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Caso Kodak

Você certamente lembra (ou já ouviu falar) da Kodak, a maior


empresa de fotografia que o planeta já viu. Ela entrou com um
pedido de falência em 2012 e praticamente morreu por falta de
inovação. Embora ela esteja tentando renascer após a falência, a
companhia não chega nem perto do que ela já foi.

No final da década de 70, a Kodak tinha 90% das vendas de filmes


e 85% das vendas de câmeras nos Estados Unidos, o principal
mercado do mundo, e uma presença fortíssima no redor do
mundo (inclusive o Brasil). Tinha 100.000 empregados e um lucro
de bilhões.

Seu mercado só cresceu, afinal, atualmente tiramos mais fotos em


dois minutos do que em todo o século passado inteiro.
Compartilhamos as fotos de milhares de maneiras diferentes. Mas
o nome Kodak nunca mais foi associado a esse segmento, hoje
dominado por nomes como “Instagram” e “Facebook”.
O aparelho para tirar as fotos não é mais a câmera, é o celular.
Uma mudança que a Kodak podia ter acompanhado: podia ter
desenvolvido aplicativos de foto para celulares, produzido
smartphones especializados em fotos… enfim, podia ter
acompanhado o seu consumidor e a mudança de comportamento.

A companhia agora tem apenas 6.000 empregados e foi esvaziada


na sua crise na última década: empresa vendeu ativos e patentes
que construiu em décadas de sucesso e inovação. Na verdade,
mais de 120 anos de história, já que a companhia foi fundada em
1889 e passou pela falência em 2012.

O início

A companhia nasceu na cidade de Rochester, no Estado de Nova


York, nos Estados Unidos. Sua história tem início em 1880,
quando George Eastman – que na época trabalhava na Eastman
Dry Plate Company – desenvolveu um papel que podia ser coberto
de emulsão fotográfica.

Essa foi a primeira de uma série de invenções que permitiu a


Kodak se tornar a Kodak. Em 1883, outro especialista em
fotografias, William Walker, entrou para a companhia e, em 1885,
inventou algo que poderia segurar uma série destes papeis.
Naquele mesmo ano, Eastman comprou uma patente de David
Houston para um rolo e continuou a desenvolvê-lo.

Dois anos mais tarde, um outro inventor chamado Hannibal


Goodwin criou um filme de nitrocelulose e em 1888, Emile
Reynaud colocou algumas perfurações neste filme de
nitrocelulose. Eastman então juntou tudo e criou o primeiro rolo
de filme comercial e a primeira câmera Kodak, que usava este
filme. E assim, a invenção de Eastman criou a fotografia amadora
praticamente sozinha.

Um adendo interessante: Thomas Edison, o inventor da lâmpada,


chegou a melhorar a invenção de Eastman, reduzindo o filme de
40 milímetros para 35 e criando o Kinetoscópio, um aparelho
capaz de gravar imagens em movimento. A invenção de Edison foi
tão importante quanto a de Eastman e criou a indústria do cinema.

A marca Kodak

Eastman registrou a marca Kodak em 1888, um ano antes de


fundar a empresa, inicialmente chamada de Eastman Company.
Em 1892, vendo o sucesso de sua própria marca, Eastman mudou
o nome da empresa para Eastman Kodak.

O nome Kodak não significa nada, apenas a letra favorita de


Eastman seguida de uma combinação quase aleatória, mas com
uma boa sonoridade e fácil de lembrar. Ele acreditava que uma
marca precisava ser “curta, vigorosa e incapaz de ser escrita de
forma errada a ponto de destruir sua identidade”. Além disso,
para ele uma marca não deveria significar nada.

Ele não era publicitário, mas acertou em cheio na sua marca e no


primeiro slogan para a Kodak – “You Press the Button, We Do The
Rest”, ou seja, “Você aperta o botão e nós fazemos o resto”, ainda
em 1889.

A primeira câmera da Kodak foi um sucesso e em breve a


companhia estava produzindo uma série de câmeras diferentes:
em 1895 veio a Pocket Kodak, de US$ 5, e em 1900 a Brownie, de
US$ 1 e feita de papelão. A Brownie era tão barata que
praticamente popularizou a ideia de foto descartável.

A era de ouro da Kodak

As próximas três décadas foram de muitos lucros para a Kodak,


que se transformou em uma grande corporação nessa década.
Ganhou milhões de dólares e continuou investindo pesado em
pesquisa e desenvolvimento. Em 1935, a empresa faria uma de
suas maiores invenções: o Kodachrome, o primeiro filme a cores
da companhia produzido em massa.

Infelizmente, George Eastman não sobreviveu para ver isto. Ele se


matou em 1932, tirando sua própria vida com uma arma. Sua
jornada empreendedora havia chegado ao fim, mas a companhia
que ele criou havia se transformado numa gigante, garantindo seu
legado.

O Kodachrome foi produzido em todas as versões possíveis: 8, 16,


35, 120, 116 e 828 milímetros e foi vendido até 2009, quando a
empresa abandonou a produção por conta da vitória da câmera
digital.

A 2ª Guerra Mundial ajudou a Kodak a se tornar ainda mais


inovadora: ela desenvolveu um filme capaz de detectar quanto de
radiação os cientistas do Projeto Manhattan (que desenvolveu a
Bomba Atômica) estavam recebendo. Efetivamente, isso ajudou o
desenvolvimento de diversas tecnologias de análises clínicas,
inclusive o Raio X.
Além disso, tecnologia de microfilme fez com que os exércitos
reduzissem radicalmente a quantidade de sacos de informação
eram transmitidos. Espiões se tornaram mais eficientes, passando
informações com mais segurança e sendo pegos com menos
frequência.

A Kodak era a 62ª companhia em termos de contratos com o


governo americano durante a segunda guerra mundial e chegou a
produzir granadas para ajudar no esforço de guerra. A relação foi
levada para a década de 60, onde a Kodak forneceu os filmes e
câmeras que produziram as primeiras imagens da terra em
satélites americanos e de homens na lua.
Criou o digital ainda no ápice

Nesta época, a Kodak ganhava muito dinheiro também pela


impressão de fotos em cores e tinha receitas de US$ 4 bilhões, algo
próximo de US$ 50 bilhões em dólares de hoje. Foi nesta época, no
começo da década de 70, que a Kodak atingiu seu ápice.

A companhia em 1975 criou o que iria destruí-la algumas décadas


depois: Steve Sasson, um engenheiro da empresa. Uma câmera
digital capaz de tirar fotos de até 0.1 megapixel. A companhia
ainda continuou desenvolvendo tecnologias nesta linha: em 1986,
uma câmera de 1 megapixel e em 1991 a primeira câmera digital
em que o usuário veja exatamente o que será capturado na hora
de tirar fotografia (algo comum para todas as câmeras
atualmente).

Outras invenções famosas da Kodak nesta época foi a telas de


OLED, que foram desenvolvidas em 1979 e produzidas pela
primeira vez em 1999, permitindo aumentar e muito a qualidade
das imagens. A companhia vendeu este segmento para LG em
2009, quando já estava em crise. Além disso, a empresa criou o
padrão RGGB, usado em todas as câmeras digitais.

Contudo, a companhia não levou as câmeras digitais para o


mercado na hora que foi inventado. Tinha medo que isso acabasse
prejudicando as vendas de filmes e câmeras tradicionais. Embora
fosse uma inovadora e tivesse uma longa lista de patentes, nunca
quis que isso fosse para o mercado propriamente dito e foi
ultrapassada principalmente por gigantes japonesas: Canon, Sony
e Fuji.

O caminho até a falência

Ela podia ser uma inovadora, mas não se moveu rápido o


suficiente para adentrar no mercado novo de câmeras digitais que
estava se formando na década de 90. Um detalhe é que no começo
da década a empresa pensou em fazer uma transição “lenta” para
as câmeras digitais. Em 1994, produziu a QuickTake junto com a
Apple e em 1996 lançou duas câmeras digitais, DC-20 e DC-25.
Contudo, continuou a vender essas câmeras como “de nicho”, com
baixa implementação da estratégia digital. Afinal, a liderança da
companhia não imaginava (ainda) um mundo sem filmes
tradicionais e tinha pouco incentivo para mudar.

Na virada do século, porém, a companhia (com um novo CEO)


resolveu entrar de vez neste mercado e lançou a linha EasyShare –
depois de estudar a fundo o comportamento dos seus clientes e
perceber que era inevitável a mudança. A companhia chegou a
inventar uma linha de produtos auxiliares, como uma pequena
impressora que podia imprimir suas fotos digitais quase
instantaneamente.

A companhia, porém, não botou muito esforço na sua cadeia de


suprimentos, o que derrubou sua lucratividade. Em 2001 ela era a
2ª colocada no mercado norte-americano para câmeras digitais,
com cerca de 25% do mercado, mas perdia US$ 60 para cada
câmera que ela fazia. Outras empresas eram mais eficientes e
lucravam.

Aquele ano foi especialmente importante: as vendas de filmes


caíram muito no final do ano, conforme os usuários começavam a
usar mais e mais câmeras digitais. Contudo, a empresa acreditou
que a queda era um efeito passageiro por conta do 11 de
Setembro e pensou que poderia “diminuir a agilidade da
mudança” através de um marketing agressivo.

Não deu certo, a empresa viu sua fatia do mercado cair para 15%
em 2003 e 9,6% em 2007 (colocando-a em 4º lugar). Novas
concorrentes asiáticas estavam chegando para tomar o espaço da
Kodak e ela não estava em uma posição de dominância. Na época,
esse tipo de receita já era importante para a companhia: a Kodak
faturava US$ 5,7 bilhões por ano com câmeras digitais.
Com o surgimento dos smartphones, a Kodak ainda foi uma das
primeiras a morrer. Outras competidoras como a GoPro
capturaram os mercados de nicho e a Sony ainda vendia algumas
câmeras digitais. A crise tomou conta da Kodak, que perdeu
relevância e saiu do S&P 500 em dezembro de 2010, sinalizando
que já não era uma das principais empresas norte-americanas. A
companhia nesta época gastava mais do que arrecadava e estava
torrando seu caixa rapidamente. Em junho de 2011 as suas
reservas eram de US$ 957 milhões, contra US$ 1,6 bilhão 1 ano
antes.

Um pequeno desespero tomou conta da companhia, que tentou


ganhar dinheiro com suas patentes, processando empresas como
Apple e BlackBerry. Não deu muito certo e a empresa vendeu suas
patentes para uma grande lista de empresas que incluem a
própria Apple, Google, Facebook, Microsoft e Amazon, pouco antes
de pedir a falência.

A companhia conseguiu um crédito com o Citi para sobreviver ao


processo, totalizando US% 950 milhões. Poucos anos depois,
conseguiu sair da falência – mas sendo uma fração da antiga
companhia fundada por George Eastman. Morta pela inabilidade
de transformar o produto que ela mesmo criou em um produto
relevante para ela mesma.

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