aliás, esta última, é uma habilidade altamente
complexa e, ao que parece, exclusiva dos seres humanos.

6.2 Classificação da Memória


Memória de curto prazo (trabalho ou operacional)

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Memória e Aprendizagem

Memória curto prazo

É uma memória muito rápida. Pode durar apenas segundos ou algumas horas, e
é importante para proporcionar a continuidade do nosso sentido do presente. É crucial
tanto no momento da aquisição como no momento da evocação de toda e qualquer
memória, declarativa ou não. Através dela armazenamos temporariamente
informações que serão úteis apenas para o raciocínio imediato e a resolução de
problemas, ou para a elaboração de comportamentos, podendo ser esquecidas logo
a seguir. Em outras palavras, ela mantém a informação viva durante poucos segundos
ou minutos, enquanto ela está sendo percebida ou processada. Armazenamos em
nossa memória de curto prazo, por exemplo, o local onde estacionamos o automóvel,
uma informação que será necessária até o momento de chegarmos até o carro. Esta
forma de memória é sustentada pela atividade elétrica de neurônios do córtex pré-
frontal. Esses neurônios interagem com outros, através do córtex entorrinal, inclusive
do hipocampo, durante a percepção, aquisição ou evocação. E o mecanismo biológico
envolvido seriam as sinapses.

Memória de longo prazo

Pode ser classificada em explícita (declarativa) ou implícita (não declarativa), dura


dias, semanas ou mesmo anos. Para que a memória de curta duração se torne
permanente, ela requer atenção, repetições e ideias associativas. A transição da
memória de curto prazo para de longo prazo é denominada de consolidação.

Memória implícita (não-declarativa)

É a memória para procedimentos e habilidades, aprendidos com repetição. Por


exemplo, a habilidade para tocar um instrumento musical, digitar no teclado do
computador, dirigir, jogar bola, dançar, nadar, dar um nó no cordão do sapato etc.
Difere da explícita porque não precisa ser verbalizada (declarada).

Memória explícita (declarativa)

É a memória para fatos e eventos, por exemplo, lembrança de datas, fatos


históricos, nome e imagem da primeira professora, primeiro namorado, etc. Reúne
tudo o que podemos evocar por meio de palavras (daí o termo declarativa).

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Memória e Aprendizagem

É mais fácil de se formar, mas é facilmente esquecida. Enquanto a memória para


aprendizagem de habilidades (memória implícita) tende a requerer repetição e prática,
mas é mais duradoura.

A memória explícita ocorre de forma consciente e envolve áreas como o


hipocampo e o lobo temporal, enquanto que a memória implícita não requer
participação consciente, e utiliza estruturas não corticais (núcleos da base)

O hipocampo e o córtex temporal parecem estar envolvidos na formação da


memória declarativa, mas não na memória de procedimentos. Ao passo que certos
núcleos do cérebro, cerebelo e medula espinhal parecem ser necessários para a
formação de memórias de procedimento, mas não intervêm na memória declarativa.
Devido a esta organização anatômica, assume-se que a memória declarativa é
controlada por mecanismos cerebrais superiores, enquanto a memória de
procedimentos parece depender de sistemas e regiões inferiores.

Ambas as memórias nascem de conexões entre os neurônios, nos pontos


denominados sinapse. Pode-se aferir que as memórias são a forma física da sinapse.
Quando é criada uma memória de curto prazo, uma estimulação da sinapse é
suficiente para sensibilizá-la aos sinais subsequentes.

As vezes não é preciso ver ou ouvir a mesma coisa duas vezes. A repetição é
necessária para aprender o número do CPF, mas uma única experiência pode ser
gravada para sempre, principalmente se ela estiver associada ao medo. O truque do
cérebro é avaliar nossas experiências a cada instante e escolher quais delas devem ser
mantidas para referências futuras e quais devem ser descartadas. Aliás, uma das
tarefas mais importantes do cérebro é esquecer, que significa deletar inúmeras
informações que nosso cérebro processa todos os dias.

6.3 Os Mecanismos Cerebrais da Memória


O processo de memorização é complexo envolvendo sofisticadas reações
químicas e circuitos interligados de neurônios. As células nervosas ou neurônios,
quando são ativadas liberam hormônios ou neurotransmissores que atingem outras
células nervosas através de ligações denominadas sinapses. Uma memória é criada
quando uma rede de sinapses é reforçada. Temporariamente no caso de uma
memória de curto prazo e permanentemente no caso de uma memória de longo
prazo. Com o passar do tempo, a rede de conexões sinápticas pode ser fortalecida,
enfraquecida ou interrompida. Os genes são importantes na consolidação da memória

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Memória e Aprendizagem

de curto para longo prazo. Na memória de longo prazo mecanismos moleculares


garantes o fortalecimento das sinapses. Como um neurônio forma dezenas de
milhares de conexões sinápticas, entende-se a capacidade de armazenar tanta
informação.

A memória não está localizada em uma estrutura isolada no cérebro; ela é um


fenômeno biológico e psicológico envolvendo diferentes sistemas cerebrais que
funcionam juntos. Existem consideráveis evidências apontando o lobo temporal como
sendo particularmente importante para armazenar eventos passados, pode ser a
região potencialmente envolvida com a memória a longo prazo.

Nesta região também existe um grupo de estruturas interconectadas entre si que


parece exercer a função da memória para fatos e eventos (memória declarativa), entre
elas está o hipocampo, as estruturas corticais circundando-o e as vias que conectam
estas estruturas com outras partes do cérebro.

O hipocampo ajuda a selecionar onde os aspectos importantes para fatos e


eventos serão armazenados e está envolvido também com o reconhecimento de
novidades e com as relações espaciais. O corpo amigdaloide (amígdala) se comunica
com o tálamo e com todos os sistemas sensoriais do córtex, através de suas extensas
conexões. Os estímulos sensoriais vindos do meio externo como som, cheiro, sabor,
visualização e sensação de objetos, são traduzidos em sinais elétricos, e ativam um
circuito na amígdala que está relacionado à memória, o qual depende de conexões
entre a amígdala e o tálamo.

Estas duas estruturas são consideradas como o quartel da memória, ou seja, as


informações seriam armazenadas temporariamente no hipocampo e corpo
amigdaloide, sendo depois transferido para áreas de associação do córtex cerebral,
onde ficariam armazenadas por muito tempo. As Conexões entre destas estruturas
com o hipotálamo, onde as respostas emocionais provavelmente se originam,
permitem que as emoções influenciem a aprendizagem, porque elas ativam outras
conexões da amígdala para as vias sensoriais, por exemplo, o sistema visual. Assim,
podemos inferir que nosso cérebro escolhe as informações que vai armazenar
baseado no apelo emocional que elas têm. O que pode ser algo muito bom ou muito
ruim.

O Córtex pré-frontal exibe também um papel importante na resolução de


problemas e planejamento do comportamento. Uma razão para se acreditar que o
córtex pré-frontal esteja envolvido com a memória, é que ele está interconectado com
o lobo temporal e o tálamo.

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Memória e Aprendizagem

Os fatos antigos naturalmente têm mais tempo de se fixar em nosso banco de


dados e daí sua melhor fixação, o que não ocorre com fatos recentes, que têm pouco
tempo para se fixar e ainda podem ter sua capacidade de fixação alterada por razões
relacionadas a variações de estado emocional ou a problemas de ordem física.

O estado de atenção intensa, o stress e a novidade estimulam a fase de


consolidação da memória. Os neurocientistas explicam como isto acontece. Uma
descarga de adrenalina libera um fluxo de hormônios do stress e neurotransmissores
que ativam a corpo amigdaloide, a região cerebral que processa medo e emoções. O
corpo amigdaloide se conecta a muitas outras áreas onde diversos tipos de memórias
são armazenados, além de potencializar novos dados que tenham impacto emocional.
Portanto, a consolidação pode ser facilitada pelo aumento dos níveis dessas
substâncias. Essa ideia é a base do efeito de certas drogas que melhoram a memória,
como a Ritalina ou os efeitos da nicotina e cafeína.

O comportamento de um indivíduo é modificado em decorrência de uma


experiência. Por exemplo, quando uma criança sofre um choque ao colocar o dedo
dentro de uma tomada elétrica, ela nunca mais emitirá aquele comportamento. Neste
exemplo, o neurônio contribui para o comportamento e para a atividade mental,
conduzindo ou deixando de conduzir impulsos.

Todos os processos da memória são explicados em termos dessas descargas.

6.4 Distúrbios na Memória


Algumas doenças e injúrias no cérebro podem causar perda de memória e
prejudicar a capacidade de aprender. A esta inabilidade dá-se o nome de Amnésia.

A perda de memória pode estar associada à: determinadas doenças neurológicas,


distúrbios psicológicos, problemas metabólicos, estados psicológicos alterados, como
estresse, ansiedade e a depressão, falta de vitamina B1 (tiamina), alcoolismo, doenças
da tireoide, como o hipotireoidismo, uso de medicação tranquilizante ("calmantes")
por tempo prolongado, vida sedentária com excesso de preocupações e insatisfações,
bem como uma dieta deficiente.

O sono desempenha papel crucial na memória, pois é sabido que durante o sono
profundo, o cérebro se desconecta dos sentidos e organiza toda a atividade vivida
durante aquele dia, selecionando, processando, armazenando informações
processadas.

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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) - Um breve resumo

A consolidação da memória continua enquanto dormimos, em grande parte


porque o sono envolve a secreção periódica de alguns hormônios e
neurotransmissores produzidos em situações novas e estressantes. O sono tem
grande participação na consolidação da memória, pois esta requer uma organização
das memórias recentes, integrando-as as outras recordações e transportando-as para
diferentes regiões do cérebro para armazenamento permanente. Neste período,
memórias de curto prazo consideradas dispensáveis são descartadas. A insônia ou a
redução do período normal de sono, que na maioria dos indivíduos é de 8 horas (mas
pode variar de 4 a 12) leva a um estado de fadiga crônica e prejudica a habilidade de
concentrar-se e armazenar informações.

A nossa memória segue o mesmo princípio de outras funções. Ganha-se pelo


uso, e perde-se pelo desuso. Pessoas que tem mais atividade de leitura, rotina de
estudos, estão sempre reforçando os mecanismos biológicos responsáveis pela
memória, ou seja, as sinapses. Adquirindo novas ou reforçando as antigas. Pode-se
dizer que a memória é filha da prática, assim como outras atividades que dependem
das sinapses. A contínua atividade intelectual como a leitura, exercícios de memória,
palavras cruzadas e jogo de xadrez auxiliam a manutenção da memória.

O estilo de vida ativo com atividade física colabora para a produção de


substâncias químicas (fatores neurotróficos), pois contribui para a manutenção da
plasticidade neuronal e consequentemente da memória.

7 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) -


Um breve resumo
Como já vimos anteriormente a atenção é uma função psíquica que nos permite
manter a vigilância em relação ao que acontece ao nosso redor, selecionar os
estímulos mais importantes em dado momento e colocá-los no centro de nossa
consciência através do processo de focalização da atenção. Esta focalização pode ser
mantida por longos períodos demonstrando a tenacidade da atenção. Muitos fatores
interferem com a focalização e a tenacidade da atenção entre eles: A afetividade; as
condições de sono; o desenvolvimento da linguagem; as condições nutricionais;
doenças mentais como a depressão; a produção de neurotransmissores que mediam
a atuação do sistema ativador reticular ascendente em relação ao córtex cerebral; e
em especial a fase de desenvolvimento que a atenção se encontra no sujeito.

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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) - Um breve resumo

Dentre os diversos problemas que podem comprometer a atenção e as demais


funções a ela relacionadas está o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Este
transtorno Segundo Rohde & Benczik (1999) é um problema de saúde mental que
tem três características básicas: a desatenção; a agitação (ou hiperatividade); e a
impulsividade. Pesquisas tem demonstrado que, no Brasil, de 3 a 6% da população
com idade entre 7 e 14 anos apresentam TDAH, numa proporção de dois meninos
para cada menina.

A pessoa com TDAH mantém-se sempre vigilante, sendo sua atenção atraída por
estímulos novos, na maioria das vezes irrelevantes, o que compromete sua capacidade
de concentrar-se e prestar atenção no que lhe está sendo apresentado sem se distrair.
Como a focalização da atenção é fundamental para a compreensão e para o processo
de memorização, estas pessoas apresentam dificuldades de memorização, esquecem
seus compromissos ou pertences.

A capacidade de direcionar e manter a atenção focalizada, ou seja, de concentrar-


se, é fundamental para o direcionamento de nossas ações conscientes, quer seja para
a elaboração de uma atividade mental ou para o adequado desempenho de ações de
natureza sensório motoras, em que se busca compreender e apreender com o que
está ao nosso redor, ao mesmo tempo em que refletimos e agimos de maneira
adequada em diferentes situações.

Esta capacidade não é inata ela vai sendo gradativamente desenvolvida no


decorrer dos anos, somente por volta dos 15 anos de idade é que a atenção voluntária
com suas características de focalização e tenacidade estará completamente
desenvolvida. Espera-se, entretanto, que por volta dos 5 a 7 anos de idade a criança
já seja capaz de eliminar os estímulos irrelevantes e manter sua atenção voltada a um
objetivo por períodos relativamente longos e que seja capaz de manter um certo
controle sobre as suas emoções e seu nível de atividades motoras (veja o capítulo
sobre desenvolvimento da atenção). Geralmente antes dos sete anos as crianças são
bastante ativas o que torna difícil a diferenciação se padrões intensos de atividade são
parte do desenvolvimento normal ou do TDAH.

Com a transição da fase pré-escolar para a escolar as manifestações do TDAH


tornam-se mais evidentes porque o desempenho acadêmico esperado geralmente
não ocorre. A desatenção, a agitação psicomotora, a instabilidade afetiva, a
impulsividade e o baixo limiar de frustração comprometem as relações da criança em
casa, na escola e nos mais variados ambientes. Na verdade, as crianças hiperativas
apresentam uma exacerbação de comportamentos ou dificuldades que são comuns

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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) - Um breve resumo

na infância. Por isto tem sido proposto que o TDAH seja visto mais como um
transtorno de adaptação do que como uma doença estática, pois a dificuldade de
focalizar a atenção, a hiperatividade e a impulsividade somam-se como desvantagens
em situações em que a manutenção da atenção focalizada e o controle motor dos
impulsos são necessários.

Rohde & Benczik (1999) lembram que algumas características comuns em


pessoas com o TDAH, como a alta carga emocional e de energia colocada nas suas
ações, a espontaneidade e a criatividade, podem representar vantagens em ambientes
que requerem menor estruturação, como em algumas atividades do meio artístico.

Na verdade, o problema básico do sujeito com TDAH não é o de mobilizar a


atenção para um estímulo, como por exemplo, uma instrução verbal, e sim mantê-la
focalizada por períodos relativamente longos, especialmente se a tarefa não mobilizar
de maneira positiva a afetividade, ou se parecer menos interessante que uma outra.
Eliminar ou filtrar os estímulos do ambiente que não são importantes no momento
que a atenção está sendo solicitada para uma tarefa específica é muito difícil para as
pessoas com TDAH, principalmente se a tarefa não for fortemente motivadora.

O padrão de distração de uma criança de sete anos com TDAH pode assemelhar-
se ao de uma criança de três ou quatro anos que, por falta de desenvolvimento de seu
processo de atenção voluntária, desvia facilmente o foco de sua atenção. Rohde &
Benczik (1999) comentam que pesquisadores norte-americanos acompanharam
crianças com e sem TDAH enquanto assistiam à televisão. Quando não havia
brinquedos disponíveis no ambiente, as crianças com TDAH assistiam a um show na
televisão e eram capazes de responder a perguntas sobre o show da mesma forma
que as crianças que não possuíam TDAH. Quando eram colocados brinquedos no
ambiente, as crianças sem TDAH continuavam assistindo ao programa. As crianças
com TDAH entretinham-se com os brinquedos e interessavam-se menos pelo
programa. Passando-se de uma comédia para um programa educacional, as
diferenças tornaram-se mais marcantes. Neste caso, as crianças com TDAH tinham
maiores dificuldades para responder corretamente às perguntas sobre o conteúdo
que estavam assistindo.

No capítulo sobre o desenvolvimento da atenção mencionamos a importância


da afetividade enquanto mobilizadora da vontade e da atenção o que fica claro no
exemplo acima. Portanto ao trabalharmos com crianças com TDAH devemos procurar
trabalhar o componente afetivo envolvido nas atividades, mostrar-lhes a importância
para suas vidas do aprendizado acadêmico, da compreensão de regras e do controle

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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) - Um breve resumo

de sua própria conduta.

A forte integração do sistema reticular com o sistema límbico dá suporte


anatômico para a compreensão da grande influência de componentes emocionais, em
especial do controle motivacional e da afetividade sobre a atenção. É no sistema
límbico que estão as bases dos impulsos motivacionais dos processos de
aprendizagem e dos sentimentos de prazer e de punição (Guyton & Haal, p 675).

7.1 Alterações Cerebrais e TDAH


Desde o início do século passado diversos estudos têm fornecido indícios de que
o TDAH possui um substrato biológico, ou seja, que se relaciona com alterações do
funcionamento de estruturas cerebrais envolvidas ao processo de atenção. Na década
de 60 ficou estabelecido que este transtorno possuía uma origem biológica inclusive
com possibilidade de ser hereditário.

Cypel (2000) menciona que a partir de um simpósio realizado na Inglaterra em


1962 iniciou-se o uso da expressão disfunção cerebral mínima em substituição ao
termo lesão cerebral, uma vez que até aquela data não foram achadas alterações
orgânicas pelos métodos habituais de diagnóstico. Argumenta que essa qualificação
da disfunção cerebral mínima foi importante porque levou os neuropediatras a se
interessarem pela caracterização de discretas alterações neurológicas relacionadas às
funções superiores, passando a estudar com mais profundidade o aprendizado
escolar, a aquisição da linguagem, a atenção, as percepções, a memória entre outras
funções relacionadas ao desenvolvimento da criança. Finalmente a Associação
Psiquiátrica Americana adotou a denominação de Transtorno de Déficit de
Atenção/Hiperatividade.

Apesar da investigação de diferentes causas do TDAH na década de 70 à


semelhança da década de 60, aceitava-se que a maioria dos casos de hiperatividade
estavam relacionados a lesões ocorridas durante o parto, principalmente a
encefalopatia hipóxico isquêmica decorrente da privação de oxigênio durante o parto.
Numerosos estudos, dentre eles o de Werner & Smith (1977), terminaram por
demonstrar que os fatores de risco pré e perinatais não possuíam toda a importância
que lhes eram atribuídas como causadores de hiperatividade. Entretanto, conforme
alerta Goldstein & Goldstein (1994), mesmo que poucas crianças sejam hiperativas por
causa de distúrbios da gestação deve ser reforçada a importância de uma boa
assistência pré-natal, pois a gestação é um período crítico para o desenvolvimento. Se

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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) - Um breve resumo

durante a gravidez a mãe apresentar problemas clínicos associados com elevação da


pressão arterial (eclampsia), o bebê apresenta maior tendência para desenvolver
problemas de comportamento e aprendizado e mulheres fumantes tem maior risco
de ter filhos hiperativos.

Apesar das controvérsias e de as lesões cerebrais não serem necessariamente as


únicas causadoras do TDAH, tem sido demonstrada a capacidade de lesões e
alterações do funcionamento cerebral provocarem sintomas semelhantes ao do
referido transtorno. É sabido que lesões em qualquer parte do cérebro podem ter
algum efeito sobre a capacidade de concentração e atenção. Se pensarmos que entre
as estruturas encefálicas que dão o suporte orgânico à atenção encontramos o sistema
ativador reticular ascendente, o tálamo, o sistema límbico, os gânglios basais, o córtex
parietal e frontal e nas múltiplas integrações que estas estruturas realizam com o
restante do sistema nervoso, teremos ideia da complexidade dos fenômenos que
regulam a atenção e porque alterações em qualquer área do encéfalo pode gerar
alterações.

No tronco encefálico encontramos em meio à substância branca grupamentos


de neurônios amplamente conectados, formando uma rede neuronal denominada de
formação reticular. Os axônios dos neurônios da formação reticular estabelecem
conexões com neurônios do hipotálamo, tálamo, do cérebro, do cerebelo e da medula
espinal. Além disto, a formação reticular recebe colaterais de praticamente todas as
vias sensoriais do corpo, incluindo fibras das vias neurais da dor, temperatura, tato,
pressão, visão, olfato, audição e equilíbrio.

A formação reticular é o substrato anatômico do sistema ativador reticular, para


este sistema convergem e nele interagem as influências geradas por impulsos
sensoriais que chegam através dos nervos cranianos e espinais, e as provenientes de
fontes cerebrais e cerebelares. Suas redes neurais transportam e processam influências
que são associadas a sensações vagas (como dores pouco localizadas), atividades do
ciclo sono e vigília e a expressões afetivas. Suas ações se entretecem com as do
sistema límbico numa trama de expressões emocionais e comportamentais que torna
difícil definir o exato papel de cada um (Noback et al., 1999).

A associação do TDAH com possíveis lesões cerebrais ocorreu devido à


similaridade de seus sintomas de inquietação e dificuldade de manter a atenção
focalizada com aqueles observados em sobreviventes jovens da epidemia de
encefalite letárgica que ocorreu nos Estados Unidos entre 1917 e 1920.

As lesões verificadas na encefalite letárgica afetavam seletivamente o tronco

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encefálico e as regiões basais do telencéfalo com suas vias monoaminérgicas.


Estruturas que, como já vimos, são tão fundamentais para o processamento da
atenção ao ponto de modelos explicativos simplificados, porém corretamente
elaborados, para relacionarem o funcionamento cerebral com a hiperatividade
considerarem um centro de atenção composto por células nervosas do tronco cerebral
possivelmente utilizando a dopamina.

Este centro pode influenciar vários pontos de retransmissão em todo o cérebro,


tornando-os mais ou menos sensíveis aos impulsos provenientes de outras células.
Sob o comando desse centro, as células do cérebro, e portanto, a criança, podem se
tornar mais ou menos sensíveis a estímulos externos. Ela pode ser mais deliberativa
ou mais impulsiva em suas ações, dependendo do efeito que o centro de atenção tem
sobre os pontos de retransmissão. Na hiperatividade, mesmo as informações sendo
transmitidas de maneira eficaz de uma à outra parte do cérebro, a disfunção do centro
de atenção impediria que a criança se concentrasse, prestasse atenção e controlasse
seus impulsos (Goldstein & Goldstein, 1994).

Em crianças com TDAH foram também encontradas alterações no córtex parietal


posterior (Rohde & Benczik,1999). Estudos de potenciais evocados cognitivos
evidenciam a possível participação do córtex parietal no processamento de
informações que requerem a mobilização da atenção voluntária e sugerem que a
região inferior do lobo parietal é fundamental para os primeiros estágios de
planejamento motor, além de desempenhar um papel importante na modulação da
atenção seletiva (Ford et al.,1994; Mattingley, 1999).

Atenção especial tem sido dada a possíveis alterações no lobo frontal e suas
conexões com os gânglios basais, em especial aquelas que partem do lobo frontal
passam pelo núcleo caudado e chegam ao sistema límbico. O lobo frontal entre outras
funções relaciona-se à atenção sustentada, ao autocontrole e ao planejamento do
futuro. Em adultos com TDAH foi constatado hipometabolismo no córtex cerebral pré-
frontal durante a realização de tarefas que requerem focalização da atenção (Zametkin
et al.,1990). Através de ressonância magnética foi demonstrado menor funcionalidade
do lobo frontal e de suas conexões em tarefas que exigem controle motor (Rubia et
al., 1999).

Diversos estudos têm apontado para a existência de um desequilíbrio


neuroquímico, provocado pela produção insuficiente dos neurotransmissores
Dopamina e Noradrenalina nas regiões do cérebro que possuem maior relação com
o processamento da atenção, com as emoções e com o ciclo de vigília e sono (Sistema

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ativador reticular ascendente, sistema límbico, lobo frontal, região parietal posterior e
inferior). Quando o TDAH está associado com depressão há também alterações da
produção de serotonina.

Goldstein & Goldstein (1994) comentam que em experimento em que se induziu


em ratos sintomas que lembram a hiperatividade, os ratos movimentavam-se mais e
tinham dificuldades para enfrentar labirintos. À semelhança do que ocorre com
crianças, os sintomas pioravam quando os animais eram tratados com o fenobarbital
que atua como sedativo, e melhoravam quando tratados com anfetamina, que é um
estimulante. Não eram os danos causados a células do tronco cerebral que tornava os
ratos hiperativos, e sim danos nas terminações nervosas que possuem dopamina e
noradrenalina e que através dos axônios distribuem-se para todo o cérebro. Num
modelo simples, esses sistemas, quando intactos, ajudam a controlar a hiperatividade,
e quando não estão funcionando bem, o resultado é a hiperatividade.

As alterações bioquímicas levam a alterações neurofisiológicas e psicológicas


com alterações do sono, comportamento agressivo, impulsivo, depressivo e a
distúrbios da atenção que podem estar associados ao quadro de hiperatividade. Como
já vimos anteriormente, as alterações do sono não são somente consequência de
alterações bioquímicas e comportamentais, são também causa uma vez que a
privação de sono compromete a reequilibração cerebral e pode levar a instabilidade
afetiva.

O indivíduo que tem TDAH/DDA é inteligente, criativo e intuitivo, mas não


consegue realizar todo seu potencial em função do transtorno que tem três
características principais: desatenção, impulsividade e hiperatividade (ou energia
nervosa).

Tem dificuldade em assistir a uma palestra, ler um livro, sem que sua cabeça “voe”
para bem longe perdida num turbilhão de pensamentos. Comete erros por falta de
atenção a detalhes, faz várias coisas simultaneamente, ficando com vários projetos,
tarefas por terminar e a cabeça remoendo todos os "tenho que". Quando motivado
e/ou desafiado, tem uma hiperconcentração. É desorganizado tanto internamente (mil
pensamentos e ideias ao mesmo tempo), como externamente: mesa, gavetas, papéis,
prazos, horários...

A impulsividade domina seu comportamento. Pode falar, comer, comprar,


trabalhar, ficar em salas de bate papo da Internet, beber, jogar compulsivamente. Fala
e/ou faz o que lhe vem na cabeça sem pensar se é adequado ou não, podendo causar
muitos estragos. Costuma ser impaciente, irritadiço, "pavio curto" e com alterações de

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humor. Muda com facilidade de metas e planos. É comum ter mais de um casamento
ou relacionamento estável.

O TDAH é um transtorno neurobiológico crônico, na sua grande maioria de


origem genética. Apesar do TDAH / DDA atingir até 6% da população, é até hoje muito
desconhecido, inclusive por muitos profissionais da saúde, que tratam apenas das suas
consequências.

A falta do diagnóstico e tratamento correto geram grandes prejuízos na vida


profissional, social, pessoal e afetiva do indivíduo sem que ele saiba o porquê. Sem
tratamento, outros distúrbios vão se associando (comorbidades), a autoestima fica
cada vez mais comprometida, e a pessoa vai se isolando do mundo, sentindo-se
muitas vezes um "estranho fora do ninho".

Nos portadores de TDAH, os neurotransmissores, dopamina e noradrenalina


(substâncias químicas do cérebro que transmitem informações entre as células
nervosas) encontram-se diminuídos, fazendo com que a atividade do córtex pré-
frontal seja menor. É uma disfunção neurobiológica.

Essa região é a parte mais evoluída do cérebro e supervisiona as funções


executivas: observa, guia, direciona e/ou inibe o comportamento, organiza, planeja, e
faz a manutenção da atenção e do autocontrole.

Essa disfunção é crônica, herdada na grande maioria das vezes, daí sua presença
desde a infância.

Em menor grau há fatores do meio ambiente que podem estar relacionados ao


TDAH: A nicotina de cigarros fumados pela mãe gestante bem como bebidas
alcoólicas consumidas, podem ser causas significativas de anormalidades no
desenvolvimento da região frontal do cérebro da criança em gestação.

Exposição ao chumbo entre 12 e 36 meses de idade, traumatismos neonatais


como hipoxia (privação de oxigênio), traumas obstétricos, rubéola intrauterino,
encefalite, meningite pós-natal, subnutrição e traumatismo craniano são fatores que
também podem contribuir para o surgimento do distúrbio.

O TDAH é um transtorno real, um obstáculo real, apesar de não haver nenhum


sinal exterior de que algo está errado com o Sistema Nervoso Central. Antigamente
era conhecida como “Disfunção Cerebral Mínima”. Mais tarde passou a chamar-se
“Síndrome Infantil da Hiperatividade”. Nos anos 70, o conceito foi ampliado com o
reconhecimento do déficit na atenção e do controle dos impulsos e, em 1987, o nome

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passou a ter a atual denominação: “Transtorno de Déficit de Atenção e


Hiperatividade”.

Ao contrário do que se pensava antigamente, o TDAH não é superado na


adolescência: cerca de 65% das crianças diagnosticadas como portadoras de TDAH
continua com os sintomas quando atinge a idade adulta. Os principais sintomas são:
falta de atenção, impulsividade e hiperatividade ou uma “energia nervosa”.

A impulsividade tem um aspecto positivo, podendo nos levar muitas vezes à


ação. O problema é quando ela se torna patológica como no caso do TDAH, em que
há uma falta de planejamento em função da busca intensa e constante da gratificação
imediata, das novidades, correndo-se maiores riscos.

Provocar confusão, discutir, viver em conflito consigo e/ou com o(s) outro(s) é
uma forma inconsciente de estimulação do córtex pré-frontal, que anseia por mais
atividade. A pessoa não percebe esse processo, não o faz de propósito, mas pode ficar
viciada em confusão.

Hipofuncionamento do córtex pré-frontal

Características que podem estar presentes em pessoas com hipofuncionamento


do córtex pré-frontal, isto é, com TDAH:

− dificuldade de concentração;
− distração;
− dificuldade em ouvir;
− falta de controle dos impulsos;
− desorganização;
− tendência ao adiamento de tarefas;
− sonhar acordado;
− falta de perseverança;
− tendência a executar várias tarefas ao mesmo tempo, deixando muitas
inacabadas;
− falha na organização de tempo e espaço dificuldade de planejamento
problemas de memória a curto prazo;
− dificuldade para lidar com regras sociais;
− falhas de julgamento, interpretações errôneas;
− dificuldade em expressar sentimentos;
− ansiedade crônica;

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− tédio, apatia, falta de motivação;


− hiperatividade;
− dificuldade em aprender com a experiência;

Hiperfuncionamento do sistema límbico

Através do sistema límbico interpretam-se emocionalmente os eventos do dia a


dia de uma maneira neutra ou positiva (funcionamento adequado) ou de uma maneira
negativa, depressiva (funcionamento hiperativado).

O córtex pré-frontal estabelece uma relação com o sistema límbico: quando este
fica hiperativo, as emoções tendem a tomar “posse” da pessoa. Isso acontece quando
o córtex pré-frontal está em hipofuncionamento como no caso do TDAH.

O sistema límbico readquire equilíbrio quando o córtex pré-frontal é ativado e


restabelece seu funcionamento normal.

Características que podem estar presentes em pessoas com hiperfuncionamento


do sistema límbico:

− percepção negativa dos eventos e aumento de pensamentos negativos;


− mau humor, irritabilidade, depressão;
− apatia, diminuição de motivação, baixa energia;
− interesse pelos outros diminuído;
− tédio, insatisfação;
− sentimentos de tristeza;
− sentimentos de impotência ou falta de poder;
− falta de esperança no futuro;
− baixa autoestima;
− sentimentos suicidas;
− problemas de apetite e sono;
− diminuição do interesse sexual;
− esquecimento;
− isolamento social.

Prevalência

− 1/3 pode ser curado até o final da adolescência;

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− 1/3 deixa de ser hiperativo e continua desatento;


− 1/3 continua desatento, hiperativo e impulsivo;
− Crianças – 3 a 9% - (3 meninos/1 menina): muitas vezes a menina não é
diagnosticada quando criança em função de ser do tipo Desatento, e não
do tipo Hiperativo.
− Adultos – 2 a 6% (1 homem/1 mulher): em cada 5 adultos em tratamento
de outros distúrbios psiquiátricos, 1 apresenta TDAH.

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Referências

Referências
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