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Uruguai: é tempo de vitória popular

por Carlos Flanagan

Na noite de ontem celebrámos em Montevideo o acto final da campanha do Encontro


Progressista -- Frente Amplo -- Nova Maioria. Foi o maior acto da história do país. A larga
Avenida del Libertador, que tem 1,5 km de comprimento e que vai desde a principal Avenida
(18 de Julio) até o Palácio Legislativo, encheu-se com um mar de gente e bandeiras que
esparramou-se até as ruas laterais, umas 500 mil pessoas. Nesse mesmo lugar —
carregado de simbolismo — realizaram-se históricos actos do 1º de Maio e também o
primeiro acto de encerramento da campanha da Frente Ampla em 1971, ano da sua
fundação. Mas desta vez o estrado foi localizado no sentido inverso daquele acto de
Novembro de 1971, desta vez a olhar para o Palácio Legislativo, talvez para "dar a volta à
história". Todo um sinal de augúrio para nós que agora ficamos velhos e que naquele
primeiro acto final de 1971 tínhamos 18 anos votávamos pela primeira vez.

O imponente acto da noite passada ratifica os prognósticos de — neste momento — todas


as empresas de pesquisa de opinião pública: o EP-FA-NM triunfará na primeira volta, ou
seja, recolhendo mais de 50% mais um do total dos votos que forem emitidos (o que
significa que os votos nulos e em branco actuam contra nós).

O RESULTADO DE UMA LONGA LUTA

Este triunfo já seguro da esquerda uruguaia não é fruto da casualidade ou de circunstâncias


inesperadas, e merece uma breve explicação.

Chegámos a esta situação em consequência de um longo processo de acumulação de


forças que abrange várias décadas do século XX e por sua vez — se fizéssemos uma
análise mais profunda — veríamos que se funde nas raízes da nossa história. Tanto na
concepção plenamente vigente de soberania com justiça social e integração continental do
nosso prócer José Artigas como nas raízes do movimento operário em fins do século XIX, o
que concede ao Uruguai características muito diferenciadas em relação ao resto dos países
irmãos do continente.

A forja da unidade da esquerda processa-se no âmbito da construção da unidade social e


sindical. O Partido Comunista do Uruguai, constituído em 21 de Setembro de 1920, e que
como uma grande parte dos Partidos Comunistas, surge no influxo da Revolução de
Outubro da cisão do tronco do velho Partido Socialista do Uruguai, desempenhou um papel
de primeira ordem neste longo processo.

Já em 1955 por ocasião do seu XVI Congresso, e posteriormente na declaração


programática do seu XVII Congresso (Agosto de 1958), analisa a base material da
sociedade uruguaia e consequentemente baseia a sua estratégia política sobre três pilares
básicos entrelaçados e inter-actuantes, denominados "os três círculos da táctica": a unidade
da classe operária numa central única (nessa época existiam três centrais operárias), a
unidade da esquerda conformando uma frente democrática de libertação nacional e, para
conseguir estes objectivos, forjar um grande Partido Comunista de quadros e de massas.

Ao contrário da maioria do PCs afirma que no Uruguai a aliança estratégica da classe


operária não é com o campesinato (quase inexistente enquanto tal no país) e sim com as
camadas médias da cidade e do campo. Além disso, contrariando a visão do movimento
comunista internacional da época, propugnou a aliança comunista-socialista.

Já em 1962 conformam-se as duas primeiras experiências unitárias no campo popular: a


Frente Izquierda de Liberación (FIDEL) lista 1001 formada por comunistas, grupos cindidos
dos Partidos Colorado e Nacional (ou Blanco) e movimentos de personalidades
independentes, e a Unión Popular, integrada por socialistas e um sector cindido do Partido
Nacional liderado por ex-ministro banco, Enrique Erro.

Repete-se a mesma situação nas eleições de 1966, com uma baixa votação da Unión
Popular. Finalmente, a 5 de Fevereiro de 1971, funda-se a Frente Ampla, expressão da
unidade de todos os sectores da esquerda e que, caso único no mundo, abrange o Partido
Democrata Cristão.

Hoje a nossa coligação Democracia Avanzada -- Lista 1001 é a única sub-coligação que
permanece desde a sua fundação em 1962.

No campo social realiza-se já em 1964 o Congreso del Pueblo que abrangeu mais de 600
organizações sociais e sindicais, que elaborou uma plataforma programática que teria
inegável incidência na unidade sindical (cria-se a central única, a Convención Nacional de
Trabajadores, hoje PIT-CNT) e logo na unidade política da esquerda.

Unidade social, sindical e política que não pode destruir a ditadura fascista que arrasou as
liberdades a partir de Junho de 1973 até 1984.

Este processo de unidade política continuou a seguir à reconquista da democracia, com


arcos de alianças mais amplas. Em 1994 cria-se o Encuentro Progresista, que agrupou a
Frente Ampla, o PDC que se havia retirado do FA anos antes, e novos sectores
provenientes dos partidos tradicionais. No ano passado cria-se a Nueva Mayoría, que
incorpora o FA e o EP ao Nuevo Espacio, formado por companheiros que integrando o
Partido por el Gobierno del Pueblo haviam abandonado o FA em 1989.

28/Out/2004

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