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os INDUSTRIAIS
DA RBPÚBUCA
Sandra Jatahy Pesavento

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Io Livro
n.
os INDUSTRIAIS
DA RiPÚBÍlCA
ALCEU COLLARES
Governador do Estado

MILA CAUDURO
Secretária da Cultura

JOSÉ HILÁRIO RETAMOZO


Diretor do Instituto Estadual do Livro

1991
INSTITUTO ESTADUAL DO LIVRO
Rua Riveira, 104 —Fone: g^asil
CEP 90670 — Porto Alegre — R^
^ ^ tiMM
OS I^USTRIAIS
DA REPÚBLICA
Sandra Jatahy Pesavento

lEL
Porto Alegre
1991
Consultoria Editorial
Vera Regina Morganti

Projeto elaborado em novembro de 1990


Adriana Condessa
Iara Nunes
Fernando Schmitt
Luciana H. Balbueno

Preparação de Originais, Supervisão e Revisão


Adriana Condessa
Iara Nunes

© Sandra Jatahy Pesavento

p 372 Pesavento, Sandra __ p^rto


Os industriais da repiíblica / Sandra Pesavento.
Alegre: lEL, 1991.

CDU 338.24(816.5)
Catalogação elaborada pela Biblioteca Pública do Esta

ISBN — 85-7063-101-4
À memória de minha mãe, Hedy Lima Jatahy.
SUMÁRIO

prefácio, 9

introdução, 11

1 OS CAMINHOS DA INDÚSTRIA GAÚCHA: DAS ORI


GENS A 1930, 23

1.1 A gênese do processo, 28


1.2 O desenvolvimento do processo, 62

2 COMPLEMENTARIDADE E DIFERENCIAÇÃO: A DE
FESA DOS INTERESSES ESPECÍFICOS DA INDÚS
TRIA NUMA REPÚBLICA AGRÁRIA, 107

2.1 A burguesia à sombra de Comte, 110


2.2 O protecionismo alfandegário: ação e omissão, 119
2.3 Um delicado equilíbrio: a política econômico-
financeira estadual e os industriais, 150
2.4 Racionalização da produção: a aliança entre o go
verno e o capital, 191

CONCLUSÃO, 227

ANEXOS, 235

BIBLIOGRAFIA, 251
PREFACIO

Este livro corresponde a uma parte de minha tese de dou


torado em História, defendida na Universidade de São Paulo,
em abril de 1987, sob a orientação da Prof.® Dra. Suely Ro
bles Reis de Queiróz. Integraram a banca, além da orientado
ra, os Profs. Drs. Paulo Renato Costa Souza, Helga Piccolo,
Edgard Carone e Maria Tereza Petrone.
À professora orientadora agradeço as sugestões e o
acompanhamento dedicado na elaboração da tese; aos demais
professores da banca examinadora, as valiosas contribuições
dadas por ocasião da defesa que, na medida do possível, pro
curei incorporar.
Há, ainda, uma série de "auxílios", "palpites", colabo
rações e apoios que de forma diversa, mas igualmente valio
sa, me fizeram sentir que a tarefa de elaboração de uma tese
não é um ato tão solitário quando se tem amigos.
Nomeá-los todos não é fácil, pois corre-se o risco de es
quecer alguém, mas é impossível deixar de citar, embora
apressadamente, as colaborações de Pedro Cezar Fonseca,
meu "crítico oficial" e querido amigo; de Lizete Kummer, Li-
gia Fagundes e Maria Stephanou, leais, incansáveis e com
petentes nas tarefas da pesquisa; de Luiz Augusto Fischer,
também meu "contra-leitor" oficial; de Luiz Octávio Vieira,
empresário "não-ortodoxo", que me abriu caminhos; de Nel
son Boeira, colega e amigo, que me conseguiu o acesso a do
cumentos até então inacessíveis aos pesquisadores; de Gün-
ter Weimer, que me cedeu materiais praticamente inéditos;
de Nilza Cardarelli, minha eterna e competente datilografa...
Cabe lembrar ainda a turma de casa: Roberto, marido, e Gás-
sio, pai, pelos múltiplos apoios; e finalmente a vocês, Rodri
go e Ana Paula, obrigado pela paciência para com esta mãe
que escreve...

10
DoDGcí'©(âQa(|ã©
Desde há muito tempo o Rio Grande do Sul deixou de
ser exclusivamente agropastorii, embora esta seja a imagem
fixada pelo senso comum, continuamente reafirmada nas es
colas e nos livros didáticos e repetida com ênfase através dos
meios de comunicação. O gaúcho com seu cavalo, o churrasco
e o chimarrão são símbolos do Rio Grande muito arraigados
na consciência de todos, mas ao longo dos anos, paulatina
mente, estruturou-se uma ordem urbano-industrial que é pre
ciso resgatar.
O objetivo deste trabalho á analisar as condições em que
se deu o surgimento da indústria no Rio Grande, acompanhan
do tanto o crescimento deste setor ao longo da República Ve
lha quanto as formas de inserção do seu empresariado no apa
rato de hegemonia montado no estado sulino durante o pe
ríodo e suas relações com as demais frações burguesas.
Neste sentido, caberia inserir, entre os propósitos de
análise deste trabalho, a demonstração de que a burguesia
industrial rio-grandense foi um fator de constante presença no
Estado gaúcho. Trata-se, portanto, de resgatar as mediações
e articulações que se fazem no interior da aliança hegemôni
ca que deu sustentação aos republicanos no decorrer da Pri
meira República, identificando a possibilidade de viabilização
dos interesses empresariais no conjunto dos demais interes
ses burgueses a contemplar.
O estudo da industrialização remete a algumas questões
fundamentais que demandam uma precisão conceituai mais
explícita.

13
A primeira delas diz respeito, necessariamente, à com
preensão que se possa ter do processo de industrialização.
Desde já, ficam descartadas as interpretações que en
focam a indústria como mera quantificação de tecnologia num
processo produtivo, ou que julgam um artigo como industrial
de acordo com seu maior ou menor grau de beneficiamento.
A indústria é, basicamente, uma forma histórica de pro
dução capitalista que realiza a transformação da matéria-prima
em produto acabado sob determinadas condições de produ
ção. Na realidade, o que distinguiria a indústria enquanto for
ma histórica capitalista de outras atividades produtivas não
á o que se produz, mas sim a forma como se produz''.
A questão, portanto, remete ao processo de trabalho e
às relações de produção, ou, mais especificamente, a um pro
cesso de produzir mercadorias e a relações assalariadas.
Desta maneira, a indústria enquanto forma capitalista
é, ao mesmo tempo, um processo de reprodução de relações
sociais de produção e de dominação do capital sobre o
trabalho.
Embora as atividades agrárias — pecuária e agricultura
— possam constituir-se de forma capitalista, a concepção de
capitalismo enquanto modo de produção plenamente confi
gurado tende a identificar-se com o surgimento da fábrica. Na
análise de Marx, o capitalismo, no seu desenvolvimento, apre
sentou uma forma incipiente — a manufatura —, à qual se
seguiu uma forma mais desenvolvida: a fábrica ou indústria
propriamente dita.
Neste contexto, a fábrica assinalaria o estágio final de
um longo processo que marcaria a real subsunção do traba
lho ao capital, passada a fase manufatureira.
O conceito sistema de fábrica não é usado aqui na acep
ção que lhe deu De Decca, de tentar

[...] reencontrar a fábrica em todos os lugares e momentos on


de esteve presente uma intenção de organizar e disciplinar o tra
balho através de uma sujeição completa da figura do próprio
trabalhador.2

KarI Marx, O Capital. Livro 1. Trad. Reginaldo Sant'Anna. Rio de Ja


neiro, Civilização Brasileira, 1971. v. 1.
Edgar S. De Decca, O Nascimento das Fábricas. São Paulo, Brasilien-
se, 1 982. p. 10.

14
Considera-se fábrica ou indústria a forma histórica de
produção capitalista que sucedeu à manufatura e que se ca
racterizou pela introdução da tecnologia na produção e por
alterações no processo de trabalho, resultando para o operá
rio a perda do controle sobre o processo produtivo que ele ain
da mantinha parcialmente na fase anterior, manufatureira.
O sistema de fábrica seria, assim, marcado por trans
formações técnicas e sociais na produção, no desencadea-
mento das quais a máquina desempenharia um papel
fundamental.
A questão da introdução da tecnologia no processo pro
dutivo tem, ultimamente, sido fruto de debates nos meios aca
dêmicos. Dentro da postura aqui adotada, ficam descartadas
as análises que privilegiam a introdução da tecnologia no sis
tema da fábrica mais como uma estratégia burguesa de do
minação e controle sobre os operários^^ assim como as cor
rentes que, em maior ou menor grau, visualizam a utilização
da maquinaria apenas como um instrumento possibilitador do
aumento da mais-valia e da produtividade. Caberia ainda re
ferir que, dentro de um viés economicista — ou, pelo menos,
sob um enfoque econômico de análise —, a questão da tec
nologia é vista em termos de concorrência. Ou seja, o deter
minante na introdução e/ou adoção de tecnologia pelas em
presas seria a concorrência intercapitalista.
Ao se assumir posições polares, ou se cai no voluntaris-
mo que beira o idealismo, conferindo aos agentes sociais uma
intencionalidade e antevisão do processo, ou se reduz o ocor
rido a um movimento imanente ao capital e à supra-ação das
classes, tendendo ao economicismo. Para escapar a essa di-
cotomia parece que a forma mais correta é pensar a introdu
ção da maquinaria no processo produtivo levando em consi
deração tanto a dimensão econômica como a dimensão ^
Assim, a tecnologia, em seu uso capitalista, teve comq |
objetivo principal o acréscimo da intensidade do trabalho, auf |
mentando a possibilidade de extração do trabalho excedentè/
e dando surgimento à mais-valia relativa. Ora, como este pro
cesso teve, na sua origem, como corolário a "desqualifica-
cão" maciça do trabalhador e a desvalorização da forca-

De Decca, op. cit.

15
trabalho, acentuou-se, também, a subordinação do trabalho
ao capital e, conseqüentemente, ficou anulado o seu poten
cial político.
Como diz Benakouche:

Decorre daí que, desde que o capitalismo é capitalismo, a ciên


cia trabalhou visando basicamente o lucro e, portanto, a domi
nação social. Entre estes dois elementos não há fronteira; ao
contrário, só é possível extrair o lucro através de um modo de
acumulação do capital que não é nada mais do que um modo
de exploração, que, por sua vez, é também um modo de
dominação-subordinação.^

Indo mais além no raciocínio:

o processo de desenvolvimento capitalista não pode ser com


preendido como o lugar de atendimento das necessidades ce
gas da acumulação, nem como o produto da pura intencionali-
dade das classes em presença. A reconstrução do processo de
desenvolvimento capitalista deve, então, partir da própria his
tória do capital, mostrando como as categorias fundamentais
que constituem a sua unidade são respostas e/ou eventualmente
transformadas pelo próprio movimento da história.^

Este processo acima descrito implica, um mecanismo


que, por um lado, possibilita o aumento da produtividade e,
conseqüentemente, a extração do excedente, e, por outro,
busca anular o potencial de contestação e resistência do ope
rariado, reforçando a dominação de classe da burguesia. Con
quanto tais procedimentos tenham como resultado a defini
ção da existência histórica da burguesia enquanto classe, não
precisam, necessariamente, ter origem em uma ação coleti
va organizada, podendo situar-se, muitas vezes, no plano da
ação individual.
O processo de desenvolvimento do capitalismo, que te
ve como epicentro a Inglaterra, foi objeto de análise de Marx.
Na realidade, a periodização em "fase de acumulação primi-

Rabah Benakouche, A tecnologia enquanto forma de acumulação. Eco


nomia e Desenvolvimento. São Paulo, Cortez, 2: 1 1-43, fev. 1982.
p. 18.
Bernardo Sorj, Teoria do Estado e Capitalismo de Estado. In: Carlos
E. Martins, org. Estado e Capitalismo no Brasil. São Paulo, Hucitec,
1977. p. 266.

16
tiva", "fase concorrencial" e "fase monopolista" refere-se
aos países nos quais o capitalismo se desenvolveu de manei
ra autônoma, ou seja, a partir da evolução de suas contradi
ções internas, o que corresponde a determinadas áreas da Eu
ropa Ocidental.
Ora, nas áreas ditas "subdesenvolvidas" ou "atrasa
das" — América Latina, em particular, e Brasil, mais precisa-
mente ~ não se reproduziram as tais fases ocorridas na Eu- ^ ,
ropa. Se o capitalismo é, em tese, um processo que, por si ^
só, não se desenvolve de maneira linear, mas contraditória,
a sua forma de realização no Brasil seguiu determinações con- ^ *
junturais e estruturais específicas.
O Brasil não se defrontou apenas com a indústria ingle
sa do séc. XIX, mas já com o mundo todo sendo transforma
do pelo capital.
O processo de internalização do capitalismo no país sei I
dá concomitantemente com a internacionalização do capital./ \
Em outras palavras: o processo de transformação interna das
condições de produção em direção ao capitalismo ocorre jus
tamente quando o capitalismo já está plenamente configura
do no centro, passando da fase concorrencial à monopolista,
e se prepara para apoderar-se da produção em termos ^
mundiais.

Numa primeira fase, sob a égide do capital industrial, a


expansão do sistema capitalista assumiu a forma de exporta
ção de mercadorias, ao mesmo tempo que se exportava
capital-dinheiro através de empréstimos, que eram aplicados
na periferia em realizações de infra-estrutura (transportes, ser
viços urbanos).
Nas últimas décadas do séc. XIX, o capitalismo passou
da sua fase concorrencial para a monopolista/imperialista. A
passagem foi marcada pela concentração empresarial nos paí
ses centrais, com a constituição de grandes conglomerados,
resultantes da fusão do capital industrial com o capital ban
cário, o que deu origem ao capital financeiro.
Tais empresas monopolistas, com atuação em vários paí
ses, reformularam a divisão internacional do trabalho: quan
do a enorme massa de capitais deixou de encontrar lucrativi
dade nos países centrais, passou a ser aplicada nos países pe
riféricos. O novo período caracterizou-se pela exportação des-
17
tes capitais para aquelas áreas do mundo que, até então, não
apresentavam formas internas capitalistas de produzir.
Portanto, a internalização do capitalismo no Brasil, pro
cesso no qual a indústria foi uma das formas de realização,
deu-se "sob a égide do capital financeiro internacional, o que
impediria o surgimento de um setor nacional de bens de
produção"®.
Neste ponto, cabe esclarecer o que se entende por pro
cesso de industrialização no Brasil: a industrialização é a for
ma assumida, a partir de um determinado momento, pelo pro
/ o- Njr cesso de acumulação capitalista já em curso no país. Assim,
encarando a industrialização como forma particular de acu
-O mulação, como parte de um processo dinâmico, adota-se aqui
a expressão processo de industrialização para designar não
V apenas as fases em que a indústria se torna núcleo central
gerador de renda da economia nacional e em que é capaz de
instalar internamente um setor de bens de produção, mas um
contexto em permanente evolução e contradição desde as
suas origens.
Desta maneira, o Brasil não iria reproduzir as etapas e/ou
os padrões verificados no centro. A industrialização no país
não experimentou, por exemplo, a substituição de uma fase
manufatureira nítida por uma fase fabril, como aconteceu na
Europa, pela clara razão de que, quando aqui ocorreram os
primeiros "surtos industriais", a Europa já estava exportan
do máquinas para as áreas latino-americanas. Desta forma,
será típico de nossas indústrias o uso concomitante de má
quinas a vapor e do trabalho artesanal.
Estruturalmente, a indústria surgirá no país condiciona
da pela herança colonial e pela situação de dependência do
mercado externo, bem como pelo predomínio do capital mer
cantil. Para se impor, não terá de enfrentar, tal como na Eu
ropa, um modo de produção antitético ao primado burguês,
mesmo porque a realidade anterior, da etapa dita colonial,
constituía-se de um modo de produção subordinado ao capi
talismo central em sua fase de gestação (acumulação primiti
va). Tratava-se, pois, de urpa forma de produção para o capi
tal — e a ele formalmente submetida — sem que o processo
de produzir fosse, em si, capitalista.

Francisco Foot & VIctor Leonardi, História da Indústria e do Trabalho


no Brasil. São Paulo, Global, 1982. p. 29.

18
o surgimento da indústria no centro econômico do país
deu-ae sob a hegemonia e dominância interna do capital agrá
rio e mercantil e pela intermediação comercial e financeira ex
terna, derivada da inserção da economia brasileira no merca
do mundial e da atividade colonial de exportação que até en
tão tivera vigência.
Neste contexto, deve-se considerar que o avanço das
forças produtivas e a constituição das classes fundamentais
do capitalismo no Brasil foram balizados por uma série de fa
tores, tais como a referida dependência ao capital comercial
e financeiro, o processo de transição da força-trabalho escrava
para força-trabalho livre associado à imigração, a importação
de tecnologia, a reduzida urbanização e o deficiente sistema
de transportes, o limitado mercado interno e a presença da
grande propriedade rural impedindo o acesso à posse da
terra^.

Caberia ainda, dentro deste quadro, explicitar a escolha


do período de análise.
Este trabalho pretende abarcar os anos de 1889 a 1930
— o período da República Velha.
A instalação da República Velha marca o fim do agraris-
mo exclusivo do Império^. Considerando a República como
um ajustamento, no plano político, às transformações
econômico-sociais que tinham curso no país a partir da se
gunda metade do séc. XIX, a data de 1889 assume um signi-

7 Não cabe, nos objetivos deste trabalho, uma análise mais exaustiva
destes fatores, aliás, já suficientemente abordados por uma série de
trabalhos especializados, como por exemplo: Wilson Cano, Raízes da
Concentração Industrial em São Paulo. São Paulo, DifeI, 1977; War-
ren Dean, A Industrialização de São Paulo. São Paulo, DifeI, 1971; Fran
cisco Foot & Victor Leonardi, op. cit; José de Souza Martins, O Cati
veiro da Terra. São Paulo, Ciências Humanas, 1 979; João Manuel Car
doso de Mello, O Capitalismo Tardio. 2 ed. São Paulo, Brasiliense,
1 982; Sérgiò Silva, Expansão do Café e Origens da Indústria no Bra
sil. São Paulo, Alfa-ômêga, 1976; FIávio R. Versiani & José Roberto
M. de Barros, org.. Formação Econômica do Brasil, São Paulo, Sarai
va, 1977; Tendo em vista a importância do bomplexo cafeeiro na for
mação da indústria e levando em conta ser o eixo Rio-São Paulo o pó
lo cultural por excelência da produção científica do terreno humanísti-
co, a quase totalidade destes estudos realizados tendeu a enfocar o
processo ocorrido no centro econômico do país.

8 Raymundo Faoro,Os Donos do Poder.Porto Alegre, Globo, 1969. 2v.

19
ficado preciso. A passagem da Monarquia para a República
deu-se no contexto da transição capitalista no Brasil, quando
, se generalizaram as relações assalariadas de trabalho e os se-
Atores rurais assumiram uma conotação burguesa (em espe-
1\cial o cafeicultor paulista, ligado ao eixo central da economia
e principal beneficiário da queda do regime).
Dentro desta perspectiva, a Primeira República foi uma
modalidade de realização do Estado burguês, na qual se pro
cessou uma nova forma de organização do poder, que abriu
espaço para a articulação com outros setores detentores de
capital a fim de garantir a hegemonia da fração burguesa agrá
ria._Éj2esteconte£to^ueje_podeJ^ar da República Velha co-
aP S-^ mo o período formativo da constituição da indústria e do em-
, <2A- , í presariado enquanto cTãsse. Cabe, também, lembrar aquele
ponto, já tantas vezes afirmado por outros autores, de que
0^ a passagem para a dominação burguesa no Brasil não pode
-O
se confundir com a primazia política da fração industrial no
V^. aparelho do EstadoS.
p.
>> Em 1930, acontece no país o esgotamento de um pa
drão de desenvolvimento baseado na agroexportação de um
só produto, processando-se a transióão, nas duas décadas se
guintes, para um padrão de acumulação baseado na indús
tria, setor da economia que fora se desenvolvendo ao longo
da República Velha. 1930 é ainda um momento de redefini-
ção em terrno^_de_poder, tendo sido marcado pela crise de
hegemonia dos grupos agrários e pelo estãBêíêcÍlTreTitl)"délíma
nova coalisão dominante de classes, na qual os empresários
terão um peso político maior.
Com relação ao Rio Grande do Sul, neste momento in
tervém variáveis regionais, que vão dar uma especificidade
toda própria ao processo de desenvolvimento industrial no es
tado e à formação e diferenciação do empresariado gaúcho
no interior da sociedade civil.
Ao longo da República Velha, estabeleceu-se no Rio
Grande uma forma de Estado na qual a composição com as
frações não-agrárias da burguesia constituiu-se na condição
sine qua non para a manutenção de uma facção dos pecua
ristas no poder. Tal aliança, ao mesmo tempo econômica e

Vianna, op. cit., p. 1 1 2.

20
política, foi sedimentada pela organização de um Estado au
toritário de inspiração positivista, que defendeu um projeto
de desenvolvimento global para a região, no qual os interes
ses do empresariado se viram contemplados.

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Em obra já se tornou clássica nos meios acadêmicos,
João Manuel Cardoso de Mello assim se refere à
industrialização:

Não basta, no entanto, admitir que a industrialização latino-


americana é capitalista. Énecessário, também, convir que a in-
dustrialização capitalista na América Latina é específica e que
^ sua especificidade está duplamente determinada: por seu pon-
to de partida, as economias exportadoras capitalistas nacionais,
1 e por seu momento, o momento em que o capitalismo monopo-
lista se torna dominante em escala mundial, isto é, em que a
Q ^^3 economia mundial capitalista já está constituída. É a esta indus
trialização capitalista que chamamos retardatária.""

Ao assumir a especificidade da industrialização brasilei


ra em sua análise, Cardoso de Mello dá margem ao estudo
da industrialização regional do Rio Grande do Sul.
Quanto ao momento, é preciso ter em conta que, na pri
meira metade do séc. XIX — ainda na fase do capitalismo con
correncial, portanto —, uma das formas da expansão da do
minação do capitalismo enquanto sistema foi a exportação de
mercadorias, correspondendo a uma divisão internacional do
trabalho que separava o mundo entre potências industrializa
das e não-industrializadas.

Da mesma maneira que o mercado mundial de mercadorias se


forma na esfera da circulação mercantil, forma-se também um
mercado mundial de capital-dinheiro.^

João Manuel Cardoso de Mello, O Capitalismo Tardio. 2. ed. São Paulo,


Brasiliense, 1982. p.98.
Francisco Foot & Victor Leonardi, História da Indústria e do Trabalho
no Brasil. São Paulo, Global, 1982. p.51

25
Desta maneira, nos países dependentes, sem que ainda
se tenham convertido as condições internas de produção e
de trabalho na direção do capitalismo, gera-se uma acumula
ção de capital-dinheiro tanto no setor de comercialização dos
produtos exportados quanto no bancário, atividades estas li
gadas à dinamização do comércio internacional.
Tais condições se alteram, a partir da segunda metade
do séc. XIX, com a passagem do capitalismo para a sua fase
monopolista. Trata-se de exportar não só produtos industria
lizados para as áreas dependentes, mas também capitais;
trata-se não mais de manter a divisão do trabalho entre zo
nas industrializadas e não-industrializadas, mas sim de o ca
pital apoderar-se da produção em termos mundiais.
É evidente que, dentro desta perspectiva, perde um pou
co de sentido falar em fatores exógenos ou endógenos com
relação ao primeiro surto industrial brasileiro, uma vez que não
se pode desvincular qualquer processo de transformação ca
pitalista que aqui ocorra do sistema mais amplo no qual se
insere. Entretanto, ao atentar para o momento histórico em
que surge a industrialização brasileira —as últimas duas dé-^
cadas do séc. XIX —, vemos que a contrapartida interna do
processo que leva o capital a apoderar-se da proc^ção em ter-
, rtios mundiais deTíniu~¥é^^ld^sur^ forca:Trabalho_li-
vre e'~pêTãTel de Terras^e idbU. bstes dois ratores conjuga-
dos definiram, basicamente, a separação capital-trabalho no
país. Por um lado, o processo de transição da mão-de-obra,
de servil à assalariada, transformou o escravo de mercadoria
a detentor de uma mercadoria, a sua capacidade de trabalho;
por outro, o movimento de imigração-colonização, vinculado
internamente a este processo, fez entrar no país uma massa
de trabalhadores livres. Ao mesmo tempo, na medida em que,
com a Lei de Terras, definia-se a propriedade capitalista do
solo, impedia-se o livre acesso dos despossuídos à terra, fos
sem eles egressos da escravidão ou vindos de fora como mão-
de-obra livre. É esse processo de dissolução de uma determi
nada ordem e constituição para outra que faz com que, neste
momento, surjam condições históricas para que o capital-
dinheiro acumulado passe a se converter em capital produtivo.
Em outras palavras, a existência de uma acumulação
prévia de capital-dinheiro permitiu a concentração de meios
de subsistência, de instrumentos de trabalho e de matéria-

26
prima. Com isso, definiram-se as condições objetivas de tra
balho e de subsistência como capital e propriedade de alguns
frente à massa de trabalhadores e despossuídos. Além disso,
a riqueza monetária não se limitou apenas a acumular os meios
de produção e de subsistência, mas se revelou capaz de com
prar o próprio trabalho pelo dinheiro.
E ainda este o momento em que se configura a presen
ça da burguesia, enquanto personificação do capital.
Citando Gianotti^, refere Francisco de Oliveira a este
respeito:

A transformação de pessoas em personas do capital distintas


somente se dá quando se diferencia a forma pela qual o pres
suposto é reposto [...] isto é, quando as diferenças na produ
ção e apropriação do valor geram circuitos distintos de reposi
ção do produto."^

Gianotti se refere, basicamente, ao processo pelo qual


cs pressupostos — ou as condições naturais da existência:
terra, instrumentos e o próprio trabalho — se apresentam co
mo valor, como capital fixo ou variável. Isto implica, em últi
ma análise, a "maneira pela qual tais pressupostos, ao serem
repostos pelo trabalho, de naturais se transformem em
históricos"^.
—^ Este é, pois, omomento em que se estabelecem as con
dições históricas para que ocorra o primeiro surto industrial
de 1880 a L89b-1900 —, momento este que é concomi
tante para o eixo Rio-São Paulo e para o Rio Grande do Sul
e que define uma especificidade própria para a industrializa
ção brasileira.
Entretanto, para fins de compreensão do processo ocor
rido no Rio Grande do Sul, é necessário particularizar a forma
pela qual aquelas condições históricas se realizam e fazem
com que os meios de produção e subsistência se convertam

José Artur Gianotti, O ardil do trabalho. Estudos CEBRAP. São Paulo,


Ed. Bras. de Ciências, 4, 7-63, abr. — maio — junho 1973.
Francisco de Oliveira, A mergência do modo de produção de mercado
rias: uma interpretação teórica da economia da República Velha no Bra
sil. In: Bóris Fausto, org.. História Geral da Civilização Brasileira. São
Paulo, DifeI, 1975. v. 1. p. 408.
Gianotti, op. cit., p.56.

27
em capital. Em outras palavras, o Rio Grande do Sul apresen
ta peculiaridades na realização destes pressupostos.
Com relação ao outro lado da especificidade referida por
Cardoso de Mello — ou seja, a do seu ponto de partida —,
há que considerar que o Rio Grande do Sul não elaborou seus
pré-requisitos fundamentais a partir de sua atividade econô
mica dominante. A pecuária tradicional da campanha não foi
a principal responsável pela formação do capital industrial, do
mercado de trabalho e de um mercado para produtos indus
trializados no estado. Desta forma, o processo de surgimen
to da indústria no Rio Grande do Sul difere decisivamente do
caso paulista, onde ''o capital industrial nasceu como um des-
dobramento do capital cafeeiro"^.
No Rio GrandeWSul, a pecuária tradicional tornou-se,
paulatinamente, capitalista, ao mesmo tempo em que surgi
ram as indústrias; em São Paulo, ao contrário, uma atividade
agrária já com características capitalistas antecedeu o surto
industrial. Na verdade, a geração dos pré-requisitos tundaméh-
lãTsao surgimento da indústria no sul esteve majoritariamen-
te centrada na agropecuária colonial imigrante; vinculou-se,
portanto, ao processo de imigração e colonização, particular
mente ao tipo de imigração ocorrida no Rio Grande do Sul.
Da identificação destas especificidades decorrem algu
mas indagações fundamentais para o entendimento da indus
trialização no estado:
— como se forma, no Rio Grande do Sul, uma massa
de capital monetário nas mãos de um grupo social determi
nado que, sob certas circunstâncias, se torna capital industrial;
— como se constituem, regionalmente, um mercado de
trabalho e um mercado para produtos industriais;
— que tipo de indústria resultou desse processo e qual
o perfil básico do empresariado gaúcho.
Trata-se, portanto, de analisar a gênese do processo de
industrialização no Rio Grande do Sul, bem como as condi
ções de seu desenvolvimento.

1.1 A gênese do processo

Por um largo tempo, prevaleceu no Rio Grande do Sul


a tese de Limeira Tejo sobre as origens da indústria gaúcha.
6 Mello, op. cit. p.100.

28
Escrito em 1 941, seu trabalho apontava para a via artesanal
do surgimento das unidades fabris:

[...] foram estas oficinas que se transformaram em fábricas. O


neto do ferreiro, do tecelão, do sapateiro, do tipógrafo, do mar
ceneiro, do mecânico [...], o neto destes imigrantes é que a nossa
era veio surpreender, em sua quase generalidade, como chefe
de indústria.

Antes de tecer considerações sobre a impraticabilidade


de manutenção desta teoria sobre a evolução do artesanato
à indústria, cabe situar o autor em sua época. Limeira Tejo
ocupou, durante o Estado Novo, o cargo de diretor da revista
Orientação Econômica e Financeira, publicação que, calcada
nos moldes de sua congênere do centro do país, O Observa
dor Econômico e Financeiro, destinava-se a divulgar a via da
industrialização como a trilha a ser seguida. Além de identifi
car o progresso do Rio Grande do Sul com o seu desenvolvi
mento industrial, a revista difundia a visão da classe domi
nante sobre si mesma, caracterizando o empresário como em
preendedor, operoso, abnegado e enriquecido pelo próprio
esforço.
A obra de Limeira Tejo expressa esta tendência ao es
tabelecer que o isolamento geográfico forçou o Rio Grande
do Sul a auto-abastecer-se nos artesanatos locais. Segundo
uma evolução linear, a partir das oficinas domésticas, o pro
cesso teria atingido níveis de complexidade cada vez maio
res até chegar ao estágio fabril.
Essa concepção teve seguidores mesmo entre aqueles
que, por suas posições políticas, não concordavam com as
metas do "modelo getuliano de desenvolvimento", durante
e após o Estado Novo. É o caso específico de Mem de Sá,
membro integrante do Partido Libertador (e, por isso, tenden-
cialmente mais ligado ao setor agropecuarista): ele endossa
a idéia de que o trabalho e a poupança geram o capital, ratifi
cando a ideologia empresarial do sucesso individual®.

Limeira Tejo, Contribuição à crítica da economia rio-grandense. Ensaios


FEE. Porto Alegre, FEE, 1: 79 — 108, 1983. P.98.
Mem de Sá, Aspectos econômicos da colonização italiana no Rio Gran
de do Sul. In: Álbum Comemorativo do 75.° Aniversário da Colonização
Italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1950.

29
Uma década após a edição dos escritos de Mem de Sá,
0 jornalista Frankiin de Oliveira retratava o Rio Grande segun
do a mesma visão: ''o empresário de hoje foi o operário de
ontem"; "o hábito europeu de poupança ajudou a crescer a
indústria gaúcha"^.
Independentemente, portanto, do momento político —
1 941, 1 950 e 1 960 —, vê-se que os três autores, no interior
da ordem capitalista que se afirma, reproduzem o discurso bur
guês, que admite a ascensão social através da capacidade de
poupança e do espírito de privação.
Sendo, na maioria dos casos, os empresários e os arte
sãos rurais da mesma etnia — alemães e italianos, por nasci
mento ou descendência —, a exaltação do trabalhador colo
nial revertia em proveito da imagem que a burguesia construía
de si mesma. Admitido que todo empresário fora, originaria-
mente, um colono imigrante e um artesão, a evolução linear
do artesanato à indústria representava, no discurso burguês,
a mais cabal demonstração da sua capacidade inovadora e do
seu amor ao trabalho. Justificava-se, com isso, o sucesso e
a riqueza, apresentados como merecidos e justos.
Entretanto, trabalhos baseados em ampla documenta
ção não confirmaram esta tese. Em especial, Jean Roche, no
seu já clássico estudo sobre a colonização alemã''^, foi o que
primeiro apontou para o fato de o artesanato ter sido aniqui
lado pela entrada no comércio de bens importados.
Segundo o autor, nem todas as fábricas teriam tido ori
gem numa oficina de artesão. Teria havido, pois. um hiato en
tre a decadência do artesanato.face à concorrência dos pro
dutos importados, e o surgimento da indústria. Segundo esta
concepção, o impulso industrial é mais recente, e as primei
ras fábricas teriam sido fundadas por alemães e seus descen
dentes, com capitais acumulados no comércio. Roche con
trapõe assim, à idéia da evolução orgânica artesanato-
indústria um outro circuito explicativo, expresso na correla
ção agricultura colonial — comércio/indústria. À idéia de traba-
Iho-poupança, Roche opõe a noção de acumulação de capital
comercial na origem das empresas.

9 Frankiin de Oliveira, Rio Grande do Sul, um Novo Nordeste. Rio de Ja


neiro, Civilização Brasileira, 1960. p. 118 e 121.
10 Jean Roche, A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul. Trad. Emery
Ruas. Porto Alegre, Globo, 1969. 2v.

30
A partir da postura de Rocha, seguiram-se outros traba
lhos que, apoiados em pesquisa empírica, comprovaram suas
idéias^''.
Neste ponto, algumas considerações se impõem. Não
se trata de negar a importância do artesanato no contexto do
processo de industrialização no sul ou da presença da oficina
na origem de muitas empresas, mas de apontar a errônea no
ção de que a empresa artesanal doméstica possa, por uma
evolução gradual e linear, vir a transformar-se em fábrica.
Lagemann''^, com muita propriedade, alerta para o salto qua
litativo que intervém no processo, conseqüência da associa
ção dessa empresa com o capital comercial ou da realização
paralela de atividades comerciais efetivadas pelo dono do es
tabelecimento artesanal.

A pesquisa empírica em numerosas fontes veio compro


var aquela tendência assinalada pelo historiador Jean Roche,
indicando a presença do capital comercial acumulado na ori
gem de grande parte das empresas industriais gaúchas""^.

11 Maria Noemi Castilhos Brito, Considerações sobre o processo de indus


trialização gaúcha: um estudo de caso. In: Informativo do SEITE. Porto
Alegre, FEE, 5: 19-32, mar./abr. 1978; Dietrich von Delhaes — Güen-
ther. Indústria lisierung in Südbrasilien. Kõln, Bòhiau, 1973; Eugênio La-
gemann, A Industrialização no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, lEPE-
UFRGS, ago. 1978 (Relatório de Pesquisa, 4); — Imigração e Indus
trialização. In: José H. Dacanal & S. Gonzaga org., RS: Imigração e Co
lonização. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1 980; Sandra Jatahy Pesa-
vento, RS: Agropecuária Colonial e Industrialização. Porto Alegre, Mer
cado Aberto, 1983.
12 Lagemann, A Industrialização no Rio Grande do Sul, op. cit., p.50-1
13 Os exemplos dados a seguir foram coletados, na sua maioria, nas se
guintes fontes: Álbum Comemorativo do 75.° Aniversário da Coloniza
ção Italiana no Rio Grande do Súl. Porto Alegre, Globo, 1950; Álbum
Oficial Comemorativo ao Sesquicentenário da Imigração Alemã no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, Edel, 1974; Vicente Blancato, As Forças
Econômicas do Estado do Rio Grande do Sul no 1.° Centenário da Inde
pendência do Brasil 1822-1922. Porto Alegre, Globo, s.d.; Catálogo da
Exposição Brasileiro-Alemã em Porto Alegre, Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul (Brasil), 1881, Porto Alegre, Deutsche Zeitung, 1881;
Catálago da Exposição Estadual de 1901. Porto Alegre, Gundiach & Bec-
ker, 1901; Catálogo da Exposição da Província de São Pedro do Rio Grande
do Sul em 1875. s. n. t; Centenário da Imigração Italiana; Rio Gran
de do Sul, Brasil, .1875/1975. Porto Alegre, Edef, 1975; Dalhaes-Güen-
ther, op. cit.; La Cooperazione Degli Italiani al Progresso Civile ed
Economico dei Rio Grande dei Sud. Porto Alegre, Globo 1925; Mon-

31
Uma outra tendência constatada foi a da vinculação or
gânica da indústria nascente com um setor determinado da
economia gaúcha, a agropecuária colonial imigrante. A este
processo correspondeu um circuito específico de acumulação,
com origem na comercialização dos produtos coloniais, dis
tinto daquele que se desenvolvia a partir da atividade tradi
cional da pecuária da campanha gaúcha.
O estabelecimento de colonos estrangeiros em regime
de pequena propriedade agrícola veio dar uma fisionomia di
ferente a uma província que vivia até então, quase que exclu
sivamente, dependente da pecuária e da exportação de seus
principais produtos: charque, couro e sebo.
A imigração esteve ligada ao processo mais amplo de
substituição, no país, do trabalho escravo pelo trabalho livre,
processo que, por sua vez, representou uma das formas as-
-sumidas pelo movimento de expansão do capital, ao apoderar-
.se da produção em nível mundial. Embora o eixo básico das
operações deste processo se subordinasse aos interesses do
núcleo central da economia do país — fornecer mão-de-obra
para a lavoura cafeeira —, o imigrante que veio para o Rio
Grande do Sul não se encontrava desvinculado deste movi
mento. A existência de núcleos bem sucedidos de pequenos
proprietários agrícolas, produzindo em termos de economia
de subsistência, servia inclusive como um chamariz para atrair
novas levas de imigrantes que eram, de uma certa forma, des
viados para as fazendas de café.
O momento da chegada dos imigrantes coincidiu com
a época em que se forjaram condições institucionais para que
0 capitalismo se estendesse ao campo. A Lei de Terras, de
1850, seria o preceito jurídico que, ao extinguir o regime de
concessão de sesmarias, instituiu a propriedade capitalista da
terra.
A partir daí, esta passou a ser comprada, o que, para
o caso do imigrante recém-chegado, gerava a chamada dívi-

te Domecq, Letat du Rio Grande du Sud. Barcelone, Établissement d'Arts


Graphiques Thomas, 1916; O Progresso. Porto Alegre, 1916; O Rio Gran
de do Sul Industrial. Pelotas, Echenique & Irmão, 1907; Fortunato Pi-
mentel. Aspectos Gerais de Porto Alegre. Porto Alegre, Imprensa Ofi
cial, 1945 . O Rio Grande do Sul e suas Riquezas. Porto Alegre,
Livraria Continente, s.d.; Revista do Comércio e Indústria de São Paulo.
São Paulo, 1918; Roche, op. cit.; Silva Jr., Galeria Biográfica Ilustrada.
Porto Alegre, s.ed., 1937.

32
da colonial: ele deveria pagar ao governo o preço da terra e
reembolsá-lo pelo auxílio inicial. Neste contexto, a terra se
apresentava ao colono como mercadoria, com um determi
nado valor de troca. Ao adquiri-la, o imigrante se tornava pro
prietário do principal meio de produção, sendo também o pro
dutor direto. Entretanto, ao tornar-se proprietário do solo, o
colono endividava-se, hipotecando seu trabalho e sua produ
ção futura em função do pagamento do preço da terra. Por
outro lado, tal dependência dificultava suas possibilidades de
investimento na própria unidade produtora, em função da dí
vida assumida.
A atividade agrícola do núcleo colonial destinava-se ao
abastecimento não apenas da própria unidade produtora fa
miliar, mas também do mercado regional, e, num segundo mo
mento, do mercado nacional. Ora, o processo de trabalho as
sim descrito, com produção de valor de uso e valor de troca
pelos pequenos proprietários agrícolas que atuavam funda
mentalmente com mão-de-obra familiar, não pode ser classi
ficado como capitalista. Trata-se de uma produção simples
de mercadorias, na qual o colono era produtor direto e pro
prietário dos meios de produção; a parte dos produtos de seu
trabalho que se destinava ao mercado servia para garantir as
condições de sua existência e reproduzir as condições de
produção.
Como trabalho paralelo ao trato da terra ou como ativi
dade autônoma, surgiu o artesanato dos núcleos coloniais, ba
seado fundamentalmente na virtualidade técnica do imi
grante, conhecedor de um ofício na sua terra de origem. O
próprio desenvolvimento da atividade agrícola permitiu que
uma parte dos colonos não se dedicasse integralmente ao cul
tivo da terra e pudesse especializar-se na produção artesanal
e na venda do seu produto para o mercado. Esta pequena pro
dução mercantil pôde, na sua expansão, utilizar mão-de-obra
acessória, sob formas variadas de assalariamento; entretan
to, no comum dos casos, o artesanato rural subsistiu na base
do emprego da mão-de-obra familiar.
Historicamente, a produção agrícola colonial e o artesa
nato rural enquanto sistemas de trabalho não-capitaüsta
achavam-se integrados a um processo de penetração e repro
dução do capital no Brasil que se deu a partir da segunda me
tade do séc. XIX.

33
o pequeno produtor agrícola esteve, desde o início da
venda dos artigos coloniais para o mercado, subordinado ao
capital comercial. O comerciante —primeiramente alernão e
posteriormente italiano —realizou uma forma de apropriação
do excedente econômico produzido pela agricultura colonial.

Seja através da diferença dos preços de compra e ven


da, seja através do custo do frete dos produtos até o merca
do ou mesmo por meio do controle monopólico sobre a pro
dução colonial, este comerciante contribuiu para impedir que
determinadas condições favoráveis — alta do preço de cer
tos gêneros alimentícios, maior produção em função de solo
mais fértil, proximidade do mercado consumidor — revertes
sem em benefícios para o pequeno produtor. Este se encon
trava praticamente isolado dos estímulos do mercado em ra
zão da ação monopólica-monopsônica do comerciante, que
controlava a venda dos artigos não-coloniais e a compra dos
produtos da região. Estabelecia-se, desta forma, um intercâm
bio desfavorável aos colonos pequenos proprietários, que se
viam progressivamente submetidos ao capital comercial. Além
disso, tanto pelo seu papel de introdutor de produtos manu
faturados importados quanto pela sua capacidade de
transformar-se em capital industrial, o capital comercial con
tribuiu para o aniquilamento do artesanato doméstico, redu
zindo o colono à situação de mero produtor de
matérias-primas.

Em última análise, a economia colonial imigrante propi


ciou a existência de atividades produtoras não-capitalistas —
agricultura colonial e artesanato doméstico —que, submeti
dos ao comerciante, proporcionaram uma acumulação de ca
pital para a emergência da indústria.

O circuito de comercialização dos produtos agrícolas co


loniais desenvolvia-se em pelo menos três instâncias. Disse
minados pelo interior, existiam os comerciantes das vendas,
localizadas junto aos lotes coloniais e no entroncamento das
linhas ou picadas. Tais comerciantes rurais recolhiam os pro
dutos agrícolas dos colonos e os revendiam aos comercian
tes do núcleo colonial ou das sedes das microrregiões em que
se dividia a zona de imigração. Estes comerciantes do núcleo

34
eram, por sua vez, intermediários entre o comerciante da ven
da rural e o grande comércio de Porto Alegre e/ou de outros
centros maiores''^.

O comerciante do interior, mais isolado dos estímulos


do mercado, realizava uma menor acumulação, originada ba
sicamente da diferença dos preços de compra e venda. Co
mo diz Janaína Amado:

Como era o comerciante rural quem fixava os preços nas pica


das, desde o início comprou barato a produção agrícola dos co
lonos e vendeu-lhes caro os produtos de Porto Alegre. Dessa
forma transferiu para o agricultor parte dos gastos que tinha com
o transporte.''^

Este reduzido poder de acumulação, contudo, foi a ba


se para o estabelecimento de algumas empresas de pequeno
porte, disseminadas pelo interior.
São exemplos Dal Molin, de Nova Vicenza, 3.° distrito
de Caxias do Sul, que se estabeleceu como comerciante em
1883 e mais tarde voltou-se para o fabrico da banha; Ângelo
Antonello, da mesma localidade, que de comerciante tornou-
se cantineiro de vinho em 1914; Luigi Busetti, de São Marco
(distrito de Bento Gonçalves), comerciante de produtos colo
niais que se estabeleceu com fábrica de salame, cantina e ser
raria a vapor; Costi S. A., empresa fundada em 1906, em Barra
do Jacaré (interior do município de Encantado), dedicada ao
comércio de secos e molhados, ao transporte de mercadorias
e à indústria de conservas, banha, sabão e charque; Oreste
Franzoni, que possuía casa de produtos coloniais em Monte-
bello, 2.° distrito de Bento Gonçalves, e, posteriormente, mon
tou empresas para fabricação de licores, vinho e queijo, além
de uma serraria a vapor; João Simon, estabelecido em 1890,
no 6.° distrito de Bento Gonçalves, com casa comercial e,
após, com indústria de produtos coloniais, como vinho, sala-

14 Para uma análise do escoamento da produção colonial através da rede


de comercialização, ver: Roche, op. cit.; Janaína Amado, Conflito So
cial no Brasil; a revolta dos Mucker. São Paulo, Símbolo, 1978.
15 Amado, op. cit., p. 33.
Além disso, na ausência de bancos, o comerciante atuava como tal,
"guardando" a poupança dos colonos e aumentando com isso seu ca
pital de giro.

35
me, queijo; Luigi Dall'Oglio, da mesma localidade, que de co
merciante passou a fabricante de queijo.
Maior importância teriam os comerciantes da instância
intermediária entre os lotes do interior e o grande comércio
da capital. Localizado nas colônias centrais, como São Leo
poldo, São Sebastião do Caí, Caxias do Sul, Cachoeira do Sul,
Novo Hamburgo, Santa Cruz do Sul, Montenegro, o comér
cio intermediário operava como redistribuidor dos produtos
vindos de fora da região colonial para as vendas rurais e tam
bém como encarregado de fazer chegar a Porto Alegre a pro
dução agrícola dos lotes.
A posição estratégica de contato básico entre o maior
centro econômico do estado e o interior rural ampliava as
chances de acumulação, e os exemplos encontrados de in
dústrias originadas deste circuito são de maior relevância do
que aqueles citados para o caso dos comerciantes rurais.
Tome-se o caso de São Sebastião do Caí, colônia cen
tral que gozava de uma excepcional posição estratégica, aten
dendo o abastecimento tanto da zona propriamente alemã
quanto da italiana da região da serra. Não é, pois, por acaso
que de Caí se originaram alguns dos mais poderosos grupos
empresariais do estado, como Trein, Ritter, Renner, Mentz,
Oderich.
Franz Reter Trein, estabelecido desde 1847 com uma
casa comercial em São Leopoldo, abriu uma filial, em 1869,
em Caí, passando a atuar como intermediário entre as áreas
de colonização alemã e italiana e entre as duas e Porto Ale
gre. Seu filho e sucessor nos negócios, Christian Jacob Trein,
tornou-se sócio de seu cunhado Henrique Ritter Filho, tam
bém comerciante em Caí, quando este fundou, em 1894, uma
cervejaria em Porto Alegre; com seu genro, o comerciante Fre
derico Mentz, Trein montou um estabelecimento para refina
ção de banha, na capital do estado.
Jacob Renner, comerciante e construtor de moinhos em
Caí, proprietário de uma serraria em Montenegro, fundou uma
refinaria de banha nesta cidade, em 1894. Seu filho, Anton
Jacob Renner, iniciou a vida trabalhando na refinaria do pai
e tornou-se, posteriormente, sócio da firma comercial de seu
sogro, Christian Jacob Trein. Em 1911, montou uma fábrica
de capas impermeáveis em Caí, com Frederico Engel; no ano
36
seguinte, passou a dirigir a fábrica. Finalmente, em 1916,
transferiu-se para Porto Alegre, dando origem ao conglome
rado das Indústrias Renner.
Adolpho Carlos Oderich, após iniciar sua vida como
caixeiro-viajante de uma casa comercial de Porto Alegre, abriu
seu próprio negócio de importação de fazendas em Caí. Em
1 908, juntamente com outros comerciantes, montou uma fá
brica de banha no município de Canoas, que, em 1936, tornou-
se os Frigoríficos Nacionais Sul-Brasileiros.
Em Cachoeira do Sul, o comerciante Germano Treptow
lançou-se à fabricação de máquinas, e João Gerdau, após ope
rar nesta cidade como comerciante, transferiu-se para Porto
Alegre, onde, em 1901, adquiriu uma fábrica de pregos, ori
gem do poderoso Grupo Gerdau, proprietário, entre outros es
tabelecimentos, da Siderúrgica Riograndense. Em Santa Cruz
do Sul, João Nicoiau Kliemann, comerciante de fumo,
estabeleceu-se em 1912 com indústria de fumo desfiado e
exportação de fumo em folha; em 1919, juntamente com ou
tros capitalistas, fundou a Companhia de Fumos Santa Cruz,
na mesma cidade. Em Estrela, Heimuth Fett, comerciante-
exportador de uva e banha, dedicou-se, posteriormente, à in
dustrialização do Ieitei6.
Na zona de imigração italiana^''. Caxias do Sul foi o
grande centro, particularmente após 1910, com a inaugura-

16 Consultar, a propósito da área de colonização alemã: Álbum Oficial Co


memorativo ao Sesquicentenário da Imigração Alemã no Rio Grande do
Sul, op. cit., Blancato, op. cit.; Bromberg e Companhia. 1 863 — 1913.
s. n. t.; Catálogo da Exposição Brasileiro-Alemã, op. cit.; Catálogo da
Exposição Estadual, op. cit.; Delhaes — Güenther, op. cit.; Impressões
do Brasil no Século XX: sua história, seu povo, comércio, indústrias e
recursos. Rio de Janeiro, LloYd's Greather Britain, 1913; Monte Domecq,
op. cit.; O Progresso. Porto Alegre, 1916; O Rio Grande do Sul Indus
trial, op. cit.; Pimentel, Aspectos Gerais..., op. cit.; Revista do Comér
cio e Indústria de São Paulo, op. cit.; Roche, op. cit.
17 Para exemplos na área italiana, consultar: Álbum Comemorativo do 75.°
Aniversário da Colonização Italiana, op. cit.; Blancato, op. cit.: Catálo
go da Exposição Estadual, op. cit.: Centenário da Imigração Italiana, op.
cit.; Arquimedes Fortini, O 75.° Aniversário da Colonização Italiana no
Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Sulina, 1950; La Cooperazione, op.
cit.; Monte Domecq, op. cit.: O Progresso, op. cit.: O Rio Grande do
Sul Industrial, op. cit.: Revista do Comércio e Indústria de São Paulo,
op. cit.

37
ção da rede ferroviária entre esta cidade e Porto Alegre e a
conseqüente eliminação do transporte de suas mercadorias
por terra até Caí, de onde eram levadas para a capital por via
fluvial. Dada a posição de destaque que passaram a ter os co
merciantes locais, eliminando a figura do intermediário alemão
na colocação dos gêneros coloniais italianos no mercado, fo
ram também expressivos os casos de empresas industriais for
madas a partir de uma acumulação de capital comercial. Na
indústria do vinho, por exemplo, tem-se os casos de Adelino
Sassi, J. Penna de Moraes, Etore Pezzi, Paulo Salton, Ambro-
sio Bonalume, João Andreazza. Na industrialização da banha,
tem-se o exemplo de Alexandre Rizzo, que começou expor
tando este produto e passou, depois, a refiná-lo. Em outros
ramos do comércio também se fez presente o capital comer
cial na origem das empresas: João Triches, estabelecido em
1921, em Caxias do Sul, com comércio varejista de artigos
de ferro e aço, criou a sua metalúrgica em 1945; Kalil Sehbe,
instalado em 1928 como comerciante de tecidos, fundou, pos
teriormente, seu próprio estabelecimento fabril de vestuário
e tecidos.
Em outros núcleos expressivos da região colonial italia
na ocorreram casos semelhantes. Em Garibaldi, Antonio Pa-
ganelli, comerciante por atacado de gêneros coloniais, tornou-
se proprietário de cantina e moinho. Luís Michielon Filho, da
mesma localidade, iniciou sua vida como comerciante de vi
nho, participou da implantação de várias empresas (fabrica
ção de pelegos, chapéus de palha, escovas e vassouras; em
preendimentos madeireiros), até montar a indústria Vinícola
Luís Michielon S. A. Em Bento Gonçalves, Carlos Manfredini,
comerciante de tecidos, estabeleceu-se com fábrica de vinhos,
salame e banha; Fasolo, comerciante de couros, montou um
curtume; e José Mandelli, após ter-se dedicado ao comércio
e a uma pequena cervejaria, fundou uma cantina em 1921.
É, contudo, a partir de Porto Alegre, centro escoadouro
da produção agrícola colonial, que foi possível a acumulação
da maior massa de capital monetário. Dali se distribuíam os
gêneros da colônia para o interior do estado e se providencia
va o seu envio para o restante do país e exterior. Muitas des
sas grandes firmas, dedicando-se à importação, foram respon
sáveis pela introdução de máquinas para as indústrias nascen
tes. Em função da disseminação da economia imigrante, Por-

38
to Alegre converteu-sè no maior conglomerado urbano do es
tado e no centro comercial de maior destaque na passagem
do séc. XIX para o séc. XX.
No ramo da fabricação da banha, os comerciantes des
te produto Edmundo Dreher, Alípio César, Alfredo Dillenburg,
Ezequiel Maristany, Hugo Bina e Otero Gomes tornaram-se
também fabricantes na capital do estado.
No ramo da fiação, tecidos e artigos de vestuário, os
exemplos são também numerosos. Em 1891, os comercian
tes de Porto Alegre Nogueira de Carvalho, Manoel Py, Antô
nio Chaves Barcellos e Antônio José Gonçalves Mostardeiro
fundaram a Companhia Fiação e Tecidos Porto-alegrense; em
1892, o negociante João Pabst estabeleceu-se com uma fá
brica de gravatas e espartilhos; em 1896, Oscar Teichmann,
também comerciante, fundou um estabelecimento para fabri
car chapéus; ao mesmo ramo dedicou-se o comerciante Félix
Cristiano Kessier.
No setor do fumo, o comerciante Amaro da Silveira
estabeleceu-se com fábrica de charutos e cigarros em Porto
Alegre, e o exportador Tertuliano Borges fundou, também em
Porto Alegre, em 1905, um estabelecimento para a produção
de fumos e bebidas.
No ramo metal-mecânico os comerciantes Klüwe e Mul-
ler estabeleceram-se como fabricantes de artefatos de ferro
estanhado e alumínio; em 1928, o negociante Domingos Cos
ta Lino ingressou na atividade fabril, fundando a Fábrica de
Balanças Santo Antônio.
Em outros setores da indústria os exemplos são também
significativos. Em 1878, o comerciante Bernardo Sassen, es
tabelecido desde 1869 em Porto Alegre, abriu uma cerveja
ria; em 1902, o comerciante Antônio Soares de Barcellos or
ganizou uma empresa para fabricar colchões; em 1910, o co
merciante de Porto Alegre Carlos Júlio Becker, que negocia
va com arreios, calçados, malas e cintos, fundou uma fábrica
de sapatos e bolsas em Novo Hamburgo; em 1897, o impor
tador de artigos de vidro da Alemanha, J. Brutschke, montou
uma indústria deste produto em Porto Alegre; em 1891, os
comerciantes Arbós e Salvador criavam uma fábrica de
móveis.
Em Cachoeira do Sul, a poderosa casa importadora
Bromberg financiou a instalação da fábrica de máquinas de
39
Otto Mernak. A Bromberg importava de Londres, da Antuér
pia, de Hamburgo e de Nova Iorque ferragens, ferro bruto, má
quinas para diferentes ramos de indústrias, arame, máquinas
para os serviços da lavoura, cimento, tintas, cevada e lúpulo
para as cervejarias e outros materiais diversos necessários às
fábricas. Diz uma publicação da época:

A firma tem grandes interesses em diversas das principais em


presas do Rio Grande do Sul, como sejam fábricas de tijolos,
plantações de arroz e serrarias, a fábrica de chapéus de Oscar
Teichmann, instalações elétricas e outras de força e luz. Foi fun
dadora das casas; João Day, Bromberg e Cia., importadores;
Luís Noelcher e Cia., negociantes a varejo, de ferragens, uten
sílios sanitários e caseiros; "O cilindro", importadores de má
quinas de costura, utensílios para eletricidade, instalações elé
tricas, máquinas de escrever, espingardas e armas diversas, mu
nições, etc.; "União de Ferros" (Bromberg, Dauth e Cia.), im
portadores de ferro bruto, aço, cobre, bronze e outros materiais,
ferramentas para ferraria e materiais para construção.^®

Os exemplos apresentados são significativos para a


comprovação da presença do capital comercial na origem de
grande parte dos estabelecimentos industriais gaúchos, ca
pital este acumulado através da venda rural, do comércio dos
principais núcleos coloniais ou do grande comércio dos maio
res centros urbanos. O elemento variável é a forma pela qual
este capital, dinheiro acumulado pelo comércio, transformou-
se em capital industrial.
Em alguns casos, a indústria já nasceu "pronta", isto
é, o comerciante aplicou seu capital na montagem de uma em
presa que já surgiu como indústria propriamente dita, num es
tágio que se denominaria fsbril-manufatureiro, caracterizado
pelo uso de máquinas associado ao emprego de ferramentas,
por significativo capital inicial e pela utilização de força-
trabalho assalariada. Nesta modalidade se enquadraria gran
de parte dos exemplos anteriormente dados, notadamente en
tre os estabelecimentos de Porto Alegre e de alguns núcleos
coloniais mais importantes.
Em* outros casos, a indústria apareceu como o resulta
do de uma evolução da unidade artesanal para a empresa
fabril-manufatureira, ou da pequena empresa com origem fa-

18 Impressões do Brasil, op. cit., p. 821 2.

40
milíal para a grande fábrica. Embora haja, como já se viu, uma
tendência de supervalorizar esta via, ressaltando, por um la
do, a linearidade do processo evolutivo e, por outro, a ação
individual do empresário, os dados empíricos revelam uma ou
tra realidade. Muito mais do que um crescimento quantitati
vo, intervieram no processo fatores que alteraram qualitati
vamente a evolução da empresa. Tais fatores podem ser agre
gados em dois grupos principais.
O primeiro deles diz respeito à realização paralela da ati
vidade comercial e do trabalho na unidade artesanal domésti
ca, proporcionando assim, ao mesmo agente social, um capi
tal acumulado que passa a ser aplicado na atividade produti
va e torna-se responsável pela sua transformação qualitativa.
Como exemplos, tem-se, na área de imigração italiana,
os casos de Pieruccini, Eberle e Michielon. Antônio Pierucci-
ni, fabricante de vinhos, foi o primeiro a exportar diretamen
te sua produção para São Paulo, no ano de 1898, vencendo
a intermediação do comerciante alemão; nas suas pegadas
lançou-se Eberle, vendendo em São Paulo, em 1901, produ
tos coloniais de sua produção, ao mesmo tempo que manti
nha, através de familiares, uma funilaria operando; Luís Mi
chielon Filho viajava para o Paraná e Santa Catarina, ofere
cendo os vinhos da produção paterna. Nos três exemplos, a
atividade comercial paralela à produtiva possibilitou uma adi
ção de capital sobre a unidade de produção doméstica, que
pôde assim ampliar-se. Pieruccini e Michielon tornaram-se pro
prietários de algumas das mais importantes cantinas de fa
bricação de vinho, e Eberle da conhecida e mais importante
metalúrgica do Rio Grande do SuM^.
Num outro grupo estão reunidos os casos nos quais o
capital comercial viria a associar-se a uma empresa já consti
tuída como manufatura que, a partir deste momento, encon
traria condições para expandir-se em termos de capital, força-
motriz, força-trabalho, linha de produção, etc.
Um exemplo significativo é o caso do Lanifício São Pe
dro, localizado no 2.° distrito de Caxias do Sul, hoje Galópo-
lis. Fundado em 1898 por um grupo de imigrantes italianos
que haviam sido operários do Lanifício Rossi de Schio, o lani
fício recebeu um impulso técnico e financeiro com o ingres-

19 Vide nota 1 6.

41
so, em 1906, de Hercule Galló, químico-tintureiro da Fiação
e Tecidos Porto-alegrense. "Em 1908 é visto com um diretor
ativo e capaz, tomando conta da parte comercial (mascatean-
do), enquanto sua mulher dirigia a fábrica"20. A expansão da
empresa deu-se, efetivamente, em 1912, por ocasião da as
sociação de Galló com os comerciantes de Porto Alegre irmãos
Chaves Barcellos, integrantes da firma Chaves & Almeida, que
operava nesta praça com vendas por atacado e varejo desde
1866. O capital da empresa, que era de 20:0005000 em
1906, passou a integralizar 700:0005000 em 1916. O lani-
fício pôde, inclusive, importar máquinas da Bélgica e da Ale
manha, bem como uma turbina da Suíça e um gerador da Ale
manha. Foi contratado um técnico especializado para dirigir
o lanifício que, em 1916, empregava 180 operários, 90 na
cionais e 90 estrangeiros.

Encontra-se outro exemplo na fundição de Emerich Ber-


ta, construída em Porto Alegre, em 1873, que operava com
um caráter nitidamente artesanal. Na firma de Berta ingres
sou como sócio o comerciante Alberto Bins, que, junto com
Bromberg e Dauth, era proprietário de uma casa importadora
de ferros (União de Ferros). A fundição Berta ganhou impulso
particularmente após 1904, quando Bins passou a dedicar-
se a ela, retirando-se da União de Ferros. Em 1907, Berta já
possuía três estabelecimentos: uma fábrica de cofres, um es
taleiro e oficina mecânica e a Fundição Fênix2i. Para se ter
uma idéia da expansão da empresa, basta avaliar as transfor
mações ocorridas na fabricação de cofres, que, de um pro
cesso ainda artesanal, evoluiu para um sistema que passou
a contar, em 1907, com 94 máquinas, na sua maioria movi
das a vapor, ocupando 260 operários diariamente.
Os exemplos poderiam multiplicar-se para demonstrar
este processo: a empresa de Oscar Schaitza, fundada em
1908, só desenvolveu-se com a entrada na firma, em 1910,
dos comerciantes de tecidos F. G. Bier e Emílio Ullmann,
constituindo-se então a Companhia Industrial Rio Guahyba pa
ra fabricação de tecidos; Sebastião de Brito, após operar com
várias firmas comerciais, entrou em 1907 para a firma Broch-

20 Brito, op. cit., p.22


21 O Rio Grande do Sul Industrial, op. cit., p.64.

42
mann & Cia., produtora de papel em Pedras Brancas, municí
pio de Porto Alegre; com a entrada de Sebastião de Brito, a
firma assumiu o nome de Companhia Fábrica de Papel e Pa
pelão, e foram adquiridas máquinas mais aperfeiçoadas, que
aumentaram a capacidade produtiva da empresa.
Dois outros elementos devem ainda ser destacados nas
origens do processo de industrialização no Rio Grande do Sul:
0 chamado burguês imigrante, que já vem pronto da sua ter
ra de origem, trazendo capital e experiência profissional na
gestão de alguma empresa, e o capital bancário.
Via de regra, entre a chegada do burguês imigrante da
Europa e o seu estabelecimento como empresário decorreram
apenas alguns anos, o que demonstra que este burguês é por
tador não apenas de uma experiência técnica e empresarial
como também de uma acumulação prévia de capital passível
de ser imediatamente investida em algum negócio. É o caso
de Joseph Becker, chegado da Europa em 1854 e estabeleci
do com fundição em Porto Alegre em 1 856. Oriundo de uma
família de comerciantes na Alemanha, Becker era mecânico
e construtor de navios. Friedrich ChristoffeI, tendo desempe
nhado atividade comercial na Alemanha, estabeleceu-se em
1 873 como cervejeiro em Porto Alegre, onde dedicou-se tam
bém ao comércio. Luís Hãdrich, dois anos após sua chegada
da Europa, montou uma fábrica de máquinas em Novo Ham
burgo. J. F. Krahe, comerciante na Alemanha, entrou de só
cio para a empresa editora de Gundiach, tornando-se, poste
riormente, dono da firma. Ernesto Neugebauer, fundador de
uma fábrica de balas e chocolates em Porto Alegre, era tam
bém um burguês imigrante22.
A historiografia tradicional tende a ressaltar o caráter
técnico e a obscurecer a conotação burguesa desta espécie
de imigrante. O mecanismo de ocultação-revelação ideológi
ca é, porém, facilmente perceptível: ao destacar a presença
do técnico, esta tendência o associa à figura do operário, que,
com seu trabalho, perseverança e conhecimentos, pôde mon
tar sua empresa e vencer; a pesquisa empírica, contudo, vem
demonstrar que o conhecimento técnico sobreviveu somen
te quando associado ao capital.

22 Cf. Delhaes —Güenther, op. cit.

43
Assim foi com Matteo Gianella, técnico contratado pe
lo Lanifício São Pedro, de Gaíópoíis, que conseguiu montar
sua própria empresa - Lanifício industriai, de Caxias do Sui
— quando associou-se com Domenico Viero, comerciante da
localidade. É o caso, ainda, do engenheiro Henrique Broch-
mann, que, em associação com Claussen, ex-proprietário de
uma charqueada, estabeleceu uma fábrica de papel em Pe
dras Brancas; ou, ainda, do técnico Eduardo Danner, que, li
gado ao comerciante Horst Saenger, montou um estabeleci
mento para fabricação de produtos químicos e farmacêuticos.
Giuseppe Panceri, técnico vindo da Itália, estabeleceu
na zona colonial um artesanato de seda, que conseguiu ope
rar em escala industrial apenas em 1909, graças à entrada
como sócio do genro de Panceri, Luigi Pisamiglio, comerciante.
A ausência Je maiores dados não oermite identificar, po
rém, que fatores intervieram no processo para fazer com que
certos técnicos imigrantes, como Aristides Germani ou Luigi
Veronese, tenham se convertido em empresários - o primeiro
como proprietário de um dos maiores moinhos do estado, em
Caxias do Sul, e o segundo como proprietário de uma fábrica
de cremor tártaro, na mesma localidade. Onde teria arruma
do capital para a montagem de uma fundição em São Leopol
do o imigrante Bernardo Thining, que desempenhava as fun
ções de mecânico na Alemanha? Wilhelm Schreiner, torneiro
dos Krupp, ao chegar ao Brasil estabeleceu uma fundição em
Santa Cruz do Sul, não havendo informações sobre a obten
ção de capital para o investimento inicial.
Estas lacunas poderiam ser explicadas pela tese da evo
lução orgânica do artesanato à indústria: o operário-imigrante,
ao chegar ao Rio Grande, estabelece uma unidade de produ
ção artesanal que, graças ao esforço e trabalho, evolui até
atingir o estágio fabril.
Os exemplos mais significativos, contudo, apontam para
a presença de um capital-dinheiro, acumulado previamente ou
acrescentado a posteriori ao processo produtivo, que permi
tiu o estabelecimento de uma diferença não apenas quantita
tiva, mas também qualitativa entre o artesanato e a indústria
propriamente dita.
Para finalizar este aspecto, é de registrar que quando se
indaga sobre as origens do capital industrial busca-se, antes
de mais nada, analisar a maneira de constituição de uma for-

44
ma produtiva vencedora na ordem capitalista, ocupando a uni
dade artesanal a posição de vencida.
A análise das origens do capital industrial no Rio Gran
de do Sul não estará completa sem a indagação sobre a inter
ferência do capital bancário na formação das empresas^^.
O Banco da Província foi incorporador, junto com um gru
po de comerciantes de Porto Alegre, da Companhia Fiação e
Tecidos Porto-alegrense, fundada em 1891, e financiou, em
1 91 2, juntamente com a Casa Bromberg, de Porto Alegre, a
instalação da fábrica de máquinas Mernak, de Cachoeira do
Sul. Juntamente com o Banco Nacional do Comércio e o Banco
Pelotense, o Banco da Província tornou-se, em 1919, acio
nista e co-fundador da Companhia de Fumos Santa Cruz.
O Banco Porto-alegrense incorporou, em 1921, junta
mente com o industrial e comerciante Victor Henrique da Sil
va, a Companhia Rio-grandense de Armazéns Gerais.
O que deve ser ressaltado, ao analisar a participação do
capital bancário no financiamento da instalação de empresas
fabris, é o que está por trás da própria constituição do capital
financeiro no Rio Grande do Sul. Basicamente, os bancos par
ticulares de capitais nacionais no estado se constituíram a par
tir da associação entre comerciantes e industriais.
No Banco da Província, por exemplo, predominavam os
elementos ligados ao comércio, mas entre seus acionistas se
encontravam empresários, como Pedro Chaves Barcellos,
Gustavo Poock Jr. e Carlos Bopp, ligados, respectivamente,
à indústria do vestuário, do fumo e da cerveja. Frederico Dex-
heimer é, talvez, um dos exemplos mais característicos do en
trelaçamento do capital industrial com o bancário: tem seu
nome associado ao Banco da Província, à firma Dexheimer &
Kessier, possuidora de um engenho de arroz, à firma F. C.
Kessier & Cia., fabricante de chapéus, e ao Engenho Central,
de Cachoeira do Sul, de Aydos Neves & Cia., da qual foi
incorporador.
Entre os incorporadores do Banco Nacional do Comér
cio, achavam-se Edmundo Dreher, comerciante e industrial,
Antônio Francisco de Castro, proprietário de fábrica de torre-
fação e moagem de café em Porto Alegre e de uma empresa

23 Os dados referentes aos bancos foram extraídos de: Eugênio Lagemann,


O Banco Pelotense & o Sistema Financeiro Regional. Porto Alegre, Mer
cado Aberto, 1985.

45
de refinação de açúcar, e Frederico Carlos Gomes, sócio da
Empresa de Fibras Rio-grandense, de A. Conceição & Cia.
Os industriais Manoel Py e Possidônio Mâncio da Cunha
Jr., da Fiação e Tecelagem Porto-alegrense, estavam entre
os incorporadores do Banco Comercial Franco-Brasileiro.
O Banco Pfeiffer teve, em seu grupo de grandes acio
nistas, nomes ligados à comercialização e refinação da banha,
como Edmundo Dreher, Frederico Mentz, Carlos Oderich, Al
berto Raabe, Vva. Alípio César, bem como Frederico Guilher
me Bier, da Companhia Industrial Rio Guahyba, fabricante de
tecidos.
Como acentua Lagemann, na quase totalidade dos ban
cos porto-alegrenses a integralização do capital bancário fez-
se com o capital comercial, secundado pelo industrial.
Para o entendimento de todo o processo exposto, ca
bem algumas considerações. O capital bancário esteve pre
sente na origem de algumas empresas industriais; os comer
ciantes e industriais, por sua vez, estiveram presentes na for
mação do capital bancário. Assim, tanto o capital bancário
financiou a instalação de empresas quanto comerciantes e in
dustriais encontraram nos bancos formas de aplicação e di
versificação de seu capital.
Em suma, as distintas formas de existência do capital
aparecem intimamente relacionadas, às vezes através do mes
mo agente social, presente em diferentes negócios e ativida
des, às vezes por meio de associações diversas. Majoritaria-
mente, mantém-se a hipótese básica do surgimento da indús
tria a partir de sua vinculação com a economia colonial imi
grante, num circuito de acumulação específico.
De acordo com o processo acima descrito, as vias bási
cas de acumulação de um capital-dinheiro que, em dado mo
mento, passa a se constituir como capital industrial são o co
mércio nas suas diferentes variantes, o burguês imigrante, o
capital bancário^^.
Para que este capital-dinheiro ultimasse seu processo de
conversão em capital industrial, era preciso que se defrontasse

24 Em suma, o procGSso analisado tGnde a comprovar quG, na origam da


indústria, taria ocorrido mais uma transformação "palo topo" do qua
da "basa", para usar a axprassão da Dobb.
Maurica Dobb, Capitalismo, Ontem e Hoje. Trad. Joaquim Soaras da Cos
ta. Lisboa, Estampa, 1972. p.30.

46
com um mercado de trabalho constituído de homens livres,
livres no sentido de condicionados a vender sua força-trabalho
para conseguirem prover as suas condições de existência.
Aqui é preciso analisar a liberação de mão-de-obra da econo
mia colonial imigrante.
Retome-se o caso da subordinação progressiva do pe
queno produtor rural ao capital. Paulatinamente empobreci
do, o colono não tinha condições de introduzir melhorias téc
nicas que pudessem reorientar a agricultura extensiva reali
zada ao nível da pequena propriedade. O resultado principal
foi o esgotamento crescente de uma terra muitas vezes sub
dividida por herança entre famílias de descendência numero
sa. Daí decorriam a queda da produtividade agrícola e a con
seqüente baixa de rendimentos para a família do proprietário
do lote, que não conseguia se sustentar apenas com o culti
vo da terra.
Além disso, deve-se ter em conta que os pequenos pro
prietários rurais foram, inicialmente, os mais atingidos pela im
plantação do imposto territorial no estado, em 1903. Suas pro
priedades pagaram o mais alto valor venal por hectare em to
do o estado, o que se agravou ainda mais em 1913, quando
as benfeitorias foram incluídas no cômputo do valor venal. A
maior carga tributária do referido imposto recaía, assim so
bre os grupos de menor representação política. Portanto, além
da já citada intermediação comercial que atuava sobre a pro
dução colonial, o governo do Estado passava também a se
apropriar de uma parte do excedente econômico produzido.
Não pode, pois, ser descartada da análise da formação do mer
cado de trabalho no Rio Grande do Sul a dificuldade dos pe
quenos proprietários de terra em pagar os impostos ao longo
da República Velha. Eis aí, sumariamente, mais um viés ex
plicativo para a ocorrência de um êxodo rural^^.
As saídas encontradas pelos pequenos proprietários fo
ram basicamente duas: parte da descendência abandona o lote
colonial em busca de novas terras, dilatando, assim a frontei
ra agrícola do estado; outros membros da família vão buscar

25 Ary César Minella, Reforma tributária e a implantação do imposto terri


torial no Rio Grande do Sul durante a Primeira República. In: Eugênio
Lagemann, org., Rio Grande do Sul - 150 Anos de Finanças Públicas.
Porto Alegre, FEE, set. 1985. p.45 - 6.

47
recursos em trabalhos fora da propriedade doméstica,
empregando-se temporariamente nas indústrias nascentes nos
núcleos coloniais ou, ainda, migrando para os centros urba
nos maiores, em' especial a capital, onde se engajavam como
operários nas fábricas.
É preciso, contudo, delimitar a especificidade do operá
rio da zona colonial que trabalhava nas indústrias do vinho,
da banha ou da produção de farinha. A rigor, ele não é um
despossuído completo, uma vez que mantém uma vinculação
com a terra. Tem-se, pois, o caso de um proletariado que conta
ainda com um elemento de garantia mínima de suas condi
ções de subsistência, que é o lote de terra familiar, embora
o cultivo desse lote se mostre insuficiente. O trabalho desses
operários era condicionado pelas necessidades das empresas,
intensificando-se o recrutamento nas épocas de safra (como
é o caso do vinho) ou da matança (refinarias de banha)26, ca
racterizando assim uma condição operária sazonal.
Processo um pouco diferente ocorreu no estabelecimen
to de Eberle, que manteve uma absorção progressiva de ope
rários egressos do meio colonial, uma vez que trabalhava in
dependentemente da sazonalidade, ao contrário, por exem
plo, das cantinas. Diz Lazzarotto: "Seus primeiros operários
serão os próprios vizinhos, que passam a trabalhar na peque
na funilaria em lugar de vagar pela colônia"^^.
Apresentando crescimento, a empresa passa a recrutar
uma mão-de-obra ociosa na colônia, em geral de idade bas
tante jovem. De 80 operários que empregava em 1910, pas
sa a ocupar 152 trabalhadores em 1915. Em depoimentos co
lhidos com os familiares e descendentes de Abramo Eberle,
fundador da empresa, Lazzarotto refere que, nos primórdios
da constituição desta indústria, a absorção de trabalhadores
se deu em termos de mão-de-obra local, especialmente mu
lheres e crianças:
Não havendo onde trabalhar, a não ser na horta do fundo da
casa ou da colônia, as crianças, ou mesmo as pessoas mais jo
vens, as mulheres, se reuniam na funilaria e passaram a formar
o contingente de trabalho normal da empresa.28

26 Cf Pesavento, hS: agropecuária..., op. cit.


27 Valentim Lazzarotto, Pobres Construtores da Riqueza. Caxias do Sul,
cni irQ Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1981.
EDUCS
p.31.
28 Ibidem, p.62.

48
Com relação aos colonos que participam do êxodo rural
em demanda de Porto Alegre, verifica-se o caso de buscarem
colocação em empresas formadas a partir de elementos da
mesma etnia. Em outras palavras, o colono alemão (ou desta
origem) trabalhava em indústria também ''alemã"; descen
dente de italiano procurava e era bem acolhido em empresa
"italiana". Como exemplo tem-se o caso da Fundição Bec-
ker, que operou entre 1856 e 1866 com o contingente de 10
a 1 5 operários, vindos da zona colonial, todos morando na ca
sa do próprio Becker^s. Note-se, no caso, o tipo de relação
capital-trabalho que se estabelecia: a ausência de opções de
trabalho no seu local de origem levava o elemento egresso
do mundo rural a aceitar formas de remuneração que não o
salário monetário propriamente dito, como, por exemplo, ca
sa e comida. Além deste fato, contava, a nível de representa
ção ideológica, o atrativo do grande centro, figurando o em
prego na manufatura como uma "via de ascensão social".
Por outro lado, o fato dos empresários acolherem mão-
de-obra da zona colonial não se justifica apenas por laços de
etnia, mas sim pela qualificação dessa força-trabalho: muitos
dos imigrantes eram artesãos na sua terra de origem,
constituindo-se, assim, na mão-de-obra por excelência das
manufaturas.
Ainda como exemplificação, veja-se o caso das empre
sas Renner referido por Roche: ao transferirem-se para Porto
Alegre, certamente "conservaram alguns de seus primeiros
operários ou contra-mestres de origem alemã, vindos de Caí
com o fundador em 1916"30.
A este respeito, notícias de 1913 sobre a fábrica de mo
saicos, estatuária e material de construção de João Vicente
Friederichs, de Porto Alegre, informam:
o pessoal desta casa é na maioria estrangeiro, porque dentro
do elemento nacional, apesar da certeza de uma boa recompensa
pecuniária, parece existir uma tendência contrária à vida da ofi
cina. O Sr. Friederichs luta com a completa escassez de pes
soal preparado e trata desde muito tempo de formar obreiros
regionais, porém não consegue atrair, apesar de seu empenho,
o número que seria necessário para atender à crescente enco
menda de mosaicos.31

29 Delhaes - Güenther, op.cit., p.166 - 7.


30 Roche, op.cit., v.1., p.587.
31 A Federação. Porto Alegre, 29 jan. 1*913. p.4
49
Estava assim configurada uma relativa escassez de mão-
de-obra, mostrando que o lote colonial não liberava força-
trabalho de acordo com as necessidades das empresas
nascentes.

Por outro lado, há dados de que, mediante o processo


migratório, o estado recebia tanto imigrantes agricultores
quanto operários-artesãos, conforme atestam os relatórios da
Diretoria de Terras e Colonização; em 1901, entraram 801
agricultores e 454 operários; em 1906, 524 imigrantes agri
cultores e 489 operários; em 1910, 2.653 agricultores e 927
operários32. É claro que não há provas de que estes operá
rios tenham vindo de pronto a assalariar-se, mas indiscutivel
mente constituíam uma reserva potencial de força-trabalho
qualificada.
Cabe considerar que, do ponto de vista numérico, é pra
ticamente impossível detectar a porcentagem de operários
egressos da área colonial imigrante nos primórdios da indús
tria que se estabelece na capital, por exemplo. Salvo poucas
informações, há uma ausência quase completa de dados a es
te respeito. O que se pode fazer é uma inferência da libera
ção de mão-de-obra da pequena propriedade rural para a ci
dade (capital e principais núcleos dà zona colonial) tendo em
vista o conhecimento das condições históricas que presidiram
o processo de afirmação e consolidação do capital industrial
e comercial em detrimento do pequeno produtor rural, aniqui
lando o artesanato doméstico, reduzindo o colono a mero pro
dutor de gêneros agrícolas ou matéria-prima para a indústria,
ou ainda acelerando a sua conversão em operário das fábri
cas. Trata-se, contudo, de um processo lento, que não está
completo no momento da gênese da industrialização, ocor
rendo em paralelo ao surgimento e desenvolvimento das
empresas.
Em última análise, o complexo colonial imigrante libera
mão-de-obra para a indústria em um processo peculiar, aten
dendo às condições históricas objetivas da região. A econo
mia colonial imigrante foi a fornecedora por excelência da
matéria-prima para a indústria, a ponto de as chamadas "agro
indústrias" (vinho, banha, cerveja, farinha, fumo) serem aque-

32 Apud Relatórios da Secretaria dos Negócios das Obras Públicas de 1902,


1907 e 1911.

50
Ias que melhor caracterizam o parque industrial gaúcho, pelo
menos no período enfocado.
No que diz respeito à formação de um mercado consu
midor para produtos industriais, é justamente a partir da in
trodução no Rio Grande de contingentes de imigrantes como
pequenos proprietários e do desenvolvimento comercial e ur
bano gerado no bojo deste processo que se pode falar real
mente na constituição de um mercado interno expressivo no
estado. Tanto os colonos eram consumidores potenciais dos
produtos manufaturados quanto o processo de urbanização,
estimulado pela imigração, proporcionou uma massa de as
salariados urbanos, notadamente na capital do estado.
Foi ainda o complexo imigração-colonização o respon
sável tanto pela importação de máquinas necessárias à insta
lação de unidades fabris quanto pela produção interna des
sas unidades, além da fabricação de peças e realização de re
parações. No primeiro caso, tem-se o já citado exemplo da
firma importadora Bromberg, bem como de Danzmann, do co
mércio importador de Cachoeira do Sul. No setor metal-
mecânico, as firmas mais significativas foram formadas a par
tir do complexo colonial: Eberle, Berta, Gerdau, Becker, Wal-
lig, Triches, Uhr. Apesar de não utilizar matéria-prima de ori
gem agropecuária, o setor metal-mecânico sempre esteve vol
tado para aquele ramo da economia, em termos de mercado.
Assim sendo, além de fabricarem utensílios de uso domésti
co, as empresas procuravam atender a demanda de utensí
lios e máquinas exigidos pelo trabalho rural. Tais artigos não
se restringiam apenas a implementos agrícolas e produtos de
uso generalizado em todo o estado, mas voltaram-se também
para o atendimento das necessidades específicas de cada re
gião. Mernack, em Cachoeira do Sul, dedicou-se ao fabrico
de máquinas e insumos para a lavoura de arroz, assim como
Eberle fabricava máquinas de sulfatar e outros implementos
para a vitivinicultura, e Triches produzia, entre outros artigos,
máquinas para fazer massa, de amplo consumo na zona co
lonial italiana.
Dessa maneira, a economia colonial imigrante estabele
ceu formas orgânicas de vinculação com a indústria nascen
te no que diz respeito à formação do capital, à liberação de
força-trabalho, ao fornecimento de matéria-prima, à aquisição
de tecnologia e à formação de um mercado consumidor para
produtos manufaturados.

51
Entretanto, ainda que a vinculação básica da nascente
indústria seja com a economia colonial imigrante, nesta épo
ca em expansão, não se pode desconsiderar um outro circui
to de acumulação ligado à pecuária tradicional, economia es
tagnada ou em crise mas ainda dominante no estado-''^.
Tanto a economia pecuária da campanha quanto à eco
nomia colonial imigrante eram voltadas para o abastecimen
to do mercado interno brasileiro; ambas geraram, portanto,
uma acumulação de capital a partir da atividade de comercia
lização dos produtos agropecuários. Assim sendo, tanto o co
merciante em atuação na área colonial quanto aquele em ati
vidade junto aos produtos da pecuária tradicional puderam
acumular o capital-dinheiro que será investido na indústria.
Em Pelotas, Carlos Ritter, comerciante, estabeleceu uma cer
vejaria em 1880. E em Rio Grande, único porto marítimo gaú
cho e maior centro exportador dos gêneros da pecuária, ocor
rem os casos mais significativos. Em 1873, Carlos Guilher
me Rheingantz, filho do comerciante Jacob Rheingantz e ele
próprio negociante em Pelotas, fundou a primeira fábrica de
tecidos no estado, a Companhia União Fabril; em 1894, o co
merciante português Albino José da Cunha, que operava nesta
praça por conta própria desde 1876, formou os Moinhos Rio-
grandenses para fabricação de farinha de trigo. O burguês imi
grante Gustavo Poock, filho de um fabricante de charutos na
Alemanha, em 1891 fundou uma fábrica deste gênero em Rio
Grande. É ainda o caso de Georg Heinrich Ritter, de família
de cervejeiros e comerciantes na Alemanha; uma vez no es
tado, montou uma cervejaria em Pelotas. Da mesma forma,
Friedrich Lang, dotado de conhecimentos técnicos, chegou
ao Rio Grande do Sul em 1861, passando a fazer parte de uma
33 Para uma análise da situação da economia pecuária gaúcha no séc. XIX,
ver: Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Me
ridional. São Paulo, DifeI, 1962; Paulo Renato Costa Souza, Un mode
lo primário exportador regional: el caso dei Rio Grande do Sul, Brasil.
Santiago, Universidad dei Chile, Fac. de Economia Política, 1973. (Te-
se de mestrado em Economia, xero.grafado)
Para uma análise das tentativas de modernização dos processos de con
servação da carne no séc. XIX e das vinculações da pecuária com o surto
industrial do mesmo período, ver: Pedro César Dutra da Fonseca, RS:
Economia e Conflitos Políticos na República Velha. Porto Alegre, Mer
cado Aberto, 1983; Sandra Jatahy Pesavento, Pecuária e Indústria; for
mas de realização do capitalismo na sociedade gaúcha do século XIX.
Porto Alegre, Movimento, 1986.

52.
fábrica de sabão em Pelotas; em 1864, montou sua própria
empresa para fabricação de velas e sabões.
No tocante à participação do capital bancário na mon
tagem de empresas, tem-se o caso do Banco Pelotense. En
quanto nos demais bancos do Rio Grande predominavam os
capitais oriundos do comércio e da indústria, no Pelotense pre
dominou o impulso charqueador, com o apoio do comércio.
Em 1916, o mesmo banco aparece arrendando uma can
tina de sua propriedade e abrindo o crédito necessário para
a formação da firma de Lourenço Mônaco, produtor de vinho,
que em 1920 adquiriu uma adega em Bento Gonçalves para
expandir sua produção. Em 1917, o mesmo banco garantia
a subscrição do capital para a integralização da Companhia
Frigorífica Rio Grande, projeto que pretendeu impulsionar o
processo de conservação da carne no Rio Grande do Sul com
recursos locais.
Como foi dito anteriormente, o Banco Pelotense (juntat
mente com o Banco da Província e o Banco do Comércio) apa
rece em 1919 como acionista e co-fundador da Companhia
de Fumos Santa Cruz. Alguns bancos estrangeiros estabele
cidos no estado também tiveram alguma participação na cons
tituição de empresas industriais e na sua expansão. O Lon-
don and Brazilian Bank, por exemplo, forneceu crédito para
a Angio American Meat Company Ltd., firma proprietária de
duas charqueadas em Bagé. O Brasilianisch Bank Für Deuts-
chland tornou-se acionista da Companhia Poock de Rio Gran
de, maior fabricante de charutos do estado.
Na medida em que a economia pecuária tradicional da
campanha põe em evidência a questão da charqueada, cabe
discutir se esta unidade produtiva pode ser considerada co
mo indústria ou não. A partir da década de 70 do séc. XIX,
a charqueada passa a substituir progressivamente a força-
trabalho escrava pela assalariada, no mesmo momento em que
se generaliza o uso da máquina a vapor nesta unidade produ
tiva, permitindo o melhor beneficiamento dos chamados sub
produtos da pecuária (como a graxa, por exemplo). Se acres
centarmos a estes dados a divisão do trabalho no interior da
charqueada e a especialização das funções, ter-se-á uma ca
racterização da unidade produtiva como empresa manufatu-
reira no início do século.
Ora, partindo do pressuposto, apontado por Marx em O
Capitai de que tanto a manufatura como a fábrica são for-

53
mas históricas de produção capitalista, uma empresa não po
de deixar de ser classificada como "indústria" apenas pelo
seu menor grau de beneficiamento da matéria-prima ou pela
sua reduzida utilização de tecnologia. Neste caso, pode-se en
tão afirmar que os charqueadores presentes como incorpora-
dores do Banco Pelotense (Alberto Roberto Rosa, Francisco
Antunes Gomes da Costa, Joaquim Augusto Assumpção) são
tão "industriais" quanto Friedrich Lang, acionista do banco
e proprietário da fábrica de velas e sabões em Rio Grande.
Há, contudo, que distinguir entre a capacidade de acu
mulação do binômio criação-charqueada e, de outra parte, a
acumulação provinda da comercialização dos produtos oriun
dos do complexo colonial. A questão pode ser apreciada atra
vés das condições de sucesso de uma e de outra iniciativa.
Criadores e charqueadores, associados a comerciantes,
desde o séc. XIX tentaram montar no Rio Grande do Sul um
estabelecimento para frigorificação de carnes. Tendo conhe
cimento dos mais modernos processos que haviam sido des
cobertos para a conservação da carne através do frio, e ten
do como exemplo o caso da Argentina, que desde 1883 con
tava com frigoríficos, foi tentada a organização de uma com
panhia deste tipo no Rio Grande do Sul em 1888, por iniciati
va de Junius Brutus Cássio de Almeida (charqueador), Felipe
Pereira Caldas, Ernesto do Prado Seixas (criadores) e Luís
Fraeb (comerciante)^^.
A empresa não se constituiu, mas em 1913 retomou-se
a idéia de estabelecer um frigorífico com recursos locais que
permitisse remodelar o processo produtivo de conservação da
carne através de uma tecnologia mais aperfeiçoada^B. Desta
iniciativa resultou o malogrado projeto da Companhia Frigorí
fica Rio-grandense, inaugurada em Pelotas em 1917 e com
prada pela Angio no início do ano de 1921.
Entretanto, o fato de a projetada renovação da estrutu
ra produtora não ter sido efetivada nem a partir da criação ani
mal nem da charqueada não elimina a possibilidade de que al
gumas iniciativas individuais tenham surgido, da parte de pe-

34 Frigoríficos. Porto Alegre, Gundiach, 1889.


35 Ver a propósito; Pesavento, Pecuária e indústria..., op.cit.; Pesavento,
República Velha Gaúcha: charqueadas, frigoríficos e criadores. Por
to Alegre, Movimento, 1980.

54
cuaristas, na montagem de empresas industriais. É o caso,
por exemplo, do projeto de instalação de uma indústria de ve
las steáricas em Pelotas, apresentado ao presidente da Pro
víncia em 1881 pelo pecuarista Francisco Maria de Souza, na
intenção de aproveitar o sebo das charqueadas^e. É o caso,
também, da Fábrica Aliança, fundada em 1906, em Pelotas,
para a produção de conservas de carne, peixe, frutas, legu
mes e charque, através da associação do químico Antônio Lei-
vas Leite com os criadores e charqueadores A. C. Nunes de
Souza e Emílio Nunes de Souza; é o caso ainda da Compa
nhia Fiação e Tecidos Pelotense, criada também em Pelotas,
em 1908, e tendo por incorporadores os charqueadores Al
berto Roberto Rosa e Plotino Amaro Duarte; podem ser lem
bradas, por fim, a fábrica de meias pelotense Dilecta, inaugu
rada em 1911 e tendo entre seus proprietários o charquea-
dor Miguel Olivé e outros familiares^^, bem como a firma edi
tora Echenique & Irmão, do charqueador Guilherme Echenique.
Entretanto, mais importantes que estas empresas foram
aquelas anteriormente citadas. Aparecendo como um desdo
bramento da estrutura econômica pecuarista já montada, sur
giram indústrias que aproveitaram os canais de comercializa
ção abertos pelo charque no mercado nacional e se basearam
na matéria-prima fornecida pelo setor primário: no caso de
Rheingantz, estabeleceu-se a primeira fábrica de tecidos de
lã do Rio Grande, e com Lang foram aproveitados os resíduos
das charqueadas para fabricar velas, glicerina e oleína. Ainda
em Pelotas, em 1870, surgia a primeira empresa de sabone
tes do Brasil, fundada por Adolpho Voigt e mais alguns só
cios. A firma utilizava também os resíduos da charqueada. Em
1882, Voigt transferiu-se para Porto Alegre, então já o prin
cipal mercado de consumo do estado, pasando a atuar por
conta própria.
Tendencialmente, estes estabelecimentos já surgiram
prontos, ou seja, já se constituíram como empresas em torno
dos dois centros de produção e exportação de gêneros pe
cuários. Note-se, contudo, que, embora apareçam nomes na
cionais entre os fundadores destas empresas, justamente

36 A Steorinária no Brasil. Projeto de uma fábrica em Pelotas por Fran


cisco Maria de Souza. Pelotas, Correio Mercantil, 1881.
37 Intendência Municipal. Município de Pelotas. Dadosestatísticos, 1910
— 11. Pelotas, Of. Diário Popular, 1911.

55
aquelas que teriam maior destaque no parque industrial gaú
cho foram formadas a partir de elementos de origem imigran
te — em particular, burgueses imigrantes de primeira gera
ção (Lang, Poock) ou de segunda (Rheingantz). Permanece,
com isso, a vinculação básica com o processo de imigração-
colonização como decisiva para a origem do capital industrial.
Com relação à formação de um mercado de trabalho, o
eixo Pelotas-Rio Grande não foi o caminho natural da mão-
de-obra excedente do lote colonial, a qual buscou preferen
cialmente Porto Alegre.
Quanto à contribuição do contingente ''nacional" de
mão-de-obra, deve ser levado em conta o fato de o êxodo ru
ral não ser significativo nesta época. Não se achava comple
to o cercamento dos campos, e a pouco tecnificada estância
gaúcha ainda utilizava uma significativa força-trabalho para
as lides da pecuária. A charqueada, depois de extinta a es
cravidão, continuou utilizando a mesma mão-de-obra, agora
livre, em uma atividade sazonal, que, na época de safra, cha
mava para si a força-trabalho disponível na área.
Muitas empresas que beneficiavam os subprodutos da
pecuária, como Lang, que utilizava o sebo para a fabricação
de sabões, intensificavam as suas operações justamente na
época da chamada safra seca da charqueada. A empresa man
tinha, é claro, um contingente fixo de operários, que, contudo,
se elevava por ocasião da entressafra da charqueada, quan
do os trabalhadores destes estabelecimentos acorriam em
massa para os demais estabelecimentos fabris^s.
Com relação à atividade sazonal da charqueada, o rela
tório da diretoria da Companhia Industrial Bageense para o ano
de 1892 é demonstrativo de como operava uma empresa des
te tipo em termos de ocupação de mão-de-obra:

Durante a safra tivemos de 55 a 75 operários sendo do Rio Gran


de do Sul de 40 a 60 e de Montevidéu 1 5, estes últimos dis
pensados, exceto o maquinista e o mestre do preparo de car
nes, reduzindo-se também o número daqueles [os rio-
grandenses] e conservando-se só o pessoal indispensável para
o embarque dos produtos e conclusão de diversas obras cuja
construção está incompleta.

38 Catálogo da Exposição Estadual, op.cit.


39 Relatório da Diretoria da Companhia Industrial Bageense. 1892. Ba-
gé. Quinze de Novembro. 1892. p.6.

56
Quando se instalaram no estado, as empresas estran
geiras de frigorificação de carnes passaram também a operar
em regime de trabalho sazonai e igualmente disputar a mão-
de-obra com as charqueadas e demais empresas da região.
Em 1920, há notícias de que a Armour, de Santana do Livra
mento, dispensara 200 operários por ocasião do encerramento
da safra'^0. Na safra seguinte, o relatório da Secretaria da Fa
zenda refere que a Swift, de Rio Grande, ao retomar seus tra
balhos, havia absorvido grande parte da mão-de-obra local,
restando contudo operários para os serviços do porto'^^
Ora, face a tais condições, as empresas manufatureiras
do eixo Pelotas-Rio Grande não dispunham de um mercado
de trabalho muito amplo, de modo que o capital tinha que se
valer muitas vezes da importação de operários da Europa. Para
o ano de 1897, tem-se notícias de que a Companhia Tecela
gem Ítalo-Brasileira, de Rio Grande, recém-instalada, come
çara a trabalhar em pequena escala pela falta de operários,
que deveriam chegar brevemente da Europa. Na mesma ci
dade, a fábrica de charutos Poock, fundada em 1893, tinha
profissionais estrangeiros, alemães e cubanos entre os seus
empregados42.
Ainda com referência a esta questão, Roche diz que:

Os operários das primeiras grandes fábricas de fiação eram ale


mães, [...1 na Rheingantz, a contar de 1874; os capatazes e con-
tramestres e toda a mão-de-obra especializada haviam sido 'im
portados' ao mesmo tempo que as máquinas.^3

Por outro lado, o fato de a população da campanha ser


rarefeita e de as relações assalariadas na estância não serem
predominantes (ou seja, por entrarem na remuneração da
força-trabalho fatores outros como casa e comida, além do
dinheiro) fez da zona da pecuária tradicional um mercado con
sumidor menor relativamente ao da zona colonial.
Neste momento, é possível fazer um balanço geral so
bre a gênese do processo de industrialização no Rio Grande

40 Correio do Povo. Porto Alegre, 2 ago. 1920. p.2.


41 Cf. Relatório da Secretaria dos Negócios da Fazenda de 1921.
42 Alfredo Ferreira Rodrigues, org. Almanaque Literário e Estatístico do
Rio Grande do Sul para 1897. Rio Grande, Livraria Americana, s.d.
p. 253.
43 Roche, op.cit.; v.2, p.585.

57
do Sul, retomando as especificidades apontadas por João Ma
noel Cardoso de Mello relativas ao momento e ao ponto de
partida.
Primeiramente, caberia reafirmar a existência de uma ní
tida vinculação do processo de imigração/colonização com a
indústria em função daqueles fatores já referidos: a acumula
ção prévia de capital comercial; a vinda de burgueses imigran
tes que já traziam um capital da sua pátria de origem; o know-
how dos imigrantes, muitos deles artesãos na sua terra na
tal; a liberação da mão-de-obra do lote colonial, demandando
os núcleos urbanos; a criação de um mercado para produtos
industriais a partir da importação de manufaturados do exte
rior; e a organização de instituições de crédito face à dinami-
zação dos negócios criada com a comercialização dos produ
tos coloniais.
Entretanto, a gênese do processo de industrialização no
sul guardou características particulares, que são decisivas para
explicar o porquê da defasagem posterior com relação ao de
senvolvimento da indústria do centro econômico do país, no-
tadamente em São Paulo.
O capital industrial paulista originou-se a partir do com
plexo cafeeiro, ou seja, do setor de ponta da economia brasi
leira, o qual se encontrava em ascensão, dirigido ao mercado
internacional. Ora, neste sentido, o capital comercial presen
te na origem das empresas paulistas é aquele vinculado ao
setor econômico de maior importância da economia nacional
na sua fase agroexportadora e, portanto, era o que apresen
tava maiores condições de acumulação no momento históri
co de hegemonia do capital mercantil. Da mesma forma, o
complexo cafeeiro representava o maior foco de atração pa
ra o chamado burguês imigrante, concentrando também, des
ta forma, os capitais que emigravam.

Como refere Cardoso:

O processo de industrialização em qualquer região supõe, co


mo pré-requisito, a existência de um certo grau de desenvolvi
mento e, mais especificamente, supõe a preexistência de uma
economia mercantil e, correlatamente, implica um grau relati
vamente desenvolvido da divisão social do trabalho. Este últi
mo processo, por sua vez, na medida em que se intensifica em
moldes capitalistas, resulta na formação de um mercado espe
cial, o da força de trabalho [...] Contudo, estes pré-requisitos

58
são criados pela organização capitalista que antecede a produ
ção propriamente industrial.

No Rio Grande do Sul, a possibilidade de acumulação de


um capital-dinheiro nas mãos dos comerciantes revelou-se me
nor do que aquela vinculada ao centro econômico do país. No
sul, embora ligado também a um setor econômico em ascen
são no conjunto da economia estadual, a produção voltava-
se para o mercado interno e não para o internacional. O Rio
Grande do Sul igualmente não teve, como já foi dito, um se
tor agrário capitalista precedendo o surto industrial, ao con
trário de São Paulo. No sul, a atividade pecuarista dominan
te, descapitalizada, partiu para a sua renovação ou moderni
zação agrária ao mesmo tempo em que se constituíam as pri
meiras empresas industriais.
Da mesma forma, a agricultura colonial imigrante, so
bre a qual se apoiou majoritariamente o surto industrial, não
correspondeu a um processo de trabalho capitalista.
Portanto, a indústria nasceu no centro econômico do
país sobre uma base já capitalista, como um seu desdobra
mento, enquanto que no sul a indústria partiu de uma base
qualitativamente diferente — e isso não significa dizer que a
pecuária tradicional ou a agropecuária colonial tenham-se de
senvolvido de um modo antitético ao capitalismo. Assim, a
última década do Império e a primeira década da República
correspondem a um momento-chave para a construção do ca
pitalismo no sul, processo este que se dá concomitantemen-
te no setor agrário e no urbano-industrial.
Na zona do complexo cafeeiro, o mercado de trabalho
era mais amplo, uma vez que o imigrante que chegava para
o trabalho nas fazendas de café apresentava-se como um
"despossuído" dos meios de produção e subsistência. Deve
ser levado em conta que o processo imigratório teve no Rio
Grande características distintas: o imigrante era integrado ao
proceáso produtivo como pequeno proprietário. Mesmo que
em São Paulo se combinassem nas fazendas de café relações
assalariadas com outras não-capitalistas, a diferença é sensí
vel com relação ao Sul. Enquanto no centro econômico do país
a ausência de pequena propriedade dava oportunidade a uma

44 Fernando Henrique Cardoso, Mudanças Sociais na América Latina.


São Paulo, DifeI, 1969. p. 188-9.

59
maior rotatividade da força-trabalho no cafezai e a uma maior
oferta de mão-de-obra nos centros urbanos, no Rio Grande
do Sul o êxodo rural dependia de um processo mais lento de
esgotamento do solo ou do abandono do lote por parte de fi
lhos secundogênitos, prejudicados no acesso à terra através
da herança. Desta forma, quantitativamente, haveria de ser
mais lenta e de menores proporções no sul a formação de um
mercado de trabalho urbano-industrial do que no centro eco
nômico do país.

Quanto aos operários das empresas situadas na própria


região colonial, já foi visto que pelo menos parte deles
constituía-se num tipo especial de proletariado, que mantinha
ainda relação com a propriedade da terra ou que não se en
contrava totalmente privado das condições de subsistência.
Com relação ao mercado de trabalho possível de ser formado
a partir da região da campanha, viu-se que o latifúndio pecua
rista, descapitalizado e operando em termos extensivos, ain
da não liberava mão-de-obra de forma continuada para os cen
tros urbanos naquela área. Enquanto não se processasse o
completo cercamento dos campos, havia ainda condições re
lativas para o "arranchamento" das terras, facilitado pela ne
cessidade de uma mão-de-obra numerosa para as atividades
da estância, que variava em intensidade conforme a época
do ano (época de rodeio, marcação, castração,, etc.).
Esta especificidade da formação do mercado de traba
lho no Rio Grande do Sul é crucial para o entendimento de co
mo o capital-dinheiro se torna capital-industrial, processo es
te que se relaciona com aquele no qual as condições naturais
de existência (meios de subsistência e meios de produção) se
antepõem ao trabalhador como capital e propriedade de
alguns.
Ora, viu-se que, no caso da zona colonial e da zona da
campanha, este processo não se achava historicamente com
pleto. Ou seja, estamos diante de uma situação na qual a po
tencial massa de trabalhadores livres não se acha privada to
talmente das suas condições naturais de existência, o que sem
dúvida dificultava a ocorrência do processo de formação do
empresariado, do processo mediante o qual um grupo deter
minado se transforma em persona do capital -- no caso, o
capital industrial.

60
Não se trata, em absoluto, de reivindicar a repetição no
Rio Grande de modelos previamente estabelecidos para a gê
nese da industrialização, ou de pensar que o processo histó
rico pressuponha etapas necessárias e hierarquizadas no seu
acontecer. Todavia, é inegável que se revela no sul uma par-
ticularização quanto ao processo de separação capital x tra
balho e à emergência de novos atores sociais, empresariado
e operariado.

Paralelamente ao processo que separava o trabalhador


dos meios de produção e subsistência, operava-se a transfor
mação do capital-dinheiro em capital industrial. Isto ocorria
sem que se achasse completo o primeiro requisito, ou seja,
em um contexto no qual a burguesia emergente não contro
lava de forma absoluta os meios de produção. Esta foi a for
ma pela qual se realizou o capitalismo no Rio Grande do Sul,
a partir de condições históricas objetivas de contornos
peculiares.
No tocante à formação de um mercado para produtos
industriais, o complexo cafeeiro foi capaz de gerar a maior
massa salarial concentrada no país, não apenas constituída
pelo conjunto dos imigrantes saídos das fazendas do café, mas
também em função do dinamismo dos dois maiores centros
urbanos do país, com sua ativa vida comercial, bancária, de
serviços públicos, etc.
No sul, além da menor dimensão dos núcleos urbanos,
a pequena propriedade colonial, com sua relativa auto-
subsistência, impunha-se como um limite à formação de um
maior mercado consumidor. Note-se, no caso, que a área co
lonial no estado ganha importância se comparada com a zo
na da campanha, com sua população rarefeita, de contornos
assalariados imprecisos ao nível da estância. Entretanto, o Rio
Grande do Sul como um todo encontrava-se em desvantagem
com relação a São Paulo em termos da formação de um mer
cado consumidor para bens manufaturados.

Em suma, estas considerações são válidas para deter


minar a especificidade do momento e do ponto de partida da
industrialização no sul, fazendo com que se entenda que, ape
sar de sua contemporaneidade com o centro econômico do
país, o Rio Grande do Sul tenha partido de uma "base quanti-
61
tativa e qualitativamente diferente" no caminho do desenvol
vimento industrial45.

1.2 O desenvolvimento do processo

Muitos problemas se estabelecem para a análise do de


senvolvimento do processo de industrialização no Rio Gran
de, a partir dos dados estatísticos de que se dispõe: há falta
de seqüência em determinadas séries, ocorrem diferentes for
mas de agregação ou classificação dos dados. Sobre este pa
norama confuso, ainda incide o caráter parcial das informa
ções.
Uma das questões que se apresentam é a freqüente va
riação dos critérios que presidem a classificação dos dados.
Por exemplo, os produtos de origem agropecuária, sofram be-
neficiamento ou não, são classificados ora como industriais,
ora como primários. Muitas vezes, a classificação se faz em
termos de "produtos de origem animal" ou "vegetal", o que
abrigaria artigos tanto in natura ou quase, como a lã e o cou
ro seco, quanto outros resultantes de um beneficiamento
maior, como sapatos e bolsas. Nesta medida, segundo as fon
tes, o Rio Grande era apresentado ora como notadamente in
dustrial, ora como fundamentalmente agropecuarista.
Tratando-se de dados oficiais, cabe lembrar que este enfo
que diferenciado pode obedecer a uma questão ideológica.
Tome-se o caso do charque, produto referido nas fontes, às
vezes, como ''industrial", noutras como "primário". Incorpo
rado ao passado histórico da formação gaúcha, o charquea-
dor se identificava como pecuarista, pertencendo, pois, àquela
fração de classe dominante mais representativa da socieda
de rio-grandense que estivera, até a República, associada ao
poder público no Rio Grande do Sul de forma quase exclusi
va. Tal identificação tinha, assim, uma conotação política e
ideológica. Seguidamente, no entanto, o charqueador se inti
tulava "industrial da carne", identificação esta que pressu
põe um conteúdo "progressista" e "avançado" para a fra
ção de classe. Sendo o charque o principal produto de expor-

45 Para usar a expressão de: Pedro César D. Fonseca, A Transição Ca


pitalista no Rio Grande do Sul; a econonnia gaúcha na Primeira Re
pública. Porto Alegre, UFRGS, 1984. (xerografado)

62
tação do Rio Grande e sendo classificado como artigo indus
trializado, a economia gaúcha adquiria contornos marcada-
mente industriais.
Da mesma forma, freqüentemente é atribuída a conota
ção de "indústrias" a unidades de produção doméstico-
artesanais, que empregam mão-de-obra familiar e não utilizam
maquinaria. Conforme o critério de seleção empregado, o Rio
Grande pode apresentar-se com um expressivo e variado par
que industrial, visão que, contudo, não refletirá o seu grau de
desenvolvimento em termos capitalistas. A própria identifica
ção do número de operários do estabelecimento é freqüente-
rnente enganosa. A referência a um ou dois operários não ates
ta a presença de relações assalariadas na unidade produtiva,
uma vez que se tratava dos familiares do dono do estabeleci
mento que foram registrados como "empregados".
No que toca ao caráter parcial das informações, talvez
o exemplo mais gritante seja o do Censo de 1907, levado a
efeito, por via postal, pelo Centro Industrial do Brasil.
Segundo a própria instituição que procedeu ao levanta
mento, houve grande dificuldade na obtenção das informa
ções pedidas, ficando, portanto, o resultado comprometido;

La statistique que nous publions n'est donc qu'un assai, qui de


mande à être complété. Tout le monde connait les difficultés
contra lesquelles ont à lutter, au Brésil, les pouvoirs publics,
quand lis s'agit d'opérer de simples recensements de Ia popu-
lation. Si les agents du governement ont tant de peine à obtenir
das informations élémentaires sur Tâge, le sexe, le nationalité
et autres simples données, das habitants de Ia ville de Rio de
Janeiro elle-même, on peut juger das obstacles qü'ont du ren-
contrer les agents d'une institution particulière, dans une enquête
sur les établissements industrieis.

Não param por aí, entretanto, as deficiências do Censo


de 1 907, se seus dados forem comparados com os do Censo
de 1920. Este apresenta, em uma de suas tabelas^"^, o nú
mero de estabelecimentos recenseados em 1 920 segundo a

46 Centro Industrial do Brasil.Industrie manufacturière.ln:LeBrés/7,ses


Rictiesses Naturelles, ses Industries (édition pour récranger). Rio de
Janeiro, M. Orosco & Cia., 1909. v.lll, p.lll.
47 Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Recenseamento do
Brasil; indústria. 1920. Rio de Janeiro, Diretoria Geral da Estatísti
ca, Tip. da Estatística, s.d. p. 160-1.

63
época de sua fundação, registrando, até o ano de 1 905, 443
empresas. Ora, neste caso, o Censo de 1907 deveria apre
sentar um número nunca inferior àquele das empresas funda
das antes de 1 905 e arroladas no Censo de 1 920, que foi ela
borado com o respaldo do governo federal. Entretanto, no Rio
Grande do Sul, foram pesquisados em 1 907 apenas 314, en
quanto que o Censo de 1 920, como foi referido acima, mos
tra que deveriam existir nesta época pelo menos 443
estabelecimentos.
Aliás, o próprio Censo de 1920 diz que, em 1907, te
riam sido arroladas apenas as principais fábricas, comentando:

Édisso ainda uma prova, o fato de ser a média gerai dos operá
rios, por fábrica, em 1 907, maior que a média geral dos operá
rios, por fábrica, em 1 920. No que concerne ao capitai das em
presas, não é, igualmente, perfeita a homogeneidade entte os
dados estatísticos coiigidos em 1 907 e 1 920. No primeiro in
ventário, os algarismos censitários correspondem tão somente
ao capital nominal ou realizado; ao passo que, no segundo in
ventário, referem-se ao capital empregado (terras e edifícios per
tencentes às fábricas, maquinismos e utensílios diversos, mer
cadorias, 'stock' em transformação, matéria-prima, combustí
vel — tudo de acordo com o último balanço.

Da mesma forma, é impraticável comparar os índices re


ferentes à força motriz presentes nos dois censos, face ao
caráter incompleto e impreciso dos dados coiigidos em 1 907.
Tais falhas do inquérito censitário foram percebidas na
sua própria época. No relatório da Secretaria da Fazenda de
1 909, ante a constatação de um decréscimo na produção de
tecidos do estado, estabelecia-se o seguinte comentário:

Era esta a ocasião de dar minuciosa descrição das numerosas


fábricas e indústrias rio-grandenses. Para chegarmos a este fim,
dirigimos a alguns meses, cerca de 800 circulares aos nossos
industrialistas, em que fazíamos um inquérito, cujas respostas
trar-nos-iam os elementos necessários a uma notícia exata so
bre a posição industrial do Rio Grande. Apenas 30 ou 40 res
ponderam os quesitos que lhes remetemos e, por isso, fomos
impedidos de fazer esse estudo econômico de incontestável uti
lidade para os próprios industrialistas e para o Estado, cujos re
cursos e progresso não se deve perder ocasião de tornar
conhecidos."^9

48 Ministério da Agricultura, op.cit.; p.VII.


49 Relatório da Secretaria dos Negócios da Fazenda de 1909. v. 1 p.65.

64
o problema teria seqüência nos anos posteriores. No re
latório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de
192850, era apontado que, dos 181 questionários enviados
para a realização de uma estatística industrial, 29 municípios
não se fizeram representar, o que dificultava a obtenção de
resultados satisfatórios.
Assim, fica estabelecido um critério, se não de descon
fiança, pelo menos de relatividade na utilização dos dados es
tatísticos tal como eles se apresentam. Não se trata, contu
do, de eliminá-los como fonte no campo da ciência histórica,
mas sim de ter presente a margem de erro e imprecisão que
possam conter.

Analisando os dados fornecidos pelo quadro montado


no anexo 1, constatam-se algumas discrepâncias. O grande
"salto" industrial realizado pelo estado, de 1907 a 1915, ten
de a ser "corrigido" pelo Censo de 1 920, mas mantém-se no
mesmo ritmo, segundo as informações das mensagens e re
latórios de secretarias estaduais.
Em outras palavras, por falhos que possam apresentar-
se, os levantamentos realizados a partir do centro do país ten
dem a apresentar, para o panorama industrial do Rio Grande,
um resultado diferente, mais modesto, do que aquele forne
cido pelas fontes oficiais da esfera estadual.
Quer parecer que este fenômeno se explica a partir de
duas ordens de razões, que não são excludentes, mas com-
plementares: a intencionalidade do governo de apresentar o
progresso industrial do estado — e a sua própria eficácia en
quanto promotor do desenvolvimento econômico — e o cri
tério de seleção do que seja "industrial", arrolando estabele
cimentos que não empregam operários nem força-motriz e que
na realidade não passam de unidades artesanais de produção
doméstica.
É interessante, contudo, que na estatística industrial rea
lizada em 1937 no Estado, onde se afirma expressamente te
rem sido contabilizadas "todas as fábricas e oficinas, ainda
as mais modestas"5i, os dados se apresentam muito abaixo

50 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1928.


V.1. p.343.
51 Diretoria Geral de Estatística. Estatística Industrial do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, Globo, 1939. p. 63.

65
daqueles levados em conta para a década anterior, em 1927,
quando deveriam ter sido referidas também as pequenas ofi
cinas de caráter doméstico. O raciocínio parece conduzir, por
tanto, a uma distorção "ideológica" da realidade industrial no
Rio Grande do Sul nos dados fornecidos pelo governo esta
dual nos anos de 1915 e 1937.

Quanto à participação da indústria gaúcha no conjunto


do produto industrial do país, há algumas polêmicas. Confor
me a tendência de análise e a forma de agregação dos dados,
o Rio Grande do Sul teria perdido posição na sua participação
relativa no produto industrial brasileiro^s, ou, pelo contrário,
o Rio Grande do Sul teria praticamente conservado sua posi
ção, mantendo uma perda relativa mínima^s. Cabe explicitar
melhor esta segunda estimativa, calculada por Wilson Cano,
que consistiu em expurgar da participação gaúcha produtos
resultantes de um menor beneficiamento das matérias-primas
de origem agropecuária ou primária extrativa. Nesta medida,
o autor retirou da produção gaúcha, paulista e brasileira em
geral os valores relativos a serrarias, preparo de couros, moa-
gem, produtos animais (couro, charque e banha), laticínios,
açúcar e preparo de fumos, com o que recalculou as partici
pações relativas ao Rio Grande e São Paulo, obtendo, no seu
entender, uma referência mais significativa para determinar
uma indústria mais dinâmica, no que toca tanto à gestação
de renda e ampliação do excedente quanto ao incremento
tecnológico.

Feita esta depuração, a participação relativa do Rio Gran


de do Sul passaria de 13,5% e 11,8%, para os anos de 1907
e 1919, respectivamente, para 8,0% e 6,6%, enquanto que
São Paulo passava a 19,2% em 1907 e 33,0% em 1919.

O cálculo de Cano para estabelecer o valor da participa


ção depurada teria o objetivo de não só "evidenciar as dife
renças existentes entre as indústrias gaúcha e paulista em ter-

52 Francisco Machado Carrion Jr., RS: Política Econômica e Alternativas.


Porto Alegre, Mercado Aberto, 1981.
. Por um Projeto Regional. In: Mendes Ribeiro, Carlos Reinaldo, org.
Autonomia ou Submissão. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983.
53 Wilson Cano, Raízes da Concentração Industrial em São Paulo São Paulo
DifeI, 1977.

66
mos de potencialidade"54, como "ilustrar o peso relativo, à
época, dos segmentos usualmente denominados 'tradicionais'
e 'dinâmicos' em cada um dos parques industriais
regionais"55.
Entretanto, algumas considerações se impõem. A poten
cialidade do parque industrial paulista em relação à indústria
rio-grandense não se evidencia apenas na presença mais sig
nificativa de setores dinâmicos em detrimento de setores di
tos mais tradicionais. É de crer que a atribuição de um parque
industrial mais moderno ou dinâmico a São Paulo e a defasa-
gem que se estabeleceu entre as indústrias gaúcha e paulista
estejam, prioritariamente, condicionadas pelos fatores anali
sados no item 1.1 (o ponto de partida e o momento da gêne
se do processo de industrialização). Por outro lado, atribuir
uma conotação tradicional a um ramo ou setor industrial em
função da mera transformação da matéria-prima não avalia,
necessariamente, o grau de desenvolvimento capitalista do
setor, nem as condições históricas objetivas de uma época
determinada. Eliminar da análise, por exemplo, parte signifi
cativa do ramo de alimentícios é não ter em conta as caracte
rísticas do processo produtivo de um momento histórico da
do. No caso, tratar-se-ia de expurgar da análise justamente
o setor manufatureiro mais representativo da indústria na Re
pública Velha, ou admitir que só o setor têxtil tenha tido uma
conotação fabril e industrial. Indo mais além — e aqui remon
tamos às colocações iniciais deste capítulo —, seria não atri
buir a uma manufatura a condição de ser uma das formas de
existência histórica do capitalismo, embora incipiente.
Mais procedente, no caso, seria a orientação seguida por
Pedro Bandeira, que considera como alternativa mais correta
abandonar a idéia de expurgar dados, concentrando-se o es
forço na busca de uma variável capaz de proporcionar uma
medida aceitável dos termos desta participação. Tomando em
conta que a maior deficiência da variável Valor Bruto da Pro
dução (VBP) é o fato de ela atribuir um peso muito grande a
ramos beneficiadores de produtos primários, "nos quais, du
rante o processo de produção na esfera industrial, pouco é

54 Pedro S. Bandeira, A produção Gaúcha na Econonnia Nacional: Respos


ta a uma crítica. Ensaios FEE, Porto Alegre, FEE, 4 (2) : 137 — 49, 1984.
p. 142.
55 Ibidem.

67
acrescentado ao valor das matérias-primas"56, o autor con
sidera que

A melhor maneira de sanar-se esta deficiência e resolver o pro


blema é utilizar-se como base para este cálculo de participação
a variável Valor da Transformação Industrial (VTI), que deduz
do valor de produção o valor da matéria-prima e outros
insumos.57

Realizada esta operação, o que se constata é que há uma


diferença sensível entre os resultados obtidos através deste
processo e aqueles previstos por Wilson Cano. Ou seja, a par
ticipação do Rio Grande do Sul no conjunto da produção in
dustrial do país passaria a ser de 11,47% ao invés de 6,6%
(Cano), numa posição mais próxima, portanto, ao percentual
indicado pelo Censo de 1920 {11,8%) do que pelo cálculo fei
to após os expurgos dos setores tradicionais.
Desta maneira, teria sido reduzida a participação relati
va da indústria gaúcha em termos nacionais, mas não na pro
porção indicada por Carrion. Igualmente, não se pode tam
bém afirmar que a sua contribuição para o produto industrial
do país tenha sido tão reduzida como atestaram os cálculos
de Cano (anexo 2).
Uma outra questão que pode ser levantada e que teria
o objetivo de permitir uma melhor avaliação do nível de de
senvolvimento capitalista da industrialização no sul seriam as
estimativas de classificação usadas por Sérgio Silvais para
calcular o tamanho das empresas. Silva parte do nível de agre
gação dos dados, referindo que nos censos — em particular
o de 1907 — são colocados lado a lado como indústrias arte
sanatos, manufaturas e grandes empresas (fábricas). Na sua
opinião, para que se possa ter uma melhor idéia do desenvol
vimento em que se encontra o capitalismo no Brasil, no pe
ríodo em questão, é preciso desagregar estes dados e agrupá-
los de outra maneira, a fim de poder separar os três tipos de
produção. Segundo este critério, ficariam classificadas como
manufaturas as empresas com 100 ou mais operários e co-

56 Bandeira, op. cit.; p. 144.


57 Ibidem.
58 Sérgio Silva, Expansão do Café e Origens da Indústria no Brasil. São Pau
lo, Alfa Ômega, 1976.

68
mo fábricas ou grandes indústrias as empresas com 1.000
contos ou mais de capital e 100 ou mais operários. Através
deste procedimento, o autor chega à conclusão de que não
são as pequenas empresas que melhor caracterizam a estru
tura industrial brasileira da época, mas sim as grandes em
presas, que surgem constituídas como tal. Rebatendo esta hi
pótese, Souza Martins59 afirma que os grupos econômicos
que se tornaram expressivos surgiram no último quartel do
séc. XIX como pequenos estabelecimentos para substituir a
produção artesanal-doméstica ou a produção em pequena
escala.
Deixando de lado o fato, aliás evidente, de que estas
considerações e controvérsias se referem à realidade do cen
tro econômico do país, algumas observações poderiam ser
feitas.
Por princípio, como já foi afirmado, são tão díspares os
dados, tão incompletas as informações e tão divergentes os
critérios de seleção em levantamentos de natureza estatísti
ca, que é possível duvidar da aparente segurança dos núme
ros. Por outro lado, a própria fixação de determinados índi
ces referentes ao capital ou a força-trabalho poderia talvez
não ser considerada suficiente para orientar uma classifica
ção das empresas. Acontece, contudo, que grande parte das
circunstâncias que configuram o processo de industrialização
não são necessariamente mensuráveis. Em outras palavras,
pode-se duvidar da possibilidade de reduzir a um cálculo as
condições históricas objetivas nas quais se realiza a industria
lização. Da mesma forma, pode-se pôr também em dúvida a
capacidade de reduzir cada caso ou ramo industrial a um mo
delo previamente estabelecido.
Em última análise, o que se pretende afirmar é a neces-
sidade da realização da pesquisa empírica como forma de me-
fhor avaliar o nível de desenvolvimento capitalista ou de de
senvolvimento das forças produtivas. A matéria da história,
em SI, transborda muito da instância econômica propriamen
te dita, e, neste sentido, em um estudo econômico mais va
leria a pesquisa empírica do que a aplicação de fórmulas ma
temáticas ou econômicas para tentar reconstituir o real en-

59 José de Souza Martins, O Cativeiro da Terra. São Paulo, Ciências Hu


manas, 1979. p. 106.

69
quanto concreto. O que poderia ser chamada de história eco
nômica seria apenas uma dimensão da reconstituição de uma
dada realidade.
Segundo o caminho já assinalado para a construção do
conhecimento histórico como sendo aquele que vai da teoria
à prática e desta novamente à teoria, seria preciso dar conta
de algumas questões para poder melhor avaliar a realidade da
indústria no sul do país. Por exemplo, qual o papel do "em
presário" no processo produtivo: trabalha junto na empresa,
atua como administrador, ou já existe a contratação de téc
nicos especializados para desempenhar estas funções, fican
do o proprietário dos meios de produção distanciado do pro
cesso produtivo?
Por outro lado, sabe-se que o grau de produtividade do
trabalho social é dado pela combinação específica que se rea
liza entre os meios de produção e a força-trabalho num pro
cesso produtivo determinado. Esta forma de relacionamento
permite avaliar o grau de dominação dos trabalhadores dire
tos sobre os meios de produção materiais. Cada forma histó
rica de produção apresenta uma modalidade de arranjo entre
estes elementos, o que se torna difícil de constatar pelos da
dos numéricos.
É neste contexto ainda que ganham força os estudos es
pecíficos, ou de caso, de cada ramo ou setor industrial.
O chamado estudo de caso possibilita, através de uma
análise de condições históricas concretas, avaliar o desenvol
vimento das forças produtivas de um setor na sua especifici
dade, bem como surpreender o comportamento daquela fra
ção da burguesia e do operariado daquele ramo, que são os
atores sociais envolvidos. Torna-se possível reconstituir, atra
vés da análise de casos específicos, as condições particula
res do processo de trabalho, bem como a forma de atuação
daqueles agentes para solucionarem questões de seu interes
se, determinados pela sua situação de classe, quer através
de formas de pressão sobre o Estado, quer por meio da ação
associativa em entidades que se formam. Em suma, o estudo
de caso permite avaliar com maior profundidade a inter-relação
de todas as variáveis que atuam no processo econômico e a
sua necessária vinculação com as demais instâncias da reali
dade. Atualmente, já se possui, em termos de uma produção
bibliográfica local (ou seja, gaúcha), um certo número de aná
lises setoriais do universo industrial rio-grandense, que, por
70
um lado, possibilitam identificar problemas específicos de cada
setor e, por outro, contribuem para uma melhor e mais com
pleta compreensão do desempenho global do processo de in
dustrialização no Estado^o.
É, pois, com base na análise feita sobre a gênese do pro
cesso (item 1.1) e nestes estudos exploratórios setoriais, que
lidaram com amplo material empírico, que se pretende acom
panhar o desenvolvimento industrial do Estado ao longo do
período de 1889 a 1930. Entenda-se, contudo, que, não sendo
o objetivo deste trabalho a análise do processo de industriali
zação no Rio Grande do Sul®"", mas sim a das formas de atua
ção e pensamento de seu empresariado, este acompanhamen
to do desenvolvimento da indústria não pretende dar conta
de todas as variáveis do processo, mas de melhor caracteri
zar o universo industrial gaúcho em seu processo de desen
volvimento, a fim de poder formar umc|uadro referencial mais
amplo.
No intento de analisar este processo, constata-se que
os catálogos das exposições realizadas em 1875, 1881 e
1901 são extremamente ricos em informações e reuniram, na
sua época, o que de mais significativo havia na produção
rio-grandense.
A exposição provincial de 1875 fornece um panorama
da realidade "industrial" gaúcha: uma esmagadora presença
de artesanatos ou unidades de produção domésticas, frente
a um muito reduzido número de estabelecimentos
manufatureiros.

60 A referência é feita, em particular, às seguintes obras: Lazzarotto, op.


cit.; Sandra Jatahy Pesavento, A indústria carbonífera rio-grandense
e a questão energética. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, PUC-
RS, 8(2):281-306, dez. 1982; —. A indústria metalúrgica no Rio
Grande do Sul; um esboço histórico. Revista do IFCH. Porto Alegre,
UFRGS, 10: 157-98, 1982; — República Velha...,op. cit; —. RS:
A Economia e o Poder nos anos 30. Porto Alegre, Mercado Aberto,
1980; — . RS: Agropecuária..., op. cit. (contendo estudos setoriais
sobre o vinho, a banha, a cerveja, a farinha e o fumo); Heloísa J. Rei-
chel, A Indústria Têxtil no Rio Grande do Sul — 1910-1930. Porto Ale
gre, Mercado Aberto, 1980.
61 Para uma análise sucinta do processo de industrialização no Rio Gran
de do Sul, consultar: Lagemann, A Industrialização no Rio Grande do
Sul, op. cit.; Sandra Jatahy Pesavento, História da Indústria Sul-Rio-
Grandense. Guaíba, Riocell, 1985.

71
A maior parte dos produtos expostos resultam de um
beneficiamento simples da matéria-prima local e se encontram
disseminados pelo interior, principalmente na área de coloni
zação alemã. Não fazem qualquer referência à utilização de
força-motriz ou aos operários, descrevendo, apenas, os pro
dutos. Alguns estabelecimentos são destacados pela maior
elaboração de seus produtos, pela utilização de operários e
pelo emprego de máquinas a vapor. É contudo freqüente que
se identifique o nome do produtor direto, destacando a sua
habilidade técnica.
A Reforma, jornal da época, em sua edição de 26 de
maio de 1875, ao relatar a exposição que se realizava, men
cionava os trabalhos executados no Arsenal de Guerra por al
guns artesãos:

Com efeito, uma meridiana de metal amarelo, fabricada pelo ope


rário João Ferreira da Silva, é obra digna de ser vista e aprecia
da, pelo bem-acabado dela e primorosa estrutura. Uma balança
de precisão, fabricada pelo mestre da oficina de máquinas José
Francisco da Silva Godinho, também é obra bem-acabada e
que não vimos nada melhor. Outro tanto em relação a uma fe
chadura de duas chaves, trabalho de Francisco José Dias.®^

A individualização do autor da obra leva a concluir que,


nestas unidades de produção, o trabalhador direto tinha um
domínio completo sobre o processo de trabalho, realizando
todas as operações de transformação da matéria-prima até
a obtenção do artigo final. Apesar de se encontrarem tais tra
balhadores reunidos num mesmo local e recebendo um salá
rio, não houve alteração da base técnica da produção, guar
dando o processo características artesanais inequívocas. Já
em outros estabelecimentos, como o de Nicolaus Schmitt, de
São Leopoldo, fabricante de caronas e lombilhos, há notícias
dos efeitos da introdução da máquina a vapor no processo de
trabalho em substituição ao uso da ferramenta: o uso da má
quina reduzira para o fabricante o custo de produção de seu
artigo em cerca de 25%, com o que, naturalmente, se am
pliaram suas condições de lucratividade^s.
A maior parte destas máquinas, contudo, ainda repre
sentava uma mera extensão mecânica do braço do trabalha-

62 A Reforma. Porto Alegre, 26 de maio 1875. p. 1.


63 Catálogo da Exposição da Província, 1875, op. cit.

72
dor direto, como, por exemplo, os 20 teares utilizados na épo
ca pela empresa fabricante de tecidos e panos de lã de Rhein-
gantz & Vater.
Basicamente, tais unidades manufatureiras, que com
binavam uma incipiente divisão social do trabalho com a in
trodução de máquinas a vapor conjugadas a ferramentas ha
bilmente utilizadas por operários-artesãos, concentravam-se
em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande e São Leopoldo e bene
ficiavam matéria-prima local, contribuindo, na opinião dos or
ganizadores da exposição, para a diminuição da importação
de produtos do exterior. Nota-se ainda que, nestes estabele
cimentos, exceção feita a Rheingantz e talvez a alguma ou
tra de menor porte, o proprietário trabalhava junto com os ope
rários, além de supervisionar a produção.
Em 1881, foi realizada na província a Exposição
Brasileiro-Alemã. Segundo o jornal Koseritz'Deutsche Zeitung:

Foram produtos muito superiores e diferentes dos da exposi


ção de 1875, que não apresentou 1/4 dos que foram mostra
dos nesta exposição.

A rigor, aumentaram os expositores (de 140 em 1875,


para 333 em 1881) e a variedade dos produtos manufatura
dos expostos, bem como o número de empresas que passa
ram a utilizar-se de máquinas a vapor, adquiridas principalmen
te na Europa. Cabe destacar, mais uma vez, a referência à in
trodução da tecnologia no processo de trabalho: no estabele
cimento de F. C. Lang, a aquisição de várias máquinas e apa
relhos havia resultado na ampliação da produção e em "eco
nomia de tempo e de trabalho"65.
A mecanização das empresas, contudo, continuava a se
fazer acompanhar pelo trabalho manual de operários especia
lizados. Tome-se o exemplo da empresa de Rheingantz, que
por ocasião da Exposição Brasileiro-Alemã de 1881 contava
já com 102 máquinas e aparelhos variados. Frente aos 100
operários empregados em 1875, a empresa agora dava tra
balho a 160 pessoas no estabelecimento, além de distribuir
serviço fora dele a 12 costureiras. Paralelamente, a empresa

64 Koseritz Deutsche Zeitung. Porto Alegre, 11 jan. 1 982. (A tradução do


alemão não é literal.)
65 Catálogo da Exposição Brasileiro-Alemã,'1881, op. cit.

73
empregava "os presos da cadeia no serviço de rever as pe
ças e tirar os restos de carrapicho e as órfãs do asilo da cida
de de Rio Grande na operação de torcer as franjas dos cha-
les"66. Ao todo, Rheingantz ocupava cerca de 200 pessoas,
fora os contramestres vindos do exterior. O estabelecimento
contava com diferentes seções, como a de lavagem da lã, car-
dagem, fiação, tecelagem e tintura.
Tem-se, no caso, a presença de uma divisão social do
trabalho no interior da empresa que levava cada operário a
executar tarefas parciais, estabelecendo-se com isso um dis
tanciamento entre o trabalhador direto e o produto final. Ao
mesmo tempo, introduz-se no processo um tipo especial de
trabalhador, destinado a executar tarefas de fiscalização e
controle, que se coloca como intermediário entre o dono da
empresa — distanciado com isto da produção — e o conjunto
dos operários.
Cabe mencionar, de outra parte, a possibilidade de a em
presa contar com mão-de-obra de baixo custo (costureiras a
domicílio) ou mesmo não-remunerada, na medida em que "da
va trabalho" a órfãs, presos e menores. Tal recurso, eviden
temente, tornava menos onerosos para o empregador os gas
tos com a remuneração dos operários. O baixo salário, por seu
lado, encontrava para os trabalhadores formas de "compen
sação" através de horas extras, além de uma jornada de 10
horas e meia...67
A empresa de Rheingantz apresenta-se como a mais de
senvolvida indústria do Rio Grande na sua época, mas não po
de ser considerada como paradigma, prevalecendo, ao con
trário, aqueles estabelecimentos com muito menor número de
operários, menor emprego de força-motriz e menos capital.
Nas duas últimas décadas do séc. XIX, coincidindo com
as transformações econômico-sociais que presidiram a alte
ração político-administrativa da troca de regime, ocorreu no
país um surto industrial significativo. Sem querer retomar
exaustivamente as condições do momento em que se proces
sa esta expansão da indústria, cabe contudo referir os efei
tos de uma política econômico-financeira que se desenvolveu
de 1891 a 1894: o Encilhamento.

66 Ibidem.
67 Catálogo da Exposição Brasileiro-Alemã, 1881.

74
o Encilhamento, que foi, em parte, o prosseguimento
de algumas medidas tomadas no finai do Império, consistiu
em conceder aos bancos o direito de emissão na proporção
de três vezes o seu lastro-ouro, gozando os bilhetes bancá
rios de reconhecimento igual ao das cédulas do Tesouro Na
cional. O lastro das emissões bancárias seria dado por títulos
da dívida federal. Abandonava-se, com isto, o pressuposto
técnico da equivalência entre emissão e lastro-ouro, criando-
se a situação na qual papel-moeda (títulos do Tesouro) garan
tia o curso de papel-moeda (títulos bancários). A medida foi
complementada por um sistema de fácil e amplo crédito para
as iniciativas que surgissem. Com isso, ampliava-se o meio
circulante, pondo à disposição da sociedade recursos para o
estabelecimento de empresas, firmas, sociedades por ações.
O aumento do papel-moeda em circulação incidiu sobre o va
lor externo da moeda brasileira, ocasionando uma baixa do
câmbio. Paralelamente, para fazer face às necessidades do
novo governo instalado, determinou-se a cobrança de uma
taxa-ouro sobre as mercadorias importadas, ao mesmo tem
po em que se elevavam as taxas de importação.
A política econômico-financeira do Encilhamento, de âm
bito federal, correspondeu à convergência de mais de um in
teresse presente na sociedade brasileira, mas teve o efeito par
ticular de favorecer a proliferação de estabelecimentos indus
triais, beneficiados com a política de crédito fácil, com as emis
sões e com o encarecimento do produto importado.
Referindo-se à situação de baixa cambial, que restrin
gia a importação ao mínimo indispensável, o governo esta
dual considerava o período encilhamentista como favorável
à expansão industria|68. Conforme os dados do Censo de
192069, foram fundados, até 1889, 143 estabelecimentos,
e, no período de vigência da referida política (1890-1894), 55
novas empresas, o que representa um aumento percentual de
38,5% sobre as empresas existentes (vide anexo 3).
O surto industrial dos primeiros anos da República não
deve ser, porém, superestimado. O maior número de estabe
lecimentos não pode ser confundido com o aumento da ca
pacidade produtiva. Na verdade, o período revelou-se pouco

68 Mensagem presidencial de 1903. p. 21.


69 Ministério da Agricultura, op. cit.; p. 160-1.

75
favorável à importação de tecnologia, e proliferaram as pe
quenas empresas, que operavam com instrumentos de traba
lho simples, de caráter artesanal.
O catálogo da exposição realizada em 1901, em Porto
Alegre, dá o panorama da variedade de pequenas empresas
surgidas por todo o Estado. Na zona de colonização alemã e
italiana, em especial, predominavam as unidades de produ
ção doméstica, artesanais, das quais são exemplo as múlti
plas cervejarias e "empresas" produtoras de vinho e banha,
sem maior recurso técnico que o trabalho manual dos mem
bros da família, auxiliados por vizinhos, às vezes, classifica
dos como "empregados". A produção doméstica era, contu
do, defeituosa e de baixa qualidade.
São ainda manufaturas pequenas ou de porte médio,
mas que combinam o trabalho artesanal com o uso da máqui
na a vapor. Estas empresas contam com baixo capital (geral
mente até 100:000$000) e reduzida força-motriz (comumente
até 10 HP), baseando-se portanto, mais no trabalho manual
dos operários do que no recurso à tecnologia. Tais manufatu
ras representam uma centralização de recursos nas mãos dos
empresários, que passam a reunir em um mesmo local vários
operários-artesãos que trabalham em sistema de cooperação,
mediante remuneração. O empresário fornece o local de tra
balho, a matéria-prima e as ferramentas, além de pagar um
salário. Neste tipo de empresa, o operário ainda controla os
seus instrumentos de trabalho; ele é ainda um artesão, que
possui uma "virtualidade técnica", uma destreza no manejo
da ferramenta que o capacita a usar com perícia a atividade
de beneficiamento da matéria-prima. Neste sentido, ele é um
trabalhador qualificado, que se destaca pela sua habilidade
manual e que se especializa em uma tarefa parcial. Dentro des
te contexto, um operário não pode ser substituído facilmente
sem que cause prejuízo à produção em seu conjunto. A pró
pria designação de "oficiais" aos operários dos estabeleci
mentos desta época exemplifica bem o caráter artesanal do
trabalho e a existência de uma tarefa especializada.
Os dados empíricos revelam que, na época, o trabalho
poderia ser feito todo à mão, em grande parte por operários
qualificados vindos do estrangeiro (Poock, de Rio Grande, pro
duzindo charutos); noutros casos, por operários que impul
sionavam máquinas mecânicas, movidas à mão ou a pé (Viú-

76
và Gustavo Hugo, de Porto Alegre, fabricante de cofres e fo
gões de ferro); noutros ainda, combinava-se o trabalho ma
nual de artesãos com o uso de máquinas a vapor (serralheria
e fundição, de Berta).
Dentro deste quadro geral, o catálogo é pródigo em in
formações sobre determinadas empresas — as maiores do Es
tado — que estavam, por esta época, realizando aumentos
sucessivos de capital, ampliação dos prédios e da área ocu
pada, aumento do número de operários e incremento do uso
de máquinas irnportadas do exterior.
Justamente com relação à tecnologia, as descrições são
minuciosas, com explicações sobre a força motriz e o enca-
deamento dos motores para acionar outras máquinas mecâ
nicas. Estariam neste caso as empresas de Berta, Rheingantz,
Steigleder (carpintaria), Becker, Ullner (fundição), Rodolpho
França (banha), Neugebauer (chocolates), ChristoffeI (cerve
jaria), Companhia Fiação e Tecidos Porto-alegrense, Compa
nhia Fabril Porto-alegrense (têxtil e do vestuário), entre outras.
Deve-se ter em conta, contudo, que se o Encilhamento
favorecera o surto industrial pelas dificuldades que criara à
entrada do produto importado, também a aquisição de tec
nologia estrangeira se via obstaculizada. A depreciação do va
lor externo da moeda convertia-se, assim, numa faca de dois
gumes, dificultando a entrada de máquinas que possibilitas
sem um avanço das forças produtivas nas empresas. Como
explicar, então, a entrada de tecnologia estrangeira em de
terminados estabelecimentos, num período desfavorável à
importação?
Muitas fundições e oficinas metalúrgicas existentes no
Rio Grande estavam fabricando máquinas simples, correspon
dentes às necessidades locais. Ora, para que tal se desse, era
necessário tanto um conhecirr>ento especializado — a conhe
cida prática ou estudos na^Alemanha, que esteve presente na
biografia de grande parte dos "primeiros industriais" —quanto
a importação de tecnologia do exterior. Em última análise, para
a obtenção de bens de consumo não-duráveis ou mesmo pa
ra os bens de produção simples ou intermediários fabricados
por estas empresas era necessário recorrer à compra de má
quinas no estrangeiro. O mesmo raciocínio vale para aquelas
entprésás que utilizavam matéria-prima do exterior (as fundi
ções e funilarias) ou que no estrangeiro adquiriam insumos
necessários (as cervejarias, com a compra do malte e do lú-

77
pulo), as quais, em condições de câmbio desfavorável, viam-
se prejudicadas na sua capacidade de importar.
Portanto, a importação pressupunha um montante de ca
pital disponível, preexistente à constituição da empresa ou a
ela agregado a posteriori, capital este que, em ambos os ca
sos, se achava ligado ao comércio. Seria o caso, explicitamen
te, tanto de Rheingantz e Lang, no eixo Rio Grande-Pelotas,
quanto de Johan Gerdau, Berta, ChristoffeI e outros, em Porto
Alegre.
A análise de um caso específico pode ser interessante
neste passo. Comparemos os dados de 1881 com os de 1901,
obtidos nos catálogos das exposições industriais desses anos.
A empresa Berta possuía, em 1881, 2 máquinas a vapor que
movimentavam 84 outras; em 1901, há menção de 28 má
quinas "movidas à mão" ou mecânicas. Entre a realização de
ambas as exposições, a empresa diminuiu o número de ope
rários, que passou de 1 50 em 1 881 para 1 30 em 1 901. Ao
mesmo tempo, a indústria ampliava a sua linha de produção.
Em 1901, a empresa já fabricava, além de cofres, camas e
fogões, como também armários, ventiladores, estufas, esca
das, moinhos de vento com torre e bomba, fechaduras, trin
cos, máquinas para matar formigas, sinos, grades, portões e
prensas de copiar.
A conjunção de todos estes elementos — meios de pro
dução, força-trabalho e produto final — permite concluir que,
apesar de a empresa não ter atingido o estágio fabril, apre
sentou um relativo avanço das forças produtivas. Incorporan
do mais maquinaria, Berta agora produzia mais com menos
gente. Em suma, teria havido um acréscimo da produtividade
social do trabalho.
Em síntese, é possível constatar que, na época do pri
meiro surto industrial — balizado pelos efeitos do Encilhamen-
to —, houve um aumento da produção, condicionado pelo au
mento do número de indústrias e pelo aumento da capacida
de produtiva das já existentes. Neste caso, as conclusões ge
rais do estudo feito por Versiani para a indústria têxtil de São
Paulo^o servem igualmente para o surto industrial ocorrido no

70 FIávio R. Versiani & Maria Tereza R. O. Versiani, A industrialização bra


sileira antes de 1930; uma contribuição. In: FIávio R. Versiani & José
Roberto M. de Barros, org., Formação Econômica do Brasil. São Paulo,
Saraiva, 1977.

78
Rio Grande do Sul, nesta época. Pode-se mesmo generalizar
que, em condições de baixa de câmbio e/ou facilidades de cré
dito, o investimento na indústria torna-se atraente.
Entretanto, a liderança do processo ficaria por conta de
um reduzido número de empresas que, independentemente
das oscilações do câmbio e da política econômico-financeira
federal, foram progressivamente expandindo-se em termos de
capital, força-motriz, número de operários e valor da produ
ção. É possível acompanhar o desempenho destas empresas
ao longo dos diferentes surtos industriais: em fases de baixa
cambial, foram capazes de aproveitar as dificuldades de im
portação de manufaturados estrangeiros, ocupando espaços
e operando com maquinaria preexistente (ou mesmo, em de
terminados casos, sendo capazes de adquirir tecnologia no
exterior ainda que em situação de câmbio adverso), conse
guindo enfim aumentar a produção. Em períodos deflacioná-
rios e de melhoria aquisitiva externa da moeda nacional, tais
empresas puderam, com mais folga, importar bens de capi
tal, ampliando sua capacidade produtiva.
Entre tais empresas líderes, é possível distinguir aque
las que já nasceram grandes, com capital igual ou superior a
1.000:000$000 (Rheingantz, Companhia Fiação e Tecidos
Porto-alegrense), das que, com um capital inicial de 100 a
200:000$000 (Berta, Becker), foram progressivamente au
mentando sua capacidade ao longo do tempo, mediante as
sociações, incorporações de novos sócios ou fatores conjun
turais diversos.
Já neste período é possível delinear o tipo específico de
indústria que caracterizaria o Rio Grande do Sul: a de benefi-
ciamento de produtos oriundos da agropecuária colonial ou
da pecuária tradicional. Predominariam assim, no Rio Gran
de, as chamadas "indústrias naturais", aquelas que utiliza
vam matéria-prima local, vivendo em uma situação de com
plementaridade com o setor agrário.
Em termos de Brasil como um todo, até a I Guerra Mun
dial, dentro de um contexto predominantemente caracteriza
do pela agroexportação, havia, por parte da política oficial,
uma tendência a não considerar conveniente o crescimento
das indústrias chamadas "artificiais", que beneficiavam
matéria-prima importada. Segundo o Presidente Afonso Pe
na, o país devia esforçar-se para produzir aquilo que tinha con
dição de fazer melhor que os demais — gêneros agrícolas tro-

79
picais — deixando para outras nações a produção daquilo pa
ra o qual estivessem melhor capacitadas. Ora, este pensamen
to é a formulação clara da interiorização do processo de de
pendência, tal como se dava no esquema da divisão interna
cional do trabalho no início do séc. XX. Assim, consagrava-
se a "vocação agrícola" do Brasil, mantendo a importação
de manufaturados. A "indústria natural", admitida dentro des
te padrão de desenvolvimento, não tinha um fim em si mes
ma, enquanto setor distinto da agropecuária: era um elemen
to complementar, que possibilitava um aproveitamento ain
da melhor dos produtos agrários, além de representar econo
mia de divisas. Considerava-se, enfim, que uma indústria que
necessitasse importar matéria-prima viveria "artificialmente"
do protecionismo do governo, o qual deveria possibilitar esta
aquisição no exterior. Seria, pois, uma atividade "não natu
ral", para a qual o país não estaria capacitado.
No caso específico do Rio Grande do Sul, as ditas "in
dústrias naturais" apresentavam-se como um reforço do pa
drão de desenvolvimento agropecuário local, contribuindo para
solidificar o conceito do estado como "celeiro do país". As-
indústrias da carne, do vinho, da banha, da cerveja, do cou
ro, dos sabões, sabonetes e velas, da farinha, do fumo e dos
têxteis foram os ramos predominantes ao longo da República
Velha gaúcha assim como no período da República Nova, em
termos de capital empregado, de número de operários, de valor
da produção ou de utilização de tecnologia. São ainda estes
produtos industriais os que figuraram como de maior peso na
pauta das exportações do estado.
A existência de tais empresas criava um mercado regio
nal para absorção dos produtos agropecuários, que, uma vez
beneficiados pelas indústrias, saíam do estado como artigos
manufaturados, reconfigurando a posição do Rio Grande do
Sul.
Esta caracterização não invalida a presença, desde os
primórdios, de um ramo da "indústria artificial" — o metal-
mecânico — uma vez que o ferro era importado da Alemanha.
Acompanhando o surto industrial brasileiro, a indústria
gaúcha iria caracterizar-se também, neste período, pela pro
dução predominante de bens de consumo assalariados ou não
duráveis, como uma acentuada diversificação da produção.
O findar do séc. XIX veio encerrar o surto de expansão
industrial do Encilhamento, com a inauguração de uma políti-

80
ca de restrição do crédito e saneamento da moeda brasileira.
Desde o ano de 1894 foram postas em prática medidas para
evitar a emissão inflacionária e buscar a gradativa conversi
bilidade da moeda. Entretanto, foi o governo de Campos Sa
les, a partir de 1898, que buscou, fundamentalmente, aten
der de forma mais efetiva às necessidades de estabilização
cambial, tendo em vista os compromissos externos do gover
no com grupos financeiros internacionais e, de modo espe
cial, com o grupo Rothschild, com o qual havia sido contrata
do o acordo conhecido como Funding Loan.
Se, por um lado, as restrições ao crédito e às emissões
teriam vindo coibir a proliferação das pequenas empresas ca
racterísticas do período encilhamentista, a realidade gaúcha
não demonstra uma reversão do processo de desenvolvimento
industrial. Os dados do Censo de 1920 revelam que, no pe
ríodo até a I Guerra Mundial, houve um significativo aumento
do número de estabelecimentos (anexo 1). Os dados empíri
cos confirmam esta realidade, revelando o surgimento de no
vas empresas paralelamente ao fortalecimento e crescimen
to das maiores. Com relação à formação de novos estabele
cimentos, deve-se ter em conta que a cobrança em ouro de
parte das importações, encarecendo a compra de produtos
estrangeiros, e a aprovação de algumas medidas protecionis
tas de elevação de impostos alfandegários para manufatura
dos atenuaram, em parte, os efeitos de uma política deflacio-
nária. Por outro lado, a inexistência de um mercado nacional
integrado, agravada pelas grandes distâncias e pela precarie
dade dos transportes, garantia, de alguma forma, às indús
trias regionais uma certa reserva de mercado. O parque in
dustrial de cada região era, pois, voltado muito mais para a
satisfação das necessidades locais. O caso de Rheingantz e
Poock, que produziam também para o mercado nacional, não
pode ser generalizado. Mesmo as empresas do centro econô
mico do país, que, nascidas num contexto agroexportador,
traziam no seu bojo melhores condições estruturais de acu
mulação e crescimento, não haviam ainda, na fase que ante
cedeu a I Guerra Mundial, conquistado os mercados das re
giões periféricas.
Entretanto, se desta forma parece que os mercados re
gionais ficavam assim reservados para as indústrias locais,
nenhum deles, apesar de intermitentes "arrancadas protecio-

81
nistas", ficava a salvo da penetração do produto estrangei
ro. A melhoria das condições de câmbio possibilitava o au
mento das importações de similares estrangeiros, embora o
mesmo princípio facilitasse também a aquisição externa de
tecnologia mais avançada.
O aumento da capacidade produtiva das empresas maio
res nesta época poderia ser medido pela importação de bens
de capital, mas neste caso as fontes oficiais não fornecem
dados suficientes para que se possam organizar séries com
pletas neste período que antecedeu a I Guerra. Por exemplo,
na mensagem presidencial de 1 902, ao relatar a entrada de
gêneros estrangeiros no estado para consumo local, Borges
de Medeiros indicava a presença do aço e do ferro e seus ma
nufaturados, figurando em 3.° lugar na pauta das importações
gaúchas em 1901, e das máquinas, instrumentos, aparelhos,
utensílios e ferramentas, ocupando o 5.° lugar^i. Os dados
não identificam se tais importações se faziam do exterior ou
de outras unidades da federação, mas, tendo em vista o tipo
de produto, pode-se concluir que eram adquiridos no
estrangeiro.
Esta carência de informações estatísticas nos dados ofi
ciais pode, em parte, ser suprida pelas referências paralelas
contidas em jornais, relatórios de empresas e revistas, que
atestam que as indústrias estariam expandindo sua capaci
dade produtiva nesta época.
Tome-se o caso das cervejarias, que expressavam tan
to a concentração empresarial e o aumento do potencial pro
dutivo das empresas da capital quanto o predomínio, em ter
mos globais, das pequenas unidades disseminadas pelo
interior.
A empresa Ritter, de Porto Alegre, experimentou uma
expansão e renovação técnica no período, bem como Chris-
toffel, que introduziu novos processos no preparo da cerve
ja. Esta cervejaria passou a empregar o método da baixa fer
mentação por câmaras frigoríficas^z. A introdução de novas
técnicas marcou o desaparecimento, na capital do estado, das
microempresas, subsistindo as grandes cervejarias de Chris-
toffel, Bopp, Becker e Ritter, que passaram a utilizar um apa-
relhamento moderno, com instalações frigoríficas adquiridas

71 Mensagem presidencial de 1902. p.17.


72 Pimentel, Aspectos Gerais..., op. cit.: p.18.

82
no exterior. A superioridade técnica forneceu meios de colo
car no mercado um artigo de melhor qualidade, impondo-se
junto aos consumidores. Das 13 cervejarias com que a capi
tal contava no início do século, em 1915 restavam apenas
6 grandes cervejarias^s. Pelo interior, salvo os 2 estabeleci
mentos dos Irmãos Leonardelli, de Caxias do Sul, e o de Gus
tavo Jahn, de Montenegro, todos de grande expressão, pre
dominavam, disseminadas pela área de colonização alemã e
italiana, as pequenas cervejarias de produção artesanal do
méstica. Progressivamente, ao longo da República Velha, tais
unidades iriam sendo aniquiladas, em termos de concorrên
cia, pelas maiores empresas, melhor aparelhadas técnica e
financeiramente.

Em 1912, dentre as empresas sujeitas ao imposto de


consumo no estado, registrava-se a produção de 6.770.770
garrafas da cerveja obtida pela alta fermentação, 3.342.858
garrafas da cerveja de baixa fermentação e 14.701 litros de
chope74. Como se vê, a produção por baixa fermentação,
que correspondia às poucas empresas que utilizavam a técni
ca de frigorificação, representava 33,05% da produção geral
do estado, enquanto as empresas com técnica mais rudimen
tar (alta fermentação) produziam os restantes 66,95%. Em
bora a maior parte da produção ainda estivesse a cargo das
pequenas empresas disseminadas pelo interior, é significati
vo que um terço da produção estadual estivesse concentra
do nas mãos de poucas empresas. O dado se revela ainda mais
significativo se considerarmos que, em 1913, existiam 134
cervejarias no Rio Grande do SuPB. Completa-se assim o qua
dro de um pequeno grupo detentor de grande capital e alta
produção, de um lado, e um grande número de pequenas em
presas com pequena produção, de outro.
Ainda no que diz respeito à tecnificação das empresas,
tem-se, no setor metal-mecânico, os exemplos de Berta e
Eberle. No caso de Berta, cabe lembrar que as ligações de seu
proprietário — Alberto Blns — com o comércio de importa
ção (União de Ferros) foram importantíssimas para a expan
são de seu estabelecimento industrial.

73 O progresso. Porto Alegre, 26, nov. 1915.


74 Mensagem presidencial de 1913, p.60.
75 Mensagem presidencial de 1914. p.55.

83
Novas máquinas foram adquiridas na Alemanha e Ingla
terra (máquinas a vapor, geradoras de eletricidade), e para a
seção de galvanização foi contratado um técnico inglês^e. Em
1907, a empresa era considerada a primeira do estado, pos
suindo três estabelecimentos distintos: uma fábrica de cofres,
um estaleiro e oficina mecânica e mais a fundição Fênix. Só
na fábrica de cofres havia 94 máquinas a vapor, onde traba
lhavam 260 operários diários. Em cada estabelecimento, o tra
balho era dividido em diferentes seções, como as de galva-
noplastia, pintura e niquelagem^?. Indiscutivelmente, a em
presa Berta, sob a direção de Bins, colocava-se como uma
grande indústria manufatureira, fato que a diferenciou das de
mais do ramo, tanto no que diz respeito à variada linha de pro
dução e à tecnologia empregada, quanto no número de
operários.
Para a análise do período anterior, relacionou-se o au
mento da tecnologia no processo produtivo com a diminui
ção ou dispensa da força-trabalho. Se tal constatação é váli
da para a introdução das primeiras máquinas na empresa ma
nufatureira, não pode ser generalizada como uma regra co
mum. Nem a tecnologia da época era tão sofisticada a ponto
de realizar uma redução tão drástica da mão-de-obra, nem a
produção tornou-a completamente mecanizada. Além disso,
a introdução da máquina no processo produtivo possibilitou
a incorporação da força-trabalho suplementar — mulheres e
crianças — ao rebaixar o valor da mão-de-obra^s.
Quanto à empresa de Eberle, em Caxias do Sul, o perío
do que antecedeu a guerra foi marcado pelo investimento em
tecnologia e pela diversificação da produção da empresa. Má
quinas foram adquiridas primeiramente em Porto Alegre; em
1902, foi comprada a maquinaria de uma funilaria de Nova
Milano que estava sendo desativada, aquisições estas que lhe
foram permitidas graças às atividades comerciais que reali
zava, em paralelo à funilaria. Posteriormente, com a entrada
de novos sócios, foi possível investir novamente em tecnolo
gia, ampliando a linha de produção^^.

76 Roche, op. cit.: v.2, p.553.


77 O Rio Grande Industrial, 1907, op. cit.; p.64.
78 A presença de mulheres e crianças pode ser constatada no farto ma
terial fotográfico que se possui sobre a industrialização no Estado, pu
blicado em álbuns comemorativos, revistas e almanaques.

84
No tocante ao setor vinícola, no início do séc. XX co
meçaram a surgir algumas cantinas, de propriedade de
"comerciantes-fabricantes", situadas estrategicamente na
confluência dos travessões da área colonial. Foram estes es
tabelecimentos os responsáveis pela renovação do processo
produtivo, por um lado, e pelo início do aniquilamento da pro
dução doméstica de vinho, por outro. Coube a estes proprie
tários de cantinas — Carlos Dreher Filho, Eduardo Mosele, An-
nuncio Ungaretti, Luis Michielon, José Andreazza, Scalzilli, Pe-
terlongo, Pieruccini — a introdução de castas estrangeiras se
lecionadas, a contratação de técnicos enólogos para aprimo
rar a qualidade da produção e a importação de novas máqui
nas que acabaram progressivamente com o primitivo proces
so de esmagar a uva com os pés. Tais estabelecimentos, do
tados de capital e tecnologia superior, passaram a receber dos
colonos tanto a uva para ser esmagada como o suco não fer
mentado produzido nos lotes, que nas cantinas recebiam as
correções científicas, como a "adição de açúcar puro e do ta-
nino para obter mais gradação alcoólica e garantir a conser
vação dos vinhos"80.
Em 1907, o relatório da Secretaria do Interior e Exterior
anunciava que, em Caxias do Sul e Bento Gonçalves, esta
vam sendo adquiridas máquinas do estrangeiro para a fabri
cação de vinho^^ Em 1913, A Federação anunciava que ha
via chegado de Buenos Aires maquinaria nova para vinifica-
ção, encomendada pelas cantinas de Caxias do Sul e Nova
trento82.
O caso da banha é também significativo para exemplifi
car o processo de açambarcamento da maior parte da produ
ção deste artigo pelas grandes empresas da capital. Em 1909,
foi criado em Porto Alegre o Centro da Banha Rio-grandense,
tendo como sócios Otero Gomes e E. Dreher & Cia., os dois
maiores representantes do capital industrial e comercial apli
cado no setor. O Centro (ou trust) da Banha visava receber
o produto das principais refinarias e monopolizar as vendas

79 Lazzarotto, op. cit.


80 Ernesto Pellanda. Aspectos gerais da colonização italiana no Rio Grande
do Sul. In: Álbum Comemorativo do 75° Aniversário..., op. cit.; p. 126
81 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1907,
p.500.
82 A Federação. Porto Alegre, 1.° abr. 1913. p.3.

85
para todo o país, elevando o preço do artigo. Realizava-se pro
gressivamente um processo de concentração industrial que
estabeleceria um controle quase monopólico do ramo para as
grandes firmas como Dreher, Oderich, Otero Gomes. Jacob
Renner, de Montenegro, dotaria seu estabelecimento com câ
maras frigoríficas em 1 91 2, possibilitando um maior aprovei
tamento da matéria-prima e diversificando sua linha de pro
dução. No ano seguinte, já se encontrava funcionando uma
fábrica de gelo com as novas máquinas importadas da Ale
manha pelo mesmo Jacob Renner, que preparava também,
em seu estabelecimento, carnes de porco e salame®^.
Paralelamente ao crescimento destas maiores empresas,
progressivamente iriam sendo eliminadas as condições de con
corrência da fabricação caseira de banha, e o proprietário ru
ral ver-se-ia reduzido à função de mero produtor da matéria-
prima para as refinarias.

No setor têxtil, o período que antecedeu a Guerra foi


também assinalado pela aquisição de tecnologia no exterior
e pelos sucessivos aumentos de capital das empresas, como
é o caso da Companhia Fabril Porto-alegrense, da Companhia
Fiação e Tecidos Porto-alegrense (Fiateci), da União Fabril
(Rheingántz), do Lanifício São Pedro.
O Lajnifício São Pedro, de Gaiópolis, ao admitir em 1912
como sócia a firma comercial Chaves & Almeida, de Porto Ale
gre, teve possibilidade tanto'de adquirir máquinas na Bélgica
e Alemanha, quanto de contratar um técnico especializado no
ramo de tecidos para dirigir a empresa. De um capital inicial
de 20:000$000, a empresa atingiu 700:00050008'^. A União
Fabril, maior empresa do gênero no estado, possuía, em 1907,
400 máquinas em sua fábrica de lã e 300 na de algodão, ten
do aumentado seu capital para 5.000:0005000. Em 1904 ins
talava a primeira fiação penteada do Brasil, com o que dava
início à fabricação de tecidos finos de casemira^^. Esses
exemplos todos vêm demonstrar que o período antecedente
à Guerra representou uma importante fase para o desenvol
vimento do processo de industrialização no estado.

83 A Federação. Porto Alegre, 2 abr. 1913. p.4.


84 Brito, op. cit.; p.22.
85 Correio do Povo. Porto Alegre, 28 nov. 1963. p.15.

86
Os dados do Censo de 1920, relativos a algumas em
presas sujeitas ao imposto de consumo e obtidos nos inqué
ritos de 1907, 1912 e 1920, trazem informação significativa
para o desempenho de cada setor (anexo 4). A indústria têx
til expressa um aumento progressivo de capital e ligeira dimi
nuição do número de estabelecimentos. O aumento de capi
tal pode ser comprovado pela pesquisa empírica. No tocante
aos estabelecimentos, algumas empresas importantes foram
criadas neste período, como a Tecelagem Ítalo-Brasileira, em
Rio Grande (1906); a Fiação e Tecidos Pelotense, em Pelotas
(1908), com capital de í .600;000S000 e 346 operários^e;
a Fábrica Rio Guahyba, de Oscar Schaitza, até então fabri
cante de gravatas, comprou as máquinas da tecelagem fali
da de Philipe Keller, de Montenegro (1908); a empresa de A.
J. Renner, de São Sebastião do Caí (1911), em 1912 se trans
feriu para a capital do estado.
Em 1913, era noticiada a inauguração de uma fábrica
de velas e sabões, anexa à charqueada da Barra do Quaraí,
em Uruguaiana, com máquinas importadas do estrangeiro^?.
Estabelecendo para o setor de bebidas uma relação en
tre capital e número de empresas, observa-se que, de 1907
a 1912, houve um aumento do número de estabelecimentos
e redução do capital, o que caracteriza a presença de microem-
presas. Os setores do fumo e dos calçados apresentam para
esta mesma fase um aumento do número de empresas e de
capital, demonstrando que o período não foi, como se pode
ria pensar, negativo em termos da expansão industrial.
Em outros ramos, surgiram também, na etapa pré-
guerra, unidades de produção que posteriormente teriam vul
to no parque industrial gaúcho. No ramo metal-mecânico, sur
giram Wallig (1904) e Uhr (1 908) em Porto Alegre e Mernack
(1912) em Cachoeira do Sul; na refinação da banha, Oderich
montou, em 1908, uma empresa em Caí; entre as cerveja
rias, destacou-se a de Jahn, em Montenegro, em 1912; no
mesmo ano, estabelecia-se na capital do estado o Moinho
Porto-alegrense, de Chaves & Irmão. Note-se, no caso do sur
gimento destas empresas, a já tantas vezes mencionada pre
sença do capital comercial (Mernack, Oderich, Moinho Porto-

86 Monte Domecq, op. cit.; p.301.


87 A Federação. Porto Alegre, 1." abr. 1913. p.3.

87
alegrense, Renner) ou a associação com outros fabricantes
(caso da Wallig, que teve Berta como Sócio).
Com referência específica ao município de Porto Alegre,
os relatórios do intendente apresentam os seguintes dados
para o período anterior à GuerraSS;

Anos Número de Número de


fábricas oficinas

1906 100 18
1 907 126 24
1908 112 38
1909 117 33
1910 129 37
1911 154 149
1912 180 172
1913 180 172

Se, com relação ao número de fábricas, o aumento no


período foi da ordem de 80%, com relação ao número de ofi
cinas atingiu 855%.
Em suma, pode-se constatar, através da pesquisa em
pírica, que no período entre o fim do Encilhamento e a eclo
são da I Guerra, marcado pelo saneamento das finanças bra
sileiras, fanto ocorreu uma concentração empresarial e aqui
sição de tecnologia por parte das maiores empresas, que au
mentaram a sua capacidade produtiva, quanto verificou-se um
significativo surgimento de novas empresas, pequenas ou de
médio porte.
Portanto, retomando a análise dos dois períodos já en
focados, nota-se a persistência daqueles traços constantes
no parque industrial gaúcho: independente de ocorrer infla
ção ou deflação, há um reduzido grupo de empresas maiores
que investem em tecnologia adquirida no exterior; da mesma
forma, a proliferação das pequenas unidades ocorreu também
de forma continuada.
É dentro deste contexto global que se podem inserir os
dados fornecidos pelo Censo de 1 907, que, embora não dêem

88 Dados extraídos a partir dos Relatórios do Intendente Municipal de Porto


Alegre dos anos de 1906 a 1913.
conta por completo do parque industrial gaúcho, contribuem
para melhor caracterizar o seu desenvolvimento no período
(anexo 5).

As indústrias de fiação e tecelagem apresentam-se co


mo as primeiras em termos de capital e força motriz, ocupando
o segundo lugar em número de operários. A indústria do char-
que, por seu turno, ocupa o segundo lugar em capital e força
motriz e o primeiro em número de trabalhadores. Os dados
assim configurados indicariam os dois maiores ramos fabris
do estado, em condições de quase igualdade. Entretanto, ao
atentar para o número de estabelecimentos por setor ou ra
mo, a situação se apresenta sob um outro aspecto: enquanto
existiam 24 charqueadas no estado, havia 9 empresas de fia
ção e tecelagem, o que dá uma diferente distribuição dos ín
dices referentes a capital, força-trabalho e força motriz por
unidade de produção. Da mesma forma, o valor da produção,
índice no qual o charque ocuparia o primeiro lugar, estaria tam
bém diluído num número maior de empresas. Raciocínio simi
lar poderia ser feito para as cervejarias, que ocupavam o ter
ceiro lugar em capital e força motriz e o quarto em número
de estabelecimentos, o que leva a diluir o destaque atribuído
ao setor.

Esta é uma análise que se faz por ramo de produção a


partir dos dados fornecidos pelo censo. Se, contudo, for fei
ta uma análise global dos estabelecimentos recenseados, con
forme os dados contabilizáveis, tem-se um quadro aproxima
do — mas não completo, como se sabe — da situação indus
trial gaúcha (anexo 6). Em termos de capital, predominam,
de maneira absoluta, as pequenas empresas, que contam com
até 100:000$000; em termos de força motriz (índice no qual
o censo se apresenta mais falho), predominam as classifica
das como manuais ou que utilizam até 10 HP) já no tocante
à força-trabalho, predominam as indústrias que utilizam de 10
a 50 operários.
Configura-se então um quadro que, apesar de todas as
limitações, vem confirmar novamente a pesquisa empírica: o
predomínio quantitativo das pequenas manufaturas, que uti
lizam pouca maquinaria e nas quais o trabalho depende mui
to da habilidade do operário. Assim, o trabalhador não estava
ainda totalmente submetido ao capital, de vez que o proces-

89
so de trabalho guarda características artesanais, dependen
do muito da "virtuaíidade técnica" da mão-de-obra.

Em contrapartida, é possível individualizar aquelas em


presas que se destacam como detentoras de maior capital e
forca motriz®^:

Censo de 1907: Firmas com 1.000:0005000 ou mais de capital

Ramo Localidade Firma Capital

Fiação e-tecidos Rio Grande Cia, União Fabril 5.000:0005000


Fiação e tecidos Porto Alegre Cia. Fiação e Tecidos
Porto-alegrense 2.280:0005000

Cervejaria Pelotas C. Ritter & Irmão 2.000:0005000

Banha Porto Alegre Otero Gomes 1.000:0005000


Cervejaria Porto Alegre Henrique Ritter &
Filhos 1.000:0005000

Censo de 1907: Firmas com 100 ou mais HP

Ramo Localidade Firma Força-motriz

Fiação e tecidos Rio Grande Cia. União Fabril 710

Fiação e tecidos Rio Grande Santo Bocchi 400

Fiação e tecidos Porto Alegre Cia. Fiação e Tecidos


Porto-alegrense 250

Moagem de trigo Rio Grande Albino Cunha 200

Charqueada Quaraí Emílio Calo 200

Cervejaria Pelotas C. Ritter & Irmão 150

Cervejaria Porto Alegre Henrique Ritter &


Irmão 150

Fiação e tecidos Porto Alegre Cia. Fabril

Porto-alegrense 140

Charqueada Livramento Anaya & Irigoyen 110

Papel e papelão Bom Retiro Hugo Gertum 110

Papel e papelão Porto Alegre Cia. Fábrica de Papel


e Papelão 100

Charqueada Pelotas Pedro Osório 100

89 Centro Industrial do Brasil, op. cit.

90
Dos primeiros anos da República até a eclosão da I Guer
ra, diversas indústrias gaúchas participaram, e ganharam até
medalhas, das exposições internacionais de Chicago, em
189790, de São Luís, nos Estados Unidos, em 190491, de Mi
lão, em 190692, e na Exposição Nacional realizada em 1908
no Rio de Janeiro93. A empresa Eberle, de Caxias do Sul, ha
via participado também das exposições italianas de Turim e
Roma, em 1911, e de Gênova, em 191494, ganhando
medalhas.
Não se trata, em absoluto, de exagerar esta participa
ção, mas sim de assinalar a presença dos produtos industriais
do estado em exposições desta natureza, demonstrando o
crescimento do setor secundário gaúcho.
A eclosão da I Guerra Mundial veio trazer uma altera
ção significativa para os rumos da política econômico-
financeira federal e para o próprio processo de industrializa
ção em curso. O recuo do comércio internacional e a imprati-
cabilidade da importação de manufaturados da Europa veio
acionar o mecanismo substitutivo de importações no setor in
dustrial. Por outro lado, a suspensão da entrada de capitais
estrangeiros pôs em dificuldades a jnanutenção da política de
sustentação do café, estabelecida desde 1906. Dentro deste
contexto, para atender às necessidades do setor de ponta da
economia brasileira, o retorno às emissões de papel-moeda
apresentou-se como a alternativa viável. Foram feitas emis
sões em 1915e 1917, eo retorno a esta política acentuou
as dificuldades para importar, face à desvalorização da moe
da brasileira. Tais fatos se fizeram acompanhar do aumento
dos preços dos gêneros alimentícios e das exportações brasi
leiras em geral, frente a uma situação internacional contur
bada, na qual os países beligerantes haviam convertido sua
economia de paz em economia de guerra.
Em suma, a conjuntura da guerra apresentou-se como
de euforia em termos de mercado, pelo que se fez acompa-

90 Relatório da Secretaria dos Negócios das Obras Públicas de 1897, p.


35-6.
91 Mensagem presidencial de 1904, p. 29.
92 O Rio Grande do Sul Industrial, op. cit.
93 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1909,
p. IV. O Estado do Rio Grande do Sul na Exposição Nacional, 1908.
s. n. t.
94 O Trabalho. Caxias do Sul, 5 fev. 1923. n. 5.

91
nhar, internamente, por um desafogo da política creditícia
bancária.
Em termos gerais, o período se caracterizaria por uma
nova fase de aumento da produção, na qual se desestimula-
ria a importação e se tornaria atraente a inversão na produ
ção para o mercado interno.
O relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 1916
estabeleceu uma comparação entre os dados fornecidos pela
estatística industrial referentes a 1915 com os relativos a
1908, organizados pelo Centro Industrial do Brasil^s (na ver
dade, referentes ao Censo de 1907):

Estatística industrial 1908 1915

N.° de estabelecimentos 314 2.782


Capital empregado 14.434:500$000 101.586:250$000
Força motriz (HP) Imperfeitamente
apurada 25.969
Valor da produção 99.778:820S000 220.551:100$000
N.° de operários 15.426 29.617

A julgar pelos dados estatísticos, teria havido um acrés


cimo percentual do número de estabelecimentos na ordem de
786%, do número de operários na proporção de 92%, do ca
pital em 604% e do valor da produção em 121%.
A primeira constatação é o aumento muito elevado do
número de estabelecimentos, o que, segundo uma leitura mais
cuidadosa dos dados fornecidos pelo relatório da Secretaria
do Interior e Exteriorse, foi possibilitado pela inclusão de uni
dades de produção que não acusam maquinaria e empregam
de 1 a 2 operários, constituindo estas a maioria absoluta das
empresas registradas.
Há ainda que ter em conta nas estatísticas a presença
também numerosa de outra sorte de "microempresas", es
truturadas em base familiar, com um recurso mínimo à tec
nologia e à força-trabalho assalariada, nas quais o proprietá-

95 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1916,


V. 1., p. 333.
96 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1916,
V. 1.. p. 451-95.

92
rio dos meios de produção é ele mesmo o agente que super
visiona o trabalho e orienta o processo produtivo. Nestas em
presas, que foram estimuladas a multiplicar-se neste perío
do, aproveitando os efeitos benéficos da alta de preços e das
dificuldades à entrada de produtos estrangeiros, o trabalho
não era totalmente mecanizado, e a tendência foi a da manu
tenção de equipamentos obsoletos, adquiridos em fase
anterior.
Neste caso, é significativo o quadro divulgado pelo Al
manaque do Globo, de 191997, contendo o número e o capi
tal das empresas inauguradas no estado entre 1914e 1917
(anexo 7). É notório o seu reduzido capital. Quanto aos ra
mos, predominam os "tradicionais" do setor secundário gaú
cho: os que beneficiavam a matéria-prima local.
Inaugurava-se com a Guerra um período de dificulda
des para a importação, tanto de máquinas quanto de matérias-
primas para determinados setores industriais. Por exemplo:
de 1913 para 1917, o ferro em barra aumentou em 299%,
o ferro em chapa 294% e o aço em barra 140%; chapas gal
vanizadas para cobrir casas tiveram um aumento na ordem
de 328%; eixos, rodas e pertences para carroças e outros veí
culos 116%; artigos de cutelaria 60%; folhas-de-flandres em
obra 41 % e em lâminas 220%; grampos, parafusos e rebites
156%; pregos também 156%; tubos, canos e acessórios
295%; arame para uso não especificado 516% e arame far
pado para cerca 227%; perfumadas diversas 78%. Outros ar
tigos, como ácido acético, clorureto de cálcio e ácidos não
especificados, tiveram aumento de 439%, 236% e 338%,
respectivamente98.
A amostragem é significativa para evidenciar que, deci
didamente, a fase que se inaugurou com a Guerra não era fa
vorável à aquisição externa nem de tecnologia nem de matéria-
prima para o setor metal-mecânico. Veja-se que, segundo da
dos de 1914, o Rio Grande do Sul era importador de chumbo
em barras ou lâminas, zinco em chapas e folhas, ferro em bar
ras e chapas ou fundido, aço, arame de ferro e cobre, chapas
galvanizadas para cobertura de casas, folhas-de-flandres, além

97 Almanaque do Globo. Porto Alegre, Globo, 1919. p. 86.


98 Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre,
1.° jul. 1918. p. 35-6.

93
de cevada torrefata, malte e lúpulo^s. Tais mercadorias vi
nham principalmente da Alemanha, cujo comércio com o Brasil
restringiu-se no período da Guerra.
As maiores beneficiadas foram, certamente, aquelas em
presas que, nos anos imediatamente anteriores à Guerra, ha
viam aumentado a sua capacidade produtiva através da aqui
sição de tecnologia, podendo agora, face a uma conjuntura
ótima de mercado, ampliar sua produção. Éo caso, por exem
plo, da fábrica Berta, da qual se noticiava, em janeiro de 1914,
que, tendo terminado a montagem e instalação das aperfei
çoadas e modernas máquinas adquiridas na Europa, estava
aparelhada para atender a qualquer encomenda^oo. Por outro
lado, como acontecera uma vez no período do Encilhamento,
mesmo em situações adversas para a importação algumas em
presas maiores não interromperam sua marcha ascendente no
caminho da tecnificação da produção.
Especificamente com relação à indústria metalúrgica, o
período que se estendeu até 1 919 foi de crescimento, tanto
para as empresas da área colonial italiana — Eberle e Rossi,
especialmente — quanto para as da capital do estado e zona
de imigração alemã, onde se destacavam Berta, Bins, Knack,
Maas, Becker, Wallig, Uhr, Thinn e Krug. Eberle, já com capi
tal de 500:0005000 em 1917, iniciava nesta época a fabri
cação de talheres, artigos de cutelaria e produtos de prata.
Ao mesmo tempo em que promovia a ampliação da produção,
baseada em tecnologia adquirida em fase anterior, a empre
sa forjou a política de investir em mão-de-obra economicamen
te excedente da zona rural italiana. Cada vez mais, a crise eco
nômica que afetava a pequena propriedade rural e promovia
a desarticulação progressiva das unidades artesanais domés
ticas estava conduzindo um número significativo de descen
dentes de imigrantes a empregarem-se nas indústrias. Tratava-
se, evidentemente, de uma força-trabalho não totalmente des
ligada do seu lote colonial de origem, aumentando ou dimi
nuindo conforme as necessidades da empresa, que assim
mantinha uma quota fixa de empregados baixa (de 10 a 26
operários) ou de extrema rotatividade, no caso de Eberle.
Na indústria do vinho, a Peterlongo passou, em 1915,
a utilizar um novo processo de fermentação na própria garra-

99 Mensagem presidencial de 1914. p. 35-6.


100 O Progresso. Porto Alegre, 4 jan. 1914.

94
fa, segundo técnica francesa. Na cantina de Pieruccini, con
siderada a maior do Brasil, foram introduzidas novas máqui
nas: um pasteurizador, uma prensa para esmagar uva, um re-
tificador para fazer álcool a 40°.
Em outros ramos, as alternativas diferiram. A indústria
de calçados do Vale do Rio dos Sinos, a partir de 1913, pare
ce ter iniciado a substituição de processos manuais de fabri
cação por processos mecânicos, com maquinaria americana
alugada à United Shoe Machinery Co.^®\
No tocante à produção da banha, o incremento das ven
das deste artigo, no período da guerra, fez com que, pela pri
meira vez, as exportações do produto superassem o seu con
sumo no âmbito estaduano2. Em 1915, 7 refinarias de Porto
Alegre controlavam 43,62% do capital no setor, 63,21 % do
valor da produção e 48,08% do número de operáriosio3. Os
demais 24 estabelecimentos dividiam entre si os restantes
56,38% do capital, 36,79% da exportação e 51,92% dos
operários. De onde se depreende, em última análise, que, fren
te a um número reduzido de grandes unidades, encontrava-
se uma maioria (77,4%) de pequenas manufaturas.
Já a indústria têxtil, no período da guerra, quintuplicou
o valor da produção (de 6.863:489$420 passou para
33.550:000$000), aumentando também o número de esta
belecimentos (de 8 empresas em 1913 para 51 em 1919).
Já o aumento do capital não foi tão significativo: de
8.660:000S000 em 1913, passou a contar com
14.200:000$000 em 1919. O mesmo ocorreu com a força
motriz, que de 3.338 HP em 1915 passou para 3.978 em
1919104.
Note-se, no caso, a confirmação daquela tendência an
tes assinalada: proliferação de pequenas unidades lado a la
do à progressiva marcha das grandes empresas que, mesmo
em situações adversas, conseguiam investir em tecnologia.

101 Eduardo Ernesto Zietiow, A Indústria do Couro no Rio Grande do Sul


e suas Perspectivas no Panorama Econômico Nacional. São Leopol
do, Unisinos, 1977. p. 11 (xerografado)
102 Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul. 1925-1926-1927. Porto Ale
gre, A Federação, 1928. Tomo 1.
103 Ary César Minella, Estado e Acumulação Capitalista no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, UFRGS, s. d. p. 43.
104 Relatórios da Secretaria dos Negócios da Fazenda de vários anos.

95
Neste caso, estavam a União Fabril, que elevara a sua força
motriz em 1915 para 1.010 HP, e a Companhia Ítalo-Brasileira,
para 500 HP.
Quer parecer, contudo, que a importação, tendo enca
recido, tornou-se seletiva. Ou seja, a importação de tecnolo
gia tornou-se prioritária sobre outros itens, ao mesmo tempo
em que as empresas buscaram substitutivos nacionais para
a aquisição de matéria-prima e de outros insumos que até en
tão eram adquiridos no estrangeiro. É o caso do fumo impor
tado de Havana pelos estabelecimentos de Poock, Tertuliano
Borges e Domingos Martins, que passaram a consumir prefe
rencialmente o fumo rio-grandense, ou das fundições de
Becker, Bins e Schreiner, que passaram a utilizar nó-de-pinho
em substituição ao coque de Ruhr.
Tais fatos contribuíram paratornarevidentes alguns pon
tos de estrangulamento da economia nacional, como, por
exemplo, a necessidade de o país industrializar as suas iazi-
das de ferro. Os debates a este respeito proliferavam. Por um
íaqo, manifestava o governo federal intenção deãlixlliar p in-
crementar a indústria do ferro no país, mas indicavq q,|P~t^
"empreena1mentos"deverlam ficar a cargo de partTmjiares que
com seus capTtãis, aproveitassem a matéria-prirnãn^nnai
"èxistenteTTãlTíggóclõ, contudo, demandava muito capital,
tosse ele nacional ou estrangeiro, pois implicaria pão só a ex^
ploração das jazidas de ferro como também a sua
industrializaçãoio5. Havia uma consciência de que tal ramo
industrial era bastante complexo, no tocante ao know-how
necessário e ao vulto dos investimentos.
Por outro lado, paralelamente à idéia da vocação agrá
ria difundida na sociedade brasileira, dentro e fora dos meios
governamentais, uma constatação se impunha: a produção
interna de máquinas e outros instrumentos de trabalho repre
sentava uma importante economia de divisas e, por que não
dizer, dava uma relativa autonomia ao setor produtivo do país.
Apesar de não utilizar matéria-prima de origem agropecuária,
a indústria metal-mecânica sempre esteve voltada para este
setor da economia, em termos de mercado. Assim sendo, além
de se orientarem para a fabricação de utensílios de uso do
méstico, as empresas procuravam atender a demanda de fer
ramentas e máquinas exigidas pelo trabalho rural.

105 O Progresso, Porto Alegre, ago. 1916. n. 35.

96
Os dados coletados em 1919 e referidos no censo eco
nômico brasileiro de 1920 contribuem para a caracterização
do panorama industrial gaúcho (anexo 8).
Quanto ao número de estabelecimentos, o Rio Gran
de do Sul ocupava o segundo lugar no Brasil, com 1.773
empresas, só superado por São Paulo, com 4.145. Já quan
to ao capital empregado, ocupava o terceiro lugar, com
250.689:961 $000, contra 537.817:439S000 de São Paulo
e 441.669:448$000 do Distrito Federal. No tocante ao nú
mero de operários, ocupava novamente o terceiro lugar, com
24.661 trabalhadores, enquanto São Paulo empregava
83.998 e o Distrito Federal 56.229. A mesma posição era
mantida sobre o valor da produção, ficando São Paulo em pri
meiro lugar, com 986.110:258$000, o Distrito Federal em
segundo, com 666.275:759$000, e o Rio Grande do Sul em
terceiro lugar, com 353.749:311 $000106.
Frente a estes dados, constata-se o menor porte das em
presas gaúchas face àquelas do centro econômico do país,
principalmente no que toca à relação entre o número de esta
belecimentos e o capital empregado.
Considerando a média de operários por empresa, o Rio
Grande do Sul ocupava o 14.° lugar, com 14 operários por
estabelecimentoio'. Decompostos, contudo, os dados são
ainda mais eloqüentes. De um total de 1.773 estabelecimen
tos, 59,3% das empresas gaúchas empregavam até 4 operá
rios, contra 9,6% que ocupavam 20 e mais operários. Nova
mente tem-se o panorama de um parque industrial caracteri
zado por uma maioria de pequenas empresasios^ lideradas
por um reduzido número de grandes estabelecimentos, que
concentravam o capital e a tecnologia.
De um total de 24.661 trabalhadores, 19.278 homens
e 5.283 mulheres, o Rio Grande do Sul ocupava 22.745 maio
res de 14 anos e 1.916 menores. Tais dados, contudo, de
vem ser relevados, tendo em vista o fato de as empresas nem
sempre registrarem todos os seus trabalhadores, como pôde

106 Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Recenseamento do Bra-


S/7; indústria, 1920. op. cit. p. VIU.
107 Ibidem, p. LXXIX.
108 Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Recenseamento do Bra
sil; indústria, 1920, op. cit. p. LXXXIII.
109 Lazzarotto, op. cit., p. 48.

97
constatar Lazzarotto no caso da Eberle^os.
O período pós-guerra, em termos gerais da realidade bra
sileira, foi caracterizado pelo recuo do crédito e pelo retorno
à política deflacionária federal a partir de 1924. Os relatórios
do Banco Nacional do Comérciono, do Banco da Província do
Rio Grande do SuPn e do Banco Pelotenseii2 não cessavam,
no imediato pós-guerra, de mencionar as dificuldades finan
ceiras do período de recessão que se iniciava, marcado pela
retração dos mercados consumidores e pela escassez do
dinheiro.
Neste período, uma das medidas levadas a efeito pelo
governo federal foi a elevação dos impostos de consumo, ten
do em vista as necessidades de arrecadação fiscal, que cor
roborou para o aumento das dificuldades enfrentadas pelas
pequenas unidades de produção. A década de 20 foi assim
marcada pela concentração de capitais e pela diminuição do
número de empresas. Em termos da realidade gaúcha, a eta
pa foi marcada pela ampliação das firmas de maior porte, já
existentes, que realizaram aumentos de capital e investiram
em aquisição de tecnologia no exterior, uma vez restabeleci
das as condições de câmbio favorável. Retomava-se, assim,
o período de recessão e concentração empresarial.
A concentração empresarial é um fenômeno que não se
prende, necessariamente, aos momentos chamados de reces
são, mas que, indiscutivelmente, se acentua no decorrer de
períodos de aumento da capacidade produtiva. A concentra
ção empresarial marca o processo de incorporação das peque
nas empresas pelas maiores ou a associação de pequenas uni
dades numa firma só, de proporções mais amplas.
No setor da produção do fumo, em 1919 6 pequenos
estabelecimentos de Santa Cruz reuniram-se para formar a
Companhia de Fumos Santa Cruz, face à concorrência da pro
dução americana de cigarros no mercado interno gaúcho e
também à entrada no Rio Grande do Sul da British American
Tobacco, que em 1918 se instalara na mesma localidade.

110 Relatórios da Diretoria do Banco Nacional do Comércio, 1 920/1 922.


111 Relatório da Diretoria do Banco da Província do Rio Grande do Sul,
1920. Porto Alegre, Globo, 1921.
112 Relatório da Diretoria do Banco Pelotense, 1920, Apud Revista do Co
mércio e Indústria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, mar. 1 921. n.
3. p. 123.

98
No ramo cervejeiro, as empresas do centro do país —
Brahma, do Rio de Janeiro, e Antártica Paulista, de São Paulo
— tentaram firmar pé no mercado gaúcho no período pós-
guerra. A solução encontrada foi a fusão das três grandes cer
vejarias de Porto Alegre — Bopp, Sassen e Ritter — numa úni
ca empresa, em 1924. A formação da Cervejaria Continen
tal, rparcando claramente o processo de concentração empre
sarial em curso, praticamente aniquilou as condições de con
corrência das demais cervejarias da capital ou próximas dela.
A nova empresa ampliou suas instalações e aperfeiçoou-se
tecnicamente. Passou a contar com 10 câmaras frigoríficas
para refrigeração das cervejas em barris e para o fabrico do
gelo. A Continental passou a dominar o mercado estadual, ten
do seus produtos ampla aceitação. Paralelamente à fabrica
ção da cerveja e do gelo, a nova empresa industrializou o gás
carbônico produzido pela fermentação da cerveja.
No setor moageiro, em 1924 o poderoso grupo interna
cional Bunge and Born passou a operar no estado, no setor
de fabricação de farinha de trigo, através da aquisição da re
de dos Moinhos Rio-Grandenses, de Albino Cunha, estabele
cida nas cidades de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, bem
como do Moinho Porto-alegrense, de Chaves & Irmão. A par
tir daí, constituiu-se a S. A. Moinhos Rio-grandenses, com se
de em Porto Alegre e filiais no interior.
O estabelecimento de empresas estrangeiras no Rio
Grande do Sul já se vinha processando desde a época da guer
ra, embora em proporções mais modestas que em outras re
giões do país.
O capital estrangeiro tanto instalou indústrias paralelas
às nacionais (caso da BritishTobacco, no setor do fumo) quan
to implantou novos ramos, como o da carne frigorificáda. Em'
1917, as empresas americanas Swift e Armour instalaram-
se em Rio Grande e Santana do Livramento, respectivamen
te. Em 1918, instalou-se em Santana a firma norte-americana
Wilson, e em 1921 a empresa britânica Vestey Brothers (An-
glo) adquiriu o Frigorífico Rio-grandense, que os pecuaristas
locais haviam inaugurado em Pelotas, em 1917, sem jamais
ter chegado a operar em larga escalais.

113 Ver, a propósito da entrada dos frigoríficos estrangeiros, Pesavento,


República Velha..., op. cit.

99
Em 1929 ocorreu a primeira fusão de empresas de que
se tem notícias no setor de calçados, quando quatro firmas
do Vale do Rio dos Sinos uniram-se formando a empresa de
calçados Haas 8. A. — Indústria e Comércio de Novo
Hamburgoii4.

Na industrialização da banha, em 1928, das 38 refina


rias existentes no estado restavam 26, todas remodeladas
quanto à tecnologia.
No ramo têxtil. Porto Alegre teve, na década de 20, suas
indústrias de fiação reduzidas de 10 para 3, comparativamente
ao período anterioriis^ o que vem demonstrar a falência das
pequenas empresas e/ou a sua absorção pelas maiores.
A Companhia Fiação e Tecidos Progresso da Fronteira,
de Uruguaiana, com a Guerra fora impedida de implantar o se
tor de fiação, atuando apenas como tecelagem. Em 1919,
foi vendida à Companhia União Fabril, que transportou as má
quinas para Rio Grande.
A firma Ruschel, Irmão & Thiel, instalada em Estrela, em
1914, com capital de 60 contos de réis para fiação e tecela
gem de casimiras e flanelas, encontrava dificuldade na épo
ca da Guerra de adquirir corantes no exterior; no ano de 1917,
foi vendida para a firma Chaves Irmãos, integrante do Lanifí-
cio São Pedro, de Gaiópolis.
Note-se, no caso, o duplo efeito da guerra: o estímulo
à formação de empresas, de maior ou menor porte, conjuga
do às dificuldades de importação, desembocando na incorpo
ração das empresas em dificuldades por aquelas melhor
aparelhadas.
A este respeito, dizia em 1922 o governo estadual:

Em 1 921, fecharam-se mais ou menos 820 pequenas fábricas


que não puderam resistir à agravação sucessiva dos impostos
federais de consumo. Entretanto, houve aumento de capital e
da produção, no número de operários e na força motriz.''''®

114 Achyles Barcelos da Costa, A Concentração Econômica na Indústria


de Calçados do Vale dos Sinos Porto Alegre, UFRGS/IEPE, 1978.
115 Anuário Estatístico do Estado do Rio Grande do Sul, 1925-1926-1927.
op. cit. p. 772.
116 Mensagem presidencial de 1922. p. 86.

100
Dentro deste contexto, acham-se os aumentos de capi
tal realizados por certas empresas no período pós-guerra
ACompanhia Fiação e Tecidos Porto-alegrense e a Com
panhia de Tecelagem Italo-Brasileira tiveram seu capital au
mentado para 3.000:000S000. A Renner, por seu lado, pas
sou a integralizar 1.000:000$000 em 1919, 2.500:0005000
em 1922, 5.000:0005000 em 1925, 6.500:0005000 em
1928 e 8.250:0005000 em 1929118. a empresa passara, na
década de 20, a produzir tecidos de meia-estação, como a ca-
simira, abandonando a fabricação exclusiva de tecidos de lã,
com o que pretendia garantir a sua posição no mercado
nacional.
No setor metal-mecânico, a Wallig, em 1920, adquiria no
vas máquinas, aumentando a capacidade produtiva da indús
tria. Da oficina que começara a operar em 1904, com um pe
queno capital de 5:0005000 e 8 operários, ocupando uma
área de 100m2, a empresa, em 1920, aumentou seu capital
para 2.000:0005000 e passou a contar com 110 máquinas,
acionadas por 10 motores elétricos e 160 operários, ocupan
do uma área de 8.000m2 ii9.
Por seu lado, as indústrias Berta, em 1922, já trabalha
vam livres da importação estrangeira, fabricando em suas ofi
cinas todas as peças e máquinas de que tinha necessidade.
Por esta época, fora conseguida uma inovação técnica espe
cial, que dotara os cofres Berta de uma fechadura giratória
fora do alcance do fogo, de grande aceitação entre os
bancosi20.

Em especial, a déca^ia de 20 assistiu ao grande desen


volvimento das metalúrgicas da área colonial italiana, que pas
saram a equiparar-se, algumas delas, àquelas de propriadade
de teuto-brasileiros, as maiores do estado (Berta, Becker, Wal
lig). Formava-se, nucleado em Caxias do Sul, um importante
centro industrial, representado por Dalle Molle, De Antoni,
Eberle.

117 Correio do Povo. Porto Alegre, 1.° fev. 1919. p.5.


118 Fiação e Tecelagem no Rio Grande do Sul. Palestra de A.J.Renner no
Rotary Club. Correio do Povo. Porto Alegre, 11 ago. 1932. p.7.
119 Pimentel, Aspectos Gerais..., op.cit., p.380.
120 Erich Pausei. Alberto Bins, o Merlense Brasileiro.São Leopoldo, Ro-
termund, s.d. p.9.

101
o maior destaque, contudo, continuaria cabendo à Eber-
le, que em 1923, por ocasião da inauguração da primeira for
jaria, possuía um capital de 1.000:0005000, chegando aos
2.000:0005000 em 1929.
Na produção de vinho, as grandes cantinas intensifica
ram nesta década a aquisição de tecnologia do exterior. Com
máquinas adquiridas na Itália, Peterlongo passou a produzir
vinho engarrafado; Dreher comprou na Alemanha, na Suíça
e no norte da Itália, no ano de 1927, aperfeiçoada maquina
ria para sua empresa; e Mosele, por esta época, já possuía
uma concentradora para extração de sucos e autoclaves pa
ra produção de champanhe, tendo contratado técnicos estran
geiros para operá-las.
Não se quer com isto, todavia, caracterizar todas as ci
tadas empresas com uma conotação fabril tal como esta foi
analisada por Marx em O Capital, mas, sem dúvida alguma,
elas representaram a forma de realização do capital industrial
ou da existência da fábrica nas condições brasileiras e, parti
cularmente, rio-grandenses.
Com a introdução da mecanização, o operário perdejrxb
gressivamente o controle sobre o processo produtivo, deixan-
do de ter sentido a sua virtualidade técnica, característica da
fase artesanal manufatureira. Com esta desqualificação do tra
balho, torna-se fácil a substituição de um operário por outro
e rebaixa-se o valor da força-trabalho. Por outro lado, acentua-
*< se a dependência daquela outra classe de assalariados, mais
qualificada, com funções de supervisão e de controle dos ope
rários e das máquinas. Sendo tal tipo de empregado melhor
remunerado, a fábrica implica um processo de desqualifica-
tr x> ção/qualificação da força-trabalho, criando uma hierarquia da
u

«v'^
mão-de-obra no interior da empresa. Desta forma, a introdu
</ ção da máquina no processo produtivo não se restringe ape
otl^- nas aos aspectos mais propriamente "econômicos", de ele
vação da produtividade - produzir mais em menor tempo -; fun
damentalmente, ela marca o total distanciamento do traba
lhador direto dos meios de produção, desqualificando a sua
atividade e contribuindo para o aviltamento da sua remunera
ção. Em suma, como forma acabada de produção capitalista,
a fábrica amplia a acumulação, estabelecendo a possibilida
de de extração da mais-valia relativa.
A produção mecanizada, ao suprimir o contato entre o
trabalhador e o objeto de trabalho, subverte as condições do

102
ato de produzir: não são mais os meios de produção que se
adaptam ao operário, que os submete mediante sua técnica
particular, ou seja, a habilidade manual que o mesmo adqui
riu através de um aprendizado; agora é o trabalhador que de
ve adaptar-se à tecnologia que a ele se impõe através da
máquina.
Ora, o avanço das forças produtivas que se verifica na
passagem da manufatura para a fábrica não é um processo
linear e automático, embora seja esta uma tendência presen
te no modo de produção capitalista. Ou seja, não é o apareci
mento de uma máquina no interior de uma empresa manufa-
tureira que vai transformar completamente o processo de tra
balho, torná-lo uma atividade fabril propriamente dita, até mes
mo porque subsistem e mesmo são mais significativas para
a produção formas não mecanizadas de transformação da
matéria-prima, que dependem da habilidade manual do
operário.
Já se viu que historicamente podem coexistir dentro de
uma mesma empresa o trabalho executado pelas ferramen
tas simples do artesão e a produção mecanizada como a que
se inicia nos primórdios da industrialização no Brasil. Da mes
ma forma, como já foi anteriormente afirmado, não ocorre no
processo de industrialização brasileiro e gaúcho uma etapa cla
ramente delimitada que marque a "passagem" da manufatu
ra para a fábrica. Nem todos os ramos se desenvolveram de
maneira igual e ao mesmo tempo; mesmo dentro de um só
ramo coexistiram empresas manufatureiras com unidades de
finidamente fabris.
Assim, pode-se afirmar quç a indústria gaúcha se carac
terizou, no período de 1889 a 1930, pelo predomínio das pe
quenas empresas com relação ao total dos estabelecimentos
do setor industrial, mas a liderança do processo ficou por conta
de um certo número de empresas maiores, com peso econô
mico significativo no conjunto.
Embora se possa estabelecer uma sucessão de fases dis
tintas para o processo de industrialização no Brasil, balizado
.y\
pelas alterações do câmbio e pelos rumos da política
'econõmico-financeira federãT- com uma ocorrência alterna-
dãUe surtos produtivos, caracterizados ora pela expansão da
capacidade produtiva, ora pela aceleração da produção -, há
que se ter em conta algumas considerações.

103
A rigor, não há surtos definidamente favoráveis ou des
favoráveis para a industrialização; na verdade, alternam-se fa
ses em que a burguesia investe mais em bens de capital e au
menta a capacidade produtiva da empresa e fases em que is
to se torna mais difícil. As pequenas empresas tendem a pro
liferar nos períodos de câmbio baixo (Encilhamento e I Guer
ra), mas também são favorecidas, ao longo de toda a Repú
blica Velha, pelas condições de falta de maior integração do
mercado nacional, condicionado por uma precária infra-
estrutura de transportes. Desta forma, as demandas locais e
- regionais tendiam, em parte, a ser supridas por estas peque
nas empresas. Por outro lado, desde os primórdios do proces
so de industrialização, determinadas empresas seguiram um
crescimento praticamente ininterrupto, adquirindo tecnologia,
incorporando força-trabalho, aumentando o capital, diversifi
cando a produção. Tais empresas já nasceram grandes ou sur
giram em proporções mais modestas e, por processos de agre
gação de novos sócios, aproveitamento das oscilações da po
lítica econômica ou realização de atividades mercantis para
lelas, foram aos poucos crescendo. Para tais empresas
orientaram-se as poucas chances do capital financeiro da épo
ca, mesmo porque, entre os seus incorporadores, havia ban
queiros ou elementos ligados a companhias de seguros e
investimentos.
Apesar de este panorama industrial ser quantitativamen
te dominado pelos pequenos estabelecimentos, seu pólo di
nâmico foi a presença qualitativa do grande capital industrial,
responsável pelas principais alterações econômicas do setor
e pela modernização do parque fabril do estado.
De uma forma ou de outra o universo industrial gaúcho
caracterizou-se por ser bastante diversificado, com predomí
nio das empresas beneficiadoras da matéria-prima de origem
agropecuária. Frente a este predomínio, o ramo metal-
mecânico apresentou um desempenho modesto, porém es
tável, estando seus principais estabelecimentos entre aque
les que ocuparam a liderança do processo de industrialização
no estado.
É a partir da grande empresa que se define a presença
de uma elite industrial, grupo consolidado economicamente
que conduziu a defesa dos interesses do setor enquanto fra
ção de classe, tendo sido ainda responsável pela sua identifi-

104
cação enquanto grupo distinto no conjunto da classe domi
nante no estado.
Esta liderança empresarial, com origens sociais marca
das pela influência imigrante e pela presença do capital mer
cantil, constituiu-se basicamente de grupos familiares, entre
laçados entre si por casamentos; a partir da primeira década
do sec. XX, tal liderança passou a enviar seus descendentes
à Europa e aos Estados Unidos para lá adquirirem experiência
profissional e conhecimentos.

105
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A República Velha gaúcha inseriu-se no processo de tran
sição de um predomínio quase que exclusivamente agrário pa
ra uma nova situação na qual começaram a se fazer sentir as
pressões de uma nova ordem urbano-industrial emergente. Tal/
constatação, porém, não invalida a idéia de que o contextoV
geral, não apenas da região como do país como um todo, con-j
tinuasse predominantemente agrário. No decorrer da Primei-,
ra República brasileira, os industriais, que viviam o seu mo-/
mento de afirmação, tiveram sua atuação inserida e delimita-S
da nos quadros de um estado oligárquico, conduzido segun-i
do os interesses de uma burguesia agrária.
O que se coloca em questão, todavia, é que as generali
zações feitas para a República Velha como um todo não dão
conta da heterogeneidade dos setores agrários nas diferen
tes regiões do país nem das composições específicas que são
feitas, regionalmente, com as frações não-agrárias da burgue
sia nacional. Para fins deste estudo, importa acompanhar o
processo de complementaridade e diferenciação da nascente
burguesia industrial gaúcha frente os grupos agrários, parti
cularmente aquela fração no poder, identificada com o parti
do situacionista.
A análise da questão envolve duas facetas: a da com
plementaridade, que identifica ponderáveis interesses comuns
para a burguesia industrial e para os demais produtores do Rio
Grande, e a da diferenciação, que identifica interesses espe
cíficos para a fração de classe industrial, que podem entrar
ou não em conflito com os grupos agrários. j
Parte-se do princípio de que o autoritarismo ilustrado que
governou o Rio Grande no decorrer da República Velha nãoi
era total ou exclusivamente agrário, mas oue a modernização/
pretendida incluía também o setor industrial. Assim, este es-l
109
tudo pretende afirmar que o PRR não apenas acolheu o viés
do desenvolvimento industrial entre suas metas, como bus
cou solidificar suas alianças com esta fração da burguesia,
com os empresários arregimentando-se no partido da situa
ção e utilizando-se dos seus canais para realizarem reivindi
cações específicas do setor.

2.1 A burguesia à sombra de Comte

Como se viu, as condições históricas objetivas locais


- moldaram no Rio Grande do Sul uma base qualitativa e quan
titativamente diferenciada daquela do complexo cafeeiro no
que diz respeito ao processo de transição capitalista que ge
inaugurava no país.
Na virada do século, àqueles fatores econômico-sociais
acima referidos, tomados como pressupostos básicos para a
existência do capitalismo (capital, força-trabalho livre, tecno
logia, mercado, matéria-prima) veio sé acrescentar o suporte
político-institucional proporcionado pela República, mais es
pecificamente pelo Partido Republicano Rio-grandense (PRR).
Com muita propriedade, Décio Saes resgata a formação
Hn FstaHn hiirqi|&g nn Rrasil como um Hns aspecto§JÍaj£vo-
lucão burguesa no seu sentidõ~àrrTpíõ^
[...] entendida esta como o conjunto dos aspectos - formação
de novasrelações de produção, novasformas de divisão do tra
balho, novas classes sociais, uma nova ideologia dominante,
uma nova estrutura do Estado-da passagem ao capitalismo.^

Avançando na sua análise, Saes afirma que ".só o Esta


do burguês torna possível a reprodução das relações de pro
dução capitalista"2, criando as condições ideológicas necesT
sárias àquele processo, através de urna duola função: a indj:
^ N^vidualização dos agentes de produção, mediante a sua corv
^ versão em pessoas jurídicas, que "livremente" estabelecem
tiP ^ entre si um contrato. 9 a neutralização, no produtor direto,
jHp^uma tfindênr.ia à ação coletiva3. Nesta segunda modalida-
ÍT
^ Décio Saes. AFormação do Estado Burguês no Brasil (1888-1891).
^ Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985. p.16.
Saes, op.cit., p.32.
V* 3 Ibidem, p.32-3.

110
de, o Estado busca substituir a noção de classe social pela
de povo, o que elimina as diferenças sociais e uniformiza as
aspirações e interesses em torno da idéia de nação,

Com tais considerações, Saes resgata para a análise a


dimensão jurídico-política e burocrático-administrativa que as
seguram o domínio e o poder burguês no decorrer do proces
so de transição capitalista que, no Brasil, foi dado pela emer
gência da República.

A dimensão social desta atuação do Estado, na sua re


lação com os trabalhadores e o empresariado, foi analisada
por mim em outra obra"^. Trata-se agora de resgatar o Esta
do burguês, enquanto agente promotor do capitalismo, na sua Q
dimensão de "locus" onde se viabilizam os interesses do em- ^
presariado em confronto ou composição com as demais fra- ^
ções burguesas.

Os interesses industriais, ou as preocupações "progres


sistas", com a introdução de novas formas produtivas não
estiveram ausentes dos governos provinciais no período
imperial.

Sabe-se que a camada dominante gaúcha, constituída


de estancieiros e charqueadores, não teve condições de pro
mover uma imigração sistemática de força-trabalho livre, tal
como São Paulo, para o atendimento das necessidades do
charque, nem dispôs de capital suficiente para uma renova
ção tecnológica que permitisse a substituição do saladeiro por
uma forma mais avançada de beneficiar a carne^. As inúme
ras discussões travadas no âmbito da Assembléia Provincial,
no sentido de criar incentivos fiscais a empresas que quises
sem se estabelecer no Rio Grande com processos modernos'
de transformação da carne, atestam que este era um proble-

Trata-se de outra parte de minha tese de doutorado, publicada sob o


título: Sandra Jatahy Pesavento, A Burguesia Gaúcha: Dominação do
Capitai e Disciplina do Trabalho.RS: 1889-1930. Porto Alegre, Mer
cado Aberto, 1 988.
Consultar, para esta questão: Fernando Henrique Cardoso, Capitalis
mo e Escravidão no Brasil Meridional. São Paulo, DifeI, 1 962.; Sandra
Jatahy Pesavento, Pecuária e Indústria; formas de realização do capi
talismo no Rio Grande do Sul no século XIX. Porto Alegre, UFRGS,
1983. (xerografado)

111
ma e uma meta desejada pelos pecuaristas, a exemplo do que
ocorria no Prata®.
Na verdade, tanto o governo imperial quanto a Assern-
bléia Provincial concederam privilégios para incentivar a di-
namização do setor de beneficiamento da carne, com a dife
rença de que, no âmbito provincial, a Assembléia se antece
deu à iniciativa privada, e o poder imperial atendeu à solicita
ção de interessados.
Entretanto, estes projetos não frutificaram no sentido
de promover a instalação, de forma definitiva, de unidadès pro
dutoras capazes de substituir a velha charqueada, revelando
tanto a descapitalização dos investidores locais quanto o de
sinteresse do capital internacional em se instalar na província
para estes fins.
No tocante às manufaturas, que começaram a surgir a
partir da segunda metade do século XIX, a Assembléia Pro
vincial, onde pontificavam os pecuaristas, atendeu a algumas
esporádicas solicitações de interessados, sem que contudo
se tenha notícia do resultado destas iniciativas. Refere Me
deiros, citando dados do "Mapa Estatístico da Despesa Qua
lificada da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul"., de
aproximadamente 1864:

Umalei de 1848 isenta de impostos a fábrica de fósforo de Fran


cisco Farault. Entre outros tantos estímulos em 1853 são des
tinados 2 contos de réis a José Antonio Rodrigues Ferreira pa
ra montar a fábrica de gás; 8 contos a Carlos Moré, em 1856,
para a fábrica de sabão e óleos; 10 contos a Luís Azambuja,
em 1857, para a fábrica de produtos químicos; em vários anos,
no mesmo decênio, cerca de 10 contos para compra, na Bahia,
de duas máquinas de fazer farinha e ainda 4 contos para a fá
brica de couros envernizados (Porto Alegre).^

Dentro de uma concepção patrimonial de poder, era cos


tume do governo imperial distribuir comendas àqueles que se
destacassem. Os industriais da época, no caso, representa-

Consultar, a propósito do tema: José Pedro Barran & Benjamin Nahum,


História rural dei Uruguay moderno. Montevidéu, Ediciones de Ia Ban
da Oriental, 1977 t.l/lll. Mário Dotta et alii. El Uruguay ganadero. Mon
tevidéu, Ediciones de Ia Banda Oriental, 1972.
Laudelino Medeiros. A Formação da Sociedade Rio-Grandense. Porto
Alegre, UFRGS, 1975. p.33.

112
vam um importante setor de acumulação de capital que des
pontava. Enquanto que os charqüeadores que libertavam os
escravos tornavam-se "barões do império", os "capitães" da
indústria recebiam comendas. Philip Keller, pioneiro na pro
víncia na fabricação de tecidos de linho, estabelecido em Mon-
tenegro em 1866, obteve a mercê de cavaleiro da Imperial
Ordem da Rosa^. Por sua atuação no setor industrial, como
proprietário da primeira fábrica de tecidos de lã na província
e no Brasil, Carlos Guilherme Rheingantz foi agraciado com
a mesma comenda pelo Imperador^. Detentores de comen
das concedidas pela monarquia foram ainda os empresários
Gustavo Poock e Antonio Chaves Barcellos.
Todavia, tais "incentivos" não devem ser superestima
dos no interior de uma ordem predominantemente comanda
da pelos interesses agrários e onde, paralelamente, recém se
estavam constituindo os pressupostos estruturais para a for
mação do capitalismo.
É realmente na transição da Monarquia para a Repúbli
ca e na reorientação do pacto dominante de classes^que se
forjariam melhores condições institucionais para o desenvol
vimento industrial.
O PRR tanto agregou os empresários das fábricas nas- /
centes entre os seus quadros quanto contemplou a indústriaY
entre as suas metas. A aliança forjada por Castilhos e conti
nuada por Borges de Medeiros não apenas conduziu, mas
manteve o partido no poder ao longo de 40 anos de Repúbli
ca Velha.
O segredo da sua permanência no poder, mantendo afas
tada do governo local uma significativa e importante facção
dos pecuaristas, não pode ser buscado apenas nos aparatos
de coerção, como, por exemplo, as ligações do PRR com o -
exército ou os significativos contingentes da Brigada Militar.
É preciso resgatar justamente os mecanismos de consenso
que presidiram aquela aliança e que a legitimaram, sustentan
do o PRR no seu controle do poder político estadual.
Ora, quer parecer que o PRR, na busca de ampliação da
sua base política, estabeleceu compromissos e barganhas de
molde a atender variados interesses que o apoiaram, sendo

8 Catálogo da Exposição de 1901. Porto Alegre, Gundiach & Becker,


1901.
9 Ibidem.

113
os do capital os mais privilegiados. Para tanto, o PRR forjou
A\ para o Rio Grande uma proposta progressista e burguesa, me-
W 1diante a qual o desenvolvimento da econornla_dar-seHa_sem
é lalterações da ordem social, consolidando com isso a domina-
Içãõ-do capital sobre o trabalho. O arcabouço político-
institucional republicano procurou promover o crescimento
multilateral da economia gaúcha, com o que procurava aten
der 0 dava resposta aos diferentes setores sociais oue com
punham aquela aliança política.
A chamada aliança castilhista representou um acerto en
tre frações agrárias e não-agrárias da burguesia local que, em
associação com elementos da classe média urbana e setores
do colonato, apostaram num projeto de desenvolvimento glo
bal e capitalista para o Rio Grande.
Neste contexto, a incorporação do empresariado era vi
tal, tanto para a dinamização da economia do Estado, dando-
lhe um caráter "moderno" e "progressista", quanto para con-
trarrestar a força da oposição maragato-libertadora, de nítida
extração agrária e que precisava ser mantida alijada do poder.
NaA/erdade, na clivagem político-ideológica que se con
figurava no estado rio-grandense da República Velha,
confrontavam-se duas propostas distintas da reorientação da
sociedade: a republicana (pica-pau, após chimanga), que,
apoiada na matriz positivista, propunha um desenvolvimento
global da economia gaúcha através de um governo autoritá
rio, a maragato-libertadora, que se orientava pela identifica
ção do Rio Grande com a sua matriz agrário-pecuarista e que
propunha, em nível político, uma forma de governo liberal e
"democrática".
A matriz orientadora da conduta político-administrativa
dos republicanos no Rio Grande foi, como é sabido, o ideário
positivista.
Cabe referir que a apropriação de idéias por parte de um
grupo que não foi o seu portador original envolve uma corres
pondência entre interesses sociais concretos e a sua repre
sentação simbólica, sob a forma de conceitos e juízos. O fato
de no Brasil e, particularmente, no Rio Grande do Sul não ha
ver na época um capitalismo desenvolvido ou uma burguesia
forte, tal como na Europa, não encerra, no caso, uma contra
dição entre pensar e agir, ou entre atores sociais e represen
tação ideológica. A adoção - ou o endosso seletivo - do ideá-
114
rio positivista não implicá deslocamento, pois "as idéias es
tão sempre no lugar"io.
No caso gaúcho, é o grupo que espera ultimar um proje
to de dominação que adota idéias que justifiquem e tornem
coerente um projeto burguês, viabilizado por um governo au
toritário, apoiado numa rígida estrutura partidária.
O positivismo parte do pressuposto de que os interes
ses sociais antagônicos podem e devem ser conciliados'''', e
para tanto despoja-se o Estado do seu conteúdo de classe,
de expressão e manutenção da supremacia de um grupo so
bre os demais. Nesta medida, a concepção de Estado com-
tiana é aquela típica da ideologia burguesa, que o apresenta
como que descolado da sociedade, agindo em função do bem
comum. Note-se, contudo, que esta é a forma do "aparecer
social": se tal visão foi elaborada, é porque havia um reco
nhecimento explícito das diferenças sociais e da necessida
de de minimizar o conflito em função dos interesses do
capitan2.
Portanto, a concepção comtiana retira do Estado sua ca
racterística classista e mantém apenas seu conteúdo técni
co, de assegurar a preservação da ordem e garantir o progres
so da vida material. O Estado é, pois, concebido como a insti
tuição necessária para remover os entraves ao livre desenvol
vimento das forças econômicas e proteger a produção, sem
que, contudo, seja ele mesmo um produtor. A própria política
é entendida como a ciência prática que habilita aos homens
reconhecer os meios necessários para impedir que a produ
ção seja perturbada.
Evidentemente, nesta concepção está implícito que a so
ciedade deva ser organizada em função dos interesses dos
produtores, e só à luz deste princípio é que se deve entender
a questão moral de que o regime público consiste na "dedi-

10 A referência é feita, no caso, por alusão ao conhecido e polêmico tex


to de Roberto Schwartz, "As idéias fora do lugar" (Estudos Cebrap
3, jan. 1973), e às críticas que se seguiram, como a de Maria Sylvia
Carvalho Franco, "As idéias estão no lugar" {Cadernos de Debate, São
Paulo, Brasiliense, 1976).
11 Augusto Comte, Problemas Sociais; sua solução positiva. Trad. Má
rio Cardoso Carneiro. Rio de Janeiro, Emiel, 1940.
12 Apud Irving Zeitiing, Ideologia y teoria sociológica.Trad Nestor A. Mí-
guez. Buenos Aires, Amorrurtu, 1973.

115
cação dos fortes pelos fracos" e na "veneração dos fracos
peíos fortes". Amáxima comtista tem, no caso, um inegável
componente autoritário:

Nenhuma sociedade pode perdurar se os inferiores não respei


tarem os superiores. [...] Não é possível assegurar a dedicação
dos fortes aos fracos senão pelo advento de uma classe de for
tes que só possa obter ascendente social devotando-se aos fra
cos, em virtude da livre veneração destes. 3

O autoritarismo do mando atenua-se, contudo, em ra


zão da legitimação do governo dos mais aptos, que só ocu
pariam aquela função tendo em vista o bem comum.
No chamado estágio positivo, caracterizado pelo prima
do da razão e da ciência, os detentores do conhecimento cien
tífico é que comandavam a sociedade. Ou seja, o domínio da
política era um direito dos sábios e a execução prática tarefa
de administradores e técnicos^^. Nesta medida, legitima-se
o governo autoritário de uma minoria esclarecida, formada pe
los mais habilitados para conseguir as metas máximas do po
sitivismo: o progresso econômico e a manutenção da ordem
social. Na prática, este grupo desdobra-se em dois agentes
sociais: a elite dos sábios (os políticos) e os empresários in
dustriais. A questão vai mais além: pressupõe-se o empresá
rio como homo oeconomicus,, que no mundo da produção é
o responsável pelo progresso e, no seu espaço de ação, à sua
maneira, deve também garantir a ordem, suplantando o con
flito com o trabalho. O governante é, por seu turno, o homo
politicus, que orienta, guia e administra em consonância com
os interesses da esfera privada.
Entretanto, interesses contrapostos conduzem ao con
flito social, cuja solução não compete apenas à iniciativa par
ticular, mas também ao governois, cujos instrumentos bási
cos de realização eram a moral e a educação^®.

13 Augusto Comte, Catecismo Positivista. Trad. Miguel Lemos. Rio de


Janeiro, s.ed., 1934. p. 358-9.
14 Marilena Chauí, O Que é Ideologia. 1. ed. São Paulo, Brasiliense, 1981.
p. 28.
15 Nelson Boeira, As Idéias Econômicas do Jovem Comte. (manuscrito).
16 Augusto Comte, Discurso sobre o espírito positivo. Trad. José Arthur
Giannotti e Miguel Lemos. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural,
1978.

116
Neste sentido, a ciência, a educação e a moral se con
vertem num instrumento poderoso de controle social e de vei-
culação ideológica de uma forma específica de reorientação
da sociedade, na qual os indivíduos devem se apresentar des
pidos de seus interesses egoístas e particulares, neutralizando-
se assim o conflito em função da garantia da estabilidade so
cial e do chamado "bem comum". O bom cidadão, com con
duta moral adequada à ordem burguesa e adestrado pelo pro
cesso educacional à disciplina e ao trabalho, proporcionando
o lucro do capitalista, seria o produto final deste conjunto de
práticas.

Neste ponto, Comte distancia-se do liberalismo do sé


culo XIX e dos seus arautos no plano da política e da econo
mia, oferecendo um modelo racionalizado, autoritário e inter-
vencionista de reorientação da sociedade em favor da burgue
sia. Na ordem positiva, os "novos chefes passaram a ser, no
espiritual, os cientistas e, no temporal, os industriais"^^.
Deste conjunto de idéias, elaboradas a partir de uma ou
tra realidade histórica, os republicanos gaúchos realizaram um
endosso seletivo de princípios, elaborando uma estratégia ou
projeto regional para o Rio Grande.

Em termos propriamente econômicos, a idéia do progres


so traduzia-se numa proposta de desenvolvimento das forças
produtivas na província que atendesse a todos os setores da
economia. Em outras palavras, o PRR oferecia um projeto de
constituir no Rio Grande uma base econômica alternativa ao
predomínio absoluto da pecuária. Ao incorporar novas áreas
e setores, procurava corresponder à satisfação de distintos
interesses presentes na sociedade rio-grandense, que sofre
rá uma diversificação significativa.

Como forma de conseguir este desenvolvimento global


e equilibrado da economia,,o PRR dispunha-se a encarar co
mo prioritária a questão dos transportes e a eliminar os privi
légios a este ou àquele setor de produção em especial. Desta
forma, tentando solucionar problemas da órbita da circulação
de mercadorias, o PRR ia ao encontro dos diferentes setores

17 Augusto Comte, Sociologia. Trad. Evaristo de Moraes Filho. São Pau


lo, Ática, 1978. p. 14.

117
produtivos do Estado, beneficiando a economia gaúcha co
mo um todo e respondendo aos variados grupos sociais nela
envolvidos''^.
Por outro lado, o fato de não querer admitir privilégios
deste ou daquele setor em especial vinha responder à neces
sidade política de manter unidos em torno da proposta parti
dária republicana os tais grupos econômicos diferenciados.
Admitida a subordinação da prática à teoria, postulado
de nítida inspiração comtiana, o PRR empenhar-se-ia na tare
fa de promover a racionalização da produção como forma de
obter o progresso econômico. Esta racionalização dos seto
res produtivos seria obtida pela aplicação na economia dos
mais recentes processos de produção conseguidos através
dos avanços da ciência. Para isso, tornavam-se necessárias
a adoção, pelos empresários, dessas novas e racionais for
mas de produzir e a remoção, pelo Estado, dos entraves a es
sa modernização, a fim de facilitar os meios para que este pro
gresso se desse.
Por outro lado, para que o desenvolvimento harmônico
de todas as atividades econômicas do Rio Grande do Sul fos
se atingido, fazia-se necessária a conservação da ordem so
cial. Neste ponto, o PRR apresentava-se como defensor dos
produtores, englobando nesta categoria não apenas os deten
tores do capital como também os trabalhadores diretos. Ao
mesmo tempo em que procurava garantir a acumulação pri
vada de capitais — postulando que o Estado seria tão rico
quanto maior fosse a fortuna privada de seus cidadãos —,
o PRR afirmava ser da "ordem natural" das coisas a existên
cia de ricos e pobres. Empresários e operários, ambos produ
tores, contribuíam cada qual de uma maneira para o progres
so, e o trabalho executado pelo produtor direto encontrava
seu justo preço no salário liberalmente concedido pelo patrão.
O entendimento da questão econômico-social é, iminen
temente, progressista-conservador: ao mesmo tempo, pos
tula o desenvolvimento econômico e pressupõe a defesa de
posições adquiridas, negando o conflito social.
Diante desta proposta, torna-se compreensível a possi
bilidade de adesão ao partido daqueles grupos detentores do
grande capital —industrial, comercial e financeiro —, bem co-

18 Pesavento, A Burguesia... op. cit.

118
mo dos colonos de origem imigrante, interessados na preser
vação de seu patrimônio. Assim, estabelecia-se uma aliança
entre frações não-agrárias e agrárias de uma burguesia em pro
cesso de formação. Afirmava-se, na teoria, a solidariedade de
interesses entre todos os membros do corpo social; na práti
ca, asseguravam-se os interesses econômicos dos detento
res do capital e, particularmente, daquela fração que melhor
encarnava o progresso: a burguesia industrial.
Em termos propriamente políticos, a proposta positivis
ta de república foi a da constituição de um governo autoritá
rio e centralizado, ficando o poder entregue a uma elite diri
gente, filiada ao partido. Ora, como se viu, segundo a proposta
positivista, há uma clara distinção entre os que detêm o sa
ber técnico-científico e, por conseqüência, estão melhor ha
bilitados para comandar, e o restante da sociedade, que deve
obedecer. Esta postura autoritária de mando é, contudo, sua
vizada pela apresentação de um Estado apolítico: se há uma
negação do conflito social e se não ocorre a supremacia de
uma classe sobre as outras, o Estado não tem funções políti
cas, de dominação, mas só técnicas, de administração das
coisas materiais.
Nesta perspectiva, o Estado republicano gaúcho se apre
sentava nos melhores moldes de um Estado burguês: aparen
temente neutro, não identificado com nenhuma classe social
em particular, sendo o poder exercido em função dos interes
ses da coletividade. Entretanto, é inegável que, sob a capa
de aparente neutralidade, o Estado rio-grandense sempre cor
respondeu aos interesses dos detentores do capital.

2.2 O protecionismo alfandegário: ação e omissão

Partindo-se da idéia defendida pelo PRR de que o desen


volvimento da indústria se enquadrava dentro da proposta de
progresso multilateral para o Rio Grande, o partido se apre-
V-O sentava como um veículo para as reivindicações específicas
^">do setor. D primeiro ponto a ser considerado como questão
^ O•[econômica prioritária para a indústria brasileira era a do pro-
ítecionismo. A este respeito, refere Ângela Castro Gomes:
[...] um mercado de trabalho livre tinha que ser pensado em meio
a múltiplos e complexos problemas, entre os quais figuravam,
certamente, outras necessidades da burguesia, tais como a de
119
tarifas alfandegárias, nos casos em que a industrialização tar-
^ dia importava a concorrência com outros países mais avança-
^ dos tecnicamente, 9

A questão do protecionismo, ou da atribuição de taxas


alfandegárias que beneficiassem a indústria nacional, iria
\ dHrohtar-se com proDiemas práticos e teóricos, em nTvêl nà"-
cional éTegiõnãlT Atribuição de taxar os impostos de impor-
tacão^fícara a cargo do governe federal, controlado pela bur-
guesia agroexportadora cafeeira ao longo da República Velha.
\ Ora, para este setor o protecionismo poderia acarretar,
\ Q ç. ^a prática, represálias das nações compradores dos artigos
^ ^brasileiros que eram vendidos para omercado internacional,
^ uma vez que a nação estaria colocando barreiras à entrada
de seus produtos manufaturados. O caso mais evidente se da-
^ va com relação ao maior comprador de café do Brasil, os Es
tados Unidos, que, no decorrer da República Velha, se empe
nhava para suplantar a Inglaterra e a Alemanha no envio de
produtos industrializados para o mercado interno brasileiro.
Desta forma, as arrancadas protecionistas^o tiveram freqüen
temente que se defrontar com

í...] uma ideologia ruralista que lhe fazia acusações e que de


fendia ardorosamente as 'raízes agrárias' e a 'vocação rural' de
nosso país. Oruralismo condenava o protecionismo alfandegá
rio, orientando-se neste terreno [...] pelo liberalismo.

Os defensores do 'Vuralísmo" utilizavam ainda, como


argumento, as necessidades fiscais do governo federal, que

19 Ângela Maria de Castro Gomes, Burguesia e Trabalho. Política e Le


gislação Social no Brasil; 191 7-1937. Rio deJaneiro, Campus, 1979.
p. 37.
20 Não cabe, nos limites deste trabalho, uma análise maisexaustiva do
que foi a campanha pelo protecionismo alfandegário para a indústria
em nível nacional, ou qual foi a atuação detalhada da burguesia do ei
xo Rio-Sao Pauio. Para tanto podem ser consultadas as seguintes obras:
Edgard Carone, A República Velha; instituições e classes sociais. São
Paulo, DifeI, 1970; . O Pensamento Industrial no Brasil
1880-1945. Sao Paulo, DifeI, 1977; Marisa Saenz Leme, AIdeologia
dosIndustriais Brasileiros —1919/1945. Petrópolis, Vozes, 1978; Nícia
Vilela Luz, A Lutapela Industrialização do Brasil. São Paulo Alfa Ômeoa
1975.
21 Gomes, op. cit. p. 44.

120
não poderia dispensar a cobrança dos impostos de importa
ção. Ouya constante questão levantada pelos defensores da
vocação agrária" era a de que a indústria nacional era a res
ponsável pela alta do custo de vida, ao impedir, com as tari
fas protecionistas, que o consumidor nacional tivesse aces
so a produtos estrangeiros, melhores e mais baratos.
P protecionismo advogado pelos industriais, oor seu la-
ao, tinha em vista aumentar as vendas das errm?^gi5°"p
PJoPorcionar-lhes uma garârrtia de mercado frente à coneor-
rência estrangeira.
Neste sentido, processava-se um embate ideológico en
tre uma postura "liberal" e uma "protecionista", que na ver- . . /
dade revelava a PYÍQtPnnia de interesses diferenciados entre / //i/
duas fracoLs Ha burguesia e a tentativa de ambas de mstry-
nr^entalizar o Estado em seu benefício, majTjpulando^p^lític^
financeira federal. "
7^st¥deEateque se processou ao longo da Primeira Re
pública teria também as suas repercussões em nível local, re
velando a dinâmica das composições internas do PRR e o jo
go de forças entre diferentes setores sociais. Em suma, o po
sicionamento do PRR, que abrigava no seu seio as reivindica
ções da burguesia industrial gaúcha, seguiu uma trajetória não
linear no decorrer da Velha República.
Do fim do século até a I Guerra Mundial, alternaram-se
períodos de inflação com períodos de saneamento das finan
ças brasileiras, trazendo consigo momentos propícios ou des
favoráveis à importação de manufaturados estrangeiros.
Com referência à questão protecionista, a postura do
empresariado gaúcho foi de encaminhar propostas aos repre
sentantes rio-grandenses no Congresso para que fossem ele
vados os direitos alfandegários sobre os manufaturados es
trangeiros e diminuídas as taxas sobre a entrada de
maquinaria.
Os deputados do PRR, por seu lado, seguiram, ao longo
desté período, uma tendência de defesa do protecionismo para
as indústrias, questão esta que se aliava a outras, como a da
melhor discriminação das rendas entre a União e os estados,
a da estabilização cambial e a da condenação aos privilégios.
Já nas Bases do Programa dos Candidatos Republica
nos, organizadas por ocasião do Segundo Congresso Repu
blicano de 1884, propunha-se a "perfeita discriminação da

121
economia da província da do estado", visando a uma delimi
tação mais justa da divisão das rendas que então se fazia e
que "esvaziava" a província do fruto da sua produção.
No decorrer dos trabalhos do Congresso Constituinte Fe
deral de 1891, os deputados gaúchos bateram-se pelo fede
ralismo extremado em matéria financeira. Neste sentido, re
feria Castilhos;

A Federação, para ter realização efetiva, completa, satisfató-


ria, depende da devolução aos estados, não somente dos ser
viços que lhes competem, porque são correspondentes aos seus
, , interesses da indústria. [...] podia o governo lançar mão dos mes-
que no regime, o qual tanto combatemos, eram absorvidas quase
que totalmente pelo governo central. [...] Eis o problema que
ora discutimos: é a questão da classificação das rendas, a fim
de saber-se quais as que devem pertencer à União, quais as que
devem pertencer aos estados. [...] Nós, do Rio Grande, enten
demos que o que a Constituição dispõe sobre este magno as
sunto é anárquico, é antifederativo e não pode ser aceito pelo
Congresso, respeitando nós, como respeitamos, as nobres in
tenções dos autores do projeto —porque consagra o princípio
dos impostos duplos. A União se reserva as fontes de receita
do artigo 6.° impostos de importação, compreendendo os direi
tos marítimos, os do selo, as contribuições postais e as tele-
gráficas. [...] aos Estados coube o imposto de transmissão da
propriedade, o imposto territorial, o imposto de exportação (cuja
arrecadação deverá acabar em 1898, segundo a Constituição).
Resta pois o territorial [...]. Com estes preditos, dá-se aos esta
dos autonomia, mas não se lhes dá renda, o que eqüivale à li
berdade da miséria.22

A proposta dos gaúchos, apresentada sob a fornna de


emendas ao projeto original da Constituição, procurava favo
recer os estados em matéria de competência tributária em de
trimento da União. Propunham os rio-grandenses que a União
ficasse limitada aos impostos definidos no artigo 6.°, poden
do os estados instituir e arrecadar quaisquer tributos que não
estivessem compreendidos no referido artigo. A proposta gaú
cha foi derrotada, embora por uma margem de votos relati
vamente pequena.

Outro tema que mereceu a atenção e provocou um po


sicionamento marcante da bancada gaúcha na Constituinte

22 Anais do Congresso Constituinte da República de 1891. v. 3. p.


568-76.

122
foi o referente ao convênio celebrado entre os governos dos
Estados Unidos e do Brasil, aprovado pelo Decreto n.° 1338,
de 5 de fevereiro de 1891, que estabelecia redução de direi
tos de importação entre os produtos de ambos os países.
Denunciando o convênio, assim se pronunciava o depu
tado gaúcho Assis Brasil:

Pelo tratado que se assinou com a América do Norte, os ameri


canos nos isentam dos seus impostos de importação apenas
três artigos: o café, o couro ou as peles e o açúcar. Propriamente
isentado é o café, que aliás já gozava ali da isenção desse im
posto. [...] se os Estados Unidos nos isentaram deste imposto,
entre outros motivos, porque lhes convinha proporcionar bara
to ao consumidor gêneros de primeira necessidade, que lá não
se produzem. [...] Senhores, uma única indústria temos no nosso
país que pode resistir a todos os azares, que pode suportar im
postos que outras não toleram: essa indústria é a da cultura do
café, pois bem, esta é a única indústria protegida pelo Tratado.
Outras indústrias, que ainda são pequenas e modestas, mas que
reunidas fazem um grande vulto em benefício da riqueza nacio
nal, mas que precisam da mão protetora do poder público, es
sas foram as que sofreram o golpe mortal, as que levaram o ti
ro de misericórdia, pode-se dizer.23

Continuava o deputado:
Sr. Presidente, o americano isentou os nossos açúcares e as nos
sas peles [risos] do imposto de introdução, mas que açúcares
e que peles? Os açúcares e as peles que podem ser considera
dos matéria-prima da sua indústria, apenas os açúcares gros
sos e brutos, e os couros crus exportados do Brasil. E que fize
mos em compensação? Isentamos de impostos os artefatos de
couro, com exclusão única do calçado produzido na América
do Norte!24

Em especial, o tratado golpeava os interesses industriais


nascentes no Rio Grande do Sul, particularmente no que con
cerne à farinha de trigo, à banha, às manufaturas de madei
ras, inclusive obras de tanoaria, aos tecidos de algodão, aos
presuntos, à manteiga e ao queijo, aos manufaturados de cou
ro exceto calçados, a carnes, peixes, frutas e legumes em la
ta e de conserva, produtos estes isentos de taxação na sua
entrada no Brasil^s.

23 Anais do Congresso Constituinte da República de 1891. v. 3 p. 561.


24 Anais do Congresso Constituinte da República de 1891. v. 3. p. 562.
25 Ibidem. p. 517.

123
Os deputados rio-grandenses, ao denunciarem o trata
do em nome dos interesses da indústria de seu estado, rece
beram telegramas de vários empresários manufatoreiros e co
merciantes gaúchos, identificando os parlamentares como in
térpretes de seus interesses junto ao Congresso Nacional.
Dentre os telegramas de apoio recebidos, encontravam-se os
das associações comerciais de Porto Alegre e Santa Cruz, en
tidades que expressavam, na época, as reivindicações de in
dustriais manufatureiros e comerciantes. Da mesma forma,
um telegrama enviado de São Leopoldo, centro da região co
lonial alemã, protestava contra os prejuízos que adviriam pa
ra os produtos da área face à efetivação do convênio. Da mes
ma forma, os fabricantes de banha do estado pronunciaram-
se pedindo a anulação do tratado, que permitiria que o mer
cado brasileiro fosse invadido pela banha americana com pre
juízo para a produção naciona|26.
As moções de solidariedade não adviriam apenas dos se
tores representativos do capital. Tanto o Centro Operário de
Porto Alegre quanto a União Operária de Santos (SP) envia
ram telegramas aos deputados rio-grandenses que se haviam
posicionado contra o tratado, sob a invocação de ser o mes
mo "a morte inevitável da indústria nacional*, único arrimo da
classe operária e do proletariado brasileiro"27.
Note-se, no caso, a identificação feita pelo proletariado
entre a sobrevivência da indústria nacional com a sua garan
tia de trabalho.
Os defensores do tratado argumentavam que, com a
isenção dos impostos de importação, lucraria justamente a
classe pobre, pela mais fácil obtenção de gêneros de primei
ra necessidade28. Indagava o parlamentar Garcia Pires, favo
rável ao tratado, àqueles que o condenavam:

[...] que pretendem S. S. E. Ex.? Que se estabeleça um mono


pólio, em benefício dessas indústrias, que se proíba ou, pelo me
nos, se embarace a entrada, nos nossos mercados, dos gêne
ros similares, para que pela elevação do preço se possam man
ter e desenvolver estas indústrias. Que resultará desta teoria?
A indústria se desenvolverá, é certo, o rico fabricante, o pro-

26 Ibidem. p. 593-4, 780-1.


27 Anais do Congresso Constituinte da República de 1891. v. 3. p. 781.
28 Ibidem. p. 578-9.

124
prietário terão grandes lucros, mas esses lucros, essa riqueza
sairão, inevitavelmente, da grande classe dos consumidores, do
povo, que será obrigado a comprar o gênero indispensável a vi
da por preço muito mais elevado do que o poderia obter, admi
tida a concorrência. Senhores, se a indústria nacional não pode
sustentar a concorrência estrangeira, estudemos as causas e
acha-la-emos no seu atraso.^9

Para rebater esta opinião, o deputado gaúcho Antão de


Faria contra-argumentava:

Amanhã, dentro de dois ou três anos, talvez [...] com o mono


pólio que em favor dos gêneros americanos, naturalmente, se
estabelecerá em nosso mercado pelo afastamento dos nossos
produtos, dar-se-á a elevação dos preços, em uma progressão
crescente, cuja razão é impossível determinar agora; e é bem
possível que, mais breve do que se pensa, em vez desta pobre
za a que se quer proteger, tenhamos a miséria, pela carestia dos
gêneros e pela falta de trabalho, miséria irremediável porque só
a indústria nacional poderia evitá-la, mas, então, já essa indús
tria estaria morta.

A explanação da crítica ao tratado se complementava


com a defesa explícita da indústria feita pelo deputado Antão
de Faria:

Nos países novos, como o Brasil, onde as indústrias não estão


ainda desenvolvidas, onde a população é pouco densa, onde há
necessidade de importar operários e artistas hábeis, onde as fon
tes de riqueza pública não estão devidamente exploradas, deve-
se ser francamente protecionista; naqueles em que há suficien
te desenvolvimento industrial e operários inteligentes, abundân
cia de capitais e grande população, cumpre estabelecer o livre
câmbio, a mais ampla concorrência, porque, garantida a indús
tria, essa competência vem, por um lado, aperfeiçoá-la ainda
mais e, por outro, trazer vantagens ao consumidor. Mas, que--
rer estabelecer o livre câmbio em um país como o nosso, sem
indústrias, sem grandes capitais, sem braços, com os salários
elevados que temos, é senhores, um verdadeiro absurdo.2''

A posição notoriamente protecionista com relação à in


dústria foi assumida por deputados como Assis Brasil, Demé-
trio Ribeiro e Antão de Faria, que se colocaram na defesa dos

29 Ibidem. p. 722.
30 Anais do Congresso Constituinte da República de 1 891. v. 3. p. 51 6.
31 Ibidem. p. 778.

125
interesses do empresariado, em nome do PRR.
A questão teria repercussões no Congresso Constituin
te estadual, ocorrendo debates entre aqueles que denuncia
ram o convênio como lesivo aos interesses da indústria e da
lavoura colonial rio-grandense e da própria classe trabalhado
ra gaúcha32 e os que se posicionaram pela defesa das "clas
ses menos favorecidas" e dos estancieiros, ante a possibili
dade de ampliação das vendas de couro para os Estados
Unidos33.
Note-se, no caso, o uso estratégico da menção à classe
trabalhadora em ambas as posturas, sendo vitoriosa, na re
dação dé uma moção que foi encaminhada ao Congresso Na
cional, a posição que se identificava com a defesa da produ
ção manufatureira gaúcha. Ésintomático, contudo, que os de
putados pecuaristas que aprovaram tal moção tenham aber
to mão de um interesse econômico imediato de sua fração de
classe em nome da consolidação do PRR como grupo dirigen
te estadual. Ao final, embora toda esta articulação promovi
da em nível estadual e federal, as moções de repúdio ao convê
nio não foram aprovadas no Congresso.
A questão do protecionismo aparece vinculada a outros
problemas que agitaram os primeiros anos da história repu
blicana, como, por exemplo, o da repressão ao cóntrabando
no sul, mediante o estabelecimento pelo governo federal de
"zonas fiscais", que impediam que as mercadorais proceden
tes da fronteira fossem além de uma área delimitada.
Como alternativa, o rio-grandense Ramiro Barcellos
bateu-se pela elevação dos impostos de importação sobre pro
dutos similares aos manufaturados produzidos pelo estado,
bem como pela intensificação do serviço de repressão ao con
trabando. Ésignificativo, neste caso, ó depoimento do depu
tado Steenhagen na Assembléia Constituinte estadual:

Sr. presidente, para justificar o meu voto à emenda ultimamen


te apresentada, devo declarar que aceito somente em vista dos
interesses da indústria [...] podia o governo lançar mão dos mes-

32 Rio Grande do SuJ^. Anais do Congresso Constituinte do Estado do Rio


Grande do Sul. 1891. Porto Alegre, A Federação, 1891. p. 25-7.
33 Anais do Congresso Constituinte do Estado do Rio Grande do Sul de
1891. p. 25-7.

126
mos meios de que se serviu a monarquia, e dar-nos uma tarifa
especial com a qual muito sofreram durante o tempo em que
ela esteve em vigor e cuja revogação devemos, em grande par
te, ou talvez exclusivamente, ao Sr. Dr. Ramiro Barcellos.
Creio, portanto, que a indústria e mesmo o comércio devem ter
toda a confiança no plano concebido pelo mesmo Dr. Ramiro
Barcellos para a repressão do contrabando, e por isso voto pela
emenda do nobre deputado.

Note-se, contudo, que as posições não estão ainda so


lidificadas, ou seja, a defesa da indústria não corresponde a
uma posição notoriamente "industrializante". O mesmo de
putado Steenhagen (comerciante), que neste caso se posicio
nou pela defesa das manufaturas locais, no tocante à já men
cionada discussão sobre o tratado de comércio com os Esta
dos Unidos argumentava em favor de alguns pontos positi
vos do convênio...

As zonas fiscais foram revogadas em 1 8913^, mas ou


tra questão agitaria os meios políticos rio-grandenses nos fins
do século: a posição assumida pelo PRR contra o direito de
emissão aos bancos particulares estabelecidos pela política
encilhamentista, atribuindo a estes bilhetes bancários o be
nefício do curso forçado. Justamente o Rio Grande do Sul ha
via sido escolhido para ser sede de um banco emissor. A ques
tão bancária movimentou as forças políticas em protesto, le
vando à demissão tanto Demétrio Ribeiro do Ministério da
Agricultura quanto o governo do Gen. Frota com todo o seu
secretariado.

A atuação do partido teve o apoio da população, inclu


sive dos grandes comerciantes da capital, que protestaram
contra a atitude do presidente da Praça do Comércio de Por
to Alegre, que havia apoiado a inauguração do estabelecimen
to bancário no SuPe. Neste caso, é compreensível a atitude
dos comerciantes, posicionando-se contra o órgão gerador de
inflação, que restringiria o poder aquisitivo. Considerando que

34 Anais da Assembléia de Representantes de 1891, p. 17.


35 Para maior explicitação sobre esta questão, consultar: Sandra Jatahy
Pesavento, A política financeira da República Velha Gaúcha: um en
quadramento histórico. Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Hu
manas, Porto Alegre, UFRGS, 6:273-95, 1978.
36 Gustavo Moritz, Acontecimentos Políticos no Rio Grande do Sul. Por
to Alegre, Tip. Thurmann, 1939. p. 72-3.

127
muitas dessas casas eram importadoras, a depreciação do va
lor da moeda reverteria em maiores dificuldades nas opera
ções com o exterior.
Por outro lado, os parlamentares rio-grandenses Barros
Cassai e Demétrio Ribeiro tinham simpatizantes entre operá
rios e pequenos industriais de Porto Alegre, tendo em vista
a defesa enérgica que haviam feito contra o banco de
emissão37.

A atitude dos republicanos, neste caso, foi tanto no sen


tido de posicionar-se contra uma medida inflacionária, pois
pugnavam pela estabilização cambial, quanto no de opor-se
à concessão de um privilégio a determinados estabelecimen
tos. Nas reuniões preliminares do Ministério, em 1890, De
métrio Ribeiro alertara para os prejuízos do fluxo do câmbio
sobre as condições econômicas do país, que seria um elemen
to desestabilizador, com as oscilações cambiais que se
instalariam^®.
Por outro lado, sabe-se que o aumento da oferta mone
tária faz cair a taxa de juros, o que reverte num incentivo aos
investimentos, notadamente na indústria. Ainda que esta pu
desse ser uma proposta mais abrangente da União para a di
versificação da aplicação de capitais e para a aplicação no se
tor secundário, como propalava Rui Barbosa, o grupo gaúcho
posicionava-se contra.
A defesa da estabilização monetária, segundo o ponto
de vista rio-grandense, ligava-se à própria estabilização cam
bial. Numa época em que tinha vigência o padrão-ouro, o au
mento do papel-moeda circulante, sem lastro, incidia sobre
a taxa cambial e convertia-se num elemento gerador de infla
ção e de agravamento do poder aquisitivo do consumidor na
cional. Também a imposição de um banco emissor no sul era
encarada como uma interferência da União sobre a economia
estadual, numa época em que o PRR defendia o isolacionis-
mo do Rio Grande com relação a determinações do centro na

37 A Federação, Porto Alegre, 3 e 4 mar. 1890.


38 Dunshee de Abranches, Actas e Actos do Governo Provisório. (Có
pias autênticas dos protocolos das sessões secretas do Conselho de
Ministros desde a proclamação da República até a organização do Ga
binete Lucena, acompanhadas de importantes revelações de documen
tos). Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1907. p. 102-3.

128
política e economia internas.
Caberia ainda lembrar que a postura defensora da orto
doxia monetária fez parte do pensamento das elites da Pri
meira República e, particularmente, dos republicanos positi
vistas, que, recolhendo inspiração em Comte, defendiam na
prática aquela postura através de seus governantes.
Em depoimentos posteriores no Congresso, os deputa
dos rio-grandenses fizeram questão de afirmar que a política
encilhamentista, com os seus bancos emissores, não trouxe
ra proveitos à economia gaúcha mas que, ao contrário, a pros
peridade das indústrias no estado devia-se ao seu próprio tra
balho, esforço e prosperidade^s.
Pronunciando-se neste sentido, dizia o deputado Victo-
rino Monteiro em 1895:

A febre do Encilhamento, essa catadupa de emissões colossais,


não chegou ao Rio Grande, que não participou de seus benefí
cios, nem tampouco da preocupação dos poderosos argentá-
rios daquela triste e malfadada época de embriaguez enervado-
ra [...]. Não participamos desses favores e, portanto, ninguém
ousaria contestar que o surpreendente progresso industrial rio-
grandense seja exclusivamente devido à iniciativa e ao esforço
dos filhos daquela terra, que neste assunto sempre estiveram
entregues a si mesmos, sem o menor auxílio dos poderes públi
cos. [...] A célebre organização dos bancos regionais de emis
são, todos sabemos, foi uma verdadeira calamidade pública, e
muito especialmente para o Rio Grande do Sul, que se viu colo
cado em situação anormal e a tal ponto que a paz, a tranqüili
dade foi ali seriamente abalada, refletindo-se poderosamente este
fato na administração daquele estado, que teve de passar por
perigosa e opressora crise, que bem poderia ter afetado toda
a vida nacional.

Naturalmente, a argumentação vai no sentido de mini


mizar os efeitos de um período de emissão para a prolifera
ção de pequenas empresas, chegando inclusive a atribuir à
política econômico-financeira federal a eclosão da Revolução
Federalista no sul... O importante, contudo, é reter o repúdio
à política inflacionária levada a efeito pelo grupo gaúcho. A
denúncia do prejuízo que o Rio Grande do Sul teve neste pe
ríodo era argumento até para solicitar uma proteção aduanei-

39 Anais da Câmara dos Deputados de 1895. v. VI. p. 451.


40 Anais da Câmara dos Deputados de 1895. v. VII. p. 836.

129
ra especial para o seu principal produto de exportação, o char-
que, face à concorrência platina.
Nos anos subseqüentes, particularmente nos que se es
tenderam até a reversão cambial de 1898, com o encerramen
to do período inflacionário, registram-se vários pedidos de em
presários gaúchos enviados ao Congresso, solicitando prote
cionismo alfandegário para seus produtos, o que vem demons
trar a insuficiência do ''protecionismo natural" da desvalori
zação da moeda. Neste sentido, cada fábrica advogava em
causa própria, pleiteando do governo o favor que lhe
interessava.
Frente a esta situação, alguns deputados gaúchos, em
especial Homero Batista, bateram-se por uma revisão da tari
fa das alfândegas que não concedesse um privilégio especial
a esta ou àquela empresa, mas que procurasse beneficiar o
setor industrial como um todo.
Posicionava-se o parlamentar rio-grandense em 1892:
Subordino-me apenas à relatividade da situação brasileira, cuja
solução está no aumento da riqueza pública. Compreendendo
que esta, por ser consistente, precisa derivar-se do desenvolvi
mento do trabalho, do desenvolvimento da indústria, empenho-
me no momento pela incrementação do trabalho e da indústria.
Alguns artigos pagam excessivo imposto, apesar de serem uti
lizados pela indústria brasileira a outros que, protegidos pela ta
rifa, vêm concorrer vantajosamente com os nossos produtos.

No ano seguinte, o deputado Homero Batista voltaria a


se pronunciar:

As isenções de direitos, da maneira como às vezes são conce


didas, assumem a feição condenável de privilégios; são favo
res prestados pelo Estado a fábricas ou empresas dos quais ou
tras congêneres, nas mesmas condições, não usufruem. Não
é lícito, na distribuição das rendas públicas para as quais todos
concorrem, favorecer a uns com exceção de outros, amparar
a uns em detrimento de outros. Para pôr um termo a semelhan
te injustiça, propus e a Câmara aprovou a criação de uma co
missão especial que V.Excia. nomeou, para projetar um plano
geral de isenções fiscais, ou favores de outra espécie, compa
tíveis com o nosso regime econômico, com o fim de facilitar a
formação de novas indústrias e de incrementar as existentes,
sem privilegiar ou excluir nenhuma.42

41 Anais da Câmara dos Deputados de 1892. v. III. p. 43.


42 Ibidem. v. IV. p. 132.

130
o projeto foi aprovado, sob a condição de que seria con
cedida isenção sobre os direitos de importação e expediente,
materiais e maquinismos para as fábricas quando não houves
se na região outras congêneres'^^.
Paralelamente a esta proposta, a bancada rio-grandense,
por mais de uma vez, apresentou neste período uma emenda
para aumentar os impostos sobre o charque platino, concor
rente do gaúcho'^^^ baseada nas solicitações feitas pelos pro
dutores sulinos e encaminhadas ao Congresso pelo presiden
te do Estado'^^. A questão, em si, parece conduzir a uma po
sição defensora do privilégio a um setor, posição esta tão ata
cada segundo os princípios do PRR, de orientação positivis
ta. Contudo, a ideologia serve justamente para legitimar, con
tornar e tornar verossímeis determinados interesses e situa
ções. Ao argumentarem em torno da defesa do charque, os
deputados gaúchos diziam defender os interesses da nação
frente o Uruguai, que por seu lado procurava tornar proibitiva
toda a importação de gêneros brasileiros^^^.
Aliás, a defesa do charque se manteria como uma cons
tante ao longo de períodos deflacionários ou inflacionários,
evidenciando também que a defesa deste produto era uma im
posição permanente, na medida em que ele não conseguia ga
rantir para si o mercado, ameaçado ora pelos produtores es
trangeiros (platinos), ora pelos concorrentes internos (Mato
Grosso, Minas Gerais, etc.). Em 1907, por exemplo, as char-
queadas solicitaram que fossem elevados em 30% os direi
tos sobre a entrada do produto platino^^,
No período que se inaugurou em 1898, desde a ascen
são de Campos Salles até a I Guerra Mundial, a melhoria das
condições de câmbio estava possibilitando a mais fácil aqui
sição dos produtos importados, motivando nova arrancada
protecionista em prol dos interesses da indústria.
O posicionamento do PRR, ao atender as reivindicações
da burguesia manufatureira regional, acompanhou o movimen
to do empresariado nacional, que batalhava no Congresso pela

43 Ibidem. V. V. p. 153.
44 Ibidem. v. VI. p. 453.
45 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1895.
p. 241.
46 Anais da Câmara dos Deputados de 1895. v. VIII. p. 534-47.
47 Ibidem. v. III. p. 583-5.

131
elevação das taxas alfandegárias. Tomando a defesa dos in
dustriais do seu Estado, o deputado gaúcho Germando Hass-
locher afirmava que, além da agricultura, "este País vive tam
bém da indústria e do comércio"^^^ e que, se os empresários
não fossem beneficiados com tarifas protecionistas, não po
deriam continuar a "luta pela vida".
No Rio Grande do Sul, o Centro Econômico, já anterior
mente citado, posicionava-se pela defesa do protecionismo
aduaneiro e, conseqüentemente, da indústria. A revista da en
tidade declarava em 1906 que, embora no início o protecio
nismo encarecesse os gêneros de primeira necessidade, tam
bém contribuía para fortalecer o ânimo do produtor em de
senvolver seu trabdiho. Entendia que deviam ser amparadas,
em primeiro lugar, a agricultura e a pecuária, tributando os
gêneros estrangeiros que possuíam similares na produção
nacional.

Os outros artigos estrangeiros não viáveis no nosso solo ou que


não nos convenha produzir, deverão ser taxados apenas como
recurso orçamentário. Quanto aos estabelecimentos fabris, moi
nhos e outros, devem ser favorecidós com as tarifas alfande
gárias os que consumirem matéria-prima indígena ou matéria-
-prima que não se produza no país.^^^

Note-se, no caso, que, embora se afirmasse posterior


mente na revista que não deveriam ser criadas indústrias "ar-
tificiais"50, o favor que se advogava era em prol das indús
trias que utilizavam tanto a matéria-prima local quanto a
importada.
Embora o protecionismo fosse uma tendência e marcas
se a adequação das reivindicações da burguesia local com a
regional, esta postura majoritária do PRR não se daria sem cer
tos atritos no jogo das forças sociajs presentes no Rio Gran
de. Noutros termos, alguns interesses industriais iriam se con
frontar com os interesses de agrários ou de comerciantes.
Por exemplo, enquanto certos deputados defendiam a
isenção de direitos de importação sobre o gado platino, com

48 Ibidem. v. VIII. p. 73.


49 Revista do Centro Econômico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, nov.
1906. 2, p. 44.
50 Ibidem. p. 49.

132
o que argumentavam em favor da possibilidade de os char-
queadores adquirirem matéria-prima de boa qualidade a bai
xo preço, o deputado Aureliano Barbosa, defendendo os in
teresses do criador rio-grandense, posicionou-se pela manu
tenção do referido imposto, para garantir ao pecuarista na
cional a boa colocação para o seu gado nas charqueadas
locaissi.

Outro exemplo pode ser dado pelo memorial enviado pela


Praça do Comércio de Porto Alegre ao Congresso Nacional em
190552. A representação dos comerciantes argumentava
que, com o desenvolvimento das indústrias no país, muitos
artigos que antes eram adquiridos no exterior já eram fabrica
dos aqui, passando a gozar de proteção alfandegária. Entre
tanto, os governos pareciam entender que os impostos de im
portação eram os únicos que sustentavam o país. O excesso
de protecionismo, por seu lado, conferia enormes lucros aos
industriais, mas prejudicava o consumidor nacional, levando-
o a pagar altos preços pelas mercadorias.
O processo de concentração empresarial e de amplia
ção da capacidade produtiva das fábricas neste período de me
lhoria cambial contribuía, sem dúvida alguma, para reforçar
esta posição, levando, por exemplo, o deputado gaúcho Car
los Maximiliano a fazer pronunciamentos desta ordem em
1912:

Aqui entre nós, o protecionismo foi ao exagero. Não há impos


tos de compensação. O lucro das fábricas é excessivo, não so
mente elas têm grandes dividendos, mas, ainda disfarçam em
parte estas vantagens, levando grande soma ao fundo de re
serva e empregando outras no aumento de máquinas, dilatan
do a capacidade produtora das fábricas sobre chamadamova
de capitais. [...] Ora, o protecionismo exagerado ainda tem es
te inconveniente: faz retirar a concorrência estrangeira, que, até
certo ponto, é vantajosa. [...] Desde que fiquem somente em
campo os produtores nacionais, coligam-se, e o consumidor é
esmagado. [...] não pêço a abolição do protecionismo, que isso
não á possível neste momento; peço que se restrinjam os
exageros.53

51 Anais da Câmara dos Deputados de 1902. v. VIII. p. 3-11.


52 Memorial dirigido pela Praça do Comércio de Porto Alegre ao Congresso
Nacional. Porto Alegre, Gazeta do Comércio, 1905. p. 3-4.
53 Anais da Câmara dos Deputados de 1912. v. IX. p. 569-78.

133
o deputado encerrava a argumentação citando Spencer:

Uma vez que os lucros das fábricas são tão exagerados, era tem
po de recuar; porque encarecer a vida do pobre, para que pros
perem excessivamente os ricos, é 'roubar a Lázaro para dar es
molas a quem luxuosamente veste'.

Considerando as idéias de Spencer^s, é curioso que es


te pensador tenha afirmado isto... Em todo caso, é significa
tiva a divergência de opiniões da representação gaúcha no to
cante àquele que era o nó vital dos interesses econômicos da
indústria brasileira no decorrer da República Velha.
O posicionamento da bancada rio-grandense, até então
nitidamente protecionista no encaminhamento das reivindica
ções empresariais no Congresso, passava a apresentar, con
tudo, uma inflexão. Ao relatar o orçamento da receita para
o exercício de 1913 e apreciar a evolução da política adua
neira no Brasil, o deputado gaúcho Homero Batista se
pronunciava:

Tal é o protecionismo, criado pelas medidas tarifárias em vigor.


Quem aproveita? Acaso, concorrendo ao mercado, determina
a indústria nacional a redução dos preços das mercadorias? Não.
Ela acompanha os preços das mercadorias similares estrangei
ras. Aproveita, pois, a indústria nacional, que obtendo o produ
to barato, pode vendê-lo bem caro, e daí... os excessivos divi
dendos, as pingues bonificações com que se locupletam os nos
sos industriais, enquanto o consumidor, a grande massa da po
pulação verga ao peso de elevados impostos e do custo des
medido das coisas, da carestia geral da vida.^®

A declaração provocou viva resistência do Centro Indus


trial do Brasil, através de seu líder Jorge Street, resultando
no envio de uma ''carta aberta" da entidade ao parlamentar
gaúcho, na qual se contestava a afirmação de que fosse a in
dústria nacional a responsável pela carestia da vida^^. Ao que
parece, há uma grande distância entre este parecer de Batis
ta e o seu posicionamento do início do século.

54 Ibidem. p. 578.
55 Em sua obra El hombre contra ei Estado (op. cit.), Spencer considera
o pobre um parasita da sociedade e afirma ser a miséria o resultado
normal da má corfduta...
56 Apud. Luz, op. cit. p. 145-6.
57 Apud. Luz, op. cit. p. 145-7.

134
Além de criticar o protecionismo excessivo, Homero Ba
tista também se contrapunha à política inflacionária desen
volvida pelo governo, que transformara a caixa de conversão,
projetada para estabilizar o câmbio, em mais uma instituição
geradora de papel-moeda e, como tal, elemento inconversível.
No decorrer do período da Guerra, tornou-se mais difícil
a importação estrangeira. Em 1919, com o fim do conflito,
o então ministro da Fazenda Homero Batista apresentou um
projeto de revisão das pautas alfandegárias, que consistia em
vários pontos: diminuição dos impostos de importação sobre
as mercadorias que o País não produzisse ou produzisse im
perfeitamente com o fim de facilitar a sua aquisição pelo con
sumidor e de manter uma receita fiscal; diminuição dos refe
ridos impostos para as mercadorias que, não produzidas, eram
um incentivo ao contrabando; menor diminuição para as mer
cadorias produzidas com matérias-primas e secundárias im
portadas; e, finalmente, manutenção dos impostos alfande
gários sobre os produtos similares aos das indústrias que uti
lizavam matéria-prima nacional e que concorriam para a real
riqueza do países.
Citando Américo Werneck, Batista endossava a opinião
da crítica às indústrias que operavam com matéria-prinna es
trangeira já preparada e favorecida pelas tarifas protecionis
tas^^. Condenando o favoritismo a empresas ou classes, o
ministro argumentava com o critério de defender o bem pú
blico com a sua proposta de revisionismo alfandegário. Qua
lificada como livre-cambista e antiindustrial, a proposta de Ba
tista determinou reações violentas de empresários do eixo Rio-
São Paulo. O Centro Industrial do Brasil enviou à Cãmam.dqs
Deputados uma representação, na qual procurou traduzir o
peíTsaiiieiiLu de seus associa3õs7 que se sentiam ameaçados
pela reforma das tarifas aduaneiras que o Congresso estava
em vias de aprovar. Os industriais propunham uma discussão
mais ampla sobre o assunto, uma vez que o projeto di
versos ramos da indústria nacional: a projetada redução de

58 Homero Baptista, Revisão da Tarifa das Alfândegas. Exposição justi


ficativa apresentada ao Senhor Presidente da República pelo Ministro de
Estado dos Negócios da Fazenda, Homero Baptista. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional. 1921. p. 19-24.
59 Baptista, op. cit. p. 17.

135
direitos sobre a importação do fio de algodão estrangeiro, de
procedência norte-americana, prejudicaria a cultura nacional;
a nova tarifa praticamente abria todos os portos do país à con
corrência da cerveja norte-americana; a indústria de calçados
estaria ameaçada pela produção dos Estados Unidos; por fim,
a taxa de 25% para os tecidos de seda não protegia os inte
resses da indústria nacional®®.
A atuação dos industriais não se limitou a esta repre
sentação. Revistas especializadas, que difundiam o pensa
mento empresarial, editaram artigos sobre o assunto. Na re
vista Indústria e Comércio do Rio de Janeiro, Serzedello Cor
rêa considerava ser o projeto de revisão das tarifas uma "ver
dadeira heresia":

E o que ainda custa mais a crer é que certos argumentos favo


ráveis à revisão das tarifas alfandegárias se estribem principal
mente no fato de várias indústrias se utilizarem de matéria-prima
estrangeira, como se isso pudesse constituir uma razão séria
para combatê-las, para persegui-las, para aniquilá-las. Nenhum
país industrial se utiliza exclusivamente de matéria-prima
nacional.6''

Em outro artigo, o mesmo líder do empresariado definia


a revisão das tarifas como ''extemporânea", "impatriótica"
e "lesiva à economia nacional"®^^ justamente no momento
em que a indústria incipiente estava a exigir medidas prote
cionistas do governo.
O debate sobre a questão agitaria também o Rio Gran
de do Sul, mas com a maior parte das opiniões sendo favorá
vel à proposta do ministro da Fazenda.
O Progresso, de janeiro de 1919, reproduziu o parecer
de aprovação do deputado Oscar Soares sobre o assunto, as
sim como o projeto de autorização do governo para pôr em
execução a reforma. Além disso, discorria sobre a diferença
existente entre a indústria "legitimamente nacional", que ma-

60 Alfândegas, A reforma das tarifas aduaneiras. Representação do Centro


Industrial do Brasil. O Progresso, Porto Alegre, dez. 1918 — jan.
1919. 74-75.
61 Serzedello Corrêa, A indústria nacional e a revisão das tarifas. Indús
tria e Comércio, Rio de Janeiro, jan. 1920. 42.
62 Serzedello Corrêa, Pela indústria nacional. Indústria e Comércio, Rio
de Janeiro, mar. 1920, 44.

136
r.

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X , . (jOvo^-Y^^ j^JI—'1'^
nufaturava exclusivamente a materia-prima do pais, e a ou- ' ,
tra, "parasitária", que consumia unicamente a matéria-prima 1
importada. Enquanto a primeira estava moldada às reais con-
dições do país, sendo fonte de desenvolvimento e progresso,
a outra vivia permanentemente das tarifas protecionistas, ca-
naiizando para o estrangeiro vultosos capitais^s. Neste sen-
tido, o projeto não era considerado nem protecionista nem
livre-cambista.
A Revista do Comércio e indústria do Rio Grande do Sul
reafirmava esta idéia de distinção entre as "indústrias fictí
cias", "artificiais", e as "verdadeiramente nacionais", denun
ciando que a União havia convertido a renda das alfândegas
na sua principal fonte de receita®"^. A perspectiva era de que
se optasse por um sistema mais racionais^.
Em outros artigos, o protecionismo era apresentado co
mo um misto de "má-fé" e inflexibilidade^s, e a posição de
Homero Batista era elogiada, pois com sua proposta haveria
de dar os estímulos adequados à produção industrial:

Não se cogita de uma revisão obediente a princípios de escola,


de uma revisão do ponto de vista do livre câmbio ou do prote
cionismo. Precisamos de uma tarifa aduaneira de defesa da nossa
produção, para que fiquem devidamente salvaguardados os le
gítimos interesses das indústrias verdadeiramente nacionais, nas
quais tantos capitais já foram empregados, com vantagens pa
ra a nossa economia, tornadas bem patentes durante a guerra.
Tarifa de defesa equilibrada e justa, sem demasias excusadas
e prejudiciais.67

Numa linha francamente livre-cambista posicionavam-


se os artigos assinados por Adel Carvalho na Revista da In
dústria e Comércio do Rio Grande do Sul. Identificava que os
impostos eram elevados sob o pretexto de proteger as indús
trias nacionais, agravando as condições de vida de quem ti-

63 Reforma das tarifas. O Progresso, Porto Aleqre, dez., 1918 - jan.


1919. 74-75.
64 A revisão da tarifa aduaneira. Revista do Comércio e Indústria do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, ago. 1919. 8, p.403-4.
65 Novos impostos. Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, out. 1919. 10, p. 501-2.
66 O fisco e as indústrias. O Progresso, Porto Alegre, abr. 1919. 66.
67 A defesa da produção. O Progresso, Porto Alegre, ago. set. 1919.
70-71.

137
nha salário fixeis. Criticando o protecionismo e a indústria
''fictícia" que vivia à sombra dos favores, sugeria que o go
verno deveria tomar medidas tais como a isenção de impos
tos e assegurar garantia de juros aos capitais investidos, mas
não promover o aumento forçado dos preços^Q.
A questão desdobrava-se em debates mais amplos, so
bre os próprios destinos a serem seguidos pelo país. Num ar
tigo intitulado "Agricultura ou indústria?", criticava-se a po
sição assumida pelo Jornal do Brasil de afirmar que o destino
do país se achava ligado ao desenvolvimento industrial. Afir
mava o mesmo artigo que a questão não poderia ser aceita
sem discussão; ratificava a "vocação agrícola" brasileira e
assegurava que o viés industrial pertencia ao futuro e, mes
mo assim, não poderia prescindir do desenvolvimento parale
lo da agricultura^^.
Tais posicionamentos, nitidamente agrários e antiindus-
triais, chegavam ao ponto de afirmar categoricamente que "o
Brasil é e será um país agrícola"7i e que a classe industrial
vivia da exploração, possibilitando a riqueza de uns poucos
e o encarecimento exagerado da vida para os consumidores.
Criticava ainda a atuação até então seguida pelo governo, que
procurava desenvolver o setor industrial "da noite para o dia,
a golpes de decretos"^^
Contrastando com estes pareceres, outras opiniões eram
veiculadas pela imprensa, favoráveis ao desenvolvimento in
dustrial de qualquer ramo. Sem insistir novamente na já refe
rida atuação de Blancato na defesa do setores ou em publi
cações específicas para divulgação das atividades
industriais^'^, registre-se que os periódicos da época tradu-

68 Adel Carvalho, Legislação aduaneira. Defeitos do nosso sistema tri


butário. Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, jan. 1919. 7, p. 48.
69 Adel Carvalho, As tarifas protecionistas. Revista do Comércio e Indús
tria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, fev. 1919. 2, p. 57.
70 Agricultura ou indústria? Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, abr. 1919. 4, p.178.
71 Mário Pinto Serva, Indústrias predatórias. O Progresso, Porto Alegre,
ago. 1919. 59.
72 Ibidem.
73 Blancato, op. cit.
74 Como é o caso do n.° 36 da revista O Progresso, de setembro de 1916,
dedicado a Borges de Medeiros e versando quase toda ela sobre as
indústrias do Estado.

138
ziam posicionamentos contrastantes com as opinioes
anteriores.

Lamentava-se a fraca exploração particular das empre


sas gaúchas, formadas de pequenas fábricas com reduzido
capital, afirmando a necessidade da congregação das unida
des industriais para a formação de grandes capitais.
Argumentava-se, com isso, em prol da concentração empre
sarial, presente em outros países, que aumentava a potencia
lidade do setor^B.
Em artigo reproduzido do centro do país sobre "a defe
sa da indústria nacional", criticava-se a posição de conside
rar os manufaturados nacionais inferiores, bem como de não
classificar como "indústria nacional" aquela que necessitas
se de matéria-prima estrangeira, embora sabidamente aquela
que beneficiasse a matéria-prima local trouxesse maiores van
tagens à nação. A posição mais completa e acabada em tor
no da defesa do setor finalizava dizendo que era preferível o
Brasil produzir tudo o que o estrangeiro produzisse, mesmo
que fosse mais caro, e que era preciso ressaltar o esforço do
empresariado e do operariado que empregavam seu capital
e trabalho em favor do progresso nacionaPe.
Como entender, dentro deste quadro, a posição assu
mida por Homero Batista, líder de um partido que iniciara a
sua trajetória na defesa dos interesses da indústria? Nas suas
linhas mais gerais, sua posição era de apoio às "indústrias na
turais" contra as "artificiais"; de defesa da estabilização cam
bial contra a inflação; e de garantia do poder aquisitivo do con
sumidor nacional e contra os privilégios. A rigor, tais interes
ses coadunavam-se também com os da burguesia industrial
gaúcha enquanto fração de classe: majoritariamente, predo
minavam no Rio Grande as indústrias que beneficiavam a
matéria-prima fornecida pela agropecuária local; por outro la
do, a estabilização cambial era conveniente a um setor da eco
nomia voltado para o abastecimento do mercado interno e,
como tal, dependente do poder aquisitivo do consumidor
nacional.

75 Fsrnando Caldas, A indústria nacional. Revista do Comércio e Indús


tria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, out. 1920. 10, p. 45.
76 J. R. Ladeira, A defesa da indústria nacional. O Progresso, Porto Ale
gre, jun. 1919. 68.

139
o PRR, por sua vez, condenava os privilégios a um se
tor ou empresa em especial, defendendo uma política de apoio
mais geral. Daí por que os setores regionais representativos
da indústria natural — que correspondiam à maior parte do
empresariado gaúcho — não se viram muito afetados pelas
propostas do ministro da Fazenda.
É de se estranhar, contudo, que o projeto de Homero Ba
tista não tenha sofrido reações mais fortes por parte do em
presariado gaúcho. É bem verdade que a burguesia industrial
rio-grandense não se encontrava arregimentada num órgão de
classe, mas este não era motivo para que deixasse de defen
der seus interesses imediatos. Aliás, já se viu que ela se mos
trava bastante atuante em termos de organização da produ
ção e nas demais formas de garantir a dominação do capital
sobre o trabalho no âmbito fabril, ou ao encaminhar reivindi
cações aos parlamentares no Congresso. Mas mesmo naque
les artigos nos quais se afirmava a importância da indústria,
associando-a ao progresso do estado, ou nos quais se reali
zava a apologia do empresário, não se encontra um ataque
direto ao projeto de Homero Batista.
A rigor, só se conhece uma reclamação dirigida contra
a revisão da tarifa das alfândegas, vinda da Associação dos
Comerciantes de Caxias do Sul, em defesa da indústria me
talúrgica rio-grandense, ameaçada pelos reduzidos impostos
do produto estrangeiro e pela elevação das taxas sobre a
matéria-prima importada77. o memorial indicava que, embo
ra os preços dos artigos metalúrgicos rio-grandenses fossem
um pouco elevados, atendendo aos altos fretes e impostos,
tratava-se de um setor que se revelava promissor não só em
Caxias como em Pelotas e São Leopoldo (sem referir-se a Por
to Alegre, também importante centro metalúrgico). Entretan
to, as reclamações deste setor de indústria "artificial" não
foram suficientes para reverter o peso majoritário de apoio do
empresariado gaúcho às propostas de revisão tarifária.
A constatação de tais pressupostos e atitudes gerais
contribui para identificar fatores muito fortes de complemen
taridade de interesses entre a burguesia agrária e a industrial
do Rio Grande, ambas presentes no interior da aliança repu-

77 Memorial da Associação dos Comerciantes de Caxias. O Progresso,


Porto Alegre, ago. 1920. 82.

140
blicana situacionista. Seriam, também, por sua vez, pontos
de identificação deste bloco com o empresariado do centro
do país, setor da economia sensível àqueles interesses, fa
zendo todos eles uma oposição conjunta à fração da classe
domintante nacional que era hegemônica no país: a agroex-
portadora cafeeira. Mas o que se viu, no caso da projetada
revisão das tarifas de alfândega, foi o grupo empresarial do
centro econômico do país tomar uma posição contrária à da
burguesia industrial rio-grandense.
Uma possível explicação para este fenômeno de rever
são do protecionismo, que teria sido endossado pelo PRR, é
função de alguns processos que ocorriam. Em torno de 1920,
a economia agroexportadora se encontrava em seu auge,
reaíizando-se o momento em que a burguesia agrária cafei-
cultora ultimava seu processo de consolidação hegemônica
sobre o país, impondo à nação a terceira operação valoriza-
dora do café, concretizada em 1921, quando a política de
lesa do produto fõl equiparada à política nacional^^T
Ura, o processo de construção da hegemonia de uma
das oligarquias do país — aquela responsável pelo setor de
ponta da economia brasileira — implicava barganhas e nego
ciações com as demais oligarquias regionais. Em troca do
apoio a determinadas posições ou interesses do setor agroex-
portador, o PRR, com a sua grande bancada situacionista no
Congresso, obtinha favores para o estado como um todo ou
para algum setor em especial, como o charque ou o vinho.
Neste contexto, o apoio do governo federal era necessário
também para que o Congresso aprovasse a projetada "socia
lização dos serviços públicos", que implicava a encampação
pelo governo estadual do porto de Rio Grande e da Viação Fér
rea, atos que se efetivaram, respectivamente, em 1919 e
1920.
Por outro lado, a manutenção de um relativo isolacio-
nismo até a década de 20 — a não aspiração à presidência
do país, apoiando as coligações da política "café-com-leite"
— permitiu ao PRR preservar o estado de uma possível inver
são do situacionismo gaúcho. A União, por seu lado,
comprometia-se a não fazer uso do artigo 6.° da Constituição,

78 Para uma maior análise da questão,consultar: Bóris Fausto, Expansão


do café e política cafeeira. In: Bóris Fausto, org. História Geral da Ci
vilização Brasileira. São Paulo, DifeI, 1975. y.l. t.lll.

141
que lhe permitia intervir nos estados quando neles se confi
gurasse uma situação política contrária a seus interesses.
Note-se, a propósito, que, pelas acusações feitas pelo
Centro Industrial do Brasil, os produtos norte-americanos eram
beneficiados pela revisão das tarifas, o que tem a sua lógica
dentro do jogo dos interesses do café, que tinha nos Estados
Unidos o seu maior comprador. Note-se ainda que, na aliança
de poder oligárquico construída pelo grupo cafeicultor, as oli
garquias regionais, como a do Rio Grande do Sul, eram con
templadas com alguma pasta ministerial, como foi o caso de
Simões Lopes na agricultura, de Homero Batista na Fazenda
e, posteriormente, de Getúlio Vargas também na Fazenda.
Neste caso, cabe lembrar os dados levantados por
Love^Q; notadamente a partir de 1910, o estado sulino foi o
que mais ministérios ocupou na República Velha. Tal consta
tação mostra que o Rio Grande posicionava-se como um dos
grandes estados, chamado a participar do processo de deci
sões sem que, contudo, atingisse ou postulasse o cargo exe
cutivo central. Ésintomático que esta "alçada" do Rio Gran
de do Sul a uma maior participação na política nacional se des
se justamente após a primeira cisão das oligarquias para a su
cessão presidencial, em 1910, quando o Rio Grande, com o
apoio do Exército, se posicionou contra São Paulo^®.
Em última análise, a manutenção da "política dos go
vernadores" e a hegemonia de um determinado grupo sobre
a nação necessitava do consenso dos chamados "grandes
'eleitores", para o que os mecanismos de barganha eram acio
nados. Deve-se, contudo, ter em conta que a conduta do Rio
Grande do Sul não era unilinear com relação ao grupo agroex-
portador dirigente. O fato mesmo de participar do bloco oposto
ao paulista na Reação Republicana de 1921, quando as oli
garquias regionais se cindiram na disputa da presidência do
país, é sintomático desta trajetória ambivalente. Portanto, em
nível nacional, frente aos interesses do café, o PRR jogava com
a preservação do seu isolacionismo regional e com a defesa
balanceada dos interesses da sua economia, voltada para o
abastecimento do mercado interno.

79 Joseph Love. O Regionalismo Gaúcho. Trad. Adalberto Marson. São


Paulo, Perspectiva, 1975. p.130.
80 Love, op.cit., p. 153-5.

142
Este conjunto de acertos em nível local e nacional fazia,
pois, com que os industriais sulinos pudessem se fazer repre
sentar no partido de situação em face de outros interesses
econômicos fundamentais a serem preservados na política fe
deral. Possíveis perdas ou divergências neste âmbito seriam
compensadas pela política econômico-financeira levada a efei
to pelo governo estadual que, como se verá, visava garantir
a expansão da produção gaúcha como um todo e desagravá-
la do pagamento de impostos.
Finalmente, caberia apontar para uma questão que será
melhor desenvolvida no item seguinte (2.3). Se a prioridade
propriamente econômica da indústria brasileira era a do pro
tecionismo alfandegário, defendendo o artigo nacional con
tra a entrada do similar estrangeiro, para a indústria gaúcha,
uma outra questão se apresentava como mais concreta: a con
corrência dos produtos industriais do Rio e São Paulo no mer
cado regional sulino, notadamente a partir da I Guerra. Daí,
pois, mais um argumento para entender que o protecionismo
alfandegário com relação ao artigo estrangeiro fosse um pon
to a ser atenuado e barganhado com as posições assumidas
pelo governo central.
A burguesia industrial gaúcha, vista dessa ótica, ainda
não se acoplara a um movimento mais amplo de sua fração
de classe, irmanando-se à sua correspondente do centro do
país. Neste sentido, o processo de diferenciação/complemen-
tação, em nível regional, demonstra que, no sul do país, o em
presariado se encontrava mais ligado ou integrado aos gru
pos agrários ou, pelo menos, a determinados grupos agrários.
A questão do protecionismo sofreria novos incrementos
ao longo da década de 20, particularmente quando cessaram
os efeitos da inflação, e uma projetada estabilidade cam.bial
também pareceu estar ameaçada em meados da década. So
bre isso pronunciou-se na Câmara o deputado gaúcho Simões
Lopes, num discurso a propósito da crise industrial, sugerin
do uma tabela tarifária móvel, de emergência. Referia o
parlamentar:

Dizia o prof. Vieira Souto que as variações da taxa cambial, quan


do importantes e rápidas, são sempre mais ou menos funestas.
No caso da baixa, são os consumidores os primeiros que so
frem; no caso da alta, os comerciantes são os imediatamente
atingidos, e, como o comércio é o intermediário das trocas, as

143
conseqüências bem depressa se transmitem à indústria e à agri
cultura. A alta repentina de câmbio é, pois, um alarmante pre-
núncio de perturbações gravíssimas, para a indústria nacional.
[...] é preciso um recurso imediato, de emergência, que lhe ate
nue os desastrosos efeitos. Foi por ele que preconizei o empre
go da tabela corretiva. Para o desenvolvimento normal e contí
nuo, para a estabilidade das indústrias, que devemos incremen
tar, sugeri um complexo de providências como a revisão tarifá
ria [...] no sentido de um protecionismo decrescente [...] As pro
teções tarifárias não garantem a defesa absoluta do trabalho in
dígena; elas têm, pelo menos, o limite das represálias mterna-
cionais, que se opõem aos desregramentos de impostos exces-
. , sivos e, assim, a indústria precisa de ser cada vez mais execu
tada dentro das técnicas, para se tornar barata e vitoriosa. [...]
a bom senso, pois, aconselho o emprego da tabela móvel. [...1
Penso, Sr. Presidente, que assim como o Executivo pode abrir,
em certos casos, as alfândegas à entrada de produtos estran
geiros, em socorro do consumidor, deve também estar ele ar
mado do recurso de alterar a cobrança dos impostos, indo até
a proibição, qugndo uma súbita elevação cambial ou qualquer
outro fator ameaça a vida do comércio e das indústrias. [...I Ou
tro ponto do meu discurso que sofreu algumss críticas mais ou
menos severas é o referente à revisão tarifária sobre matérias-
primase à aplicaçãode impostos diminutos sobre as que forern
empregadas na manipulação de artigos exclusivamente desti
nados à exportação.81

Simões Lopes exemplificava com o caso da indústria de


couros, para a qual os impostos de importação eram da or
dem de 20% sobre os produtos já beneficiados e de 40% a
88% para matérias-primas e ingredientes, como couros e pe
les secas e salgadas, suifureto de sódio, alumem de cromo,
{\Ad^ bissulfito de sódio, azul da Prússia, etc. A.s tarifas protecio-
^• nistas, no seu entender, deveriam variar confco^^ conve-
\^^- rüfínnias da indústria ^.jjgjxabalho nacional. Sem dúvida,
I rtratava-se de uma posição mais protecionista e abrangente
I Ipara aindústria nacional do que aquela proposta antes por Ho-
[ «mero Batista...
Se, contudo, no caso da indústria do couro, o deputado
gaúcho colocava-se a favor dos interesses dos empresários
do ramo, que queriam elevação de tarifas sobre produtos si
milares estrangeiros e redução de impostos sobre os insumos
necessários, no caso das indústrias de fiação e tecelagem os
interesses empresariais eram outros. No mesmo ano de 1926,

81 Anais da Câmara dos Deputados cte 1926. v.IX.p.267-70.

144
em ofício encaminhado pela Associação Comercial de Porto
Alegre ao presidente do Estado, os representantes do setor
solicitavam que intercedesse junto ao governo federal para
que fosse obtido um aumento de 100% na tarifa sobre a im
portação do fio de Iã82. A medida, no caso, tanto beneficia
va os industriais do ramo quanto preservava o mercado re
gional para os fornecedores locais da matéria-prima, os es-
tancieiros da região da Campanha.
A respeito do protecionismo, referia nesta época um dos
expoentes da inteiligentzia local, Emílio Kemp:

O protecionismo é uma feição da economia dos povos novos


em face da expansão industrial das antigas populações produ
tivas. É uma expressão irrevogável de cada país dentro das pos
sibilidades da sua produção. Negar aos povos novos e enérgi
cos esta defesa é negar-lhes a capacidade de produzir, de vive
rem das suas próprias forças, de serem economicamente inde
pendentes e como a independência econômica é a melhor afir
mativa da independência política, é também negar-lhes esta prer
rogativa. Os livre-cambistas argentinos dizem que o protecio
nismo levou, no Brasil, ao encarecimento da vida e à pobreza.
Não é verdade, tudo progride no Brasil e não temos milhares
de desempregados como na Argentina.

O autor encerrava seu artigo enfatizando a importância


do desenvolvimento industrial do país e a necessidade de rom
per a dependência para com a Inglaterra e os Estados Unidos,
como se a nação fosse uma colônia desses países.
No final da década de 20, novamente voltavam a
manifestar-se os parlamentares gaúchos na defesa de um pro
duto específico da sua indústria: o charque, ameaçado mais
uma vez pela presença do concorrente platino no mercado e
pelo contrabando do produto.
Já em 1927 o deputado situacionista gaúcho Joaquim
Luís Osório denunciava ser enorme a massa de charque plati
no que, por processo de guias falsas, que asseguravam ser
brasileiro o produto, penetrava nos mercados consumidores
do país sem pagar direitos aduaneiros. Com isto, alegava o
deputado, fraudava-se o fisco e prejudicava-se um ramo da

82 Sérgio da Costa Franco, Porto Alegre e seu Comércio. Porto Alegre,


Associação Comercial de Porto Alegre, Metrópole, 1983. p.115.
83 Protecionismo e livre-câmbio. A Federação, Porto Alegre,
24 nov. 1 926. p. 1.

145
indústria nacional.^4 Jais medidas foram encaminhadas ao
Congresso quando era ministro da Fazenda Getúlio Vargas.
Entretanto, foi só no ano seguinte, quando Getúlio já havia
assumido a presidência do Estado do Rio Grande do Sul, na
sucessão de Borges de Medeiros, que a situação equacionou-
se, através de uma atuação conjunta do governo gaúcho e
das bancadas do PRR e da oposição libertadora no
Congresso^s. O governo federal optou pela desnacionaliza
ção do charque, ou seja, declarando estrangeiro todo artigo
que transitasse pelas repúblicas platinas para atingir o mer
cado nacional, o que implicava o pagamento de impostos de
importação. Tentava o Rio Grande, desta forma, impedir o trá
fico de guias falsas. Prejudicado nesta questão ficou o esta
do do Mato Grosso, cuja produção de charque demandava o
escoamento pelo Prata para chegar aos mercados brasileiros
litorâneos86. Nesta opção do governo central pela satisfação
dos interesses do Rio Grande, contaram não apenas as possí
veis pressões e habilidades dos representantes gaúchos no
Congresso, como João Neves da Fontoura ou do próprio Var
gas, mas também o peso político do estado sulino como gran
de eleitor nas gestões presidenciais que se aproximavam. No
dizer de Love^^, Washington Luís procurava contar com o
apoio do Rio Grande do Sul e se dispunha a pensar inclusive
na possibilidade de um candidato gaúcho, se Minas Gerais ve
tasse o nome de Júlio Prestes.

.V Nos anos finais da Velha República, os industriais gaú-


cJtos não participarsLoijiajQ^ampanha protecionista levada a
efeito pelos represe-Díaníes da indústria têxtil do centrò eco
nômico do-pafer A valorização cambial promóvídã~pür-Artur
Bernardes possibilitara maiores facilidades para as importa
ções. A burguesia industrial do eixo Rio-São Paulo, desta for
ma, apoiou o plano de estabilização cambial de Washington

A Luís, e particularmente os representantes da indústria de te-

84 Anais da Câmara dos Deputados de 1927. v.V. p.356.


85 Desde 1923, articulava-se no Rio Grande do Sul a Aliança Libertado
ra, integrada pelos antigos federalistas (maragatos) e por dissidentes
republicanos. Em 1928 constituíram-se no Partido Libertador.
86 Para uma análise mais profunda desta questão, consultar: Sandra Ja-
tahy Pesavento, República Velha Gaúcha: charqueadas, frigoríficos e
criadores. Porto Alegre, Movimento, lEL, 1980.
87 Love, op.cit., p.243.

146
cidos batalharam pela elevação das tarifas sobre os tecidos
de lã e algodão, o que só foi efetivado em 192088. A este
respeito, não foram encontrados dados na imprensa ou nos
anais do Congresso Nacional que indiquem ter aquele ramo
dos empresários gaúchos se posicionado isoladamente ou
através dos representantes do PRR na Câmara dos Deputados.
Outro imposto que ficou afeto ao governo federal, que
fora criado em 1898, foi o de consumo. No dizer de Souza
Martins89, com isso o Estado reconheceu que as taxas de im
portação não cobriam a totalidade do consumo da sociedade
brasileira e que o tesouro federal estava, em conseqüência,
perdendo dinheiro. Desde então, os rendimentos públicos pas
saram a depender progressivamente deste imposto e, portan
to, da industrialização. O setor industrial passou, pois, a ter
uma importância vital para a burocracia pública. Assim sen
do, a indústria ganhou a sua importância nas decisões
governamentais.
Também nesta questão se fez presente a bancada es
tadual no Congresso. Já em 1902 o deputado gaúcho Ger
mano Hassiocher pronunciava-se contra a conveniência dos
impostos federais de consumo, que, na sua opinião, traziam
o aniquilamento das indústrias, com a conseqüente perturba
ção do trabalhoso. Neste sentido, exemplificava com o caso
dos vinhos doces, estando a fabricação nacional sobrecarre
gada de impostos e não podendo suportar a concorrência dos
similares estrangeiros.
A reclamação contra os impostos cobrados pela União
seria uma constante. Em 1908, o secretário da Fazenda afir
maria em seu relatório ao presidente do Estado:

[...1 Esta política antieconômica, de depauperamento [...] não


é, decerto, uma política genericamente republicana, que vise for
tificar os laços federativos. [...1 Não é autônomo quem não tem
independência econômica e não pode aspirar a tê-la quem é obri
gado a dar mais de dois terços de suas rendas como tributo.
[...] Bem andaram os patriotas rio-grandenses que, na Consti
tuinte, guiados por Júlio de Castilhos, sustentaram o princípio

88 Leme, op.cit., p.50-1.


89 José de Souza Martins, O Cativeiro da Terra. São Paulo, Ciências Hu
manas, 1 979. p. 1 1 5.
90 Anais da Câmara dos Deputados de 1902. v.VII. p.491.

147
das quotas proporcionais com que cada estado deveria concor
rer para a manutenção da federação.9"'

Em 1914, Gumercindo Ribas, num discurso em defesa


dos interesses econômicos do Rio Grande, alegava;

Alguns produtos do Rio Grande do Sul, que representam parce


las importantes na sua conta de exportação, foram agora gra
vados com pesados impostos de consumo, que, a vigorarem,
trariam em resultado imediato a ruína completa de uma parte
da produção do estado. Nesse caso estão o vinho, o fumo em
folha e corda, a cerveja e a aguardente produzidos no Rio Gran
de do Sul. Estes produtos não suportam o gravame que sobre
eles descarregou o projeto de orçamento da receita para o or
çamento vindouro.92

A questão da incidência do imposto de consumo fede


ral sobre estas indústrias típicas do Rio Grande assumiria ní
veis mais alarmantes. Em 1915, a revista O Progresso noti
ciava que alguns fabricantes do município de Santa Cruz (zo
na por excelência na produção de fumos e cigarros) haviam
fechado seus estabelecimentos e dispensado seus operários,
tendo em vista a nova tributação que havia incidido sobre os
artigos de sua fabricação. A situação se tornava ainda mais
grave pela coincidência dos impostos de consumo federais e
estaduais e pelo aumento de outros impostos. O artigo aler
tava que, com o desaparecimento das empresas locais, se
abriria espaço

[...] à invasão do mercado pelos cigarros de outros estados ou


do Rio, fabricados em grandes etabelecimentos, talvez, com o
fumo exportado em folhas do Rio Grande do Sul mesmo, e que
nos voltarão mais baratos que o daqui, porque menos onera
dos de impostos.93

A cobrança dos impostos federais de consumo era pro


porcional ao próprio tamanho da empresa, avaliado pelo nú
mero de operários que possuía^^^ mas, mesmo assim, se as
grandes fábricas recebiam a maior incidência de carga tribu-

91 Relatório de Secretaria dos Negócios da Fazenda de 1908. p.54-5.


92 Anais da Câmara dos Deputados de 1914. v.XI. p.474.
93 O Progresso, Porto Alegre, jan.1915. 16.
94 Registro para o fabrico e o comércio. Revista do Comércio e Indústria
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, jan.1919.7.

148
tária, nas pequenas tornava-se difícil suportar uma taxação
mesmo mais reduzida.
No caso citado, o resultado deste processo foi a entra
da da British Tobacco na área, por um lado, e a concentração
empresarial dos fabricantes locais, por outro, formando a
Companhia de Fumos Santa Cruz.
O problema que se apresentava era, na verdade, decor
rente tanto das necessidades fiscais do governo quanto do
próprio desenvolvimento do setor industrial no país, com o sur
gimento de novas empresas e a inclusão de outros artigos su
jeitos àquela taxa. O período da guerra havia, neste sentido,
contribuído para o incremento da arrecadação, pelo maior nú
mero não só de espécies tributadas como de empresas, de
terminando que, em 20 anos, o valor total da arrecadação,
de 1898 para 1917, tivesse aumentado em 878%95.
A expansão do crescimento industrial e a impraticabili-
dade do recurso a novos empréstimos na época da guerra le
vara o governo federal, por seu lado, a lançar mão do aumen
to renovado dos impostos, como o de consumo^^. A situa
ção dos impostos, neste caso, era criticada pelo seu duplo
efeito: por um lado, aumentavam os impostos de importação
sobre artigos estrangeiros, como os tecidos, fumo e bebidas,
mas, por outro, ficava encarecido o produto nacional similar
com a incidência de pesados impostos de consumo. Os inte
resses da arrecadação fiscal do governo, no caso, se veriam
fraudados com o enfraquecimento ou mesmo fechamento de
muitas empresas, além do inevitável agravamento das condi
ções de vida e da carestia.
Embora os periódicos locais fossem pródigos neste tipo
de acusação, a representação gaúcha no Congresso não per
seguiu com veemência esta meta justamente na década de
20, quando tais impostos foram elevados pelo governo fede
ral. Da mesma forma, como já foi dito, os parlamentares gaú
chos não participaram da campanha protecionista do final da
década de 20, nem os fabricantes rio-grandenses se pronun
ciaram a este respeito pelos canais políticos ou pelos periódi
cos especializados.

95 o Progresso, Porto Alegre, mar. 1 91 9.65.


96 Novos Impostos. Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, out.1919. 10, p.501-2.

149
Aliás, como se viu, na década de 20 assistiu-se a um
refluxo do encaminhamento dos problemas propriamente "in
dustriais'' pelos deputados gaúchos junto ao Congresso Na
cional. A explicação, mais uma vez, parece dar-se pela alian
ça que garantia a permanência do PRR no poder. É preciso
lembrar ainda que, com a crise econômico-financeira do pós-
guerra, que atingiu particularmente a pecuária gaúcha, a opo
sição maragata arregimentou-se e foi às armas na Revolução
de 1923, com a adesão de dissidentes do partido republica
no, formando a Aliança Libertadora. Ameaçou-se, com isto,
a estabilidade do grupo no poder, fato notado principalmente
-por uma nova geração de republicanos que emergia (Getúlio
Vargas, Lindolfo Collor, Osvaldo Aranha, Firmino Paim Filho)
e que passou a dedicar maior atenção à pecuária e à indústria
dela decorrente (o charque). Tal tipo de política possibilitou,
por sua vez, a união política interna do Rio Grande do Sul em
1929, com a formação da Frente Única Rio-Grandense e a pró
pria participação na Aliança Libera|97,

2.3 Um delicado equilíbrio: a política econômico-


financeira estadual e os industriais

O PRR, desde a sua constituição como partido, bateu-


se pelo equilíbrio orçamentário e pela substituição dos impos
tos indiretos pelos diretos. Assim sendo, as Bases de 1884
referiam:

Sobre matériade impostos se esforçarão pela redução das atuais


taxas a menores valores. Quando seja indispensável a criação
de novos impostos, procurarão adequá-las à doutrina do parti
do, que considera o imposto direto como o verdadeiramente
eqüitativo e o único capaz de desafiar a fiscalização do contri
buinte, sustentando a criação do imposto territorial e a elimina
ção possível de impostos indiretos.^8

Numa análise sobre a interação entre as concepções de


Comte sobre economia e as de ordem política e moral.

97/ Para maiores explicações sobre o problema, consultar: Pesavento, A


República..., op.cit.; . RS: A Economia e o Poder nos Anos 30.
Porto Alegre, Mercado Aberto, 1980.
98 S.C.Franco, Júlio de Castilhos... op.cit., p.27.

150
Boeira99 estabelece que, para o pensador francês, mais im
portante que a forma de governo seria a capacidade de con
trole que este governo deveria ter sobre a vida econômica,
tendo em vista os interesses comuns da sociedade. Quando
Comte menciona ''interesses comuns" da sociedade, refere-
se basicamente aos interesses econômicos dos grupos dos
produtores, considerados todos eles compatíveis entre si. O
governo, no caso, deve agir em nome da produção em geral
e remover obstáculos ao livre desenvolvimento das forças pro
dutivas. Até então, o que os governos haviam feito era incre
mentar a taxação e arrecadá-la. Na concepção comtiana, o
imposto seria "antecipação" feita sobre a indústria, que os
governos arrecadavam e empregavam de forma improdutiva,
muitas vezes desvinculada da produção. Neste sentido, na sua
opinião, as taxas deveriam ser tão baixas quanto possível, ar
recadadas de acordo com os métodos menos dispendiosos
e aplicadas da forma mais benéfica para o cidadão^oo. Com
te iria ao ponto de sugerir que uma verdadeira reforma políti
ca estaria na reforma orçamentária.
Através de um controle adequado das leis orçamentá
rias, o povo poderia recusar fundos para investimentos con
siderados não desejáveis, forçando o governo a contabilizar
suas despesas para provar a real necessidade de novas taxas
ou gastos. Caberia notar, segundo Boeira, que a proposta com
tiana resultante destas concepções seria a de uma Câmara
de Deputados com poderes para corrigir, reduzir ou aumen
tar o orçamento apresentado pelo presidente. Por outro lado,
derivaria também desta postura a noção da superioridade dos
impostos diretos sobre os indiretos, ou da preferência do im
posto territorial como a única fonte racional de renda do go
verno, em substituição aos impostos de consumo ou de ex
portação, que oneravam os produtores.
Neste contexto, o programa partidário do PRR consa
grou, entre suas teses financeiras e econômicas, os princí
pios do equilíbrio orçamentário, da estabilização da moeda
e da preponderância dos impostos diretos sobre os indire
tos com a eliminação possível destes e a criação do imposto
territoriaP^^ Por outro lado, à Assembléia de Representan-

99 Boeira, As Idéias Econômicas... op.cit.


100 Boeira, As Idéias Econômicas... op.cit.
101 Osório, op.cit., p.48-9.

151
tes do Estado, tal como foi organizada no Rio Grande, com
petiria fixar anualmente a despesa e orçar a receita do esta
do; criar, aumentar ou suprimir impostos; autorizar o presi
dente a contrair empréstimos; e votar todos os meios indis
pensáveis à manutenção dos serviços de utilidade pública cria
dos por lei.
Já no Congresso Constituinte Rio-grandense de 1891,
por ocasião da elaboração da Constituição estadual, foi esta
belecido, no artigo 48, que a Assembléia poderia tributar a
importação de mercadorias estrangeiras destinadas ao con
sumo no território do estado, revertendo a renda para o Te
souro Federal quando a tributação tivesse por efeito colocar
em condições de igualdade os produtos da indústria rio-
grandense e os similares estrangeiros, numa intenção
protecionista''02. Da mesma forma, ficou estabelecido que só
à Assembléia competia lançar impostos sobre a exportação
ou suprimir a tributação sobre os produtos exportados''^^.
Face a tais condições, o então presidente do Estado, Jú
lio de Castilhos, na sua exposição de motivos do projeto de
orçamento da receita e despesa, referiu-se ao caráter antie
conômico do imposto sobre a exportação, lamentando não ser
possível naquele momento a sua extinção e substituição pelo
imposto territorial, seu natural sucedâneo, em vista do curto
espaço de tempo que estava ocupando a chefia do Estado.
Prosseguia Castilhos referindo que a renda deste imposto es
tava calculada em 8% com relação a todos os produtos ex
portados, mas tendo em vista as reclamações apresentadas
em nome do comércio e da indústria e o fato de que algumas
mercadorias não podiam suportar esta taxa, propunha um no
vo cálculo, com taxas diferenciadas conforme as espécies de
produtos, sem prejuízo da importância geral do imposto^O"^.
O parecer da Comissão de Orçamento sobre esta ques
tão levou em consideração tanto o fato de que as indústrias
deviam concorrer para o aumento da fortuna pública quanto
à preocupação de diminuir as taxas sobre as indústrias em vias
de desenvolvimento. Neste sentido, foi fixada uma taxa de
2% sobre produtos como arroz beneficiado, aguardente, ar-

102 Anais do Congresso Constituinte do Estado do Rio Grande do Sul de


1891. p.54.
103 Ibidem. p. 1 6.
104 Anais da Assembléia de Representantes de 1891.p.31.

152
reios, cerveja, chapéus, chita, cola, couros curtidos, escovas,
fumos manufaturados, lã beneficiada, leite condensado, lico
res, legumes, carnes e frutas enlatadas, máquinas, mobílias,
papel, sabão, sabonetes, sola, vinho, velas, etc., ''assim co
mo todos os produtos da indústria"^°^ . A taxa de 4% inci
dia sobre produtos agrícolas in natura, além de farinha de man
dioca, polvilho e remédios; a taxa de 5% recairia sobre o ar
roz em casca, banha, toucinho, ervilha e feijão. A banha, neste
caso, estava sendo considerada como indústria já estabele
cida e não incipiente, sobre a qual incidia uma alíquota um pou
co maior. Tal fato, contudo, fez com que seus produtores so
licitassem isenção de direitos para a exportação, alegando a
concorrência estrangeirados. Maior tributação incidiria sobre
outros produtos manufaturados, como o charque e o óleo de
mocotó, com impostos de 6%. Em termos gerais, os produ
tos da zona da Campanha^o^ não-manufaturados eram tribu
tados com taxas de 7% e 9%.

Cabe ressaltar, portanto, que na proposta de orçamen


to as taxas menores incidiriam sobre os produtos industriais
e as maiores sobre os produtos bovinos não beneficiados des
tinados à exportação. Além do seu conteúdo protecionista
com relação à indústria, buscando desagravá-la com a atri
buição de menores alíquotas, restava ainda um incentivo ao
beneficiamento dos produtos primários no próprio Estado, uma
vez que sobre a exportação da matéria-prima incidiam maio
res taxas do que sobre a exportação de manufaturados.
Por outro lado, o mesmo orçamento, encaminhado nes
te ano para o exercício de 1 892, previa a cobrança de impos
tos de importação sobre calçados, fumos, cervejas, licores,
líquidos, vinhos, vermutes, móveis de madeira, cofres, dobra-
diças, fechaduras, fogões e artigos de folhas-de-Flandres.^°®
Em suma, o projeto de orçamento do governo estadual
apresentava uma nítida orientação no sentido de favorecer as
indústrias locais e de garantir uma reserva de mercado. Para

105 Ibidem. p.37 et seq.


106 Ibidem. p.7.
107 A zona da Campanha gaúcha correspondia aos municípios de Bagé,
Dom Pedrito, Cacimbinhas, Piratini, Erva!, Arroio Grande, Santana do
Livramento, Quaraí, Uruguaiana, Rosário do Sul, São Gabriel, Caça-
pava do Sul, São Sepé e Alegrete.
108 Anais da Assembléia de Representantes de 1891. v.ll. p.41.

153
isso, o governo estadual lançava mão de duas medidas a seu
alcance: reduzir os impostos de exportação e tributar as mer
cadorias vindas de fora do Estado. Procurava, portanto, pro
porcionar ao empresário a defesa do mercado regional e a con
quista do espaço no mercado nacional.
O posicionamento favorável do partido no tocante ao
problema industrial pode ser apreciado através das palavras
do deputado Aureliano Barbosa, no discurso em que discutia
o projeto de orçamento para 1892 enviado por Júlio de Cas-
tilhos à Assembléia de Representantes:

Assim é, senhores, que entendo que para tempos melhores, que


hão de vir, o Rio Grande do Sul há de, infalivelmente, tornar-se
um estado produtor de primeira ordem e mais industrial do que
outro qualquer. Por assim pensar, e comigo os meus ilustres
companheiros de comissão, entendemos que devíamos, como
apologistas sinceros do seu grandioso futuro, fazer o possível
para permitir e animar este desenvolvimento gradual e lento, de
maneira que o nosso Rio Grande possa chegar ao grau de Esta
do completamente industrial.''09

Este posicionamento do governo, identificando a indús


tria como setor gerador de progresso e com presença mar
cante na economia do Estado, seria em outros momentos lem
brado pelos poderes públicos. Em 1 896, o relatório da Secre
taria da Fazenda indicava que o imposto de indústrias e pro
fissões, cuja arrecadação fora transferida aos estados pelo ar
tigo 9.° n.° 4, da Constituição Federal, aparecia em terceiro
lugar como fonte de receita. Complementava o relatório:

Este fato, que desde si é bastante significativo, nos deve mere


cer mais reparos [...] a rentabilidade de que trata tem ido sem
pre em progresso crescente, atestando por tal forma o desen
volvimento da nossa atividade e progresso industrial.^

Entretanto, já desde estes anos iniciais iria configurar-


se um problema que se tornaria permanente para o governo:
o da conciliação entre uma proposta de desagravar os produ
tores com as necessidades de arrecadação do Estado,

109 Anais da Assembléia de Representantes de 1891. p.46-7. Apud Enno


D. Liedke F?, Imposto de Exportação e Imposto Territorial, s.n.t. (xe-
rografado) p. 1 4.
110 Relatório da Secretaria dos Negócios da Fazenda de 1896. p.23.

154
mantendo-se o projeto do ''equilíbrio orçamentário".
Por exemplo, a meta da substituição progressiva dos im
postos de exportação pelo territorial foi retardada, tendo em
vista a Revolução Federalista de 1893-1 895 e a instabilidade
política inicial dos primeiros anos republicanos no Estado, que
levaram o governo a concentrar recursos em outros setores,
como a forca pública, com a criacão da Brigada Militar em
1892.

O retardamento da implantação da reforma financeira


ensejou que se multiplicassem, os pedidos de empresários jun
to à Assembléia de Representantes com referência ao desa
gravo de impostos. Até 1898, a baixa cambial favoreceu as
empresas no sentido de tornar mais difícil a importação de pro
dutos estrangeiros. Em termos gerais, os pedidos feitos por
indústria, em particular, ou por ramo, englobando vários pro
dutores de um mesmo artigo, diziam respeito à isenção ou re
dução dos impostos de exportação e de indústrias e profis
sões ou à elevação das taxas de importação sobre a entrada
no Rio Grande de produtos industrializados de outros estados
da União^^^.
Desde este momento, portanto, evidenciava-se um pro
blema que se confirmaria nos anos subseqüentes para as em
presas gaúchas: além de lidar com a concorrência estrangei
ra (como no caso da banha norte-americana), teriam de fazê-
lo também com a concorrência da indústria no centro do país.
Com os manufaturados algo semelhante aconteceria ao
nível do mercado nacional. Na mensagem de 1902, o presi
dente Borges de Medeiros referia que, embora as exportações
gaúchas aumentassem, não aumentava proporcionalmente o
seu valor, o que era considerado efeito da concorrência da pro
dução de outros estados. Tanto São Paulo quanto Minas Ge
rais estavam diversificando sua produção. Em particular, es
te último estado concorria com o Rio Grande na indústria pas
toril e também agora na vinicultura^^^
A situação teria continuidade no ano seguinte, com o
agravante de que, uma vez chegados no centro do país, os

111 Consultar, a propósito, os Anais da Assembléia de Representantes de


1891 a 1902.
112 Mensagem presidencial de 1902. p. 17.

155
produtos gaúchos enfrentavam concorrentes nacionais me
lhor situados quanto à proximidade dos mercados consumi
dores''^^. Portanto, a concorrência que outros estados — no-
tadamente Rio, Minas e São Paulo — faziam aos manufatura
dos gaúchos se exercia não apenas nos mercados consumi
dores do centro-sui e nordeste do país como também no mer
cado regional.
Em 1904, a mensagem presidencial revelava a diminui
ção de diversas manufaturas (aniagens, brins e algodões, ca-
simiras, camisetas, cobertores, flanelas, pelúcias, ponchos,
sarjas e tecidos de seda), tendo em vista a competição que
as fábricas de tecidos do Rio de Janeiro e do "Norte" faziam
ao Rio Grande do Sul, apontando como solução para o caso
a supressão de impostos e a redução dos fretes^
Quanto à supressão dos impostos, a mensagem referia
que uma recente lei do Congresso Nacional, eliminando im
postos interestaduais, teria posto fim à "guerra das tarifas",
e que restaria ao poder público solucionar a "questão dos
transportes" no Estado, com a abertura de um porto para o
mar e com a conseqüente redução dos fretes. Todavia, ainda
na esfera de competência estadual, o governo tinha o recur
so, aliás, demandado com insistência pelos empresários, de
reduzir os impostos sobre os produtos manufaturados
localmente.
Em 1896, seria lembrado o retardamento que se verifi
cava no lançamento do imposto territorial como base da re
ceita do Estado, face aos problemas enfrentados pelo gover
no com a Revolução Federalista. Ao mesmo tempo, o gover
no solicitava aos deputados que não decretassem a redução
das taxas de exportação face às necessidades fiscais''
Apesar deste aspecto de emergência, ocorreram, nos anos do
conflito armado e nos subseqüentes, algumas alterações na
fixação das alíquotas para cada produto.
Em 1893, o industrialista Manoel Py, deputado republi
cano integrante da comissão de orçamento, apresentou pe
rante a Assembléia esclarecimentos sobre os motivos da tri
butação do charque a 6%. Dizia o deputado que a comissão

113 Mensagem presidencial de 1903. p. 19-20.


114 Mensagem presidencial de 1904. p.130.
115 Anais da Assembléia de Representantes de 1896. p.26.

156
não tinha encontrado meios de equilibrar o orçamento sem
elevar a taxa do imposto de exportação do charque e de ou
tros artigos, mas mesmo com esta alíquota o produto gaú
cho apresentaria uma situação vantajosa no mercado interno
brasileiro frente ao similiar de procedência platina""Em úl
tima análise, era preciso que o governo contrabalançasse suas
necessidades de arrecadação com a proposta de desagravar
a indústria de impostos, ora beneficiando um ramo, ora outro.
A argumentação dos deputados não-empresários em fa
vor da indústria revelou-se sempre mais elaborada e rica em
análise do que aquela dos parlamentares empresários. Veja-
se, a propósito, o parecer dos deputados integrantes da co
missão de petições e reclamações sobre o pedido dos fabri
cantes de banha de Porto Alegre a respeito da fraude na fa
bricação do produto. Os deputados, na sua explanação, ale
gavam ser inviável a expansão das indústrias sem a interfe
rência benéfica do poder público. Entretanto, o Estado não
deveria '"desfraldar a bandeira protecionista diretamente"
mas sim atuar de maneira indireta, reduzindo impostos e pro
porcionando a abertura e o desenvolvimento das comunica
ções, a fim de conseguir o progresso industrial.
Deve ser ressaltada a referência aos princípios nortea-
dores da ação do Estado com relação ao setor: a forma indi
reta, pela qual o poder público não se tornava o promotor de
um ramo de produção em especial, mas assegurava as con
dições de desenvolvimento do mesmo, assim como de outros
mais que viessem a necessitar auxílio. Reafirmando esta pos
tura, em 1902 o presidente do Estado recomendaria o exer
cício deprudente interferência oficial em tudo o que disses
se respeito à expansão das forcas econômicas do Rio Gran-
de^i8.
Em 1 902, o governo explicava mais uma vez o retarda
mento da implantação da reforma financeira pelas ""dificul
dades insuperáveis da época'", o que todavia não havia im
pedido de atenderem os ""justos reclamos da agricultura e da
indústria contra o gravame dos gêneros exportados"^

116 Anais da Assembléia de Representantes de 1893. p.57.


117 Ibidem.
118 Mensagem presidencial de 1902. p.16.
119 Ibidem.

157
Por ocasião da implantação da República, o imposto de
exportação correspondia à principal fonte de receita do Esta
do, secundado pelo de transmissão de propriedade. A implan
tação do imposto territorial, que deveria substituir o de ex
portação como base da arrecadação estadual, não era uma
tarefa fácil, tendo em vista as suas implicações econômicas,
sociais e políticas. A questão dos impostos, contudo, não se
esgota na sua dimensão propriamente econômico-financeira:
desonerar a produção, e principalmente a produção para ex
portação. Por este prisma se revelaria a preocupação do go
verno em promover a expansão dos diferentes setores pro
dutivos do Estado e conquistar o mercado interno brasileiro.
Por seu lado, a dimensão sócio-política de beneficiar tais se
tores tinha sua expressão na aliança republicana.
Optar por tal caminho, contudo, tinha a sua contrapar
tida, que era a de onerar a propriedade da terra, particular
mente o latifúndio pecuarista. Em 1 902, ao propor à Assem
bléia de Representantes a inclusão do imposto territorial no
orçamento do estado para 1903, Borges sugeriu que este im
posto incidisse sobre a extensão da terra e sobre o valor ve
nal, incluídas as benfeitorias. Justificando sua proposta, o pre
sidente argumentava que muito pouco material até então ha
via sido incorporado ao solo, de modo que não deveria propi
ciar muitas objeções^^o
A proposta gerou reações imediatas dos fazendeiros rio-
grandenses, que enviaram uma representação à Assembléia,
em novembro de 1903, criticando o critério utilizado para o
imposto territorial e propondo que, em vez de taxar o valor
venal — das terras, incluindo benfeitorias, fosse taxado o ren
dimento líquido das terras^^i Alegavam os signatários da re
presentação (fazendeiros dos municípios de Bagé, Cacimbi-
nhas e Pinheiro Machado) que os proprietários rurais pagavam
muitos outros impostos, de sorte que ficariam sobrecarre
gados.
Segundo Minella existiriam aqui

[...1 delineadas duas posições, duas concepções diferentes: uma

120 Mensagem presidencial de 1902. p.31.


121 Ary Minella, Estado e Acumulação Capitalista no Rio Grande do Sul:
o orçamento estadual na Primeira República. Porto Alegre, UFRGS, s.d.
p.4. (xerografado)

158
que pretende aliviar os encargos sobre a propriedade e mantê-
los sobre o rendimento e outra que propõe justamente o
contrário.''22

Apesar das discussões que se travaram na Assembléia


a respeito desta reação dos fazendeiros, o imposto territorial
foi implantado em 1903, tendo o governo aumentado em
''200% o valor cobrado sobre a extensão, de 10 para 30 réis
o hectare e de 0,20 para 0,25% o valor venaP^^.
Note-se, no caso, que a adoção da medida representa
uma vitória da aliança republicana ou da associação dos se
tores detentores do capital não-agrário, contra as pretensões
dos proprietários de terra. Todavia, sabe-se que o núcleo for
mador do PRR era constituído também por pecuaristas que
se apresentavam conformes com a efetivação daquele impos
to. Quer parecer que o controle do poder político do estado
por estes grupos e a possibilidade de fazerem uso proveitoso
de suas ligações com outros grupos de capitalistas ''24 eram,
por si só, condições objetivas de endosso de uma idéia apre
sentada ideologicamente como a mais progressista. A arre
cadação do imposto territorial começou em 1904, com uma
participação efetiva de 16,16% na receita do estado contra
30,02% do imposto de exportação^^s
A incidência de aumentos nesta alíquota seguiu, assim,
um delicado equilíbrio no interior da aliança republicana e desta
com os pecuaristas da oposição. Sendo a zona da Campanha
a maior contribuinte do imposto territorial e o reduto mais forte
do oposicionismo gaúcho, quando o governo mantinha a alí
quota sem alterações era para não agravar as suas relações
com esta região. Quando as despesas governamentais o obri
gavam ou ele sentia-se forte, reajustava os valores''^®.

1 22 Ibidem. p.5.
1 23 Ibidem. p.8.
1 24 Caberia fazer uma retomada de todas as possíveis ligações econômi
cas entre pecuaristas no PRR e grupos comerciais, financistas e in
dustriais do Estado, expandindo seus negócios ou diversificando sua
atividade para outros setores. Seria o caso, por exemplo, de Alberto
Roberto Rosa, pecuarista de Pelotas, charqueador e incorporador da
Companhia Fiação e Tecidos Pelotense e do Banco Peiotense, homem
de confiança de Borges de Medeiros.
125 Enno D. Liedke F.°, Despesas Estaduais Sul-Rio-Grandenses —
1890-1922. 1973 (xerografado)
1 26 Ibidem. p.6.

159
Na medida em que o imposto territorial foi implantado,
processou-se a política de redução das alíquotas sobre a ex
portação. Refere Lagemann sobre a política tributária estadual:
A produção industrial mereceu, desde a Prociamação da Repú
blica, o tratamento tributário mais favorecido, fixando-se as alí
quotas para a exportação em 2%, em 1892, em 4% de 1893
a 1903 e de 3% de 1904 a 1908. Os produtos agrícolas, em
regra, sofreram uma tributação de 4% sobre o valor das saídas
para fora do estado de 1892 a 1903 e de 3% de 1904 a 1908.
A maior carga incidia sobre os produtos e subprodutos da pe
cuária. A alíquota inicial, de 9%, em 1892, foi elevada para 10%
em 1893 e voltou para 9%, novamente, em 1904.'2'

Há que ressaltar, contudo, a não-inclusão, pelo autor,


do charque e da banha entre os produtos industriais, e sim
como produtos e subprodutos da pecuária, indicando que os
mesmos teriam um tratamento preferencial dentro deste ra
mo. Mas é de registrar que, no presente trabalho, a classifi
cação adotada para produto industrial não diz respeito à ori
gem da matéria-prima, como ficou já exaustivamente prova
do. Por outro lado, estes produtos citados, se comparados
com os artigos in natura da pecuária, tiveram um tratamento
preferencial, mas, frente aos demais artigos classificados co
mo "industriais", sofreram taxas maiores em determinados
momentos.

Quanto ao charque, de 1892 a 1903 sua alíquota era


de 6% e de 1904 a 1908 de 2%, e, quanto à banha, era agra
vada com 5% em 1892, repetindo para os períodos seguin
tes a alíquota do charque. A explicação para estas oscilações
na atribuição das taxas de exportação pode ser dada pela in
vestigação de quais produtos industriais mereceram a isen
ção ou redução de impostos ao longo da República Velha
gaúcha.
Esta questão assume relevância na medida em que, mes
mo após a implantação da reforma tributária, as empresas gaú
chas continuaram a enviar solicitações à Assembléia de Re
presentantes, para que isenções fossem concedidas ou reno
vadas. Em princípio, seriam merecedoras de protecionismo dos

1 27 Eugênio Lagemann, A Industrialização do Couro no Rio Grande do Sul.


Porto Alegre, 1985. p.65 (xerografado)

160
poderes públicos as indústrias incipientes, as inexistentes no
estado e que quisessem se estabelecer no Rio Grande, as pe
quenas empresas e, finalmente, aquelas consideradas signi
ficativas para o estado, que beneficiavam matéria-prima local.
A argumentação dos peticionários e os pareceres apre
sentados pelas comissões de deputados sobre as solicitações
de empresários são ricos em informações sobre o "espírito"
que presidiu a execução de medidas protecionistas. Em 1905,
a comissão de orçamento elaborou um parecer, encaminha
do à Assembléia de Representantes, no qual propunha a su
pressão do imposto de consumo sobre o álcool desnaturado.
Era referido que o álcool, além de utilizar como matéria-prima
cereais e tubérculos cultivados no estado, estava tendo múl
tiplas aplicações na indústria, onde servia tanto como com
bustível para a produção do vapor (e, portanto, do movimen
to) como para produção de luz^^®. Por outro lado, a comis
são propunha que se estendessem os impostos de consumo
estaduais às cervejas, gasosas e águas minerais de outros es
tados da União, para que a produção regional pudesse enfren
tar esta concorrência. Tal medida protecionista fora possibili
tada pela lei de 5 de novembro de 1902, que estabelecia que
o governo ficava autorizado a arrecadar taxas sobre as mer
cadorias de consumo interno para amparar a indústria con
forme as suas necessidades.
Há que destacar, neste caso, aquela tendência, já apon
tada anteriormente, da penetração da indústria do centro do
país no mercado regional. Deve ainda ser ressaltado que tal
fenômeno se processava tanto nas fases de expansão da pro
dução (como no período do Encilhamento) quanto na fase de
expansão da capacidade produtiva, inaugurada após 1898,
com o saneamento das finanças do país, que possibilitou a
mais fácil entrada de artigos estrangeiros. Com relação ao vi
nho, que sofria a concorrência estrangeira, argumentava-se:

Industriais inteligentes e adiantados têm trazido à viticultura no


táveis melhoramentos, e o vinho rio-grandense começa a ter lar
go consumo não só em todo o Estado como no exterior, em que
seu uso se vai vulgarizando em lisonjeira aceitação. É, pois, de
lógica irrefutável que esta promissora indústria encontre amparo
por parte dos órgãos do aparelho governativo do Rio Grande do

128 Anais da Assembléia de Representantes de 1905. p.39-43.

161
Sul e que se a proteja de modo a esmagar a concorrência que
lhe é feita pelos vinhos artificiais inexplicavelmente equipara
dos às cervejas, gasosas e águas minerais, quando são noci
vos à saúde, verdadeiros inimigos do organismo humano.

Para proteger esta indústria, a comissão de orçamento


elevou o imposto de consumo sobre os vinhos artificiais e li
cores. Da mesma forma, a comissão sugeria lançar taxas até
o máximo de 8% ad valorem a produtos de procedência es
trangeira que viessem competir com os similares rio-
grandenses, entre os quais se encontravam a banha, biscoi
tos, bolachas, carne em conserva, charutos, couros curtidos,
farinha de mandioca, licores, cervejas, óleo de mocotó, sa
bão, sebo, tamancos, velas, escovas, charque, papel e pape
lão. Na verdade, este imposto de consumo era um imposto
de importação estabelecido pelo Estado, como aliás alertava
o deputado Joaquim Luís Osório''argumentando que a me
dida governamental tinha o fito de garantir o mercado regio
nal para as indústrias locais.

Quanto ao imposto de exportação, apesar da redução


das alíquotas os pedidos se sucederam. Em 1 906, Borges de
Medeiros encaminhou à Assembléia um pedido da Companhia
União Fabril, que solicitava isenção temporária do imposto de
exportação sobre aniagens. Da mesma forma, o industrial Fer
nando do Amaral Ribeiro solicitava, na mesma época, isen
ção do referido imposto para os produtos suínos de sua
fábrica''^''.

Retoma-se aqui a questão do caráter incipiente ou não


da empresa, para ser merecedora do protecionismo. A rigor,
a União Fabril era uma das maiores indústrias do Estado, bem
como o ramo têxtil também se achava suficientemente de
senvolvido; da mesma forma a banha, que era um dos ramos
mais antigos da indústria manufatureira gaúcha. Portanto,
eram ramos significativos e não incipientes; particularmente
no caso da União Fabril, não se tratava de uma pequena em
presa. A questão deixava entrever que justamente este tipo
de produto — as aniagens — estava definhando e que deve-

129 Anais da Assembléia de Representantes de 1905. p.39.


1 30 Ibidem . p.75.
131 Anais da Assembléia de Representantes de 1906. p.48.

162
ria ser amparado para enfrentar a concorrência da produção
de outros estados.''32
Quanto aos produtos suínos, a comissão de orçamento
decidiu, em 1906, isentar do imposto de exportação de 3%
pelo prazo de 3 anos os produtos da carne de porco, em con
serva de azeite e banha, desde que fabricados com matéria-
prima do estado e acondicionados em latas""^^. Neste está
gio de nível técnico, a indústria foi considerada incipiente e me
recedora de auxílio, com o fim de incitar os demais fabrican
tes a aperfeiçoarem seus processos de fabricação.
Por outro lado, a indústria de bolachas e biscoitos, tam
bém considerada incipiente, não comportaria o pagamento de
impostos, que levariam, o produto ao mercado nacional por
um preço mais alto. Como o objetivo era tanto suplantar a con
corrência estrangeira quanto conquistar os mercados de ou
tros estados da União, foi concedida a isenção do pagamen
to do imposto de exportação para este ramo industrial.
Em todos os pareceres se alertava que, quando as in
dústrias ficassem fortes, poderiam contribuir para os cofres
da União. A questão, contudo, não pode ser levada ao pé da
letra. O charque, por exemplo, justamente por ser "a maior
indústria do Estado", era considerado merecedor de "espe
cial atenção, evitando que se torne ilusória a proteção conce
dida pelo Congresso Federal, com a taxação do charque pla
tino"''No caso do charque, propunham-se medidas de Es
tado, anulando o ato do governo pernambucano, que criara
uma taxa de consumo sobre o charque proveniente do Rio
Grande, por considerar inconveniente para seus interesses a
taxa cobrada pelo governo gaúcho sobre aguardente e álcool
procedente daquele estado.
Da mesma forma, a fábrica de móveis de m.adeira ver
gada, por Walter Gerdau & Cia., foi considerada um ramo ma-
nufatureiro nascente e promissor, merecendo amparo para fir
mar sua colocação no mercado, pelo que a Assembléia
concedeu-lhe, em 1910, isenção do imposto de importação.
Quanto à instalação de indústrias inexistentes no Esta
do, o governo seguiu a orientação de apoiá-las, como no ca-

132 Anais da Assembléia de Representantes de 1907. p.79.


1 33 Ibidem. p.81.
134 Anais da Assembléia de Representantes de 1907. p.79.

163
so da fabricação de garrafas. Em 1907, ao emitir parecer so
bre uma petição neste sentido, a comissão de orçamento con
siderava que sua criação seria de grande utilidade para o acon-
dicionamento de vinhos, cervejas e licores, apresentando real
vantagem sobre o uso de barris, geralmente empregado,
garantindo-se a sua não-deterioração. Consideravam os
deputados;

Dotando-se pois o Estado com mais uma indústria perfeitamente


viável, é natural que se a proteja, de acordo com o programa
do patriótico governo do Dr. Borges de Medeiros e desta ilustre
Assembléia em relação ao desenvolvimento de nossas indús
trias, isentando os tributos [...] o que em nada altera o orça
mento da receita.

Outra indústria inexistente no estado, cuja instalação o


governo procurou facilitar mediante à concessão de incenti
vos fiscais, foi a de cimento e cal hidráulica. Assim, foi apro
vado um projeto de lei que isentava os estabelecimentos deste
tipo, que viessem a se estabelecer no Rio Grande, do paga
mento de todos os impostos pelo prazo de 10 anos''^®.
Caberia destacar, entre os pedidos apresentados, aque
les relativos à criação de empresas que beneficiassem sub
produtos da pecuária, como a de adubos, que se utilizava dos
ossos em estado natural ou calcinados. Além de se constituir
numa legítima "indústria natural", o produto final seria apli
cado na própria fertilização dos campos e dos terrenos de la
voura do Estado''37. Por outro lado, através desta medida se
procurava impedir a saída do Estado da matéria-prima. A pro
posta, tendo um caráter progressista, na medida em que vi
nha no intuito de racionalizar o aproveitamento de um resí
duo das charqueadas até então inaproveitado, gerou profun
das controvérsias de parte dos pecuaristas (como J. A. Flo
res da Cunha) ou mesmo de charqueadores (como Emilio Gui-
layn), que não viam proveito no apoio a uma indústria deste
tipo, argumentando que ossos e cinzas não valiam nada^^®.
Na verdade, confrontavam-se duas posições, dentro do pró-

135 Anais da Assembléia de Representantes de 1910. p.25.


136 Anais da Assembléia de Representantes de 1910. p.42.
137 Anais da Assembléia de Representantes de 1908. p.90.
1 38 Ibidem. p. 163.

164
prio PRR, entre as" possibilidades de aproveitamento e inte
gração entre os diferentes setores da economia.
Quanto à preferência de favores às "indústrias natu
rais", o parecer emitido com relação a uma petição dos fabri
cantes de calçados para redução de alíquotas de exportação
é demonstrativo da orientação governamental:

Considerando que a indústria de fabricação de calçados no Rio


Grande do Sul, empregando quase exclusivamente matérias-
primas de origem estadual, coopera, eficazmente, para o desen
volvimento de outras indústrias, notadameníe a do curtume; con
siderando que, mantendo esta ilustrada Assembléia a diretriz
traçada no início do regime republicano, a sua orientação tem
sido invariavelmente a de prestar decidido apoio às nossas in
dústrias, a fim de pô-las em condições de poder lutar vantajo
samente com as congêneres de outros estados da União e do
estrangeiro; considerando ainda que existem já vários preceden
tes concedendo favores a produtos manufaturados no Estado
[...] a comissão de orçamento é de parecer que seja deferida
a petição dos fabricantes de calçados.

Da mesma forma, seria atendido o pedido de Albino Jo


sé da Cunha à Assembléia, em 1910, solicitando vantagens
para a instalação de uma fábrica a vapor e eletricidade para
a moagem de trigo, sob a justificativa de que proporcionava
a expansão da cultura do trigo neste estado^"^®. Os exemplos
poderiam multiplicar-se através de isenções fiscais às indús
trias de laticínios, que se justaporiam à atividade pastoril
existentei^i.

Embora ocorra esta notória pertinência das indústrias na


turais entre os ramos favorecidos pelas isenções fiscais, al
guns setores que trabalhavam com matéria-prima adquirida
fora do estado foram também beneficiados. Foi o caso, por
exemplo, das indústrias de Ernesto Neugebauer (doces e cho
colates) e de Alberto Bins (metalurgia), que processavam
matéria-prima da Bahia e da Alemanha, respectivamente. Seus
pedidos foram incorporados na proposta de orçamento para
1 91 2 e estendidos para todos os fabricantes do ramo^'^^. A

139 Anais da Assembléia de Representantes de 1908. p.135.


140 Anais da Assembléia de Representantes de 1919. p.88-9.
141 Ibidem. p.97.
142 Anais da Assembléia de Representantes de 1911. p.41.

165
alegação de ambas as firmas baseou-se na necessidade de
enfrentar a concorrência nos mercados do norte e centro do
país, avassalados pela produção similar estrangeira e, espe
cialmente, pela dos estados de São Paulo e Rio.
Certas "indústrias naturais", como a lã, teriam boa aco
lhida por parte do poder público. Na verdade, era preciso rea
lizar um acerto, no interior da aliança hegemônica, entre os
diferentes setores sociais envolvidos. No caso, os empresá
rios da fiação e tecelagem da lã teriam que ter suas preten
sões contrabalançadas com as dos estancieiros.
Referia, a respeito, a Revista do Centro Econômico do
Rio Grande do Sul em 1907, reproduzindo a opinião de um
capitalista inglês sobre as lãs rio-grandenses:
As lãs, assim como a carne, sendo produtos da terra, deviam
ser protegidas com alguma redução na respectiva taxa, propor
cionada pelo imposto territorial. Mas ao passo que a carne está
taxada apenas a 3%, a lã está sobrecarregada com a taxa de
9% ou com 200% mais. O imposto de exportação não é ne
cessário para se fornecer lãs baratas às nossas indústrias. Nin
guém, que conheça nossa tributação e também as fortunas fei
tas em poucos anos pelos industrialistas em lã, poderá afirmar
que a indústria fabril de lã precise ser protegida por uma taxa
em virtude da qual o estancieiro tem que vender às fábricas sua
produção de lã com a redução de 9% sobre o preço pelo qual
ele pode vendê-la em mercados estrangeiros. Vossa estatística
demonstra que a produção de lãs é muito maior do que as vos
sas fábricas podem consumir. Se vossas indústrias fabris es
tão fortes e dão grandes rendimentos e se a produção de lã é
maior do que o consumo interno, porque não estimular os pro
dutores e vender sua lã nos mercados estrangeiros e espalhar
por todo o mundo que o Rio Grande do Sul é produtor de lã.'''^^

Torna-se claro, no caso, qual o interesse dos estanciei


ros — exportar lã — e os dos capitalistas ingleses — comprar
matéria-prima barata para suas fábricas. Entretanto, entre os
interesses em jogo, o governo optou mais uma vez pelos dos
empresários gaúchos, ao manter, no orçamento estadual pa
ra o ano de 1908, a taxa de exportação da lã em 9%, com
o que favorecia a aquisição da matéria-prima pelas fábricas
locais'''^^.

1 43 Revista do Centro Econômico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1 907.


3, p.92-3.
144 Anais da Assembléia de Representantes de 1907. Sessão de 30 out.
1907.

166
No decorrer do período que se estendeu até a I Guerra
Mundial, nnanteve o estado gaúcho a sua política protecionis
ta, atendendo pedidos de ennpresários, num momento em que,
em termos da política econômico-financeira federal, se pro
cessava a melhoria do câmbio e, no Congresso Nacional, eram
levadas adiante propostas igualmente protecionistas. A men
sagem enviada por Borges à Assembléia, acompanhando o
projeto de orçamento da receita e despesa do estado para o
exercício de 1908, é extremamente significativa para avaliar
a atuação do governo rio-grandense em relação ao protecio
nismo concedido às indústrias:

Na órbita de ação reservada ao poder público, propugnei siste


maticamente a efetividade das medidas capazes de favorecer
e acelerar a nossa expansão industrial. A época é de intensa con
corrência e só poderá vencer nos mercados mundiais quem me
lhor produzir em qualidade e quantidade. Daí a natural ansieda
de de multiplicar e aperfeiçoar os processos industriais. Com
preendendo a tempos os novos aspectos da questão econômi
ca, o Rio Grande do Sul não permaneceu estacionário ante o
movimento geral e, ao invés, pode reivindicar a prioridade de
iniciativas que para outros não passam de simples anhelos. [...]
A ação harmônica do Estado e dos indivíduos avançou no ter
reno das soluções práticas. [...]
A reforma tributária de 1902, tendo por base a instituição do
imposto territorial, favoreceu o comércio e as indústrias pela abo
lição parcial e redução geral dos impostos de exportação. Coin
cidiu felizmente este fato com a sábia política aduaneira que
orienta a União, cujas tarifas exercem preponderante influên
cia na vida econômica. [...] a defesa da produção é necessária,
e o protecionismo não é o sacrifício dos consumidores quando
se limita a amparar os interesses das indústrias naturais.

Em 1908, a comissão de orçamento reafirmaria a posi


ção do Estado na sua política de amparo às indústrias;
[...] notadamente a partir de 1904 constitui preocupação cons
tante, já da administração e já da assembléia dos representan
tes, auxiliar o nosso incremento econômico, isentando de im
postos as indústrias nascentes e aclimatáveis ao nosso esta
do, diminuindo os que pesavam demasiadamente sobre as que
já se encontravam em situação precária e tomando medidas as-
seguratórias do crescimento de outras que virão, em futuro pró
ximo, a ser das mais necessárias para a nossa grandeza indus-

145 Anais da Assembléia de Representantes de 1907. p. 6-28.

167
trial, para o avolumamento da indústria e para a garantia de de
fesa nacionais. [...] A prova mais eficaz de quanto tem sido be
néfica a ação governamental e como tem com ela lucrado nos
sas indústrias está no acréscimo de nossa exportação que, após
a crise tremenda de 1900, tem aumentado de ano a ano, lenta
mas seguramente, ascendendo de 44.128:171 $587, que foi em
1901, à cifra atual de 72:857:846$033."'46

De certa forma complementando a visão do governo so


bre o protecionismo, o relatório do secretário da Fazenda de
1908 fazia algumas considerações:

O protecionismo não é uma solução definitiva para problema al


gum econômico. É o adiantamento de uma solução, é um pro
cesso aplicado, em dada época, para esperar a solução de pro
blemas complexos que dependem do tempo e de circunstâncias
que se realizam lentamente e sobre as quais a vontade humana
não tem poder. [...] O nosso protecionismo é todo condicional.
Não sacrificamos jamais o todo à parte. Não jogaremos com os
interesses econômicos comuns, em benefício da economia de
alguns. Semelhante proteção tocaria no círculo dos privilégios
que condenamos sem exceções. Destarte, pensamos que a pro
teção do governo só deve ser concedida em circunstâncias tais
que os interesses que ela possa prejudicar, em determinado tem
po, encontrem depois compensação no aumento da riqueza pú
blica, no aperfeiçoamento do artigo protegido, no desapareci
mento do tributo, na sua aquisição mais barata.

A complementação de tais medidas protecionistas se da


va através da articulação de duas outras metas a serem reali
zadas pelo governo republicano, que também se relacionavam
com o desenvolvimento industrial: a melhoria da energia e dos
transportes. O problema da energia estava relacionado com
o próprio projeto de expansão capitalista da economia rio-
grandense. A máquina a vapor impunha-se nas fábricas e tra
zia consigo a necessidade de utilizar o carvão ou a lenha co
mo combustível. Da mesma forma, a expansão das ferrovias,
que correspondeu à necessidade de escoamento da produção,
conferia maior relevância ainda à questão energética. Basica
mente, estas necessidades eram supridas pelo carvão inglês,
que abastecia as fábricas e vias férreas do país. Neste con
texto, as preocupações dos governos central e local se dirigi
ram para a possibilidade de explorar jazidas de carvão no solo

146 Anais da Assembléia de Representantes de 1908. p. 71.


147 Relatório da Secretaria dos Negócios da Fazenda de 1908. p. 21-3.

168
brasileiro que permitissem o seu aproveitamento em substi
tuição ao similar importado.
Entretanto, faltava ao Brasil também a tecnologia neces
sária à prospecção como capital suficiente para manter a ex
ploração. Para ambas as necessidades, os governos recorre
ram ao capital inglês. Embora as primeiras descobertas e ex
plorações de minas de carvão no Rio Grande do Sul tenham
se iniciado já no séc. apresentavam-se muitas dificul
dades para a sua exploração, e o minério encontrado não foi
considerado de boa qualidade, fazendo com que os capitais
aplicados desistissem da sua extração. Sendo alto o custo
operacional da prospecção e exploração das jazidas no sul,
o preço de mercado do carvão gaúcho se apresentava mais
alto do que o importado. Como resultante deste processo, con
tinuou em grande escala a importação do carvão estrangeiro
que, em 1 902, se apresentava como o sexto produto na pau
ta das importações do estado^^^^. Face a tais problemas, uma
alternativa que se apresentava ao uso do carvão Cardiff era
a lenha, de mais baixo custo, sendo usada preferencialmente
na viação férrea e fluvial e nos estabelecimentos
industriais^so.

Neste contexto, é que assume relevância a posição do


governo estadual e do federal, bem como da burguesia indus
trial rio-grandense, quanto à questão energética. O presiden
te Rodrigues Alves iniciara seu mandato em 1902 com um
programa de erguimento econômico do país que incluía a rea
lização de obras públicas, como o arruamento e a urbaniza
ção da capital federal, a construção e o aparelhamento de por
tos e estradas de ferro. Neste sentido, preocupava-se com o
consumo de combustível, voltando os olhos para as jazidas
carboníferas do sul e para a possibilidade do seu transporte
através do Rio Grande''^!. Neste particular confluíarn os in-

148 Para uma análise das indústrias carboníferas no Rio Grande do Sul,
consultar: Sandra Jatahy Pesavento, A indústria carbonífera rio-
grandense e a questão energética. Estudos Ibero-Americanos, Porto
Alegre, PUCRS, 8 (2): 281-306, dez. 1982.
149 Mensagem presidencial de 1902. p. 17.
1 50 O Rio Grande do Sul Industrial. Pelotas, Echenique & Irmão, 1 907. p.
20.
1 51 Miguel Frederico do Espírito Santo, A Abertura da Barra do Rio Gran
de. Porto Alegre, BRDE, s.d. p. 31.

169
teresses naciònais e regionais. Desde o ponto de vista do cen
tro, tornava-se necessário acelerar os trabalhos de conclusão
da abertura da barra e da construção do porto do Rio Grande,
bem como intensificar a exploração das minas de carvão gaú
cho, a fim de melhor abastecer as vias férreas da zona ca-
feeira de um combustível que fosse fornecido a um preço mais
baixo que o carvão inglês.
Da parte do presidente do Estado, Borges de Medeiros,
a solução da "questão dos transportes" era o principal pro
blema a ser resolvido pelo governo. Desde 1903, o governan
te gaúcho propunha ao governo federal fossem transferidos
para a esfera estadual os serviços de abertura da barra e cons
trução do porto do Rio Grande, que se achavam operando de
forma ineficaz, sob o regime de concessionária estrangeira.
A exploração das jazidas de carvão gaúchas complementaria
esta política de expansão das forças produtivas do estado,
que teria assim resolvidos alguns problemas básicos quanto
à energia, à circulação das mercadorias e ao abastecimento
do mercado interno brasileiro com um artigo de grande de
manda. Em 1904, Borges afirmava em mensagem à Assem
bléia de Representantes:

De nossa parte, isentando de quaisquer taxas esse combustí


vel (carvão) e diminuindo o consumo de lenha nos transportes
fluviais e terrestres, teremos instituído um regime de franca pro
teção, que precisará, apenas, como complemento, a criação de
taxas mais elevadas sobre a introdução do carvão
estrangeiro J ^2

Entretanto, se com relação à isenção dos impostos de


importação sobre o carvão os empresários nada obstaram,
com respeito à elevação do imposto sobre a lenha levantou-
se uma grita geral. Sob a alegação de coibir os malefícios pro
venientes da devastação das matas e ao mesmo tempo de
estimular a exploração das jazidas carboníferas, o governo ha
via proposto, em 1905, para o orçamento do ano seguinte,
a elevação do imposto de consumo sobre a lenha^^s. Várias
indústrias enviaram reclamações à Assembléia contra estes
impostos: Companhia Fabril Porto-alegrense (fábrica de

152 Mensagem presidencial de 1904. p. 33.


153 Anais da Assembléia de Representantes de 1905. p. 17.

170
meias), F; J. Brutscke (vidro), Hugo Gertum (papel), Antonio
Fernandes (sabonetes), Carlos Sehl, L. Weidmann (licores),
além de outras companhias de navegação (Eduardo Gerhke,
Jacob Becker, Companhia Fluvial, Francisco G. Carollo, Pe
dro Keller & Cia., Blauter & Irmão, Guilherme P. Blauter, Schil-
ling & Cia. e Jacob Arnt)''54.
Tais reivindicações se fizeram acompanhar de debate en
tre os deputados da Assembléia. Joaquim Luís Osório lembra
va que a elevação do imposto implicaria um ônus para os in
dustriais, uma vez que o consumo da lenha era o mais gene
ralizado entre as fábricas por apresentar maiores vantagens
econômicas^ss. o deputado José Chaves afirmava que as in
dústrias eram dignas de amparo e, com tais medidas, se inau
gurava um período recessivo para o setor:

[...] e desta minha afirmativa poderão convencer-se os colegas


quando derem-se ao incômodo de indagar dos industriais, e é
por estar convencido, como industrial que sou, que as indús
trias rio-grandenses, que não progridem, que definham assus
tadoramente, não podem comportar o imposto, que eu impug
no. (...] O que estou vendo, a inferir-se do modo por que está
se pronunciando a Assembléia, é que a única indústria que de
ve existir no Estado é a do carvão, mas carvão que não presta
e, como tal, é repudiado pela indústria interna. No meu enten
der, sr. presidente, quer a lenha quer o carvão deviam estar isen
tos de impostos como matérias-primas, que as considero para
as indústrias.

A afirmação de que o carvão nacional era imprestável


e que os industriais preferiam consumir lenha era confirmada
por outros empresários-deputados, como Luís Engleris?.
Por outro lado, reconheciam tais deputados que a ques
tão do combustível ligava-se à dos transportes, à qual o go
verno estadual vinha dando proteção, porque dela dependia
o desenvolvimento de todas as demais indústrias^ss. Posição
mais conciliatória apresentava o deputado Manoel Py, tam
bém industrial, que argumentava que os empresários aceita-

154 Ibidem.
1 55 Ibidem. p. 77.
156 Anais da Assembléia de Representantes de 1905. p. 92-4.
157 Ibidem.
158 Ibidem.

171
riam o imposto se a proposta do orçamento se fizesse acom
panhar de uma justificativa de aplicação destes recursos em
benefício da própria indústria do carvão^^s.
Na defesa da elevação do imposto, o deputado João
Vespúcio trazia à Assembléia o exemplo da Companhia União
Fabril, que não consumia lenha, mas carvão inglês, e da Cer
vejaria Ritter, de Pelotas, que consumia carvão nacionaP^o,
Com dados da Companhia Fabril Porto-alegrense, o deputa
do comprovava que o combustível representava um item mí
nimo no custo da produção^®"".
Defrontavam-se, neste momento, uma posição que de
fendia a ampliação das vantagens para o setor industrial, ga
rantindo maiores condições de lucro, e uma posição que ma
nobrava entre as diferentes pressões da sociedade civil, pro
curando seguir uma diretriz política que atendesse de manei
ra balanceada aos diferentes setores sociais, bem como so
lucionasse questões fundamentais para o desenvolvimento da
economia gaúcha como um todo.
Neste caso, as pretensões propriamente industriais ti
veram de ceder ante as propostas ditas "gerais": pela Lei n?
34, de 16 de novembro de 1905, foi mantida a elevação do
imposto sobre a lenha. As reclamações dos empresários so
bre o referido imposto, contudo, mantiveram-se como uma
constante nos anos subseqüentes, resultando numa série de
isenções para as pequenas empresas.
Todas estas questões, que se justapunham e que impli
cavam negociações e discussões no âmbito do Estado, en
volvendo os interesses dos empresários, iriam acirrar-se no
período da guerra. Acentuou-se um processo de substituição
de importações que já se desenvolvia paulatinamente, com
o que se legitimavam tanto as reivindicações dos industriais
quanto a política seguida pelo Estado gaúcho de procurar de
sonerar a produção, obter fontes internas de energia e facili
tar o escoamento da produção.
Continuaram a multiplicar-se pedidos de isenção de im
postos de exportação, particularmente das indústrias naturais,
como de calçados e demais artefatos de couro, biscoitos, fa-

1 59 Ibidem. p. 109.
1 60 Ibidem. p. 100.
1 61 ibidem. p. 99.

172
rinha, banha, vinho, conservas de carne, licores, artigos de
fibras, cigarros, garrafas, fiação e tecidos de linho, seda, ar
tigos de vestuário, etc.''62. Caberia destacar a presença de
solicitações de algumas das maiores indústrias têxteis e do
vestuário do estado, como F. G. Bier, Companhia Fiação e Te
cidos Pelotense, União Fabril, Companhia Tecelagem Italo-
Brasileira, Santo Becchi, José Panceri, reivindicando isenção
de impostos diversos.
Na mensagem enviada à Assembléia, por ocasião da
abertura dos trabalhos legislativos em 1914, o presidente do
Estado, ao comentar as importações realizadas pelo Rio Gran
de do Sul, advertia que a maioria dos artigos poderia ser pro
duzida no estado. Este atraso não se devia à falta de iniciati
va e trabalho do povo, mas, sim, à insuficiência de capital e
à carestia no que se referia aos transportes. Entretanto, o go
verno assegurava que as reservas acumuladas do trabalho so
cial, mais o ouro estrangeiro que entraria com o aumento das
exportações, haveriam de criar o capital necessário para o sur
to de novas indústrias''63.
Ainda dentro do mesmo espírito de incrementar o de
senvolvimento de indústrias, como forma de impedir a eva
são de capitais pela importação, o governo estadual conce
deu isenção de impostos para várias empresas (fabricantes
de cloreto de sódio''®^^ de óleo em combustíveM^s, de
tanino''66)^ que se destinavam a produzir, aqui, artigos até en
tão adquiridos no exterior.
Embora tenham surgido propostas na Assembléia de que
todos os produtos que utilizassem matéria-prima nacional de
veriam ter isenção definitiva do pagamento das taxas de
exportaçãoi67^ determinados artigos, como os tecidos e as
confecções de lã, apesar de seus produtores terem enviado
um memorial solicitando isenção, não puderam ser contem
plados, sob a alegação de que o Estado não poderia prescin
dir no momento daquela tributação sem um abalo no seu
orçamento"iss. Desta vez, os interesses dos empresários des-

162 Anais da Assembléia de Representantes de 1914 a 1919.


163 Anais da Assembléia de Representantes de 1914. p. 26.
164 Anais da Assembléia de Representantes de 1915. p. 131.
165 Anais da Assembléia de Representantes de 1919. p. 159-60.
166 Anais da Assembléia de Representantes de 1914. p. 150.
1 67 Ibidem. p. 76.
1 68 Ibidem. p. 77.

173
te ramo foram preteridos em função dos chamados "interes
ses gerais".
Em suma, com o passar do tempo, cada vez mais o Es
tado tinha de manter uma política equilibrada entre suas ne
cessidades de arrecadação e a projetada desagravação fiscal.
O próprio governo reconhecia este delicado problema, ao
afirmar:

o Estado precisa, é certo, para prover aos seus elevados fins,


das contribuições dos seus habitantes, mas deve ser modera
do e justo na taxação para não esgotar sem necessidade as suas
fontes de renda e parcimonioso na despesa, para atender aos
seus serviços sem transpor os limites traçados à sua tolerância
orçamentária.69

Em discurso pronunciado em janeiro de 1918, Borges


afirmaria ser o Rio Grande do Sul o estado brasileiro que mais
abolira os impostos de exportação, subsistindo apenas alguns
moderados^^o. Na mensagem de 1919, enviando a proposta
de orçamento para 1920, Borges apresentou uma relação dos
produtos fabris onerados em 1 903 com taxas de exportação
mas que naquela data gozavam de isenção''^!.
Refere Lagemann que, para 1920, a estimativa do efei
to das isenções do imposto de exportação sobre manufatu
rados no Rio Grande do Sul orçava em 1.050:003S000''72.
Esta quantia que o Estado deixava de arrecadar teria, certa
mente, significado no desenvolvimento da produção industrial
gaúcha, revertendo em lucro para a empresa privada. Toda
via, não solucionava o atendimento aos demais problemas que
o governo deveria atender.
A argumentação apresentada em 1915 por J. Pabst &
Cia., fabricantes de espartilhos e gravatas, em torno da isen
ção de impostos de exportação, é significativa para apreciar
aquilo que os empresários encaravam como problema neste
momento:

A indústria rio-grandense, em geral, luta com dificuldades sé


rias oriundas dos enormes fretes que pagam as mercadorias vin-

169 Anais da Assembléia de Representantes de 1914. p. 133.


170 Ibidem. p. 228.
171 Anais da Assembléia de Representantes de 1919. p. 47.
172 Lagemann, A Industrialização do Couro... op. cit., p. 69.

174
das para o Rio Grande do Sul, ou que dele saem, de forma que
a matéria-prima importada já aumenta o preço do gênero ma
nufaturado, que ainda é acrescido do frete de saída. [...]
A concorrência, que é um bem para o consumidor e incentivo
para o fabricante, estimulando-o a produzir melhor e mais bara
to, torna-se, entretanto, nesse caso, injusta e exterminadora,
porque as circunstâncias em que nos achamos, oriundas da nos
sa situação geográfica e das incertezas da nossa barra, criam
para o Rio Grande uma posição inferior na livre competência
econômica"''^^

Além destes inconvenientes, a indústria teria ainda con


tra si o aumento dos impostos de consumo, a carência de
matéria-prima e a diminuição concedida no Brasil aos esparti
lhos norte-americanos. Como argumentação final para obter
a concessão, a fábrica lembrava que as indústrias davam em
prego a um grande número de operários e contribuíam para
o orçamento da receita pública estadual.
Desta forma, na própria visão empresarial, o problema
da indústria se encontrava vinculado ao dos transportes. Há
que deter a atenção, contudo, no seguinte ponto: a deficiên
cia dos transportes prejudicava o Rio Grande no seu acesso
ao mercado nacional, mas, a julgar pelas reivindicações de em
presários junto à Assembléia, não impedia que produtos de
outras regiões do país, particularmente do eixo Rio-São Pau
lo, chegassem até o mercado regional sulino...
Para o governo, como se viu, a questão dos transportes
ora o problema magno: desde 1913 havia sido decretado o
Plano de Viação Geral do Estado, compreendendo viação de
rodagem, viação férrea e viação fluviaP^"^. A aplicacãoLjjps t/V
capitais nas obras de viação era considerada condicão espe
cial propicia^om do desenvolvimento industriaP^s^ mas, nes-
te caso, caWa aos governos afastar a possibilidade do mau
emprego de capitais. Esta situação, identificada como ''indus-
trialismo", consistia no processo pelo qual, servitído-se da in
dústria como instrumento, os capitalistas realizavam a explo
ração da sociedade em vez de servirem à sociedade''^^.

173 Anais da Assembléia de Representantes de 1915. p. 173.


1 74 Relatório da Secretaria dos Negócios das Obras Públicas de 1 91 3. p.
15-9.
1 75 Relatório da Secretaria dos Negócios das Obras Públicas de 1 911. p.
157.
1 76 Relatório da Secretaria dos Negócios das Obras Públicas de 1 911. p.
159.

175
Tais processos eram freqüentes na Europa e nos Esta
dos Unidos, com a formação de trustes, e o governo rio-
grandense denunciava que no Rio Grande do Sul estava em
formação um organismo deste tipo no setor de transportes,
explorado por companhias concessionárias estrangeiras. Nes
te sentido, impunha-se ao governo realizar a chamada ''so
cialização dos serviços públicos", mediante a qual seriam des
truídos monopólios através da encampação de tais serviços
pelo governo, que os administraria em proveito do
bem-comum''77.

De acordo com o projeto regional do PRR, como se viu,


o barateamento da energia, a agilização dos transportes e a
desagravação fiscal sobre a produção eram meios para que
se realizasse o almejado desenvolvimento capitalista global
do Rio Grande. A produção gaúcha como um todo — indus
trializada ou agrária — deveria ter facilitada a sua colocação
no mercado nacional. Por um lado, o governo era pródigo em
louvores à capacidade de auto-subsistência do estado, com
sua economia diversificada, que crescera em função das ne
cessidades do mercado regional; por outro, com o crescimento
desta mesma economia, era fundamental que se possibilitas
se o acesso da produção gaúcha aos mercados consumido
res nacionais em condições de concorrência. Além disso, de
fender o mercado regional para si, exportar para o país e, se
possível, alcançar os mercados externos eram metas a atingir.
Baseado em tais princípios, que correspondiam às ne
cessidades de expansão e diminuição de custos para a comer
cialização dos produtos gaúchos, o governo se empenhou, ao
longo do período da guerra, pela transferência do controle da
Viação Férreai^s e do porto de Rio Grande para a esfera es
tadual. Corroboravam este fim, naturalmente, o próprio de
senvolvimento industrial do estado e as condições excepcio
nais do mercado, criadas com a eclosão do conflito interna
cional. A possibilidade de garantir para o estado um sistema
de transportar rápido, fácil e barato consistia, assim, em mais

177 Mensagem presidencial de 1913. p. 48-9.


1 78 Para o tema de encampação da Viação Férrea pelo governo estadual,
consultar: Luiza Helena S. Kliemann, A ferrovia gaúcha e as diretrizes
de "ordem e progresso" — 1905-1919. Estudos Ibero-Americanos,
Porto Alegre, PUCRS, 3 (2): 159-249, dez. 1977.

176
uma forma de atendimento indireto à produção, tal como a
reforma tributária que fora implantada.
Por outro lado, a eclosão da I Guerra Mundial tornou proi
bitivo o fornecimento regular e a bom preço do carvão estran
geiro. Nestas condições, mesmo com a elevação do preço do
carvão nacional e a alegação da sua má qualidade, seu con
sumo ampliou-se. A questão energética, assim, assumia uma
maior relevância, principalmente porque não se tratava ape
nas de sua ampliação no seu uso industrial, mas também do
seu aproveitamento para o transporte. Desta forma, o gover
no associava a produção, a energia e os transportes como
aspectos interligados de um mesmo projeto de desenvolvimen
to regional.
Neste período da guerra, coadunavam-se os esforços
dos governos federal e estadual, aliados aos interesses parti
culares na exploração do carvão. Por solicitação de empresá
rios, o governo tanto isentou do pagamento de impostos as
empresas que exploravam o carvão^^s quanto concedeu au
xílio às companhias interessadas na extração do minério^i^o,
como as de Otto Spalding e Otto Kar Pauthner^si. Neste ca
so, o governo recuava da sua postura positivista de que a lei
deveria ser a mesma para todos e de que os privilégios de
viam ser combatidos, em função das necessidades imediatas
que se apresentavam. Isto vem> mais uma vez, comprovar o
caráter da ideologia, que é fundamentalmente o de servir pa
ra justificar interesses e para operar uma prática política.
Dentro deste espírito, a bancada gaúcha propôs, em
1916, uma emenda ao orçamento da Fazenda da União para
que o governo federal pudesse dotar recursos à exploração
do carvão, tendo em vista a oportunidade do momento e o
grande consumo deste combustível nas estradas de ferro fe
derais, no LIoyd Brasileiro e na Marinha de Guerra'•82. Neste
contexto surgia,em 1917, no Rio Grande do Sul, a Compa
nhia Minas de Carvão do Jacuí, fruto da junção de capitais
particulares com auxílio federal.

1 79 Leis, decretos e actos do Estado do Rio Grande do Sul — 1 909. Porto


Alegre, Liv. Carlos Echenique, 1910. p. 21.
180 Leis, decretos e actos do Estado do Rio Grande do Sul — 1916. Porto
Alegre, A Federação, 1917. p. 21.
181 Mensagem presidencial de 1915. p. 19.
182 A Federação, Porto Alegre, 3 ago, 1916. p. 1.

177
Consumiam o carvão extraído por esta companhia as se
guintes empresas: Companhia Força e Luz, Compagnie Auxi-
liaire des Chemins de Per au Brésil, Compagnie Française des
Dragages et Travaux Publics, Fábrica Rheingantz, Fábrica Rit-
ter, Light, Fiação e Tecidos Porto-alegrense, Frigorífico Swift
do Rio Grande e outras indústrias^®^. Compareciam ainda co
mo consumidoras as Intendências de Porto Alegre, Pelotas e
Rio Grande, a Secretaria de Estado das Obras Públicas, o LIoyd
Brasileiro, a Companhia Costeira e a Estrada de Ferro Central
do Brasil.
Na sua política de incentivo à exploração do minério, o
governo estadual concedeu auxílio até 500:000$000 para to
das as empresas que se destinassem à exploração de carvão
no Rio Grande, através da Lei n.° 14, de 1.° de dezembro de
1914, ampliando estas vantagens no ano seguinte, pela Lei
n? 184, de 10 de novembro de 1917, mediante isenção de
impostos''84.
Apostando no desenvolvimento desta "nova indústria",
os canais de divulgação do pensamento oficial do governo,
como por exemplo o jornal A Federação, enumeravam as van
tagens econômicas do uso daquele combustível:

Na fase industrial que o mundo atravessa, a riqueza dum povo


resulta sobretudo da quantidade de energia mecânica de que
ele dispõe. Essa energia mecânica pode provir do trabalho ma
nual do homem ou do trabalho fornecido pela combustão do
carvão.

As três companhias particulares que exploravam o mi


nério no Rio Grande nesta época (Companhia Minas de Car
vão do Jacuí, Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Je-
rônimo e Companhia Carbonífera Rio-grandense, conhecidas
como Minas do Leão, Arroio dos Ratos e Butiá, respectiva
mente) tinham aumentado sua produção de combustível e es
tavam inclusive exportando para a Argentina^se^ rnas perma
neciam problemas decorrentes da falta de seleção e da lava
gem, problemas cuja solução possibilitaria um maior aprovei
tamento do minério.

183 Mensagem presidencial de 1918. p. 57.


184 Anais da Assembléia de Representantes de 1917. p. 135.
185 A Federação, Porto Alegre, 10 ago, 1916. p. 1.
186 Anais da Assembléia de Representantes de 1919. p. 115.

178
interessado na economia de divisas neste período de
guerra, o presidente do país, Wencesiau Brás, havia desen
cadeado uma verdadeira campanha pelo uso e consumo do
carvão nacional. Neste sentido, promoveu experiências com
o produto gaúcho nos navios do LIoyd e na Estrada de Ferro
Central do Brasil, assim como fez remeter amostras para os
Estados Unidos a fim de que se realizassem estudos quanto
ao seu uso em pó nas locomotivas''®^. Os resultados de tais
estudos indicaram que seria conveniente a aplicação de um
certo aparelho nas locomotivas, o que permitiria o aproveita
mento de um produto de mais baixa qualidade. Como forma
de ampliar o uso do carvão nacional, a revista O Progresso,
especializada em assuntos econômicos, afirmava, em março
de 1916, que em 2 anos estariam cobertas as despesas com
a aquisição de tais aparelhos de pulverização, e que para a
solução deste problema deveriam convergir os interesses do
governo com os dos empresários proprietários das minas^®®.

Recomendava-se aos industriais de Porto Alegre que pro


curassem preferentemente a utilização de motores de com
bustão interna, para os quais o carvão nacional fornecia os
gases em condições de bom rendimento, enquanto o carvão
inglês continuaria a ser usado preferencialmente nas máqui
nas a vapor. Neste caso, o carvão sulino não se prestava aos
trabalhos metalúrgicos, não podendo também concorrer com
o estrangeiro para ''combustível às fornalhas fixas ou das lo
comotivas dos dois maiores centros industriais do Brasil, Rio
e São Paulo"''®®. Na verdade, por falta de recursos técnfcõs
e de capitais, havia dificuldades em realizar experiências com
gasogênio, motor de explosão e queima do carvão pulveriza
do, processos correntes na Europa e nos Estados Unidos. Pa
ra possibilitar um melhor aproveitamento de combustível, a
Companhia União Fabril, de Rio Grande, havia adaptado em
suas fornalhas um pulverizador americano. Através deste re
curso tecnológico, foi possível obter para o quilo do carvão
nacional o mesmo rendimento do carvão Cardiff sobre gre
lhes. A máquina importada custara 200 contos e tinha condi-

1 87 Revista do Comércio e Indústria de São Paulo, São Paulo, set. 1919.


57, p. 287-8.
188 O Progresso, Porto Alegre, mar. 1916. 30.
189 O Progresso, Porto Alegre, abr. 1916. 31.

179
ções de ser adaptada em vapores e máquinas fixas mas não
nas locomotivas da Viação Férrea^^o. Cabe lembrar, contu
do, que a União Fabril era das maiores fábricas do estado, e
este recurso tecnológico não era generalizado por todas as
usinas, empresas e companhias do Rio Grande, permanecen
do o problema de um rendimento não satisfatório do produto
nacional em termos de combustão.
Ainda dentro das medidas levadas a efeito pelo gover
no com relação à energia, assinale-se a criação, em 1 91 7, da
Diretoria do Serviço Geológico e Mineralógico, afeto à Secre
taria das Obras Públicas, que passou a realizar pesquisas e
sondagens na bacia do Gravataí, descobrindo um banco de
carvão na área.
Em síntese, o período da guerra seria pleno de realiza
ções para o governo republicano gaúcho: desenvolvimento das
exportações, surgimento de novas indústrias, expansão da ati
vidade mineradora e coroamento, no final do período, do pro
jeto de socialização dos serviços públicos, com a aprovação
pelo Congresso da encampação do porto e da barra de Rio
Grande em 1919 e da Viação Férrea em 1920.
Terminado o conflito, o combustível estrangeiro voltou
a fazer concorrência ao carvão nacional, na medida em que
se restabeleceu a normalidade dos transportes. Por outro la
do, a encampação pelo Estado dos serviços públicos amplia
ria suas necessidades de recursos, que em parte seriam aten
didas pela obtenção de um empréstimo externo com banquei
ros americanos em 1 921 Para fazer face às necessidades
de operacionalização do sistema de transportes, de baratea
mento dos fretes e de obtenção de combustível também a bai
xo custo, era preciso arrecadar. Em suma, mais do que nun
ca ficavam evidentes as necessidades de arrecadação fiscal,
face ao aumento de encargos.
Na defesa da posição do Estado com relação à indús
tria, pronunciava-se em 1915 Getúlio Vargas, então deputa
do na Assembléia de Representantes, afirmando que as fá
bricas enfrentavam o problema da carestia do material e da

190 Anais da Assembléia de Representantes de 1919. p. 48.


191 Estado do Rio Grande do Sul. Contrato de Empréstimo Externo em Dol-
lars. 1921. (Material avulso da Secretaria da Fazenda do Estado do
Rio Grande do Sul).

180
mão-de-obra, além de estarem sujeitas às leis da oferta e da
procura e à concorrência estrangeira dentro do Brasil. Neste
sentido, a indústria merecia o apoio do governo; com a isen
ção dos impostos de exportação, visava-se facilitar o traba
lho do produto nacional.

A isenção importa em amparar-se a produção nacional contra


a concorrência similar estrangeira. Taxar o exportador é iníquo,
porque se castiga o produtor... Quanto mais impostos tiver de
pagar o exportador, tanto menos oferta fará ao produtor, apro
veitando também aos proprietários territoriais, porque tais isen
ções abrangem muitos produtos derivados da pecuária, como
o couro, o charque, o cabelo, as carnes congeladas e vão
aproveitar-lhe porque, quanto menores forem as despesas de
exportação, maior será a oferta feita aos proprietários de
gado.''92

No melhor estilo republicano-positivista, procurava afir


mar a não-existência de interesses opostos (industriais e fa
zendeiros) e a abrangência plena, democrática, da política de
isenções das taxas de exportação.
Ao longo da década de 20, multiplicaram-se as conces
sões de benefícios de isenção de impostos nas exportações
de produtos industriais fabricados no estado. Entretanto, co
mo tais isenções representavam a não-efetivação de parte da
receita e como o estado não podia prescindir daquela que con
tinuava sendo a sua maior fonte de tributação, a concessão
de isenções processou-se de forma seletiva e balanceada. Per
maneceu a preocupação com o apoio aos ramos incipientes,"
que visariam até mesmo eliminar a importação de determina
dos artigos do centro do país ou do estrangeiro. Foi o caso,
especificamente, da isenção concedida à White Martins para
a instalação de uma fábrica de oxigênio em Porto Alegre.

Referia a Assembléia:

[...] uma fábrica de oxigênio que se funda nesta capital será um


forte auxílio às nossas indústrias, quer pela redução do preço
que devem obter os consumidores do produto, quer pela maior
facilidade que lhes advir na sua regular obtenção.

192 Anais da Assembléia de Representantes de 1919. p. 147.


193 Anais da Assembléia de Representantes de 1920. p. 108.

181
Da mesma forma, mereceram incentivos fiscais outras
indústrias novas no estado, como usinas de açúcar''^'^ ou fá
bricas de vidros''95. Entretanto, embora os pedidos fossem
encaminhados individualmente, por interessados, via de re
gra, a concessão era convertida em lei geral, para todo o ra
mo. Por outro lado, algumas indústrias de porte, como Eber-
le, Bopp, Sassen & Ritter, Poock, Swift, Pertelongo, Dreher
ou União Fabril, ficaram sem resposta às suas pretensões ou
tiveram seus pedidos indeferidos pela Assembléia, sob a ale
gação de que se tratavam de indústrias florescentes. Nesta
condição, apresentavam-se como contribuintes significativos
para a receita estadual, de cujos impostos o Estado não po
deria prescindir.
Nas diferentes alegações das empresas em seus reque
rimentos à Assembléia, comumente invocava-se a necessi
dade de vencer as condições de concorrência com a produ
ção de estabelecimentos congêneres de fora do estado. Es
tes dispunham de mão-de-obra mais barata, bem como de
energia motriz e de força elétrica menos dispendiosas, ao mes
mo tempo que não pagavam impostos de exportação e tinham
a vantagem de fretes menos onerosos^^e. Outras empresas
alegavam o alto custo de operários especializados, num tra
balho que guardava ainda características artesanais^^^. Em
suma, evidenciava-se a argumentação de que o custo da pro
dução no Rio Grande se fazia mais alto em função de força-
trabalho, energia e impostos, bem como de fretes, pelo que
o Estado deveria compensar com uma política protecionista.
Tal argumentação leva a considerar mais uma vez a diferen
ça qualitativa entre as indústrias gaúchas e as do eixo Rio-
São Paulo, mais bem situadas junto ao melhor mercado con
sumidor e de força-trabalho do centro econômico do país, go
zando dos benefícios de estarem junto do setor de ponta da
economia brasileira.

Uma questão, contudo, merece maior reflexão: a da


identificação de que em São Paulo não havia tributação so
bre a exportação de produtos industriais. Ora, sabe-se que.

1 94 Ibidem. p. 1 23.
195 Anais da Assembléia de Representantes de 1922. p. 129.
196 Anais da Assembléia de Representantes de 1921. p. 117.
197 Anais da Assembléia de Representantes de 1922. p. 129.

182
pela Constituição de 1 891, cabia aos Estados taxar a expor
tação, pelo que São Paulo, a unidade da federação que con
tribuía com a maior quota nas exportações do país, ficava do
tado com a maior receita. Note-se, contudo, que a grande ar
recadação de São Paulo provinha das suas vendas para o ex
terior, podendo, inclusive, abrir mão dos impostos de expor
tação para o país. No caso, a indústria paulista é que se via
beneficiada com tal medida, o que implicava a conquista de
novos mercados extra-regionais. Neste sentido, o estado de
São Paulo podia dispensar a cobrança do imposto sobre seus
manufaturados, num ato que revertia em benefícios e expan
são para a própria economia regional e que resultava na cap
tação de novos recursos, como a arrecadação dos impostos
de consumo sobre um parque fabril que se desenvolvia.

Para o Rio Grande do Sul, a questão se apresenta de for


ma diferente. A proposta original de extinção progressiva dos
impostos de exportação não pôde efetivar-se. O Rio Grande
não contava com um setor de exportação para o mercado in
ternacional, tal como o café, que desse sustentação ao Esta
do e que permitisse abrir mão das taxas que incidiriam sobre
vendas de produtos locais, industrializados ou não, para o mer
cado interno brasileiro. Ou seja, a maior fonte de arrecada
ção do estado provinha justamente de suas vendas para os
demais estados da União.

Este fato explica, portanto, que os impostos de impor


tação eram o grande problema para a indústria paulista, garan
tindo o mercado interno contra a penetração dos manufatu
rados estrangeiros, enquanto que, para o Rio Grande do Sul,
dimensão maior teria a penetração dos artigos fabricados no
eixo Rio-São Paulo no mercado regional. Não se trata, em ab
soluto, de negar que o protecionismo alfandegário não preo
cupasse os empresários gaúchos. Como já se viu anteriormen
te (item 2.2), eles se posicionaram a respeito através da re
presentação gaúcha no Congresso. Todavia, a esta questão
se sobrepunha outra: a da ''guerra de fronteiras" que se ins
talava, face à penetração dos produtos paulistas e cariocas
no mercado regional.

183
No ano de 1 921, por exemplo, o Estado de São Paulo
exportara para o Rio Grande do Sul as seguintes mercadorias,
nos montantes corespondentes''^^:

Café 903:795$855
Carnes 895S000
Bebidas 967:3775000
Algodão 311:0095000
Papelaria 3.018:0195000
Sacos e aniagens 2.089:1025000
Óleos 158:4065000
Louças 853:5115000
Calçados 1.230:8345000
Chapéus 304:6095000
Drogas e produtos químicos 374:0835000
Tecidos 12.121:6715000
Diversos 5.147:3195000
Total 27.480:6305000

Do Rio Grande do Sul para São Paulo foram exportados,


no mesmo ano, os seguintes artigos, com seus respectivos
valores^^^:

Banha 10.149:035S270
Vinho 1.057:144§050
Alfafa 919:629$420
Couros 864:015$300
Lã 834:312$980
Fumo 801:919§950
Charque 595:063$200
Batatas 537:256$600
Diversos 5.486:267$150
Total 21.344:643$920

Comentando os dados expressos, o articulista analisava:

Confrontando os dois quadros, a primeira observação que de


les ressalta é a do déficit em que nos achamos. Vendemos, de
fato, a São Paulo 6.1 36 contos de réis menos do que lhe com
pramos. [...] Mais sugestivas observações, porém, oferece o exa
me dos produtos exportados [...]. Verifica-se [...] o desapareci
mento de certos produtos, que outrora formavam o grosso de

198 O intercâmbio entre São Paulo e o Rio Grande do Sul. Revista do Co


mércio e Indústria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, novembro de
1922. 11, p. 339.
199 O intercâmbio... op. cit., p. 340.

184
nossa exportação para os Estados, São Paulo inclusive. (...1 São
Paulo, que importava tudo isso, passou a pruduzir (...]. Entre
tanto, ao passo que realizava esta transformação, admirável pela
rapidez com que operou, no terreno agrícola, São Paulo ia se
tornando, cada vez mais, um centro industrial de formidável ati
vidade. Assim, entre os produtos que nós lhe enviamos, figu
ram, entre as matérias-primas, os couros com um total de 864
contos de réis e a lã com 801 contos. Mas esses produtos nos
voltam de lá industrializados: e com que aumento.

Pesavam, pois, sobre os empresários gaúchos, duas or


dens de preocupações quanto à concorrência: a estrangeira
e a interna, sendo esta a mais presente.
Por outro lado, com o passar do tempo revelou-se tam
bém a impraticabilidade de contar com o imposto territorial
como a base da arrecadação do Estado. A partir de 1913, por
sugestão da Federação das Associações Rurais do Rio Gran
de do Sul, foi excluído o valor das benfeitorias do imposto ter
ritorial, que passou a incidir só sobre o valor venal do imóvel.
Ao abrir mão de uma possibilidade d.e arrecadar uma maior
quantia, caso o imposto se mantivesse sobre as benfeitorias,
o governo na verdade atendia aos interesses de um novo gru
po social que se impunha e que integrava a aliança republica
na: os arrozeiros, na maior parte arrendatários e responsáveis
pela dinamização capitalista daquela lavoura.
Argumenta Minella:

Os objetivos declarados para a reforma de 1913 eram pressio


nar os proprietários no sentido de que vendessem ou arrendas
sem suas terras ou pelo menos que as tornassem produtivas.

Procurava o governo com esta medida solidificar alian


ças e, ao mesmo tempo, incentivar a exploração capitalista
da terra. Ora, com tais preocupações revela-se que o gover
no gaúcho enfrentara internamente uma série de pressões en
tre as distintas personas do capital, presentes no aparato de
hegemonia que garantia aos republicanos o controle do Esta
do. Era preciso desagravar os impostos que incidiam sobre di
ferentes setores sociais, mas manter fontes de tributacãp que
garantissem o equilíbrio orçamentário e também as realizações

200 Ibidem. p. 339-40.


201 Minella, Estado e Acumulação... op. cit., p. 16.

185
do governo no terreno dos transportes, que por sua vez re
verteriam em benefício para os próprios produtores.
Como solução alternativa, já em 1905 o deputado João
Simplício propunha a criação de um imposto de 0,2% sobre
o capital, correspondendo a cada indústria ou profissão202.
Entre as suas considerações, o deputado argumentava: o im
posto era imprescindível à vida do Estado e estabelecia um
laço de associação entre o poder público e cada fortuna em
particular, além de representar os supremos interesses da co
letividade, de sorte que todos os cidadãos deveriam concor
rer na razão de suas forças; as indústrias manufatureira e fa
bril não se achavam gravadas pelo imposto territorial, ao con
trário dos ramos pastoril e agrícola; assim dizendo, o capita
lismo gozava de especiais favores na tributação geral; toda
a indústria exigia para o seu funcionamento um determinado
capital, e todo imposto sobre a renda ou o capital incidia, no
fundo, sobre uma profissão ou indústria; o capital territorial
não era a única forma de fortuna privada, e os motivos histó
ricos e fiscais que haviam determinado a maior gravação da
propriedade territorial não subsistiam mais; por fim, a contri
buição de outros proprietários, possuidores de outras espé
cies de capital, era quase nula.
O deputado propunha, assim, equiparar, proporcional
mente, o concurso de todos os possuidores de capital nas des
pesas do estado203. Partindo de uma imagem burguesa do
Estado — representativo de todos os interesses sociais, de
todas as formas de capital — a proposta do deputado, envol
vendo uma contribuição de todos os grupos capitalistas, não
foi aceita na sua época.
Vinte anos depois, em 1925, o governo gaúcho era obri
gado a reavaliar sua projetada reforma financeira, em face da
condição objetiva de o imposto territorial não conseguir se tor
nar a fonte principal de receita nem de poder ser abolido to
talmente o imposto de exportação.
As denúncias sobre a eficácia da política financeira, aliás,
já vinham de antes. O deputado Gaspar Saldanha, da oposi
ção, argumentava, em 1922, contra a taxação que sofria a
classe dos criadores, ''coluna mestra" do Rio Grande do Sul,

202 Anais da Assembléia de Representantes de 1905. p. 89.


203 Anais da Assembléia de Representantes de 1905. p. 88-9.

186
dizendo que ela merecia gozar dos mesmos favores com que
eram contemplados os fazendeiros de café de São Paulo. Mais
uma vez recorria-se ao mais poderoso estado da federação
para estabelecer as diferenças, lembrando o deputado que lá
os proprietários de terra não eram onerados com os mesmos
impostos que os do Rio Grande204. Em anos subseqüentes,
a oposição voltaria a combater o governo, denunciando o fra
casso do Plano de Viação Geral do Estado, cujos serviços não
apresentavam progresso^oB.
Em 1 925, 1 7 deputados apresentaram um projeto de lei
explicando a competência do Estado e estabelecendo um pra
zo de 5 anos para ser extinto todo imposto de exportação co
brado quer pelo estado, quer pelo município, do qual foi sig
natária também a maioria da comissão de orçamentemos. Em
defesa desta posição, pronunciou-se o deputado republicano
João Neves da Fontoura, argumentando que aquilo que rei
vindicavam já se encontrava no texto constitucional e fora pro-
pugnado por Castilhos: a desoneração da produção. Neste
sentido, tanto os impostos de importação quanto os de ex
portação não poderiam ser entendidos como fontes de recei
ta, mas como meio de defesa das indústrias. O estado do Rio
Grande do Sul não tributava mais o charque, uma de suas
maiores fontes de riqueza; 89 artigos de sua produção já es
tavam isentos do imposto de exportação, restando 32 sob ta
xação. Comparando o Rio Grande com os estados de São Pau
lo e Minas, o deputado gaúcho dizia que a majoração cres
cente dos orçamentos dessas unidades da federação advinha
da arrecadação do imposto de exportação. Em São Paulo, a
lavoura do café contribuía com o maior índice deste imposto,
daí por que não só São Paulo como também o governo fede
ral lutavam pela valorização do produto e por mantê-lo como
fiel da balança comercial. O deputado findava suas argumen
tações defendendo a superioridade do imposto territoriaP^^.
Tais propostas não se efetivaram nos últimos 5 anos da
República Velha, mas como forma alternativa de arrecadação,
um outro imposto já vinha ganhando espaço: o de consumo

204 Anais da Assembléia de Representantes de 1922. p. 215.


205 Anais da Assembléia de Representantes de 1924. p. 178.
206 Anais da Assembléia de Representantes de 1925. p. 287.
207 Ibidem. p. 322-35.

187
estadual. Para incidir só sobre o álcool e a aguardente, a ale
gação básica do governo era a de que contribuía com esta me
dida para reprimir o alcoolismo, constituindo-se portanto num
fator moral. Com o passar do tempo, este imposto passou a
ser cobrado também sobre as bebidas alcoólicas em geral, fu
mo, perfumarias e cartas de jogar. Mas, embora o governo
continuasse afirmando a sua disposição de continuar elimi
nando os impostos de exportação; substituindo-os pelo
territorial208^ a ponto de abrir mão de parte da receita para
não entravar o surto econômico do Rio Grande, voltava-se ca
da vez mais para as taxas que incidiam sobre o consumo.
A extensão da cobrança do imposto de consumo esta
dual para novos produtos, ampliando a arrecadação fiscal do
Estado, levou os produtores a reclamarem junto ao governo,
pedindo isenção do pagamento da selagem dos estoques^os.
Todo produto que pagasse o imposto de consumo deveria tra
zer o selo estadual sob o selo federal, fosse ele estrangeiro,
nacional ou local. Na opinião do governo, com tal medida era
beneficiada a indústria regional do estado^io^ pois com isso
"afugentava" do mercado gaúcho a produção estrangeira.
Ante as acusações de que criava dificuldades ao comércio in
terestadual, o governo contra-argumentava que todos paga
vam o imposto, os produtos de fora e os do estado^n.
Convocados extraordinariamente em janeiro de 1928 pa
ra deliberar sobre determinadas matérias especiais, os depu
tados gaúchos ouviram do então presidente do Estado, Getú-
lio Vargas, que o governo necessitava de maiores recursos
para fazer frente ao sistema de transporte e a outros traba
lhos que se relacionavam com o desenvolvimento econômi
co do Rio Grande2i2. o presidente propunha que o imposto
de consumo cobrado pelo Estado incidisse também sobre
aqueles produtos tributados pelo imposto de consumo fede-

208 Como se pode apreciar nos pareceres da comissão de orçamento so


bre os projetos enviados pela presidência do Estado para os exercí
cios financeiros de 1927 (Anais da Assembléia de Representantes de
1927, Sessão de 1 1 out. 1926; Anais da Assembléia de Represen
tantes de 1928, Sessão de 14 nov. 1927).
209 A Federação, Porto Alegre, 6 de janeiro de 1926. p. 5.
210 A Federação, Porto Alegre, 16 de março de 1926. p. 1.
21 1 A Federação, Porto Alegre, 13 de abril de 1926. p. 1.
212 Anais da Assembléia de Representantes de 1928. p. 10.

188
ral: fósforos, sal, calçados, especialidades farmacêuticas, con
servas, velas, bengalas, tecidos, artefatos de tecidos, etc. Tais
produtos seriam atingidos pelo imposto estadual com meno
res taxas, e, no entender do governo, a criação deste impos
to seria compensada pela extinção progressiva do imposto de
exportação. Discutido o assunto na Assembléia, foi feita a pro
posta de que o imposto de consumo incidisse, mediante ta
xas diferenciadas, sobre uma multiplicidade de artigos, na sua
maioria absoluta produtos da indústria manufatureira2i3. |\io
caso, esta projetada extinção assumia, a partir deste momen
to, a mera função ideológica de salvaguardar os princípios do
Estado, na sua busca de novas fontes de receita.
A oposição libertadora, no seu ataque ao projeto, reco
nheceu que o novo governo, que se instalara em 1928 no Rio
Grande, precisava de recursos, mas considerava o imposto
de consumo condenável e antieconômico. A rigor, ele só se
justificaria sob duas condições: se visasse ressarcir o fisco
das quantias que deixara de receber tendo em vista altos im
postos de importação, o que, no caso, só teria valor para o
fisco federal, uma vez que mesmo as taxas de importação co
bradas pelo Estado revertiam para o Tesouro da União; e se
objetivasse princípios de ordem moral, como taxar o consu
mo suntuário ou os produtos relacionados com vícios, como
fumo e bebidas alcoólicas. Entretanto, o projeto visava esten
der o imposto a artigos de consumo necessário. Apesar de
a oposição afirmar que agregava os maiores possuidores de
terra do Rio Grande (cerca de 80% da extensão das terras
achava-se em mãos de libertadores), neste momento
posicionavam-se como intérpretes do sentimento das classes
produtoras e dos consumidores2i4,
Na defesa do projeto, o deputado Othelo Rosa argumen
tou que o governo do Estado nunca assumira o compromisso
de simplesmente extirpar o imposto de exportação, mas
eliminá-lo progressivamente quando o imposto territorial es
tivesse regularizado... O imposto de exportação estava de fato
decrescendo pouco a pouco, o que provava que o governo
vinha cumprindo sua promessa. O que não podia era abrir mão,
precipitadamente, de uma receita que, em determiandos es-

213 Ibidem. p. 67.


214 Anais da Assembléia de Representantes de 1928. p. 96-101.

189
tados, eqüivalia a 50% da renda. Corroborando a defesa do
governo, o deputado Carlos Soares Bento indicou que, na im
possibilidade de se taxar, como nos países adiantados, a ren
da, o mais aconselhável seria cada um colaborar com a sua
parte por ocasião de adquirir seus artigos de consumo, tendo
a vantagem de ser pago em pequenas parcelas e à medida
das necessidades2i5. o projeto do governo foi aprovado e
posto em execução pelo Decreto n? 4.240, de 29 de novem
bro de 1928216.
Há que se considerar, no caso, que a oposição, tendo-
se arvorado na defesa dos produtores, não teve destes o en
vio de uma representação ou telegrama de solidariedade. Ou
seja, os empresários não se fizeram representar nesta polê
mica, não questionando ou reivindicando em função de inte
resses econômicos específicos.
Retoma-se, aqui, a questão do processo de diferencia-
ção-complementação dos industriais no seio da sociedade
civil, em composição com parcela dos agrários e com outros
grupos detentores do capital. Os interesses dos industriais
eram, em certa medida, contemplados no interior da aliança
republicana, sem que o partido perseguisse tais propósitos de
uma maneira unidirecional.
O Estado se propunha a desenvolver o setor secundário
do Rio Grande e defendia certos interesses caros aos indus
triais. A estabilidade cambial, o equilíbrio orçamentário, a de
fesa das "indústrias naturais", a conquista do mercado na
cional, o protecionismo moderado combinado com a desagra-
vação balanceada interna e a preservação do mercado regio
nal eram motivos ponderáveis, que marcavam sólidos laços
de complementaridade que, naquele momento dado, se so
brepunham a um possível confronto. Entretanto, a falência de
uma projetada desagravação tributária — a substituição do
imposto de exportação pelo territorial como base da arreca
dação interna — e a necessidade de o governo lançar mão de
novas fontes de tributação que se estendiam sobre uma ga
ma cada vez maior de produtos, em face das necessidades
fiscais do Estado, marcariam um ponto, se não de atrito, pelo
menos de alerta para a fração de classe empresarial no final
da década de 20.

215 Ibidem. p. 102.


216 Relatório da Secretaria dos Negócios da Fazenda de 1930. p. 206.

190
íI o estado gai^mKo não era, portanto, nem, totalmente
I agrário nem notori^monte industrial. Os empresários encon-
f/travam, em parte, seus interesses econômicos específicos via
bilizados num governo que se propunha, entre suas metas ex
plícitas, ao desenvolvimento industrial.
A análise desta problemática da diferenciação/comple
mentaridade, contudo, não ficaria completa sem a abordagem
da questão da "racionalização da produção", objetivo que unia
os interesses dos empresários aos do governo.

2.4 Racionalização da produção: a aliança entre o go


verno e o capital

A racionalização da produção foi uma das metas busca


das pelo PRR na sua tentativa de pôr em execução o projeto
regional republicano. Como se viu, o Estado, tal como era com
preendido pela elite partidária, conjugava formas de atuação
baseadas no liberalismo econômico com medidas de interven
ção em favor dos produtores. Nesta linha de pensamento se
inserem as colocações do Secretário da Fazenda, em 1908:

Não quero dizer que o Estado assuma o papel paterna!, aniqui


lando o indivíduo e tudo fazendo por ele e para ele, o que não
está em nosso elevado critério, porém quer o Estado reconhe
cer que o indivíduo não pode tudo fazer e que faz, em regra,
mais por si do que pela sociedade e que, portanto, cumpre-lhe
ora estimular, direta ou indiretamente, o indivíduo, amparar fun
dadas iniciativas espontâneas, ora ele próprio iniciar, executar
obras e melhoramentos que não surgiram da iniciativa privada
e cuja necessidade é reconhecida e, muitas vezes, urgente.2''^

Neste sentido, o Estado atuava na esfera econômica de


maneira indireta, através de incentivos fiscais visando esti
mular a iniciativa privada nos diferentes setores de produção
e na exploração das fontes internas de energia. Indiretamen
te, intervinha nos transportes, através da socialização dos ser
viços públicos. Tais formas de atuação, conjugadas, conver
giam para minorar os custos e dotar a produção gaúcha de
condições de competitividade no mercado regional e nacional.

217 Relatório da Secretaria dos Negócios da Fazenda de 1908. p. 3.

191
Essas metas seriam complementadas pelas formas de
atuação do Estado tendentes a racionalizar a produção. En
tre os interesses da burguesia industrial gaúcha e os do Esta
do rio-grandense, no decorrer da República Velha, aí está mais
um ponto de coincidência ou complementaridade, o qual atua
ria, por sua vez, como um fator de retardamento ao processo
de diferenciação da fração de classe dos industriais, na medi
da em que seus interesses específicos estariam sendo leva
dos à concretização através do PRR em seu programa de
governo.
Para o Estado gaúcho da Velha República, a racionali
zação da produção implicava a realização de aperfeiçoamen
tos técnicos no processo produtivo e no desenvolvimento do
ensino profissional. Observe-se a associação entre os objeti
vos do progresso econômico com os da educação, através
do conhecimento científico. Tanto o progresso seria obtido
pela aplicação da ciência à tecnologia quanto o ensino profis
sional habilitaria os técnicos de nível superior e inferior a se
rem os agentes desta renovação. Assim, os princípios de ins
piração positivista mais uma vez atuavam a serviço das ne
cessidades da produção e dos interesses dela decorrentes,
convertidos em proposta político-ideológica.
Desde muito cedo, logo após passado o período de ins
tabilidade política inicial que marcou os primeiros anos da Re
pública no estado, o governo rio-grandense demonstrou inte
resse em aperfeiçoar os processos de fabricação vigentes. Em
1 898, Jung, Dreher e outros comerciantes estabelecidos com
refinarias de banha de porco solicitaram à Assembléia de Re
presentantes medidas enérgicas contra a manipulação deste
artigo, pedindo que a banha para exportação fosse tributada
com as alíquotas vigentes, e que a que contivesse água, com
40% e acréscimo sobre os direitos da pauta em vigor.
A refinação do produto começara em torno de 1880 e,
com o passar dos anos, fora sofrendo adulterações. Analisan
do o caso, a Comissão de Petições e Reclamações fez as se
guintes considerações:

O processo usado para a refinação foi exagerado e a porcenta


gem de água adicionada à banha chegou a cifras absurdas. A
conseqüência natural, lógica, foi começar-se a exportar esse pro
duto mau, prejudicial à saúde do consumidor e o descrédito da
banha rio-grandense, sempre crescente, chegou a ser comple-

192
to. Hoje, nos mercados do Rio, Santos e São Paulo, basta dizer
que uma banha é de procedência rio-grandense para só ser ven
dida por preços inferiores. Esta comissão tem conhecimento de
que os colonos já adicionavam à banha bruta toda a espécie de
ingredientes. A esperteza chegou ao ponto de comprarem os
colonos nas refinarias de vilas de zonas coloniais a borra da ba
nha para juntá-la à que faziam em suas casas para tornarem a
vendê-la aos refinadores. Os refinadores, segundo os dados co
lhidos pela comissão, chegam a juntar 25% de água à
banha.218

A questão gerou debates, em que apareceram opiniões


controversas. Alguns deputados solicitaram a elevação da alí
quota para 40% sobre o produto adulterado; outra opinião
lembrava que também na fabricação de velas, sabões e sa
bonetes registravam-se adulterações deste gênero. Já outra
linha de argumentação lembrou que um imposto proibitivo fa
cilitaria o monopólio da fabricação para os que se julgavam
produtores da banha pura. Caberia, no caso, aos fabricantes
registrarem seu artigo de qualidade superior com uma marca
específica, de modo a ser reconhecido pelo consumidor e a
enfrentar a concorrência2i9.
Não vingou a proposta de estabelecer uma sobretaxa-
ção para o produto adulterado, tendo optado o governo por
uma política de fiscalização à produção. O problema da adul
teração, que implicava a desvalorização do artigo no merca
do, ainda subsistiu por mais algum tempo. Todavia, o presi
dente do Estado, na sua mensagem à Assembléia, em 1914,
argumentava que o aperfeiçoamento na fabricação e a rigo
rosa repressão às fraudes haviam contribuído para restabele
cer a credibilidade do produto220
A fiscalização era feita através das Delegacias de Higie
ne, distribuídas pelos municípios, as quais tinham a incum
bência de impedir a adição de água ou de qualquer outra subs
tância estranha aos produtos que resultasse em adulteração
da sua composição original, rebaixando sua qualidade e/ou
ocasionando problemas à saúde. Já em 1899, tem-se notí
cias das atividades da Delegacia de Higiene de Santa Maria
sobre as fábricas de café, licores e outras bebidas produzidas

218 Anais da Assembléia de Representantes de 1896. p. 22.


219 Ibidem.
220 Mensagem presidencial de 1914. p. 49.

193
na localidade, sendo remetidas amostras para análise em la
boratórios criados pelo governo22i.
Paralelamente, o governo criou estações agronômicas,
com o fim de amparar setores da "indústria natural" como
o vinho, baseado no princípio de que era preciso "promover
a rápida substituição de atrasados e rotineiros processos de
cultura por outros mais perfeitos e racionais"222. Cria-se en
tão, em 1898, a Estação Agronômica Experimental, destina
da a ser uma escola de aprendizagem e difusão de conheci
mentos técnicos. Dentre as suas preocupações estava a de
aperfeiçoar os processos de fabricação de vinhos a fim de ob
ter um produto de melhor qualidade. Para tanto, foi criado jun
to à estação agronômica o Laboratório de Análises para que
fossem conhecidas as imperfeições do processo de fabrica
ção e dada uma orientação segura dos vinicultores223. pro-
pugnaria o governo em 1902:

Mais que o aumento da produção, importa aperfeiçoar os pro


cessos de vinificação e combater as fraudes e as falsificações
de todos os gêneros, sobretudo quando esta se dá pela adição
de substâncias tóxicas.224

Em relatório apresentado em 1 903, o diretor do Labora


tório de Análises do Estado descrevia suas atividades:

Fiscalizar todos os gêneros produzidos no Estado, reprimir as


falsificações, reconhecer os defeitos, estudar os processos de
fabricação, para poder aconselhar a melhora e o aperfeiçoamento
dos produtos, é no meu entender o mais sério dos deveres do
Laboratório e a mais importante das lacunas que ele veio preen
cher. [...] A indústria não pode aperfeiçoar-se nem progredir se
não à custa do conhecimento das leis que regem a própria na
tureza. A atividade prática subordina-se à ciência, como esta
ao sentimento. A indústria, para ser útil, precisa obedecer a pre
ceitos científicos e desprender-se do seu egoísmo originário,
tornando-se social.[...] Influir beneficamente sobre os produtos
pela vulgarização do ensino prático; criticar os processos de fa
bricação, indicando as modificações necessárias para aperfeiçoá-
los; convencer aos industriais da necessidade das máquinas e

221 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1899.


p.73.
222 Mensagem presidencial de 1899. p.25.
223 Mensagem presidencial de 1900. p.29.
224 Mensagem presidencial de 1902. p.20.

194
demonstrar a vantagem da associação em todos os empreendi
mentos industriais foi o que a presidência do governo rio-
grandense julgou indispensável encetar no Rio Grande, criando
a Estação Agronômica, o Laboratório de Análise e Postos Agro
nômicos na região colonial. [...] Propagando o ensino industrial,
corrigidos os defeitos dos produtos pela substituição racional
dos processos atuais de fabrico, por outros mais aperfeiçoados,
terá o poder público despertado a iniciativa privada e a coope
ração das classes ativas no grande tentâmen da reorganização
e sistematização da nossa indústria.225

Deve ser destacado o tom acentuadamente positivista


das afirmações: a subordinação da técnica à ciência, distin
guindo a prática do conhecimento e estabelecendo uma rela
ção autoritária de mando. A ciência, por seu turno, subordina-
se à moral (o "sentimento", no texto), o que implica reco
nhecer que deve objetivar o bem social e não atender às preo
cupações individuais de lucro. Enquanto discurso, a coloca
ção legitima o próprio lucro e a iniciativa privada, desde que
despida de egoísmo (o que, sem dúvida alguma, é um critério
de análise valorativo mas vago).
Por outro lado, ao enfatizar a necessidade de renovação
dos processos produtivos por métodos mais aperfeiçoados,
o trecho citado aponta para a importância da difusão do ensi
no técnico e do associativismo dos produtores, questões que,
na orientação do governo, se encontravam interligadas.
O resultado final de todo este processo de racionaliza
ção da produção será o da vitória do capital industrial sobre
a produção artesanal/doméstica, ou a vitória dos processos
mais científicos, mais tecnificados, sobre os rudimentares pro
cessos caseiros utilizados pelos pequenos produtores. Não se
quer com isso dizer que o Estado venha a ser o promotor ou
o instrumento direto ou exclusivo dos empresários, mas sim
que ele legitima e auxilia institucionalmente a ultimação de
um processo que interessa à burguesia industrial.
No que diz respeito à progressiva superação dos proces
sos arcaicos, o Laboratório de Análises do Estado empenhou-
se não apenas em reprimir a fraude mas também em vulgari
zar outros processos de fabrico:

225 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1903.


p.239-40.

195
A adição de água em pequena proporção foi o primeiro artifício
usado para aumentar o ponto de fusão da banha. Empregada
primeiro como indispensável à sua refinação, a água foi depois
adicionada fraudulentamente, concorrendo para o descrédito do
gênero nos mercados consumidores. (...) A banha originariamen-
te defeituosa, devido à alimentação imprópria do porco, piora
ainda em virtude dos processos que o colono emprega para
extraí-la. As graxas animais alteram-se facilmente, quando aque
cidas além de 180°. O colono, não possuindo os recursos para
adquirir as máquinas necessárias ao fabrico da banha, efetua
a fusão em um tacho qualquer a fogo direto; nessas condições
anormais, ela atinge freqüentemente temperatura superior a
180°, o que provoca a sua alteração. A cor muda, torna-se tri
gueira, o aroma transforma-se e o gênero adquire o cheiro da
acroteína, produto da decomposição das gorduras; a consistên
cia baixa, em virtude de profunda alteração do ácido-steárico.
O art. 14, letra A, do Regulamento do Laboratório, armou a ad
ministração dos elementos precisos para modificar esse esta
do de coisas. A banha bruta, vinda das colônias, é rigorosamente
examinada e classificada, sendo a inferior taxada em 1 60 réis
por quilo. Essa medida, aliada às instruções que tenho forneci
do, quer pela imprensa, quer diretamente aos produtores, tem
sido de grande eficácia para a melhoria do gênero.226

Para elevar o ponto de fusão da banha, que implicava


aumentar a proporção de estearina por adição direta, o go
verno incentivou a formação de uma fábrica deste produto.
Outros gêneros de produção do estado despertavam as
mesmas preocupações, como o das conservas de carne suí
na, fabricadas principalmente em Montenegro e São Sebas
tião do Caí, de onde eram exportadas em barricas. O proble
ma maior, contudo, era o do vinho, cuja fiscalização não ha
via conseguido ainda assegurar a sua pureza:

[...] a fiscalização tem influído salutarmente, para que ele seja


puro, tendo desaparecido a prática prejudicial da coloração, por
meio dos derivados da hulha e a adição de antissépticos, po
rém sua qualidade é ainda inferior. É pobre em álcool e extrato,
rico em acidez, razão pela qual conserva-se mal e não possui
as qualidades precisas para ser considerado um bom vinho.227

226 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1903.


p.240-1.
227 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e do Exterior de 1903.
p.242.

196
Embora reconhecendo que uma das condições para se
conseguir um bom produto era possuir uma boa uva, o go
verno considerava de grande relevância o aperfeiçoamento
nos processos de fabrico do vinho. Para tanto, pregava a ne
cessidade de propagação do ensino enológico entre os
vinicultores.

Com relação à industrialização dos produtos da pecuá


ria, eram indicados dois caminhos a seguir: enveredar pela fri-
gorificação da carne, a exemplo das vizinhas repúblicas do Pra
ta, ou tentar aperfeiçoar os rotineiros processos de fabrica
ção do charque. No primeiro caso, ante a ausência de recur
sos locais para a montagem de um frigorífico, o governo ha
via firmado um contrato em 1903 com a companhia inglesa
The Brazilian Cold and Storage Development Ltd. para esta
belecer no estado uma fábrica daquele gênero que visasse à
exportação de carnes congeladas228. o contrato resultava na
concessão de um privilégio temporário a uma indústria até en
tão inexistente no estado, facilidade que, segundo os termos
acordados, não restringia a liberdade de comércio ou a ativi
dade de outras indústrias, como a do charque. Entretanto, co
mo a companhia não instalou seus serviços dentro do prazo
previsto, o processo caducou. Quanto ao charque, alertara-
se para que, embora reconhecendo a superioridade do pro
cesso de frigorificação, não se tratava de eliminar o método
do salgamento da carne tal como vinha sendo feito, mas sim
de aperfeiçoá-lo.

O fabrico do charque baseia-se no emprego da dessecação e


do sal, sendo esta substância que o torna um elemento infe
rior. O sal alia à sua ação antisséptica um grande poder higro-
métrico, em virtude do líquido, perdendo grande parte de seus
princípios solúveis, que são assim arrastados com a água. [...]
Tudo isto mostra a necessidade urgente de transformação do
nosso charque. O ponto de partida de qualquer modificação nes
se sentido é a diminuição do sal. [...] Iniciarei breve'uma série
de experiências, cujo êxito parece-me provável, sendo-me gra
to cientificar-vos que os charqueadores de Bagé aceitarão sa
tisfeitos qualquer alteração nos processos atuais que vise
melhorá-los.229

228 Mensagem presidencial de 1905. p. 18-22.


229 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e do Exterior de 1903.
p.245.

197
Quanto ao aproveitamento dos resíduos das charquea-
das, era indicada a fabricação de estearina como o melhor uso
industrial do sebo, não tendo as charqueadas, contudo, as ins
talações necessárias para a purificação da gordura. Da mes
ma forma, alertava-se para a necessidade da implantação de
uma indústria de laticínios mais racional, uma vez que os quei
jos e a manteiga fabricados na colônia, com raras exceções,
eram mal preparados^^^.
Tendo vistoriado 2.400 "fábricas" no estado, o Labo
ratório de Análises identificaria ainda substâncias estranhas
presentes nas cervejas produzidas em Pelotas e em Porto Ale-
gre^^V bem como alterações na produção do álcooP^^. Nos
anos subseqüentes, o Laboratório de Análises prosseguiu na
sua tarefa de racionalizar os processos produtivos de uma série
de artigos.
Desde 1903, o governo começara a se preocupar com
a devastação dos ervais, expedindo um regulamento para a
sua exploração e conservação, bem como para impedir a frau
de que se registrava na produção de erva-mate. Estavam sen
do realizadas experiências na Estação Agronômica com o fi
to de obter um produto, acreditava-se, com amplas possibili
dades no mercado. Preconizava neste sentido o governo: "não
está longe o dia em que na Europa o operário, em vez de to
mar o mau café, tomará o mate"233. Em 1907, eram referi
dos os resultados satisfatórios do Laboratório de Análises, ex
pressos no aumento do valor da banha e do milho, graças à
fiscalização exercida sobre a sua fabricação234.
Tais medidas eram complementadas com outras relati
vas à difusão do ensino técnico, que era estimulado e patro
cinado em dois níveis: a Escola de Engenharia, estabelecimen
to de ensino superior, destinado a formar a elite de técnicos,
e as escolas profissionais, para o operariado. Reproduzia-
se, assim, a distinção positivista entre a ciência e a técnica.
Fundada em Porto Alegre, em 1896, por um grupo de
engenheiros militares adeptos do positivismo, aos quais se

230 Ibidem.
231 Ibidem. p.440.
232 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior de 1903.
p.443.
233 Relatório da Secretaria dos Negócios das Obras Públicas de 1908. p. 12.
234 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e Exteriorde 1907. p.8.

198
acrescentaram engenheiros civis, também positivistas, a Es
cola de Engenharia tornou-se um dos principais centros de pro
pagação da influência comtista e do primado do cientificismo
e da técnica, que caracterizou o início do século no Rio Gran
de. Segundo Ferreira Filho235_ com a morte de Júlio de Cas-
tilhos em 1903 a Escola de Engenharia abandonou a idéia fi
losófica inicial.
Não se trata, evidentemente, de entender o positivismo
de uma forma rígida ou doutrinária, mas sim de observar de
que modo princípios e idéias eram adequados a interesses so
ciais e políticos presentes numa sociedade que progressiva-
rhente se tornava burguesa e capitalista. Veja-se, a propósi
to, a importâcia do engenheiro na sociedade segundo Comte:
Uma classe intermediária surgiu entre os cientistas, os artistas
e os artesãos - a classe dos engenheiros, e desde este momen
to, pode-se considerar a combinação das duas capacidades (cien
tífica e industrial). Tornou-se cada vez maior, a tal ponto que
hoje, na opinião geral dos cientistas e dos artesãos (embora em
menor grau nesta última), o verdadeiro destino das ciências e
das artes é de se combinarem para modificar a natureza em be
nefício do homem, umas estudando-a para conhecê-la, e as ou
tras aplicando este conhecimento.236

O engenheiro era entendido, assim, como o agente so


cial que reunia em si o conhecimento científico do uso da téc
nica e aplicava-o na vida prática, a serviço do capital. Daí, pois,
o prestígio da Escola de Engenharia, que formava uma elite
de ''tecnocratas".
A cargo da Escola de Engenharia passaram a funcionar,
nos anos subseqüentes, o Instituto Técnico-Profissional Ben-
jamin Constant, para operários, e o Instituto Agronômico e
Meteorológico, que se complementavam com a Escola Agro
nômica e Veterinária. Em 1912, era fundado o Instituto Eletro-
Técnico Montaury, perseguindo o objetivo de criar uma uni
versidade técnica e profissional 237. Em Pelotas e Canoas

235 Arthur Ferreira Filho, Júlio de Castilhos e o positivismo. In: Américo


Werneck et alii. Júlio de Castilhos. Porto Alegre, lEL/DAC/SEC, 1 978.
p.61.
236 Augusto Comte, Discurso sobre o espírito positivo. Trad. José Arthur
Gianotti e Miguel Lemos. In: Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultu
ral, 1978. p.l3.
237 Ensino Técnico Profissional. Revista do Arquivo Público do Rio Gran
de do Sul, Porto Alegre, 8: 48-9, dez. 1922.

199
localizaram-se institutos profissionais de Agronomia, sendo
o primeiro sustentado pela municipalidade e o segundo pelas
escolas cristãs da localidade^^®.
Para o governo, a situação se apresentava como uma
das formas de obter a racionalização da produção industrial,
dentro do seu projeto regional de desenvolvimento capitalis
ta para o estado. Um parecer emitido pela comissão de orça
mento da Assembléia de Representantes, em 1 908, sintetiza
bem a posição do governo a este respeito:

O ensino profissional é a alavanca poderosa que melhora e mul


tiplica a ação humana. A indústria moderna reputa como seu
principal título de glória o apoio que a inteligência esclarecida
lhe presta a cada instante, submetendo a seu domínio, subju
gadas e dóceis, múltiplas potências que se lhe deparam teme
rosas e insubmissíveis. Os velhos preconceitos de incompatibi
lidade entre as teorias e a prática ruíram por terra e, felizmente
para a humanidade, bem longe vão já os tempos em que se acei
tava o adágio bom em teoria, mal na prática. Hoje em dia, a in
dústria se inspira continuamente na ciência e do íntimo consór
cio entre a teoria e a prática resultam os grandes aperfeiçoa
mentos obtidos nesse vasto campo de ação. O grande deside-
ratum da época moderna consiste em produzir bem, muito e ba
rato e em realçar cada vez mais a dignidade humana. E este de
sejo é atingido pelo emprego das máquinas que multiplicam a
força animal e dos processos técnicos que aumentam a capaci
dade produtiva, recursos que só podem ser bem aproveitados
quando têm por guia uma boa educação profissional. 'A rotina
é o maior inimigo do produtor', disse-o muito criteriosamente em
sua mensagem ao Congresso do Estado o malogrado Dr. João
Pinheiro, ilustre presidente de Minas Gerais. O meio mais efi
caz de combatê-la consiste na propagação do ensino profissio
nal, criando os campos experimentais, as fazendas-modelo e as
escolas técnicas, onde um grande número possa aprender e pelo
seu exemplo e pelos resultados obtidos difundir os melhores e
mais aperfeiçoados métodos de produção.239

Aparentemente, o discurso contraria os princípios posi


tivistas da subordinação da prática à teoria ou à ciência; mas
o conteúdo da citação refere-se justamente ao primado do co
nhecimento científico que, aplicado à prática, resultava em
progresso, eficácia, avanço de forças produtivas, tal como se

238 Relatório da Secretaria dos Negócios do Interior e do Exterior de 1910.


p.186.
239 Anais da Assembléia de Representantes de 1908. p.71.

200
podia apreciar no desenvolvimento industrial. A máquina é ob
jeto de apologia, mas o meio de utilizá-la e obter o almejado
aumento da produtividade era dado necessariamente pelo en
sino profissional. Note-se que este e a tecnificação do pro
cesso produtivo não se restringiam, nas metas do governo,
ao setor industrial, atingindo também as atividades primárias.
Entretanto, o próprio governo reconhecia que a época
era de surto industrial, cabendo a cada estado procurar de
senvolver suas forças produtivas.

Esse objetivo, porém, só pode ser atingido pela substituição ou


pelo aperfeiçoamento dos métodos de produção que exigem um
certo preparo, uma certa cultura de parte dos industriais, pre
paro e cultura que só as escolas profissionais podem ministrar.
Deixando, sempre que possível for, a iniciativa da criação des
ses institutos à ação particular, cumpre, entretanto, ao Estado
prestar-lhes todo o auxílio compatível com seus recursos finan
ceiros, pois que o desenvolvimento dos mesmos institutos é um
penhor seguro ao desdobramento da atividade industrial.240

No conjunto das atividades desenvolvidas pelo governo


no terreno da difusão do ensino técnico, a Escola de Enge
nharia e o seu Instituto Técnico-Profissional Benjamin Cons-
tant ocuparam sempre o centro das atenções. Como institui
ção de elite, difusora de conhecimentos científicos especiali
zados, a Escola de Engenharia divulgou os mais recentes pro
cessos tecnológicos aplicados à indústria. Os artigos publi
cados pela sua revista (EGATEA) versavam, em geral, sobre
inovações técnicas e processos racionais de produção que per
mitiriam um aproveitamento integral da matéria-prima e a fa
bricação de um artigo dentro de normas de higiene e
qualidade24i. Na superação de processos rotineiros de pro
dução, a Escola de Engenharia, "filha dileta de Júlio de Casti-

240 Anais da Assembléia de Representantes de 1908. p.71


241 Ver, a propósito, os seguintes artigos: Uma nova máquina frigorífica.
EGATEA, 7 (1): 38-42,'jul./ago. 1914; A indústria da manteiga. EGA
TEA, 3(1): 129-32, nov./dez. 1 914; Frigoríficos. EGATEA, 4(1): 169,
jan./fev.l 91 5; Frigoríficos, EGATEA, 5(1): 224, mar./abr. 191 5; Pa
recer sobre a questão dos frigoríficos no Estado. EGATEA, 7 (2): 43,
jul./ago. 1915; No vinhedo e na cantina. EGATEA, 3 (2): 132-7,
nov./dez. 1915; Um problema nacional (carvão). EGATEA, 5-6 (2):

201
lhos"242^ foi O carro-chefe da política governamental volta
da para o aperfeiçoamento dos processos industriais e para
o ensino profissional para operários.

Referia A Federação em 1911:

A Escola de Engenharia de Porto Alegre é um produto da ativi


dade e da harmonia de vistas do Partido Republicano, que as
sim se torna um fator importante do desenvolvimento moral,
intelectual e prático do Estado. Ela está destinada a fornecer
ao Rio Grande do Sul as levas de profissionais habilitados que
se coloquem à testa das indústrias, promovendo o aperfeiçoa
mento dos métodos e multiplicando o rendimento das fontes
de produção. Transformou, por esse meio, os nossos proces
sos industriais, libertando o estado da rotina, tal parece ser a
missão social que lhe está reservada.243

Em 1913, ao renovar a concessão de percepção da ta


xa profissional de 4% para a Escola de Engenharia, a Assem
bléia de Representantes emitia o seguinte parecer:

É de consignar-se aqui que a Escola de Engenharia não é uma


escola para preparar engenheiros somente, mas é a mais vasta
instituição de ensino no Brasil. Instituto livre, evoluiu, criou um
conjunto de institutos de ensino que cada vez são mais aperfei
çoados e projeta outros institutos e novos aperfeiçoamentos.
Essa grandiosa instituição tem com o Estado apenas relações
de ordem econômica e financeira, indispensáveis para a sua ma
nutenção e para o prosseguimento do seu elevado fim.244

Embora esteja enfatizada aqui apenas a sua relação eco


nômica com o governo, sem dúvida alguma a instituição cor-

240-2, maio /jun. 1916; A energia no Rio Grande do Sul. EGATEA,


6 (3): 249-56, maio/jun. 1917; Experiências com o carvão nacional.
EGATEA, 6(3): 211, maio/jun. 1917; Leis federais e estaduais que re
gulam o comércio do vinho e da banha. EGATEA, 3 (6): 148, maio/jun.
1921; A exportação da banha no Brasil. EGATEA, 5(6): 257,
set./out. 1921; Álcool industrial. EGATEA, 7(1): 14-21, jan./fev. 1922;
Fabricação do vinho. EGATEA, 7(1): 54, jan./fev. 1 922; O álcool co
mo combustível. EGATEA, 4 (7): 303, jul./ago. 1922; O carvão rio-
grandense. EGATEA, 5(7): 263, set./out. 1922; Aproveitamento dos
combustíveis. EGATEA, 6(7):363, nov./dez. 1922; Fábricas de pro
dutos suínos. EGATEA, 4(11): 334, jul./ago. 1926.
242 Escola Industrial de Rio Grande. EGATEA, 1 (4): 14, jul./ago. 1 91 7.
243 A Federação, Porto Alegre, 11 fev. 1911. p.1.
244 Anais da Assembléia de Representantes de 1915. p.1 31.

202
respondeu a unn dos aparatos de construção da hegemonia
burguesa e do PRR no Estado, bem como atendeu aos inte
resses do empresariado industrial. Aliás, o PRR jamais deixou
de enfatizar o lado político-partidário da orientação seguida
pela Escola, definida como "criação exclusiva do partido
republicano":

[...] essa Escola que prepara homens úteis à pátria é o produto


de um trabalho perseverante e tenaz do partido republicano. To
dos que labutam naquele estabelecimento e principalmente aque
les a que a escola deve a sua vida e prosperidade, são indiví
duos filiados ao nosso partido, que, na sua ação pública, pau
tam a conduta pelas normas gerais do nosso programa - traba
lhar pelo progresso homogêneo e uniforme do Rio Grande do
Sul.245

Preparando uma elite com os conhecimentos técnicos


necessários para aplicação no desenvolvimento econômico do
estado, e ao mesmo tempo difundindo o ensino profissional
com o qual qualificava a mão-de-obra para a indústria, a Es
cola de Engenharia foi assim uma das mais expressivas insti
tuições na busca do aperfeiçoamento racional dos processos
produtivos.
r

A intervenção do Estado com vistas à racionalização da


produção não se limitou, contudo, à fiscalização dos produ
tos, ao incentivo ao uso das máquinas e à difusão do ensino
'técnico. Outra forma de ação visando ao mesmo objetivo foi
o incentivo do governo às formas de associação entre os pro
dutores. Atuando mais uma vez de maneira indireta, o Esta
do remetia para a iniciativa privada a solução de problemas
econômicos. Tal posicionamento não pode ser analisado à luz
de uma fidelidade aos princípios do liberalismo econômico. Já
em 1 91 9, o então deputado estadual Getúlio Vargas, em res
posta ao deputado oposicionista Gaspar Saldanha, que criti
cava o governo pela sua política de socialização dos serviços
públicos, acusava-o de filiado ao laissez-faire. Segundo Var
gas, o liberalismo atribuía à iniciativa privada a exclusividade
do desenvolvimento econômico de qualquer país, argumen
tando:

245 A Federação, Porto Alegre, 8 mar. 191 2. p.1.

203
Nos países novos, como o nosso, onde a iniciativa é escassa
e 08 capitais ainda não tomaram o incremento preciso, a inter
venção do governo em tais serviços é uma necessidade real.

Na análise da ação do Estado, não se pode imaginar que


o problema esteja em uma maior ou menor interferência na
economia. É de crer que o enfoque mais lúcido estaria em ava
liar que este Estado, indiscutivelmente, sempre atuou em fa
vor da burguesia. Ou seja, os recursos propriamente da esfe
ra governamental eram colocados a serviço do capital sem
pre que necessário. O problema se encontrava justamente no
equilíbrio entre os interesses dos diferentes setores, manten
do um atendimento que não fosse unidirecional. O Estado no
Rio Grande não era propriamente industrializante, mas apos
tava na indústria como o caminho seguro de combinar o se
tor agropecuário com os mais modernos processos de bene-
ficiamento da matéria-prima, garantindo mercados e amplian
do as exportações. Tal postura se contrapunha àquela defen
dida pela oposição maragato-libertadora, que entendia o Rio
Grande como eminentemente pastori|247.
Neste contexto, o governo estadual buscou o aprimo
ramento técnico da produção gaúcha e a aplicação de prç-
cessos mais racionais de fabricação através do incentivo à
união de capitais. Não se trata exatamente da concentração
empresarial, que a rigor ocorre sem a interferência do poder
público, mas sim da conjugação de esforços para superar di
ficuldades. Se, por um lado, o associativismo dava-se pela
convergência dos capitais, por outro o Estado exortava esta
associação, fazendo-se presente de forma direta e vinculan
do ao governo as entidades que surgiam.
Tome-se o caso do já referido Centro Econômico do Rio
Grande do Sul, formado em 1904. Agregando diferentes se
tores do capital, entre os quais o industrial, o Centro fora cria
do sob os auspícios do governo do Estado, tendo Borges de
Medeiros como seu presidente de honra. O governo incumbiu-
se inclusive de arregimentar sócios para a entidade, apelan-

246 Anais da Assembléia de Representantes de 1919. p.144.


247 Embora não caiba analisar esta postura nos limites deste trabalho,
remete-se o leitor para os discursos dos deputados oposicionistas na
Assembléia de Representantes do Estado ou para a obra de Fonseca
RS: Economia e Conflitos...op.cit.

204
do a todos os municípios248. [sjo desenvolver de suas ativida
des, o Centro contou com subvenção e favores do governo
do Estado e da Intendência Municipal de Porto Alegre.
Os boletins publicados pelo Centro, subvencionados pelo
governo estadual^^Q tinham a função de divulgar, tal como
a revista da entidade25o^ novos processos e máquinas para
o setor primário e secundário; difundir o ensino profissional;
incentivar a organização do trabalho sob associação, concen
trando esforços; fomentar o desenvolvimento das indústrias
mais adequadas, utilizando matéria-prima local e preparando
a independência industrial do estado; lutar pela proteção da
produção nacional; propugnar pela instituição de créditos; de
fender a dilatação do comércio e o desenvolvimento dos meios
de transporte; divulgar notícias sobre as empresas; etc.25i.
Além disso, o Centro promoveu exposições de máqui
nas e conferências sobre novos métodos industriais, além de
realizar intensa propaganda dos sindicatos profissionais. Com
o propósito de adaptar-se à Lei Federal n.° 929, de 6 de janei
ro de 1903^^2, a entidade promoveu, em 1907, a reforma de
seus estatutos^^^, para favorecer a filiação de sindicatos que
quisessem incorporar-se. Tendo por lema "Trabalho, coope
ração e unidade", a diretoria do Centro afirmaria, em 1912,
que a entidade afagara desde a sua fundação "a idéia da efe
tividade da cooperação rural e industrial no estado, como fonte
poderosa e capaz de melhorar e ativar as suas forças econô-
micas"^^'^. Entretanto, apesar de dispensar também atenção
e apoio aos pequenos produtores (como, por exemplo, a dis
tribuição de sementes) ou de integrar-se "solidário" à cam-

248 Relatório do Centro Econômico do Rio Grande do Sul de 1905. Porto


Alegre, César Reinhardt, 1906.
249 Boletins do Centro Econômico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre 1-2,
1907.
250 Revistas do Centro Econômico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1-13, out. 1906 a out. 1907.
251 Revista do Centro Econômico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 7;
1-2, out. 1906.
252 Revista do Centro Econômico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1,
out. 1 906. p.32.
253 Relatório do Centro Econômico do Rio Grande do Sul de 1907. Porto
Alegre, Tip. do Centro, 1.907.p.1.
254 Relatório do Centro Econômico do Rio Grande do Sul de 1912. Porto
Alegre, Tip. Germano Gundiach, 1912. p.2.

205
panha cooperativista que surgiu na zona colonial italiana255^
o Centro foi na verdade um agente de integração da burgue
sia gaúcha, numa fase em que ela não se achava ainda orga
nizada em um órgão de classe específico.
Em suma, com seu vasto e amplo programa, a entidade
procurou conqregar os industriais e as demais frações da
burguesia256^ intentando racionalizar a produção rio-
grandense. Neste sentido, realizou a tarefa de integrar, na coa
lizão burguesa de apoio ao PRR, a fração dos arrozeiros, res
ponsáveis pela lavoura capitalista e pelo beneficiamento des
te produto com. vistas à exportação.
A preocupação com o aperfeiçoamento racional da pro
dução mediante o uso de tecnologia adequada pelo capital po
de ser observada nas apreciações emitidas pela revista do Cen
tro, em 1907, sobre a produção e a comercialização do vi
nho. O artigo apontava como defeitos:

1) Pretender todo cultor da vinha em ser ele próprio fabricante


de vinho.
2) Falta de arte e ciência na vinificação.
3) Venda de vinho no mesmo ano da sua fabricação.
4) Embarrilamento defeituoso e infecção dos barris.
5) Transportes morosos, mudança de temperatura pela expo
sição continuada dos barris ao sol.
6) Misturas realizadas em Porto Alegre com a idéia de forma
ção de tipos.
7) Âlcoolização dos vinhos fracos por álcool estranho à uva.
8) Novas misturas feitas no Rio de Janeiro. 257

A postura é clara: despojar o pequeno produtor de suas


pretensões a fabricante de vinho, reservando esta função ao
detentor do capital, capaz de satisfazer as exigências do mer-

255 Cf. A Federação. Porto Alegre, 1 7 out. 1911. p.4. Caberia lembrar que,
na sua campanha de divulgação de instruções, o Centro publicava seu
boletim também em italiano, para ser distribuído, nesta zona colonial,
entre os agricultores.
256 Poderiam ser destacados, entre os seus numerosos sócios contribuin
tes, os empresários industriais Adolpho Voigt, Alberto Bins, Albino Cu
nha, Antônio Chaves Barcellos, Edmundo Dreher, F. G. Bier, Frederico
Dexheimer, Germano Steigleder, Henrique Brockmann, Hugo Gertum,
J. Aloys Friederichs, Johannes Gerdau, José Mathias Becker, Max Neu-
gebauer, Possidônio Márcio da Cunha, Victor Henrique Silva e muitos
outros.

257 Revista do Centro Econômico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,


10-13, jul./out. 1907.

206
cado mediante adoção de um bom padrão de qualidade e de
higiene nos métodos de beneficiamento da uva.
O conjunto das medidas levadas a efeito pelo governo
— repressão à fraude, fiscalização da produção, divulgação
de novos processos, difusão do ensino técnico, exortação à
associação dos produtores — se justaporia à atuação empre
sarial no âmbito fabril, como, por exemplo, no caso da incor
poração de tecnologia avançada, de reorganização da produ
ção e de formação da mão-de-obra qualificada.
O resultado desta conjugação de medidas foi o progres
sivo processo de afirmação do grande capital sobre as peque
nas empresas. A própria dinâmica da acumulação tende a eli
minar a produção artesanal e manufatureira em benefício da
grande indústria, o que, contudo, não é um processo com
pleto e radical. Já se viu que, quantitativamente, predomina
va no estado as pequenas unidades, mas é indiscutível que
a liderança e o controle do mercado eram daquele reduzido
número de grandes empresas capazes de responder aos de
safios do refinamento técnico e do aperfeiçoamento do pro
duto, garantindo condições de concorrência no mercado e,
conseqüentemente, beneficiando-se das medidas levadas a
efeito pelo governo.
Éclaro que, para tal, concorreram também outros fato
res, como, por exemplo, as oscilações da política econômico-
financeira federal (controle das emissões e política cambial),
bem como a política tributária dos governos federal e esta
dual. O resultado final, contudo, foi de molde a beneficiar as
maiores indústrias, com mais capital e maior produção, que
puderam renovar-se para operar com um padrão de qualida
de superior e maior higiene no preparo de seus produtos.
A contrapartida deste processo foi o aniquilamento, tam
bém progressivo, da indústria do tipo doméstico-artesanal, an
te a empresa capitalista que se impunha. Cabe insistir que não
se trata do seu desaparecimento do mercado, mas da sua per
da de competitividade.
Na área da imigração italiana, este processo pode ser
apreciado no confronto entre os pequenos proprietários de ter
ra e fabricantes "caseiros" de vinho e os "comerciantes-
fabricantes", proprietários de cantinas situadas estrategica
mente na confluência dos "travessões", ao longo dos quais
se ordenavam os lotes coloniais. Tais estabelecimentos rece-

207
biam dos colonos tanto a uva para ser esmagada quanto o
suco não fermentado da uva esmagada nos lotes^BS^ embo
ra possuam eles próprios vinhedos. Como donos de cantinas,
beneficiavam não só a sua matéria-prima como aquela forne
cida per outros colonos. Na medida em que comercializavam
o produto e/ou detinham conhecimentos técnicos sobre o be-
neficiamento do mesmo, revelavam melhores condições que
os demais para industrializar a uva. O capital e o conheci
mento técnico proporcionavam-lhes os meios para equiparem
seus estabelecimentos. Desta forma, o produto final tendia
a apresentar diferenças com relação àquele fornecido pela pro
dução doméstica artesanal. Desse processo resultou um sig
nificativo segmento da burguesia industrial gaúcha: a dos fa
bricantes de vinho, responsáveis pela introdução de modifi
cações na cultura da vinha e na fabricação do produto final.
Com referência à banha, a concentração empresarial
neste ramo manifestou-se desde cedo, estabelecendo-se um
controle quase monopólico do ramo de grandes firmas como
Dreher, Oderich, Renner, Otero Gomes, Maristany, que esta
vam realizando progressos tecnológicos na fabricação do ar
tigo. Paralelamente, o pequeno proprietário de terras criador
de suínos estava sendo reduzido à função de mero produtor
de matéria-prima, assim como o colono fabricante de vinho
estava sendo convertido em simples agricultor da uva.
A presença do capital comercial e industrial no proces
so de trabalho colonial-imigrante contribuiu para aniquilar pau
latinamente a indústria artesanal doméstica. Passaria a se
exercer, assim, uma forma de dominação indireta do capital
industrial sobre a força de trabalho do produtor colonial. Éclaro
que a relação de produção típica do capitalismo pressupõe a
mão-de-obra livre — despossuída, no pleno sentido do termo
— que se apresenta no mercado como vendedora de força de
trabalho ao proprietário do capital. Entretanto, dentro das con
dições específicas em que se gera e desenvolve o capitalis
mo no Brasil, o agricultor colonial é submetido formalmente
ao capital, através de relações que se estabelecem não no âm
bito da propriedade agrícola, mas no plano do mercado. En-

258 Thales de Azévedo. Italianos e Gaúchos: os anos pioneiros da coloni


zação italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, A Nação, DAC/SEC,
1975. p. 189.

208
fim, tem-se um processo de trabalho não-:capitalista subme
tido ao modo de produção que se impõe.
Não se trata de considerar que existe um domínio for
mal do capital através de uma inserção do processo de traba
lho colonial agrícola no sistema capitalista mais amplo. Nem
se trata, igualmente, de inverter a ótica da análise da produ
ção para a circulação. Trata-se, isto sim, de verificar que, no
conjunto da formação social gaúcha, quando se constitui um
modo capitalista de produzir, ele tende a submeter formas pré-
existentes. Neste processo, o colono — proprietário da terra
e trabalhador direto — não tem condição de acumular um ex
cedente produzido pelo fruto da venda do seu produto no mer
cado. Este colono, na verdade, está fornecendo um trabalho
excedente que é apropriado pelo capital industrial fora da pro
priedade agrária, no momento da entrega da matéria-prima pa
ra a fábrica. O industrial, por sua parte, passa a ter uma du
pla fonte de acumulação: sobre a força-trabalho no interior
da empresa capitalista e sobre o colono proprietário. A partir
do momento em que este processo se instala, a dinâmica da
expansão quantitativa e qualitativa do setor agrícola colonial
(maior produção, uso de defensivos, etc.) estará subordina
da não a uma possibilidade de retenção interna da renda na
própria agricultura, mas aos interesses e necessidades do ca
pital industrial dominante. Em contraposição a isso, entre os
anos de 1911 e 1912 ocorreu na região colonial um movimen
to de reação dos pequenos produtores rurais a este estado
de coisas, que assumiu a forma de um movimento cooperati-
vista, como veremos adiante.
Convém ressaltar ainda que a figura do colono sempre
fora exaltada, em nível de discurso, pelo governo do Estado,
sendo apontado como elemento que contribuía para o progres
so, irnplantador de uma nova "moral do trabalho". Num país
egresso do escravismo, a presença da força-trabalho livre,
branca e européia atuou como elemento regenerador das cons
ciências. Na verdade, a ideologia do trabalho ocultava a pau-
perização crescente a que era submetido o pequeno proprie
tário de origem imigrante Sob a ação do capital comercial e
industrial.
Segundo o relatório da Secretaria da Fazenda de 1909,
o problema econômico do Rio Grande poderia ser resolvido
pelo aumento da produção e da exportação. Assim entendi-

209
da, a questão partia do pressuposto de que o aumento da pro
dução dava-se pelo aumento dos produtores, ou, por outra,
pelo incentivo à imigração espontânea^^^. Entretanto, o pro
blema, encarado desde a ótica da produção, não se restringia
a um equacionamento quantitativo, mas, ao contrário, era ne
cessário também um aperfeiçoamento técnico na forma de
produzir. Neste sentido, o governo tanto tinha interesse no
sucesso da imigração, procurando difundir instruções e co
nhecimentos técnicos e distribuindo sementes selecionadas,
quando fosse o caso, entre os colonos, quanto incentivava
a renovação tecnológica do processo produtivo, o que esta
va afeto aos setores detentores de capital e proprietários dos
estabelecimentos de maior porte.
Ora, o interesse do governo, neste caso, atendia a preo
cupações die ordem econômica (formas alternativas de dina-
mização da economia estadual e, principalmente, das expor
tações gaúchas) e de natureza política (aumento da área de
penetração do PRR na zona colonial e reforço das alianças com
os grupos empresariais, base essencial de sustentação do par
tido). O decorrer do processo do desenvolvimento capitalista
da economia do estado haveria de demonstrar que, entre a
proteção ao pequeno produtor e o apoio ao grande capital,
o governo optaria por este último.
O movimento cooperativista já vinha desde há muito
tempo sendo indicado pelo governo como uma forma de so
lucionar problemas econômicos, indicação cujo argumento
atribuía mais à iniciativa privada do que ao Estado a defesa
dos interesses dos produtores, nomeadamente mediante sua
associação.
O surto cooperativista ocorrido na zona de imigração ita
liana nos anos de 1 911 e 1 91 2 é, contudo, um belo exemplo
de como a pretendida modernização da pequena empresa do
méstica feria os interesses do capital, obrigando o governo
a posicionar-se na defesa dos industriais e comerciantes
afetados260. Se exitosa, a campanha cooperativista viria anu-

259 Relatório da Secretaria da Fazenda de 1909. v.i.


260 Para o estudo do movimento cooperativista na região italiana, consul
tar: Loraine Slamp Giron, O Cooperativismo vinícola no Rio Grande do
Sul. Caxias do Sul, 1975. (xerografado); J. Montserrat, o Cooperati
vismo na zona de colonização italiana. \r\:Álbumcomemorativo do 75.°
aniversário da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Porto Ale-

210
lar a intermediação comercial destes grupos e, conseqüente
mente, eliminar o controle que exerciam sobre a produção do
méstica em termos de compra, venda e fabricação.
Desta forma, quando se tratou de escolher entre prote
ger os interesses dos pequenos produtores ou os dos comer
ciantes e industriais, o governo optou por estes últimos, o que
fez com que em 1 91 3 se dissolvesse o órgão que unia as coo
perativas coloniais (União das Cooperativas Coloniais).
Para a liquidação final das cooperativas, foi decisiva a
atuação do intendente de Caxias, Cel. Penna de Moraes, tam
bém proprietário de adega e de vinhedos, além de comerciante
e exportador de vinho. Em 1 5 de novembro de 1913, enviou
um relatório a Borges, denunciando que, com o aumento da
produção, o movimento cooperativista colocara no mercado
um artigo de qualidade inferior. Com isso, a produção gaú
cha de vinho perdera posição nos mercados de Rio, São Pau
lo e Santos. É claro que, no decorrer de apenas 2 anos, os
pequenos produtores não teriam sido capazes de eliminar pro
blemas de produção que nem os grandes cantineiros haviam
solucionado ainda a contento.
Frente ao fato de a cooperativa de Caxias ter comprado
e exportado um "vinho péssimo", a Associação dos Comer
ciantes desta cidade solicitara a organização de um laborató
rio de análises químicas para controlar a qualidade do
produto^^^ Impunha-se, com isso, a racionalização da pro
dução com vistas a só permitir a venda de um artigo supe
rior. Mas o processo demonstrou, em seu conjunto, a vitória
dos interesses do grupo hegemônico e seus aliados (os de
tentores do capital na área colonial).
Se parte dos problemas que afetavam os artigos da zo
na colonial poderiam ser resolvidos ao nível da produção, pe
lo capital, a adulteração de um produto como o vinho nos mer
cados do centro do país escapava ao controle do poder públi
co ou da burguesia industrial responsável pelo produto.
Respondendo ao apelo daquele setor da burguesia gaú
cha, o governo estadual enviou, como seu representante às
praças do Rio e São Paulo, o irrtendente de Caxias, Cel. Pen-

gre, Globo, 1950. p. 303; Sandra Jatahy Pesavento, Agropecuária Co


lonial e Industrialização. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983.
261 A Federação, Porto Alegre, 18 dez. 1913. p.1.

211
na de Moraes, que, como se disse, era um industrial do vi
nho, além de comerciante e exportador do produto262. No de
sempenho de sua missão de fiscalizar e reprimir a falsifica
ção, Penna de Moraes concluiu que os vinhos eram alterados
às vezes por acidez elevada, como conseqüência do coeficien
te alcoólico insuficiente para sua conservação, entrando lo
go em fermentação. Apontava como bons vinhos proceden
tes do Rio Grande do Sul os da cantina Pieruccini (Caxias do
Sul), de Luís Alegretti (Bento Gonçalves) e da Cooperativa
Agrícola de Caxias, na qual o próprio Penna de Moraes tinha
participação.
Na opinião do intendente de Caxias, endossada pelo go
verno, a única forma de aumentar o consumo e vencer a con
corrência dos vinhos estrangeiros era o aperfeiçoamento da
produção.
Sua intervenção na questão da fraude do vinho foi ex
tremamente significativa, pois representou mais uma etapa
do processo de submissão do trabalho do colono ao capital.
O processo de acumulação presente na região de imigração
italiana favorecera determinados empresários a introduzirem
modificações técnicas e a modernizarem seus estabeleci
mentos.

Um outro caso no qual se pode apreciar o incentivo do


governo à racionalização da produção através do apoio às en
tidades associativas foi o da frigorificação de carnes.
Já se viu que a idéia da frigorificação de carnes, dotan
do a pecuária gaúcha de processos mais modernos de produ
ção, era bastante antiga. Fora motivada pelo exemplo da ins
talação de frigoríficos no Prata, desde a década de 80 do sé
culo passado, e pelo incremento da demanda mundial de gê
neros alimentícios. Neste contexto, haviam surgido projetos
de pecuaristas locais unidos a comerciantes para instalar em
presas daquele gênero263 e o próprio governo procurava
atrair capitais estrangeiros para aplicação neste fim, como no
já citado caso do contrato com a companhia inglesa Cold
Storage.
Foi no período da guerra, entretanto, com o incremento
extraordinário da demanda mundial deste artigo, que a idéia

262 Mensagem presidencial de 1918. p. 55-6.


263 Frigoríficos. Porto Alegre, Gundiach, 1889.

212
renasceu com vigor e se constituiu .num projeto aglutinador
dos interesses do governo estadual e dos pecuaristas, agre
gados na sua União dos Criadores. Esta entidade de classe,
que fora criada emi 91 2 e que abrigava estancieiros e alguns
charqueadores, promoveu uma intensa campanha, com o
apoio do governo estadual, para reunir recursos locais a fim
de constituir um frigorífico264.
O endosso da idéia da frigorificação por parte dos cria
dores — que assumiriam, assim, uma postura "industrial" —
implicava a decretação do fim da charqueada enquanto pro
cesso de beneficiamento da carne, bem como do esvaziamen
to das manobras baixistas realizadas por estes empresários,
que procuravam ressarcir-se de eventuais prejuízos nas ven
das pela imposição de um baixo preço para a matéria-prima
local. Em especial, denunciavam o verdadeiro trust organiza
do pelos charqueadores da fronteira unidos a donos de char-
queadas uruguaias.
A posição do governo a este respeito não ia tão longe,
ou seja, na sua necessidade de congregar as diferentes fra
ções da burguesia, tanto buscava encontrar solução para o
consumo do charque nos mercados centrais do país quanto
endossava a proposta da frigorificação^^s.
Deve ser notado, contudo, que o empenho de se aplicar
a frigorificação à pecuária gaúcha se revestia de um aspecto
inovador, pois técnicas de frigorificação já eram utilizadas pe
las refinarias de banha266 ou pelas maiores cervejarias da ca
pital do estado267. Tratava-se, portanto, de amparar e incen
tivar a renovação técnica de um setor que ainda não apresen
tava condições de capitalização para investir em maquinaria
mais avançada.
A subscrição dos capitais por agentes locais foi o gran
de problema do projeto de constituição de um frigorífico. O

264 Consultar, a propósito: Pesavento, República Velha Gaúcha... op. cit.


265 Ver, a propósito, as posições assumidas pelo governo através das men
sagens presidenciais de 1913 a 1920.
266 Jacob Renner, em 1912 dotara seu estabelecimento de câmaras fri
goríficas. O Progresso, Porto Alegre, set. 1916. 36.
267 É o caso das cervejarias Ritter e de ChristoffeI, de Porto Alegre, que
utilizavam o método da baixa fermentação por câmaras frigoríficas.
Fortunato Pimentel. Aspectos Gerais de Porto Alegre. Porto Alegre,
Imprensa Oficial, 1945. p.18.

213
governo realizou uma subscrição inicial e concedeu incenti
vos fiscais às empresas que se instalassem no Estado para
este fim.
A questão foi resolvida no ano de 1917, ficando como
incorporadores do Frigorífico Rio-grandense a União dos Cria
dores e a Associação Comercial de Pelotas, garantidos pelo
Banco Pelotense. O capital nominal foi fixado em
4.000:0005000, mas se estabeleceu que sua subscrição se
ria garantida pelo Banco Pelotense, que se obrigava a tomar
a seu cargo o capital não subscrito, em torno de
-2.000:0005 00 0268.
Deve ser assinalada, no caso, a baixa subscrição de parte
dos criadores e charqueadores, comparativamente ao capital
de outras empresas que operavam no estado há anos. Aliás,
a escassez de recursos e a descapitalização da região da Cam
panha foram responsáveis pela demora na instalação da pro
jetada companhia, obrigando ao abandono do plano original
de instalação em Rio Grande. Antes que os criadores e alguns
charqueadores, com auxílio do governo, pudessem integrali-
zar o capital necessário, empresas norte-americanas, aprovei
tando as condições do mercado internacional e a legislação
favorável, instalaram-se no estado: a Swift em Rio Grande e
a Armour em Santana do Livramento, ambas no ano de 1917.
No ano seguinte, a Wilson instalou-se em Livramento. A en
trada das empresas estrangeiras obrigou o Frigorífico Rio-
-grandense a deslocar-se para Pelotas, ocupando um terreno
cedido pela municipalidade.
A organização de uma empresa frigorífica que, com ca
pitais locais, racionalizasse o beneficiamento da carne de ma
neira mais integral terminou de uma forma melancólica para
os rio-grandenses. Tendo iniciado seu funcionamento em maio
de 1920, a título de ensaio e em pequena escala269, a com
panhia não logrou obter os recursos necessários para operar
na safra seguinte. No início do ano de 1 921, o malogrado fri
gorífico foi vendido à companhia inglesa Vestey Brothers270.

268 Leis, decretos e atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, A Federação, 1917. p. 119.
269 A Federação, Porto Alegre, 4. fev. 1921. p. 1.
270 Passou a funcionar com o nome de The Rio Grande Meat Company
até 1924, quando assumiu a denominação de frigorífico Angio, de
Pelotas.

214
Neste caso, o governo, apesar de amparar e incentivar
os interesses de parte da burguesia gaúcha — agrária ou não
(criadores e charqueadores, respectivamente) — no seu in
tento de adotar formas capitalistas mais avançadas, não lo
grou suprir a descapitalização do setor, acentuada pela crise
do pós-guerra. A entrada do capital estrangeiro veio mono
polizar o ramo da frigorificação da carne bovina. A concen
trar todos os seus recursos e disponibilidades financeiras neste
setor de produção, o governo preferiu dar andamento, no pós-
guerra, a obras no setor dos transportes, valendo-se de em
préstimos com bancos norte-americanos.
No decorrer da década de 20, com a recessão, a con
centração empresarial e as facilidades para aquisição de tec
nologia importada por causa da melhoria das condições de
câmbio até 1926, a estratégia do governo para obter a racio
nalização da produção voltou-se cada vez mais ao apoio às
grandes empresas. Entretanto, a elevação cambial exagera
da, levando à queda dos preços internamente, trazia conse
qüências negativas para a indústria.
Neste sentido, pronunciava-se Borges de Medeiros em
1926, discursando na Assembléia de Representantes do
Estado:

[...] subitamente, se operou uma reviravolta na orientação eco


nômica do país. Em poucos meses, e de um dia para outro, co
meçaram os preços a oscilar e a decair rapidamente, lançando
na perplexidade, na inquietação e na angústia a maior parte das
classes ativas.

Após relembrar que as crises industriais eram fenôme


nos cíclicos e que se esperava do novo governo da União a
estabilização monetária, Borges indicava o caminho para po
der superar a crise:

[...] bastará que as forças vivas do país se organizem e, anima


das e dominadas pelo espírito de concentração, ofereçam a re
sistência necessária à crise, defendendo os próprios interesses,
contra as flutuações e especulações peculiares à vida mercan
til. É necessário que entre nós esse espírito de defesa e con
centração se torne uma realidade entre todas as classes produ
toras e que, a exemplo do Sindicato Arrozeiro, fundado em boa

271 Anais da Assembléia de Representantes de 1926. p. 52-3.

215
hora pela feliz iniciativa do vosso ilustre colega, o dep. Alberto
Bins, as demais classes conservadoras se organizem também,
a fim de que possa o Rio Grande oferecer uma frente única de
resistência. Por outro lado, é necessário que o poder público,
em todas as suas esferas, na União e nos Estados, não se man
tenha em atitude passiva e, ao contrário, procure secundar, por
uma prudente interferência administrativa e legislativa, este mo
mento decisivo.272

Neste mesmo ano, a comissão de orçamento da Assem


bléia reforçaria esta idéia, lembrando:

[...] Da preocupação pertinaz, no sentido de provocar o surto


do espírito associativo das classes produtoras e do cooperati-
vismo, entre nós, falam claramente atos da administração rio-
grandense e numerosas leis desta assembléia.273

O Sindicato Arrozeiro, fundado em Porto Alegre em


1926, por ocasião de um Congresso de Orizicultura, era to
mado como exemplo a seguir pelos demais grupos empresa
riais. A formação deste órgão oficial ocorrera em função da
necessidade de encontrar saídas para a produção rio-
grandense, desalojada do mercado platino pela concorrência
italiana e enfrentando no mercado interno a concorrência da
produção nacional de São Paulo, Minas e Nordeste. Neste con
texto, revelava-se um descompasso entre o custo da produ
ção do arroz gaúcho e a exigência do rebaixamento do preço
dos gêneros alimentícios no mercado nacional, nos anos 20.
A tomada de iniciativa para a defesa do produto foi feita pe
los grandes capitais presentes no beneficiamento do arroz: os
proprietários dos grandes engenhos de Porto Alegre, Cachoei
ra e Pelotas aliados ao alto comércio da capital, que domina
vam a produção, industrialização, comercialização e financia
mento do setor274. Os resultados positivos no controle da
produção e na estabilização do preço do artigo, bem como o
apoio do governo à iniciativa, tornaram-se, pois, estímulo a
novas formas de associação do capital.
Dentro deste espírito de fomento à produção rio-
grandense e à sua propaganda, fora fundada a entidade De-

272 Anais da Assembléia de Representantes de 1926. p. 53.


273 Ibidem. p. 229.
274 Ema Massera, A Lavoura Arrozeira Rio-Grandense nas Três Primeiras
Décadas do Século XX. Porto Alegre, UFRGS, 1980. (xerografado).

216
fesa da Produção Rio-grandense, com aprovação do governo
do estado, pelo Decreto n? 4.101, de 25 de junho de 1928.
Entre os seus fins, como o de organizar um serviço de esta
tística, biblioteca especializada, mostruários e propaganda,
constara que esta sociedade deveria entrar em contato com
as corporações ou sindicatos que tivessem por fim a defesa
de determinados produtos, além de promover também a re
pressão a fraudes e contravenções sobre a prddução rio-
grandense. Nesta medida, a entidade se propunha a realizar
a mediação entre os interesses dos industriais e os poderes
públicos275.
Frente a tais incentivos por parte do poder público, e com
o exemplo exitoso do Sindicato Arrozeiro, outros ramos da
produção industrial gaúcha se organizaram, notadamente
aqueles que ocupavam destaque na pauta das exportações
do estado.
Um produto que se via afetado pela superprodução e pe
la concorrência nacional era o charque. Patrocinado pela Fe
deração das Associações Rurais do Rio Grande do Sul e com
o apoio do governo do estado, a 26 de julho de 1928 instalou-
se na capital o Congresso dos Charqueadores. Em seu discurso
oficial de abertura dos trabalhos, o novo presidente do Esta
do, Getúlio Vargas, exortou ao cooperativismo e à sindicali-
zação como únicas formas possíveis de realizar os intentos
das classes produtoras. Lembrou o exemplo da valorização
do café, em São Paulo, o movimento cooperativista em torno
do açúcar, em Pernambuco, e o exemplo gaúcho do Sindica
to Arrozeiro. Se até agora o charque não tinha conseguido so
lucionar seus problemas, referia Vargas, é porque os produ
tores não se tinham associado:

É preciso, pois, que nós, charqueadores, unidos e associados com


os criadores, encaremos bem este problema, pois que esta reu
nião não tem por fim prejudicar a indústria pastoril e sim valorizá-
la, pois de outro modo não teria o apoio do governo do
estado. ^^6

Constituído a 30 de julho de 1928 e oficializado pelo De


creto n.° 4.128, de 27 de agosto de 1928, o Sindicato dos
275 Rio Grande do Sul. Porto Alegre, maio 1929. 1, p. 58-60.
276 Congresso dos Charqueadores. Correio do Povo, Porto Alegre, 27 jul.
1928 p. 3.

217
Charqueadores, com sede em Pelotas, teve seus estatutos ela
borados. Estes consagravam que a instituição teria o fim de
congregar os charqueadores para, em ação conjunta, promo
ver a defesa dos interesses recíprocos dos criadores e char
queadores. Este ponto, aliás, voltou à baila novamente: a partir
de agora, não deveria haver mais pontos de atrito entre as
duas frações de classe, uma vez que os interesses de ambas
seriam defendidos. Por outro lado, as duas atividades ligavam-
se aos destinos de uma mesma indústria, a da carne, o que
reforçava o seu caráter conciliatório entre os interesses dos
produtores de matéria-prima com os dos seus beneficiadores.
O Sindicato se propunha a normalizar as vendas do charque;
realizar o aproveitamento e aperfeiçoamento de todos os pro
dutos e subprodutos bovinos; auxiliar o melhoramento dos re
banhos pela industrialização da carne; manter um serviço de
estatística da produção e consumo nos mercados nacionais
e estrangeiros; criar tipos de classificação do charque, pro
movendo a estandardização do artigo e a estabilização dos
preços; etc.^^^.
Em sua mensagem enviada à Assembléia em setembro
de 1928, Getúlio Vargas expunha a idéia do governo sobre
a "tendência associativa para a defesa da produção":

A complexidade crescente da vida social, a sensibilidade dos


fenômenos econômicos, pela contínua repercussão de uns so
bre os outros, a massa dos capitais empregados, quase não per
mitem que os grandes empreendimentos sejam realizados pelo
só esforço individual. Daí a necessidade de forma associativa,
que tomam essas empresas, e da tendência generalizada do rea-
grupamento social organizado pela categoria de classes, con
forme a profissão ou a atividade econômica de cada um, para
que melhor se compreendam e orientem os fenômenos coleti
vos. [...] ao Estado cabe estimular o surgimento desta mentali
dade associativa, valorizá-la com a sua autoridade, corrigindo-
Ihe as insuficiências, exercendo sobre ela um certo 'controle'
para lhe evitar os excessos. [...] A mais eficiente destas orga
nizações é a que assume a forma de sindicatos. Organizada pa
ra a defesa dos interesses comuns, tem uma dupla vantagem:
para os associados, a União torna-os mais fortes; para os go
vernos, o trato direto com os dirigentes da classe facilita, pelo
entendimento com poucos, a satisfação do interesse de mui-

277 Sindicato dos Charqueadores do Rio Grande do Sul. Estatutos. Pelo


tas, A Universal, 1928.

218
tos. Não há que recear o encarecimento da produção em pre
juízo do consumidor, pois não é esse o fim dos sindicatos. Eles
não se instituem somente para a satisfação de interesses indi
viduais; têm, pelo contrário, uma finalidade eminentemente so
cial. E esta é a de organizar a defesa da economia nacional con
tra a desvalorização provocada pelos açambarcadores, em pro
veito próprio e não do consumidor.
A formação dos sindicatos e a ação dos governos se comple
tam para a realização dos seguintes fins:
1 ?) standartização dos produtos, criando tipos selecionados de
modo a acreditá-los nos mercados consumidores;
2.°) condicionar a produção às necessidades do consumo, evi
tando o excesso com a produção de gêneros de má qualidade;
3.°) regularizar exportação, evitando a acumulação de grandes
estoques nos mercados de consumo, que reagem pelo excesso
de oferta, produzindo o brusco desequilíbrio dos preços.278

Este discurso, que pode ser considerado uma racionali


zação em favor da produção e da defesa do capital pelo PRR,
foi questionado pelo deputado Simões Lopes Filho, do recém
constituído Partido Libertador (PL). Ao comentar a mensagem
presidencial, discernia "a finalidade suprema do Estado co
mo um fator de progresso da coletividade pública, como um
agente integrador de energias e propulsor de todas as ativi
dades produtivas"279^ e que "a impressão que se sente de
um modo mais vivo ao relancear os períodos introdutórios des
se documento oficial é a declaração reiterada e insistente do
afastamento da política de partido nos negócios do Esta-
do"28o^ e finalizava dizendo que um dos importantes assun
tos abordados era o da "defesa da produção por via de sóli
das associações de classes discretamente estimuladas sob o
patrocínio oficializai.
Tal posição, de um partido nitidamente pecuarista e de
oposição, vem corresponder ao novo equilíbrio de forças ou
à incorporação da oposição maragato-libertadora à política re
publicana sob Vargas, consubstanciada na formação da Frente
Única Gaúcha. Ao apoiar os pecuaristas, com medidas
variadas282 de atendimento do setor, o último dos governos

278 Anais da Assembléia de Representantes de 1928. p. 10-1.


279 Anais da Assembléia de Representantes de 1928. p. 136.
280 Ibidem.
281 Ibidem. p. 1 37.
282 Consultar: Pesavento, República Velha Gaúcha... op. cit; Pesavento,
RS: A Economia... op. cit.

219
republicanos da República Velha ganhava com isto o endos
so da oposição para operar o seu projeto regional e para atin
gir o controle da política nacional, na disputa da presidência
do país.
Complementando o seu apoio a este produto, o gover
no do Estado havia criado, em 22 de junho de 1928, pelo De
creto n.° 4.079, o Banco do Rio Grande do Sul, instalado a
12 de setembro. A nova instituição contou com fundos esta
tais na proporção de 2/3 do capital inicial. Criado justamente
para conceder crédito a juro baixo e prazo longo aos interes
ses agrários e pastoris, durante o decorrer do seu primeiro ano
de vida o banco concedeu mais da metade do total dos seus
empréstimos aos charqueadores283. Caberia relembrar que,
no decorrer desta época, o governo se empenhara no Con
gresso para a obtenção da chamada "lei da desnacionaliza
ção" (ver item 2.2) e que, procurando incrementar o envio
do charque para os mercados estrangeiros, isentara o produ
to das taxas de 1,5% de exportação e de 1 % de expediente,
mediante o Decreto n.° 4.268, de 27 de fevereiro de 1929,
ad referendum da Assembléia284^ sendo o ato do governo
aprovado pela mesma e convertido em lei. Além disso, me
diante autorização do Ministério da Viação, o governo conse
guiu abatimento de 50% nos fretes da Viação Férrea, para
4.700.000 kg de charque285.
O apoio do governo à formação dos sindicatos de pro
dutores teria seqüência com a formação do Sindicato do Vi
nho, no fim do ano de 1928. Já no decorrer do ano anterior,
os industriais do vinho de Caxias, sob a liderança de Adelino
Sassi, empresário da indústria e do comércio da localidade,
haviam tentado organizar um sindicato que defendesse os in
teresses da indústria vitivinícola.
A iniciativa dos comerciantes e fabricantes de vinho de
Caxias não teve o apoio de Bento Gonçalves e Garibaldi, o
que fez com que esta primeira tentativa não lograsse êxito.
Os industriais de Caxias, através da Associação Comercial da
localidade, retomaram a idéia no ano seguinte, desta vez pro
movendo um encontro com o secretário da Fazenda, Firmino
Paim Filho, e posteriormente com o secretário do Interior, Os-

283 A Federação, Porto Alegre, 1out. 1929.


284 Anais da Assembléia de Representantes de 1929. p. 220.
285 Mensagem presidencial de 1929. p. 24.

220
valdo Aranha, obtendo apoio do governo. Como resultado des
ta conjunção de esforços, realizou-se a fundação do Sindica
to Vitivinícola, sob o patrocínio do governo estadual e oficia
lizado pelo Decreto n? 4.195, de 13 de dezembro de 1928.
O Sindicato do Vinho, como foi comumente chamado,
teve a representá-lo nas operações comerciais a Sociedade
Vinícola Rio-Grandense Ltda., que centralizava o capital co
mercial de 49 exportadores de vinho. Em última análise, a for
mação do Sindicato e da Sociedade representava um meca
nismo para pôr em prática um princípio de racionalidade capi
talista: aqueles que tinham condição de melhor produzir e dis
tribuir o vinho assumiam, de forma institucionalizada, a dire
ção do processo. Concentravam-se os meios de produção e
os capitais comerciais, afirmando a supremacia da indústria
do vinho sobre o artesanato doméstico. Através da centrali
zação da fabricação industrial do vinho e da função pratica
mente monopólico-monopsônica da Sociedade Vinícola,
eliminavam-se as condições de concorrência da produção ca
seira de vinho e reduzia-se o colono ao papel de mero forne
cedor de matéria-prima para a indústria.
A criação do Sindicato tivera como desdobramento o De
creto n? 4.255, de 17 de janeiro de 1929, que aprovou o re
gulamento dos vinhos rio-grandenses. Tal regulamento esta
belecia normas de fiscalização para o preparo, comércio in
terno e exportação dos vinhos, classificando-os em tipos de
1-^ r 2? e 3? classes, sendo que estes últimos não poderiam
ser exportados; os que não atingissem esse padrão só servi
riam para vinagre.
Evidentemente, tais medidas tinham o objetivo manifes
to de racionalizar a produção e colocar no mercado um pro
duto de superior qualidade.
Numa aparente contradição — mas, na verdade, dentro
de uma lógica burguesa inerente ao Estado defensor do capi
tal -- o governo continuava a exaltar a figura do pequeno pro
dutor como elemento de ordem, dignificação do trabalho, bem
como o valor da agricultura para o progresso econômico do
Rio Grande.
Ora, a formação do Sindicato revelava-se dramática para
os colonos: ou se adequavam às novas orientações ou redu
ziam suas funções às de cultivadores de uvas, entregando sua
safra sem maiores perspectivas de lucros. De outro lado, com-

221
plementando as medidas tendentes a desorganizar a produ
ção doméstica do vinho, a Sociedade Vinícola passou a in
centivar seus associados a dedicarem-se à produção do vi
nho em garrafas. Por seu lado, o governo do Estado conce
deu ao Sindicato a isenção da taxa de exame por quarto de
vinho, taxa esta que os demais vitivinicultores deveriam pa
gar. A proteção legal colocou o Sindicato na posição de úni
co comprador e vendedor de vinho.
Na medida em que, posteriormente, o governo passou
a permitir não só a exportação do vinho engarrafado que ti
vesse uma determinada qualidade286^ o governo tomava cla
ramente o partido do grande capital. Aliás, entre os fundado
res do Sindicato do Vinho se encontravam os nomes mais re
presentativos na fabricação do produto ou no seu engarrafa
mento, como Alberto Bins, Antônio Pieruccini & Rizzo Irmãos,
Ettore Pezzi, de Carli & Paganelli, J. P. Moraes & Cia., C. Jo
sé Costamilan, J. Bertuzzi & J. Verdi, José Andreazza, José
Gasperin, João Simon e José Mandelli, Luís Antunes, Louren-
ço e Horácio Mônaco, Michielon, Menegassi, Oreste Franzo-
ni, Paulo Salton & Irmãos, etc.
O último dos grandes sindicatos de produtores a ser fun
dado na República Velha foi o da banha. Em fins de 1928,
um grupo de industriais do ramo reuniu-se em Porto Alegre
para, com o apoio do governo estadual, organizar um sindi
cato. Integravam este grupo os nomes de Piero Sassi, Frede
rico Mentz, Crivelaro Difini, Alfredo Dillemburg, Carlos Henri
que Oderich, Ezequiel Maristany, Dal Molin e Fett. Os preços
do produto haviam apresentado um decréscimo, tanto em fun
ção das oscilações das vendas no mercado internacional quan
to das retrações nos mercados nacionais afetados pela políti
ca de deflação levada a efeito pelo governo centra|287_
Poderiam fazer parte do Sindicato todas as refinarias de
banha no estado, bem como as firmas distribuidoras de ba
nha estabelecidas nos mercados do Rio de Janeiro e São Pau
lo, escolhidas pelo Sindicato, sendo uma de cada praça. Tal
princípio, como se vê, pretendia captar a adesão do capital
comercial do centro do país ou, em outras palavras, fazer com

286 A defesa do vinho rio-grandense. O Sindicalismo no Rio Grande do Sul,


Rio de Janeiro, 1, maio 1929.
287 Mensagem presidencial de 1930. p. 15.

222
que os industriais gaúchos da banha pudessem ter alçada so
bre a comercialização do produto no mercado central.
O Sindicato Sul-rio-grandense da Banha tinha como fins
principais a normalização dos negócios da banha e a elimina
ção das fraudes, bem como a estandardização da produção
para a melhoria da qualidade do produto, garantindo merca
dos e eliminando os concorrentes nacionais e estrangeiros.
Além disso, visava defender os interesses dos produtores da
banha junto ao governo e promover uma "racional industria
lização", com a reforma das instalações existentes, permi
tindo a sua modernização. Em suma, o Sindicato da Banha
objetivava centralizar a produção e as vendas, atuando no sen
tido da concentração do capital e renovação dos processos
técnicos. Para tanto, era necessário adquirir as refinarias de
banha que usassem métodos ultrapassados e pouco higiêni
cos, o que demandava grandes capitais^ss.
Tanto os estabelecimentos de cada associado quanto
as marcas de fabricação ficariam à disposição do Sindicato,
que teria poderes para deliberar sobre os mesmos. O objetivo
do Sindicato era chegar a uma padronização da produção, a
fim de utilizar uma só marca de propriedade do Sindicato. Ex
ceção era feita à banha marca "Rosa", da firma de Jacob Ren-
ner, que já gozava de alto conceito no mercado pela sua qua
lidade superior. Além de todos estes poderes, o Sindicato es
tipularia o preço que deveria ser seguido para a confecção da
banha. Na medida em que o Sindicato detinha o controle das
vendas no mercado, objetivando o preço alto, e que compra
va toda produção debaixo de uma só marca, desempenhava
uma função monopólico-monopsônica.
Por ocasião da fundação do Sindicato, o presidente do
Estado Getúlio Vargas dizia que, uma vez organizados os sin
dicatos dos arrozeiros, dos charqueadores e dos vinhateiros,
tinha ficado faltando só o dos produtores de banha, com o
que se completaria a defesa dos principais gêneros rio-
grandenses de exportação. A medida acarretaria a padroni
zação do produto dentro de critérios de qualidade e higiene,
garantindo mercados e preço. O governo lembrava que, jus
tamente no momento em que se formava o Sindicato, eram
tomadas duas medidas de grande efeito pelo poder público:

288 Correio do Povo, Porto Alegre, 22 set. 1928.

223
Uma é a criação da Diretoria de Agricultura, Comércio e indús
tria, que permite assim ao governo ter um órgão técnico, que
exercerá a fiscalização e orientará o desenvolvimento de toda
a nossa produção, entre as quais a da banha; a outra, é o acor
do recentemente feito pelo governo do estado neste sentido,
com o Ministério da Agricultura, do qual resultarão reais pro
veitos para o Rio Grande do Sul.^®^

De acordo com este segundo item, seriam criadas esta


ções de refinamento do rebanho suíno.
O governo estadual lembrava ainda que estava dispos
to a auxiliar prontamente o melhoramento dos transportes e
o barateamento dos fretes, para facilitar o melhor aproveita
mento da carne do porco. A idéia da frigorificação, aliás, re
tornaria neste final de década também para a industrialização
da carne bovina, através de incentivo do governo do Estado
e de discussões de pecuaristas no seu IV Congresso Rural,
realizado em Porto Alegre em 19 3 0290. Secundando todas
estas medidas, o governo baixou os impostos de exportação
sobre todos estes produtos sindicalizados29i.
Em síntese, é preciso que esta questão seja abordada
sob dois ângulos. Por um lado, o governo, ao incentivar a as
sociação dos grandes produtores, ia ao encontro de um pro
cesso em andamento, que era o da concentração empresa
rial e da vitória do capital industrial sobre os métodos artesa-
nais de produção. Ao transferir para a iniciativa privada a de
fesa da produção, o governo alienava de si os gastos finan
ceiros com a sustentação de produtos em crise. Entretanto,
não há uma distinção entre governo, enquanto sociedade po
lítica, no seu sentido estrito, e a sociedade civil, nas quais os
sindicatos de produtores apareciam como algumas de suas
instituições. O governo, ou o Estado, no seu sentido amplo,
era o conjunto do partido político dominante, dos sindicatos,
do sistema educacional, etc. Logo, os sindicatos de produto
res operavam como canais de expressão para os industriais
e como forma de viabilização de seus interesses.
Portanto, analisando pelo outro lado, os grupos deten
tores do capital viam, no apoio indireto do Estado às entida-

289 O Sindicalismo no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, maio 1929, 1.


p. 17.
290 Anais do Congresso Rural, op. cit.
291 Relatório da Secretaria da Fazenda de 1930. v. 1.

224
des sindicais, uma forma de realização do lucro e de assegu
rar o seu controle sobre a sociedade. Nos melhores moldes
de um Estado burguês, o governo apresentava-se, desta for
ma, sob uma aparência eqüidistante dos diferentes grupos.

225
(§©DDeOQagffl©
Ao longo deste trabalho, procuramos recompor a traje
tória do desenvolvimento industrial gaúcho no decorrer da Re
pública Velha, buscando também analisar as formas de arti
culação de seu empresariado com as demais frações burgue
sas no interior do aparato de hegemonia que dava sustenta
ção e legitimidade ao governo republicano.
Tendo por premissa um universo teórico determinado,
que tanto preside a seleção das variáveis quanto dá coerên
cia à dinâmica social das condições concretas da existência,
partiu-se para o estudo do desenvolvimento da indústria gaú
cha no estado, de suas origens até 1930, pano de fundo in
dispensável para a análise do "agir" e do "pensar" de um
dos atores do processo, o empresário industrial.
A pesquisa empírica foi orientada para a busca da recom
posição das origens da indústria no estado, apreciando o cir
cuito da acumulação na área do chamado complexo colonial-
imigrante e na da pecuária tradicional. Em ambas as regiões,
buscou-se destacar a maneira pela qual o capital-dinheiro
converteu-se em capital-industrial. Foi possível concluir, por
este estudo, que, comparativamente a São Paulo, a indústria
gaúcha surgiu aproximadamente no mesmo momento — se
gunda metade do séc. XIX —, mas, quanto ao seu ponto de
partida, a situação no sul apresentava-se qualitativa e quan
titativamente diferente. Esta base diferenciada inicial iria pos
sibilitar uma defasagem entre um e outro parque industrial ao
longo do desenvolvimento do processo de afirmação e solidi
ficação do setor secundário no país.
O acompanhamento do desempenho da indústria gaú
cha ao longo da Primeira República permitiu verificar que, in
dependentemente da alternância de períodos marcados pelo
aumento da produção (Encilhamento e I Guerra) ou pelo au
mento da capacidade produtiva (saneamento do pré-guerra
ou do pós-guerra), houve um reduzido número de empresas

229
que cresceram sempre, incorporando capital, adquirindo tec
nologia, diversificando a linha de produção, aumentando o
contingente de força-trabalho.
Tais empresas, que já nasceram grandes ou foram in
corporando capital pela entrada de novos sócios, ou que ain
da surgiram como resultado de um processo de concentra
ção empresarial, constituíram-se nas líderes do movimento de
articulação do empresariado gaúcho e de reivindicação de seus
interesses específicos.
Frente a um grupo reduzido de empresas líderes, o par
que industrial gaúcho ofereceu um grande número de peque
nas empresas, com reduzido capital, caracterizadas pela pre
sença do trabalho artesanal predominante frente a um quase
inexistente uso de máquinas,
c,. Uma outra constatação obtida pela pesquisa empírica
a qual, num estudo histórico, cumpre o papel de dar signifu
câncja^ ou não aos censos, foi a definição do "tipo" ou do
w "perfil" característico da indústria gaúcha: aquela dita "tra-
dicional" ou "natural", beneficiadora da matéria-prima local,
de origem agropecuária.Tal constatação, contudo, não inva
lida a presença de um desempenho razoável e do crescimen
to constante daquele ramo da indústria chamado na época
"artificial": o metal-mecânico, importador de matéria-prima.
Seus representantes, da mesma forma, se fizeram presentes
junto ao grupo de empresas líderes do movimento empresa
rial no estado.
" A viabilização dos interesses dos industriais no interior
da sociedade civil demandou uma articulação de forças em
permanente construção e que foi se modificando ao longo da
República Velha. Neste contexto, a fração de classe dos in
dustriais manteve, com os grupos agrários, uma composição
err, termos de complementaridade e diferenciação. Os laços
de complementaridade se expressavam através daqueles in
teresses comuns à burguesia como um todo — defesa da pro
priedade, controle das classes subalternas e da burguesia gaú
cha em particular —, preservação do mercado regional e con
quista do mercado nacional pela produção rio-grandense, en
caminhamento da "questão dos transportes" pelo governo.
Já a diferenciação se expressava no confronto de inte
resses específicos, não necessariamente excludentes, mas
que implicavam concessões e/ou enfrentamentos entre as di-

230
ferentes frações burguesas. Por exemplo, a desagravação fis
cal sobre um setor da economia implicava a oneração de ou
tro, sob o risco de se comprometer a receita do Estado. Por
outro lado, a regulamentação das relações entre o capital e
o trabalho, uma vez que dizia respeito ao reduto fabril, era
questão que afetava especialmente os empresários da
indústria.
Todas estas questões tinham seu encaminhamento atra
vés do PRR, partido que controlou o governo no Rio Grande
ao longo dos 40 anos da Primeira República. Tanto o PRR aco
lheu o viés do desenvolvimento industrial quanto os industriais
compunham a aliança de sustentação do partido republicano
no estado.
Neste sentido, na defesa da indústria, empresários e go
verno confluíam para o mesmo enfoque: identificados com o
progressismo e o desenvolvimento econômico do estado, re
presentavam uma forma avançada de concretizar a realiza
ção do capitalismo no estado para além das atividades
agropecuárias.
Ébem verdade que os mecanismos de consenso presen
tes no aparato de hegemonia implicavam sacrifícios ora dos
setores agrários ora dos não-agrários da burguesia rio-
grandense, mas a proposta política republicana preservava e
encaminhava os interesses fundamentais burgueses e, atra
vés de um sistema balanceado de interesses, as reivindica
ções específicas de cada fração.
Portanto, são questões que se acham imbricadas no pro
cesso de formação e afirmação do empresariado industrial
gaúcho ao longo da República Velha: a viabilização de seus
interesses no seio de um aparato de hegemonia em perma
nente construção, a dinâmica da complementaridade e da di
ferenciação entre as frações agrárias e não-agrárias da bur
guesia e a reorientação da conduta política do PRR, até então
canal de expressão dos interesses empresariais na ausência
de um órgão de classe.
Um dos interesses propriamente econômicos do empre
sariado que mais claramente se verifica como tendo sido um
ponto de atrito com o setor agroexportador foi o do protecio
nismo alfandegário, ou da campanha pela defesa do mercado
nacional para a indústria brasileira, tema de amplo debate no
Congresso. A burguesia industrial gaúcha, que encaminhava

231
seus interesses através dos representantes do partido situa
cionista, teve uma posição francamente protecionista no inír
cio do século. Partido e empresariado foram concordes em
denunciar os efeitos ruinosos para a burguesia brasileira do
Tratado de 1891, assinado com os Estados Unidos. Desta po
sição inicial, identificada com o restante do empresariado na
cional, a representação gaúcha evoluiu para um protecionis
mo dirigido especialmente para as chamadas indústrias natu
rais, características do Rio Grande do Sul, admitindo uma ele
vação de tarifas para outros ramos. A proposta, qualificada
de antiindustrial e livre-cambista, provocou vivas reações do
empresariado do Rio e São Paulo.
Vista sob outro ângulo, a proposta revela uma comple
mentaridade de interesses entre as frações agrárias e não-
agrárias da burguesia local, comprometidas com uma deter
minada composição de setores da economia e com o apoio
à situação político-partidária dominante; por outro, revela uma
certa composição de forças, ao nível nacional, na qual o Rio
Grande precisava barganhar com os interesses do setor
agroexportador hegemônico para garantir autonomia e aten
dimento a questões propriamente regionais. Por último, pode-
se acrescentar a este quadro o dado de que a questão priori
tária em termos de concorrência para a produção gaúcha não
era mais a dos artigos estrangeiros, mas sim a dos produtos,
do Rio e São Paulo que, progressivamente, vinham penetran
do no mercado regional.
Esta mudança de enfoque sobre a questão tributária po
de ser acompanhada também no tocante às oscilações da po
lítica econômico-financeira estadual. Foi proposta pelo gover
no republicano a substituição progressiva dos impostos de ex
portação pelo territorial, com o que se desagravaria a produ
ção industrial e a agropecuária voltada para a exportação, por
um lado, e se incentivaria o latifúndio a tornar-se produtivo,
através da difusão do arrendamento. Entretanto, a progressi
va desagravação fiscal não podia comprometer o orçamento
do Estado. Como na prática se revelou impossível ao gover
no prescindir totalmente da arrecadação daquelas taxas, a op
ção deu-se em termos de uma redução balanceada, ora be
neficiando um, ora outro produto, e também por lançar mão
de novos impostos, como o de consumo estadual, à seme
lhança dos impostos de consumo federais.

232
Ora, neste contexto, os interesses específicos do em
presariado seriam, basicamente, garantir a defesa do merca
do regional para si, ter acesso ao mercado nacional em con
dições de concorrência e pagar poucos impostos, interesses
estes que se viabilizavam pelo canal partidário no interior de
um aparato de hegemonia que precisava contemplar outros
interesses, como os agrários, o que implicava também bar
ganhar com os interesses hegemônicos ao nível do governo
federal.
Quanto à defesa do mercado regional para a produção
gaúcha, a saída seria taxar a entrada dos produtos concor
rentes pelo que o governo atuou através dos impostos de con
sumo estadual. Todavia, isto implicava taxar também os si
milares regionais, forma alternativa de arrecadar para um es
tado que não vivia da exportação para o mercado internacio
nal e que tinha a maior parte de sua receita proveniente das
taxas de exportação para os demais estados, taxas estas que
haviam sido significativamente diminuídas.
Relativamente ao acesso ao mercado nacional, na me
dida em que o governo batalhava pela solução dos transpor
tes, pelo barateamento da energia e pela desagravação fis
cal, estaria, de uma certa forma, garantindo à produção local
condições de concorrência. Entretanto, a melhoria dos trans
portes teria como contrapartida facilitar também o acesso da
produção do centro do país ao mercado sulino, produção es
ta que também era beneficiada pelos governos locais por re
dução de tarifas.
Em suma, para que no plano econômico-fiscal o gover
no gaúcho solucionasse e atendesse in totum aos interesses
do empresariado, teria que possuir uma tendência nitidamen
te industrializante, ou seja, privilegiar a indústria como a me
ta exclusiva ou prioritária de reorientação da sociedade. Ora,
num contexto predominantemente agrário, e tendo de contar
com o apoio político de uma facção agrária dos pecuaristas
para manter a oposição fora do poder, era impraticável que
isto ocorresse.

Daí as barganhas internas, as ações e omissões nas


questões propriamente industriais da política econômico-
financeira, a ênfase na complementaridade de interesses do
"celeiro do país", que consolidava aquela aliança de forças.

233
Em termos gerais, é possível dizer que, frente a estas
questões, prevaleceu a complementaridade de interesses en
tre grupos agrários e empresariais da indústria na realização
do projeto regional do PRR, sendo que, entretanto, a partir do
final da década de 20, o governo estadual deixou de encami
nhar, através de seus representantes, a defesa de questões
de interesse propriamente empresarial. Tanto houve um re
cuo do protecionismo quanto se criaram novos impostos. Ne
cessidades do orçamento sem dúvida, mas, muito mais do que
mera medida fiscal, achava-se em prática uma política de fran
ca aproximação com a oposição — esta, nitidamente agrária
—, tendo como objetivo planos políticos mais amplos. Aban
dono da indústria como viés de desenvolvimento econômico
a ser contemplado? Não, mas antes um encaminhamento ao
setor privado daquelas questões propriamente corporativas.
Veja-se, a propósito, a almejada meta da racionalização
da produção, buscada pelos empresários e pelo governo. O
PRR desde o início do século providenciara medidas capazes
de acompanhar o aperfeiçoamento da produção industrial,
através da criação de laboratórios de análises, da fiscalização
da produção, da difusão do ensino técnico, da associação dos
produtores. Sem que as demais medidas fossem abandona
das, o caminho da sindicalização dos produtores foi aquele
apontado com insistência pelo novo governo republicano. Ora,
o PRR como um todo sempre se posicionou ao lado do capi
tal, mas desta forma remetia-se para a iniciativa privada a res
ponsabilidade do aperfeiçoamento da produção, que o governo
legitimava e auxiliava institucionalmente.
Em suma, constata-se que o peso da indústria não pode
ser ignorado quando se faz uma retrospectiva histórica do Rio
Grande no final do séc. XIX e nas primeiras décadas do séc.
XX, bem como a atuação do seu empresariado.
Em complementaridade com as demais frações agrárias
e não-agrárias da burguesia, os industriais estavam incorpo
rados ao esquema de poder, num período em que ainda não
se arregimentavam em um órgão classista específico.

234
/í\OD®H®g
ANEXO 1 — Produção industrial rio-grandense

N? esta Força N." de ope Valor da


Anos beleci motriz rários Capital produção Fonte
mentos (HP) (SOOO) (5000)
1907 314 5.796 15.426 48.205:9195 99.778:8205 Censo de 1917
1907 212 10.490 38.115:0005 78.287:0005 Rei. Sec. Faz. 1908
— —
1911 31.946:0005 Est. Ind. Fab. Nac. 1911 *
1915 2.782 25.969 29.617 101.586:2505 220.551:1005 Rei. Estat. 1916
1916 9.477 30.930 38.488 119.801:7905 265.963:1525 Rei. Sec. Int. e Ext. 1917
1917 11.787 37.583 52.444 142.792:2255 371.707:5245 Rei. Sec. Int. e Ext. 1918
1918 12.770 43.230 59.680 115.556:5005 399.718:0005 Rei. Sec. Int. e Ext. 1919
1919 12.950 43.600 65.000 160.000:0005 420.000:0005 Rei. Sec. Int. e Ext. 1920
1919 1.773 30.345 24.661 250.689:9615 353.749:3115 Censo de 1920
1920 13.108 44.120 65.630 232.160:0005 460.000:0005 Mensagem presiden. de 1922
1921 12.288 44;680 66.000 248.913:0005 474.600:0005 Mensagem presiden. de 1922
1927 16.284 46.840 76.800 339.094:8005 547.942:0005 Rei. Sec. Int. e Ext. 1928
1937 7.929 61.265 55.720 559.656:0605 1.265.292:3695 Est. Ind. RS 1937
*Indústrias sujeitas ao imposto de consumo.
N)
ANEXO 2 — Participação dos estados nos totais do Valor Bruto da Produção e do Valor da Transforma
ção Industrial da indústria brasileira — 1920-1940

Rio São Minas Distrito


Anos Variáveis Grande Paulo Gerais Federal Outros
do Sul + Rio de
Janeiro

VBP 11,87 32,99 5,76 28,45 20,97


1920
VTI 11,47 33,81 5,60 27,73 21,39

VPB 9,54 44,04 6,51 24,18 15,73


1940
VTI 8,68 39,49 7,43 28,50 15,90

Fontes: Recenseamento do Brasil. 1920. indústria.Rio de Janeiro, *1 927. Censos Econômicos. 1940. Brasil agrícola, industrial, co
mercial e dos serviços. Rio de janeiro, IBGE, 1950.
Apud: Pedro S. Bandeira, A produção gaúcha na economia nacional: resposta a uma crítica. Ensaios FEE. Porto Alegre, 4(2), 1984,
p.148.
ANEXO 3 — Estabelecimentos industriais recenseados em 1 ?
de setembro de 1 920, segundo a época de fun
dação, anterior a 1850 ou a partir desta data,
em períodos qüinqüenais, no Rio Grande do Sul

Períodos qüinqüenais Quantidade de estabelecimentos in


dustriais fundados

Época ignorada 61
Até 1849
1850/1854 1
1855/1859 1
1860/1864 5
1865/1869 10
1870/1874 8
1875/1879 8
1880/1884 19
1885/1889 30
1890/1894 55
1895/1899 63
1900/1904 182
1905/1909 187
1910/1914 423
1915/1919 720

Total 1.773

Fonte: Recenseamento do Brasil. 1920. Indústria, p. 160-1.

239
K)

ANEXO 4 — Rio Grande do Sul - Número de estabelecimentos e capital empregado nas indústrias
nos anos de 1907, 1912 e 1920, segundo a ordem decrescente de capitais entre as
empresas sujeitas ao imposto de consumo.

Diferença entre
Número de os capitais
estabelecimentos Capital empregados
Indústria

1907 1912 1920 1907 1912 1920 1907 e 1912e


1912 1920

Tecidos 8 7 7 8.660:000S 11.260:000$ 24.235.877$ 30,0 115,2


Bebidas 59 263 180 7.131.000S 6.437:962$ 15.067:762$ -97,0 134,0
Fumos 14 113 47 1.635:119S 2.108.240$ 4.125:000$ 28,9 95,7
Calçados 9 622 96 1.220:000$ 4.743:327$ 5.413:270$ 228,8 114,1

Fonte: Recenseamento do Brasil. 1920. Indústria.


ANEXO 5 — Censo Industrial de 1907 — resumo.

N.° de es Força Valor da N.° de


Indústrias tabeleci Capital motriz produção operá
mentos rios

Artigos de ferro branco 2 105:0005 Elet. 10 130:0005 65


e outras
Artigos em mármore 3 230:0005 Manual 430:0005 77
Banha 18 2.635:0005 155 HPe 11.565:0005 478
manual
Bebidas alcóolicas e 11 685:0005 6 HPe 474:0005 188
bebidas gasosas manual
Biscoitos 3 500:0005 58 HP 9005000 230
Cal e cimento 6 455:0005 55 HP 535:0005 180
Calçados 9 1.220:0005 71 HP 2.536:0005 665
Cervejarias 19 4.973:0005 412 HPe 2.977:0005 284
manual
Chapéus de feltro e lã, 13 1.925:0005 190 HPe 3.187:0005 539
etc. outras
Charque 24 5.677:0005 1.234 HP 37.919:3005 3.672
e outras
K)

bJ

CONTINUAÇÃO DO ANEXO 5

N.° de es Força Valor da N.° de


Indústrias tabeleci Capital motriz produção operá
mentos rios

Círios e velas em cera 3 180:000S Manual 280:0005 58


Chocolate 1 80:000S 80 HP 120:0005 80
Conservas de carne e de 7 1.140:0005 110HP 1.900:0005 437
peixe
-
Construções navais 1 20 HP 100:0005 80
Couro preparado 22 4.638:0005 196 HPe 4.171:6005 602
outras
Espartilhos 1 100:0005 Manual 150:0005 8
Fiação e tecelagem 9 8.695:0005 1.559 HP 9.025:0005 2.418
Flores artificiais 6 160:0005 Manual 335:0005 70
Fósforos 1 40:0005 Manual 30:0005 4
Fundição e trabalhos em 19 1.753:0005 189 HPe 1.688:5005 538
metal outras
Gelo 1 30:0005 Manual 60:0005 15
Gravatas 2 280:0005 Manual 275:0005 250
Jóias 6 360:0005 Manual 750:0005 65
Luvas 2 60:0005 Manual 130:0005 17
Malas e valises 3 160:0005 Manual 215:0005 22
CONTINUAÇÃO DO ANEXO 5

N.° de es Força Valor da


Indústrias tabeleci Capital motriz produção operá
mentos rios

Massas alimentares 3 125:0005 42 HP 192:0005 56


Massa de tomate 1 60:0005 5HP 100:0005 10
Mate 2 300:0005 68 HP 650:0005 700
Material de transporte 4 73:0005 Manual 177:0005 64

Moagem de cereais 7 1.126:0005 339 HP 3.118:0005 213


Móveis e decorações 6 830:0005 84 HPe 1.305:0005 454
outras
Óleos, resinas, etc. 1 24:8005 12 HP 32:0005 5
Papel e algodão 2 390:0005 210 HP 742:0005 95
Pentes de osso 1 40:0005 4HP 84:0005 36
Perfumarias 4 490:0005 19 HPe 770:0005 115
manual
Pianos 2 600:0005 55 HP 996:0005 265
Pregos 1 80:0005 Vapor 100:0005 25
Presuntos 1 25:0005 Manual 36:0005 10
Produtos cerâmicos 11 426:0005 84 HPe 496:0005 128
outras
K)
-1^

CONTINUAÇÃO DO ANbXU S
Força Valor da N.° de
N.° de es
tabeleci Capital motriz produção operá
Indústrias
mentos
rios

Produtos químicos 6 885:0005 8 HPe 767:0005 95


manual
Roupa branca 3 225:0005 Manual 360:0005 86
Sabão e velas 10 1.190:0005 97 HPe 1.625:0005 241
outras
Selas e lombilhos 2 470:0005 Manual 810:0005 57
Serrarias e marcenarias 7 772:0005 133 HPe 633:0005 211
manual
Tabaco manufaturado 14 1.635:1195 59 HPe 2.713:3005 404
outras
Vassouras, escovas, etc. 2 140:0005 24 HP 290:0005 55
Vidro e cristal 3 485:0005 43 HP 400:0005 182
Vinho 29 1.473:0005 90 HPe 3.498:3205 877
outras

-
Total 314 46.265:9195 99.778:8205 15.246
ANEXO 6 — Situação industrial do estado do Rio Grande do
Sul em 1908. Distribuição das indústrias segun
do o capital, força motriz e número de
operários.

Capital (SOOO) N.° de empresas


Até 100 207
De 101 a 500 90
De 501 a 999 5
Acima de 1.000 5
Total 311

Força motriz N.° de empresas


Manuais 103
Até 10 HP 91
De 11 a 50 HP 79
De 51 a 90 HP 10
Acima de 100 HP 12
Total 295

N.° de operários N.° de empresas


Até 10 98
De 10 a 50 146
De 51 a 100 38
Mais de 100 29
Total 311

245
ANEXO 7 — Quadro das empresas industriais inauguradas
no Rio Grande do Sul de 1914a 1917.
Espécie Número Capital
Arreamento 2 57:000S
Arte gráfica e fotogravura 2 33:000S
Beneficiamento do arroz 9 780:000$
Beneficiamento da erva-mate 1 200:000$
Beneficiamento do linho 1 40:000$
Beneficiamento da madeira 11 959:000$
Curtume 11 1.048:000$
Estaleiro naval 3 95:000$
Exploração carbonífera 2 135:000$
Fábrica de aparelhos cinematográficos 1 12:000$
Fábrica de banha 6 346:000$
Fábrica de balanças 1 30:000$
Fábrica de calçados 7 398:000$
Fábrica de camas de ferro 1 30:000$
Fábrica de caramelos 2 45:000$
Fábrica de carros 3 19:000$
Fábrica de cervejas 1 90:000$
Fábrica de conservas de carne 3 260:000$
Fábrica de correias 1 20:000$
Fábrica de fumos e cigarros 3 185:000$
Fábrica de imagens 1 9:000$
Fábrica de latas 1 20:000$
Fábrica de laticínios 2 196:000$
Fábrica de licores e outras bebidas 10 303:000$
Fábrica de molduras 2 46:000$
Fábrica de móveis 13 507:000$
Fábrica de presuntos, salames, etc. 4 146:000$
Fábrica de produtos cerâmicos 5 140:000$
Fábrica de produtos químicos 8 414:000$
Fábrica de roupas brancas 1 120:000$
Fábrica de roupas feitas 1 50:000$
Fábrica de sabão e sabonetes 6 320:000$
Fábrica de sacos de papel 1 60:000$
Fábrica de vassouras, etc. 2 152:000$
Fábrica de vidros 1 20:000$
Fábrica de vinagre 1 20:000$
Fábrica de vinhos 3 35:000$
Fundição e oficinas mecânicas 5 128:361$
Metais, jóias, etc. 1 20:000$
Moinhos 2 80:000$
Produtos saladeiris 2 220:000$

Total 143 7.778:361$

Não estão incluídas neste cômputo as seguintes empresas, umas instaladas


posteriormente e outras em vias de instalação:
Companhia Minas de Carvão do Jacuí;
Exploração de fibras vegetais, no Caí;
Frigorífico Armour do Brasil, de Livramento;
Frigorífico Rio Grande, de Pelotas;
Frigorífico Swift, de Rio Grande;
Frigorífico Wilson, de Livramento;
Granja Carola para arroz e seu beneficiamento, às margens do rio Jacuí.
Almanaque do Globo. Porto Alegre, Globo, 1919.

246
ANEXO 8 — Capital, força motriz, número de operários e
valor da produção dos estabelecimentos
industriais recenseados em 1 d e setembro
de 1920.
Estados, Distrito N.° est. Valor da N.° médio
Capital Força N.° ope
Federal e indust. produção de oper.
empregado motriz rários
território recens. anual p/estab.
Alagoas 352 30.682:045S 8.286 6.989 40.519:661$ 20
Amazonas 69 5.424:390S 1.528 636 5.701:715$ 9
Bahia 491 48.820:652S 7.147 14.784 71.922:935$ 30
Ceará 294 16.714:785$ 2.926 4.702 25.908.171$ 16
Distrito Federal 1.541 441.669.449S 69.703 56.229 666.275:759$ 36
Espírito Santo 75 11.727:709$ 1.348 1.005 22.872.353$ 13
Goiás 16 1.399:750$ 183 244 4.958:055$ 15
Maranhão 89 16.287:642$ 4.113 3.543 22.884:132$ 40
Mato Grosso 20 3.506:928$ 523 280 6.018:733$ 14
Minas Gerais 1.243 89.775:573$ 22.272 18.522 172.060:860$ 15
Pará 168 21.330:848$ 2.929 3.033 36.424:408$ 18
Paraíba 251 14.136:173$ 2.249 3.035 33.137:059$ 12
Paraná 623 43.996:122$ 9.789 7.295 102.300:429$ 12
Pernambuco 442 90.980:570$ 14.957 15.761 136.479:308$ 36
Piauí 55 6.782:006$ 1.292 1.150 7.956:492$ 21
Rio de Janeiro 454 126.206:050$ 25.020 16.794 184.161:410$ 37
Rio Grande do Norte 197 7.126:845$ 996 2.146 20.538:759$ 11
Rio Grande do Sul 1.773 250.689:961$ 30.345 24.661 353.749:311$ 14
Santa Catarina 791 33.295:862$ 7.814 5.297 60.171:283$ 7
São Paulo 4.145 537.817:439$ 94.099 83.998 986.110:258$ 20
Sergipe 237 16.678:213$ 2.887 5.386 28.827:310$ 23
Território Acre 10 107:000$ 18 22 197:880$ 2

Total 13.336 1.815.156:011$ 310.424 275.512 2.989.176:281$ 21


Fonte: Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Recenseamento do
Brasil. Indústria. 1920.
Rio de Janeiro, Diretoria Geral de Estatística, Tipografia da Estatística, s.d. p. 139.

247
bO

00
ANEXO 9 — Salário médio dos operários jornaleiros de diversas categorias profissionais em serviço
nas fábricas recenseadas em 1? de setembro de 1920, segundo a idade e o sexo, no
Rio Grande do Sul.

Operários maiores Operários menores


Total ge de 14 anos de 14 anos
Categorias ral de ca
profissionais sos consi Sal. Sexo Sexo Sal. Sexo Sexo
derados médio mascu femi médio mascu femi
diário lino nino diário lino nino

1. Indústrias têxteis 3.448 5S049 75035 45062 25345 25595 25160


II. Indústrias de couros, pe
468 6S017 65026 25000 15750 15750 -
les e de
outras matérias duras de
origem animal
III. Indústrias de madeiras 1.045 5S052 55067 15500 35068 35100 35000
IV. Metalurgia 1.007 7S331 75384 35040 25614 25615 25500
V. Cerâmica 820 5S634 55852 35073 25576 25766 25000
VI. Produtos químicos
propriamente ditos 737 4S190 45701 25807 25485 15964 25857
e produtos análogos
VII. Indústrias de alimentação 6.657 5S181 55679 35011 25274 25398 15829
Operários maiores Operários menores
Total ge de 14 anos de 14 anos
Categorias ral de ca
profissionais sos consi Sal. Sexo Sexo Sal. Sexo Sexo
derados médio mascu femi médio mascu femi
diário lino nino diário lino nino

VIII. Indústrias do vestuário e


toucador 1.428 5S827 65748 45176 25954 25887 35025
IX. Indústrias do mobiliário 1.085 5S639 75761 25682 25359 25710 15000
X. Indústrias de edificação — —
238 6S630 65630 15917 15971
XI. Construção de aparelhos
de transporte 636 6S710 75057 45824 25656 25749 25562

XII. Produção e trans


-
-
- -
missão de forças 3 7S000 75000
físicas
XIII. Indústrias relativas
-

-
às ciências, letras 44 95243 95243 35000 35000
e artes, indústrias
de luxo
Fonte: Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Recenseamento do Brasil realizado em 1.°

de setembro de 1920. Rio de Janeiro, Tip. da Estatística, 1928. v. V. 2f parte, p. XI.

4^
vO
\On_ no
dM Io) (o)Cp q Cq

251
Livros e artigos

ABRANCHES, Dunshee de. Actas e Actos do Governo Provi


sório. (Cópias autênticas dos protocolos das sessões se
cretas do Conselho de Ministros desde a proclamação da
República até a organização do Gabinete Lucena, acom
panhadas de importantes revelações de documentos). Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1907.

ÁLBUM COMEMORATIVO do 75.° Aniversário da Coloniza


ção Italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo,
1950.

ÁLBUM OFICIAL COMEMORATIVO ao Sesquicentenário da


Imigração Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre,
EDEL, '1974.
AMADO, Janaína. Conflito Social no Brasil: a revolta dos Muc-
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Uruguay moderno. Montevideo, Ediciones de Ia Banda
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BENAKOUCHE, Rabah. A tecnologia enquanto forma de acu


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BLANCATO, Vicente. As Forças Econômicas do Estado do Rio


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CARONE, Edgard. A República Velha — Instituição e Classes


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Memoriais

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Relatórios

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ISBN — 85-7063-101-4

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