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http://dx.doi.org/10.15448/1984-6746.2019.3.34599
O FENÔMENO DA IDOLATRIA:
UM DIÁLOGO TEOLÓGICO E FILOSÓFICO
The phenomenon of idolatry:
a theological and philosophical dialogue
El fenómeno de la idolatría:
un diálogo teológico y filosófico
Resumo
A pesquisa apresenta o fenômeno da “idolatria” através de um diálogo interdisciplinar
entre teologia e a filosofia. O aporte conceitual examina a idolatria enquanto expressão
da divindade que oprime e exige a imolação de sacrifícios humanos. O problema con-
siste em saber se a idolatria acontece somente através do culto aos ídolos ou pode se
desenvolver mesmo sem imagens? A idolatria consiste em qualquer realidade divinizada
pelo homem. Ela constitui-se ao substituir o divino por algo que a represente. Enfim,
a idolatria esconde e legitima a opressão, especialmente, dos mais pobres, causando
assimetrias e exclusão social.
Palavras-chave: Idolatria. Deuses. Ídolos. Imagens
1
Doutor e Pós-doutorando (PNPD/CAPES) em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-
1974-016X. E-mail: jairtauchen@gmail.com
Abstract
The research presents the phenomenon of “idolatry” through an interdisciplinary dialogue
between theology and philosophy. The conceptual contribution examines idolatry as an
expression of the deity that oppresses and demands the immolation of human sacrifices.
The problem is whether idolatry happens only through worshiping idols or can develop
even without images? Idolatry consists of any reality divinized by man. It is constituted
by replacing the divine with something that represents it. Finally, idolatry hides and
legitimizes oppression, especially the poorest, causing asymmetries and social exclusion.
Keywords: Idolatry. Gods. Images. Idols.
Resumen
La investigación presenta el fenómeno de la “idolatría” a través de un diálogo inter-
disciplinario entre teología y filosofía. La contribución conceptual analiza la idolatría
como una expresión de la divinidad que oprime y exige la inmolación de sacrificios
humanos. El problema consiste justamente en saber si la idolatría ocurre sólo a través
de la adoración a los ídolos o puede desarrollarse incluso sin imágenes? La idolatría
consiste en cualquier realidad divinizado por el hombre. Ella se constituye al reem-
plazar a la divinidad por algo que le representa. En fin, la idolatría oculta y legitima la
opresión, especialmente, de los más pobres, provocando asimetrías y exclusión social.
Palabras clave: Idolatría. Dioses. Ídolos. Imágenes.
Introdução
2
O artigo é um excerto da tese de doutorado do próprio autor: Por uma crítica da idolatria
em articulação com a teologia e a economia – um diálogo interdisciplinar, defendida em 2018 na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
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O Antigo Testamento comparado com o Novo possui uma abordagem sobre a idolatria muito
maior. No Novo Testamento os Evangelhos e os outros livros praticamente não abordam o
tema de forma patente, mas consta em alguns relatos no Atos, em alguns escritos paulinos e
no Apocalipse de maneira mais elaborada. Beale (2014, p. 28) questiona se em razão disso é
possível “concluir que o problema da idolatria cessara ou deixara de ser tão agudo na história
posterior de Israel na época de Jesus, ou então que não era problema na igreja do primeiro século?”.
4
O sociólogo e filósofo alemão Erich Fromm (1983, p. 123) entende o processo idolátrico da
seguinte forma: “a essência do que era chamado ‘idolatria’ pelos antigos profetas não está em o
homem adorar muitos deuses em vez de um único. Está em os ídolos serem a obra das mãos do
próprio homem – eles são coisas e, no entanto, o homem curva-se ante a elas e as reverencia;
adora aquilo que ele mesmo criou. Ao fazê-lo ele se transforma em coisa. Transfere às coisas
de sua criação os atributos da vida e, em vez de experenciar-se como pessoa criadora, só entra
em contato consigo mesmo através da adoração do ídolo. Ele se alheou às forças de sua própria
vida, à riqueza de suas próprias potencialidades, e só entra em contato consigo mesmo de
maneira indireta, e submetendo-se à vida congelada nos ídolos”.
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com o qual está comprometido, seja com o Deus criador ou com qualquer
outro objeto da criação. Assim, quando não adora o Deus verdadeiro em
vez de assemelhar-se com Ele, o idólatra assemelha-se com o ídolo que
adora. O problema da idolatria, considerando a revelação bíblica do pri-
meiro e do segundo mandamento, é que ele camufla a nobreza entre Deus,
o Criador e a criatura. O fato de representar Deus por alguma imagem
divina o desvia da verdadeira natureza espiritual. Ou seja, criar outros
deuses e tirar o Deus do seu devido lugar é diminuir a glória do Criador.
Adão e Eva foram criados à imagem de Deus com o propósito de
refletir sua glória e povoar a terra com essa finalidade. Ao abandonar o
compromisso com Deus, deixaram de refletir sua imagem e passaram a
reverenciar outra coisa no lugar de Deus. Trocaram a reverência ao Deus
criador por outro objeto de adoração. Idolatria é adorar qualquer coisa a
não ser Deus. Adão trocou a lealdade a Deus pela fidelidade a ele próprio
e a satanás, refletindo características da serpente.
O fato de Adão refletir no princípio a imagem de Deus, revela um con-
ceito antigo até mesmo fora dos limites de Israel. Por exemplo, na Síria e
no Egito era comum colocar imagens de divindades no templo dos quais
os reis eram imagens vivas do deus, o próprio reflexo desse deus. Destarte,
justifica-se a fabricação das imagens com metais nobres com a finalidade de
refletir a glória do deus que representavam. O rei era a imagem viva do deus.
A Bíblia contém inúmeras passagens condenando o culto que envolve a
utilização de imagens, que incita atos de violência, que discrimina e empre-
ga a intolerância em nome de Deus. A questão das imagens/ídolos esteve
presente no conflito entre católicos e reformados; esteve e está presente
nas discussões conturbadas entre o cristianismo e as religiões africanas e
indígenas; na relação do hinduísmo com outras religiões que utilizam imagens
em seus templos. O termo geralmente é utilizado no sentido de demonizar
ou diminuir a dignidade das religiões, um processo discriminatório e violen-
to que pesa sobre as religiões dos povos africanos e povos originários das
Américas, mediante uma infeliz interpretação de um possível respaldo na
“Palavra de Deus”, especialmente em textos do Antigo Testamento.
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Segundo Dietrich (2015, p. 342), a história de Israel não começou em 1800 a. C. na Babilônia
com a migração de Abraão como tradicionalmente é conjecturado. Teve início bem mais tarde
entre 1500 e 1300 a. C. em Canaã. Neste período ocorreu a sedentarização de algumas famílias
de pastores em três regiões montanhosas da Palestina: Siquém, Betel e Hebron. Todo esse
território fazia parte da região conhecida na época como Canaã.
6
Alguns textos bíblicos do Antigo Testamento que mencionam a utilização de imagens em cultos:
Gn 31, 19.30-35; Is 6, 1-13; Jz 6,24-30; 1Sm 19,13-16; 1Rs 12,28-29; 2Rs 18,4; 23,4-14; Jr 44, 15-19.
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ões afro-brasileiras uma pessoa pode dizer: “na cabeceira da minha cama
tenho três imagens”, mas é improvável que dirá: “na cabeceira da minha
cama tenho três ídolos.” O mesmo é válido para os terreiros de candomblé,
umbanda, batuques e outras religiões que utilizam imagens em seus cultos;
elas não irão se referir a essas imagens chamando-as de “ídolos”. Portanto,
a religião de Israel no período pré-exílico quando faz referência à utilização
de imagens em cultos, não pode ser interpretada como “idolatria”.
Essa interpretação é comum nas traduções. Empregam a palavra
ídolo na tradução portuguesa da palavra hebraica que se refere a objetos,
mas que no texto bíblico transmite a simples indicação de uma imagem. É
oportuno apresentar mais alguns exemplos sugeridos por Dietrich (2015,
p. 346-347) que comprovam o problema da tradução. O texto bíblico
utilizado para análise é Gn 31,19:
Bíblia de Jerusalém (BJ): “Labão fora tosquiar os rebanhos e Raquel
roubou os ídolos domésticos que pertenciam a seu pai.”
A Bíblia da CNBB: “Como Labão tinha ido à tosquia das ovelhas, Raquel
roubou as estatuetas dos ídolos de seu pai.”
Tradução ecumênica da Bíblia (TEB): “Laban tinha ido tosquiar o seu
gado e Raquel roubou os ídolos que pertenciam a seu pai.”
Bíblia de Estudo Almeida: “Tendo ido Labão fazer a tosquia das ovelhas,
Raquel furtou os ídolos do lar que pertenciam a seu pai.”
A Nova Versão Internacional (NVI) Bíblia de Estudo Arqueológica:
“Enquanto Labão tinha saído para tosquiar suas ovelhas, Raquel roubou
os ídolos do clã.
No hebraico o versículo citado não tem nenhuma palavra que possa ser
traduzida como “ídolo”. Segundo Dietrich (2015, p. 347), “o texto menciona
a palavra terafim e o faz com a maior naturalidade. Terafim era o nome
dado às imagens dos deuses domésticos que muito provavelmente eram os
ancestrais divinizados de cada família, eram os Elohim das famílias.” Todas
as famílias tinham seu Elohim (Gn 31,53). Portanto, nesse texto bíblico
não existe conotação de crítica à posse das imagens em cultos familiares
porque para os autores dessa narrativa a utilização de imagens era comum
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Nesse sentido, Dietrich (2015, p. 349) entende que “esse procedimento acaba também por
falsear ou até mesmo esvaziar completamente o sentido libertador da crítica à idolatria. Pois
acaba focando o peso dessa crítica no uso da imagem em si. Idolatria nesse caso é possuir ima-
gens, usar imagens como representação do Divino, substituir o Divino por algo que se possa
manipular, usar. Mas não é esse o motivo original da crítica profética às imagens na Bíblia.”
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Nesse sentido é oportuno o comentário de Beale (2014, p. 21): “[...] quando se retratam os
ídolos com olhos e orelhas que não enxergam nem ouvem, afirma-se que seus adoradores têm
olhos e orelhas, mas não veem nem ouvem”. O homem foi criado por Deus para ser uma criatura
refletora. Portanto, vai refletir aquilo com que está comprometido, pode ser o Deus verdadeiro
ou alguma imagem criada. O Salmo 115, 4-8 tem muita semelhança com a narrativa de Is 6, 1-13.
Outro fato interessante segundo Beale (2014, p. 48) é que sempre que o povo de Israel é “men-
cionado como quem ‘têm olhos para ver, mas não veem, têm ouvidos para ouvir, mas são capazes
de ouvir’ (ou textos semelhantes a esse) ele está sendo condenado e castigado por ser idólatra.
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Aqui, novamente, o sentido dos “deuses” deve ser interpretado como Elohim, ancestrais
divinizados e amplamente utilizados por todas as famílias. Não existe uma conotação pejorativa
ou repressiva no versículo ao utilizar a expressão “deuses”.
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É oportuna a interpretação de Dietrich (2015, p. 353): “estes versículos ecoam os primeiros
gritos dos camponeses contra o uso da religião para explorá-los. É no geral um grito contra a
religião oficial das monarquias e seus centros de culto, nos quais a ostentação de altares caros
e deuses de metal fundido, ou mesmo de ouro e de prata, tinham a função de legitimar a explo-
ração das famílias camponesas (Os 8,4-5; 13,2; cf. Lv 19,6; Dt 9, 12. 16; 27,15; 1Rs 14,9; Is 30,22).”
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Na narrativa do texto bíblico Ex 20, 3-5 é possível constatar: “não tenha você outros deuses
diante de mim. Não faça para você imagem de deus, qualquer representação do que existe no
céu, na terra ou nas águas que estão debaixo da terra. Não se prostre diante desses deuses,
não lhes sirva, porque eu, Javé seu Deus, sou um Deus ciumento.”
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O termo hebraico Elohim é utilizado no plural, traduzido por deuses. Embora muitas vezes
é, também, empregado no singular, como deus. No caso do versículo em discussão, o termo é
traduzido no plural embora seja apenas um bezerro, é possível interpretar como uma repre-
sentação de um grupo de deuses (TOGNERI, 2015, p. 368).
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Não fique irritado meu Senhor. Você sabe que este povo é inclinado
para o mal. Eles me pediram: “Faça para nós deuses que caminhem à
nossa frente, porque não sabemos o que é feito desse Moisés, o homem
que nos tirou da terra do Egito”. Eu disse então: “Quem tiver ouro, que o
retire”. Eles me trouxeram, eu levei ao fogo, e saiu esse bezerro.
Quando Moisés subiu à montanha o povo ficou sem liderança e, até
o momento, Moisés era o líder que tinha a ligação com o Senhor Javé, di-
ferente de Aarão que não desfrutava dessa intimidade. Segundo Togneri
(2015, p. 369), “o texto culpa totalmente o povo pela quebra e ruptura da
Aliança com o Senhor. Esse relato nos lembra da frase e da ação de Jesus,
muito tempo depois, ao olhar a multidão e se compadecer deles (do povo)
(Mc 6,34).” O que está por trás da narrativa é a incompreensão do povo no
Deus libertador. Precisa de um tempo maior para entender os desígnios
de Javé. Isso se percebe ao substitui-lo por uma imagem de metal fundido,
um bezerro13 de ouro, moldado por Aarão, do ouro que o povo deu, reti-
rado dos brincos que tinham nas orelhas. Depois de criado, o povo disse:
“Israel, este são os deuses, que tiraram você da terra do Egito.” (Ex 32,4)14
13
A tradução do termo hebraico ‘egel’ por bezerro, segundo Togneri (2015, p. 370), não é fiel em
virtude do termo se referir a um jovem touro com aproximadamente três anos de idade. Deve-se
considerar o fato de o povo estar no deserto e é muito improvável que tenham animais de grande
porte, mesmo assim tem como imagem protetora um bezerro, “ou um pequeno touro”. Togneri
indica a possibilidade de “ser fruto do culto a Apis ou à deusa Hator desenvolvido no Egito?”
Existe a possibilidade de Aarão ser natural do Egito e, talvez, esses deuses, o tenham inspirado
na fabricação do bezerro de ouro. Togneri, também menciona a interpretação de Cole (1981, p.
207) sobre essa questão: “a santidade do touro como símbolo de força e capacidade reprodutiva
corre desde o culto a Baal em Canaã até o hinduísmo popular do sul da Índia de hoje, onde quer
que a religião seja vista como forma do culto da fertilidade comum aos criadores de animais.
14
Outra interpretação sobre a atitude de Aarão que merece destaque é a desenvolvida por
Adiñach (2010, p. 362): “a atitude de Aarão pode ser vista como tentativa de criar uma religião
a partir dos desejos das pessoas e não a partir da palavra revelada. Uma religião que não se
fundamenta na pergunta ‘O que Deus espera de nós?’ mas na interrogação ‘Qual Deus as
pessoas querem ter?’”.
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Parece claro que a intenção de Jeroboão era afastar o seu povo da influência
do governo do Sul a fim de proteger o seu reinado, pois tinha receio de perder
o apoio da população e até mesmo, a sua vida, conforme a narrativa bíblica:
Jeroboão disse em seu coração: “Agora mesmo o reino poderá voltar
para a casa de Davi. Se este povo subir e oferecer sacrifícios na casa de
Javé em Jerusalém, seu coração vai se virar para seu senhor Roboão, rei
de Judá. Eles acabarão me matando e passando para o lado de Roboão,
rei de Judá (1Rs 12,26-27).
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mano”, vivo e ao revelar seu nome em Ex 3,14 deixa claro: “Eu sou aquele
que é”.15 Deus se mostra como absoluto16.
A Bíblia também relata que “somos a imagem e semelhança de Deus”
e que Deus é bondade, amor, justiça. Portanto, permanecendo fiel ao
relato, o homem deveria praticar a bondade, o amor a justiça. No entanto,
o que se percebe é que não é bem assim. “Fizemos Deus à nossa imagem
e semelhança. O ser humano cria a sua própria divindade e a adora como
sua própria imagem” (CLÓVIS; BERNARDINO, 2015, p. 396). Segundo o
exposto, o Deus que se vê, reflete aquilo que se é. Assim, a sociedade
contemporânea violenta, possivelmente terá deuses violentos.
Desde os tempos antigos quando o “Deus de Abraão, o Deus de Isaac,
o Deus de Jacó” foi substituído por outros deuses, as religiões procuram
15
O texto de Ex 3,14 apresenta diferentes traduções, interpretações e inúmeros debates. Por
exemplo, a Bíblia do Peregrino, edições Paulinas, traduz Ex 3,14 como “Sou o que sou”. A opção
foi seguir a tradução da Bíblia de Jerusalém: “Eu sou aquele que é”. É enriquecedor o comentário
que a Bíblia de Jerusalém apresenta sobre Ex 3,14. “Essa narrativa, é um dos pontos altos do
AT, coloca dois problemas: o primeiro filosófico, diz respeito à etimologia do nome ‘Iahweh’;
o segundo exegético e teológico, o sentido geral da narrativa e o alcance da revelação que
transmite. 1° Procura-se explicar a nome de Iahweh através de outras línguas que não fossem
o hebraico, ou então através de diversas raízes hebraicas. É preciso, provavelmente, ver aí o
verbo ‘ser’ numa forma arcaica. Alguns reconhecem aqui uma forma causativa deste verbo:
‘Ele faz ser’, ‘Ele traz a existência’. Muito mais provavelmente trata-se de uma forma do tema
simples, e o termo significa: ‘Ele é’. 2° Quanto à interpretação, o termo é explicado no v. 14,
que é um antigo acréscimo da mesma tradição. Discute-se sobre o significado desta explicação:
‘ehyeh’ ‘asher’ ehyeh’. Deus, falando de si mesmo, só pode empregar a primeira pessoa: ‘Eu sou’.
O hebraico pode ser traduzido literalmente: ‘Eu sou o que sou’. Isso significaria que Deus não
quer revelar o seu nome. Mais precisamente, Deus dá aqui o seu nome que, segundo a concep-
ção semita, deve defini-lo de certa maneira. Contudo, o hebraico pode ser também traduzido
literalmente: ‘Eu sou aquele que sou’; e segundo as regras de sintaxe hebraica, isso corresponde
a ‘Eu sou aquele que é’, ‘Eu sou o existente’. Foi assim que compreenderam os tradutores da
Setenta: Ego, eimi ho ôn. Deus é o único verdadeiramente existente. Isto significa que ele é
transcendente e permanece um mistério para o homem. E, além disso, ele age na história do
seu povo e na história humana, a qual ele dirige para um fim. Esta passagem contém em po-
tência os desenvolvimentos que a sequência da Revelação lhe dará (Cf. Ap 1,8: ‘Aquele-que-é,
Aquele-que-era e Aquele-que-vem, o Todo Poderoso’”). (Cf. BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1985).
16
Sobre esse sentido absoluto, é oportuno o comentário de Gutiérrez (1990, p. 36-37): “ser
princípio absoluto não significa desinteressar-se pela história. Pelo contrário, ao revelar seu
nome, que não é puro conceito, Javé manifesta a sua decisão de participar dela. O ser de Deus
está ligado no decurso histórico. O eterno se faz presente no temporal, o absoluto na história,
sem ser, porém, apenas uma presença: é também comunhão, é dom [...] ‘Eu sou’ (Javé) princípio
absoluto e ativo, origem de tudo, é igualmente o Deus do passado, o Deus dos patriarcas, dos
antepassados, daqueles aos quais Moisés agora é enviado”.
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