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1. Introdução
Suponha que um jogador entre num cassino com 20 reais em dinheiro
para apostar. Assuma que ele participe de um jogo que consiste de
apostas independentes e que em cada aposta de 1 real ou ele ganhe um
real com probabilidade p ou perca um real com probabilidade 1−p. Se a
fortuna do cassino for de 100 reais e o jogador apostar indefinidamente,
isto é, apostar até ficar sem dinheiro ou até obter 120 reais, pergunta-
se: qual é probabilidade de que o jogador vença a disputa. Conhecido
como a ruı́na do jogador, este problema pode ser visto como um passeio
aleatório. Outra questão interessante a seu respeito tem a ver com o
tempo de duração do jogo. Teria ele probabilidade positiva de durar
para sempre?
Agora pensemos em outro problema. Imagine uma eleição para re-
presentante discente de uma turma e suponha os votos válidos sejam
100. Suponha que o candidato A obtenha 60 votos e que o candidato
B obtenha 40 votos. Dada a diferença significativa de votos entre A
e B, pergunta-se qual é a probabilidade de que A lidere a apuração
do inı́cio ao fim. Considerando todas as trajetórias de apuração equi-
prováveis, podemos responder a esta questão usando coeficientes bi-
nomiais e o prı́ncipio da reflexão, ferramenta importante no estudo de
passeios aleatórios.
Estes são dois exemplos de processos estocásticos que podem ser es-
tudados a partir da teoria de passeios aleatórios. Em geral, podemos
ver um passeio aleatório como a posição de uma partı́cula ao longo
do tempo. A cada instante de tempo n ∈ {0, 1, . . .} a partı́cula rea-
liza um salto aleatório de acordo com uma determinada distribuição.
Portanto, a posição Sn da partı́cula no instante n será uma soma de
variáveis aleatórias (v.a.’s); na maior parte de nossos exemplos as v.a.’s
serão independentes e identicamente distribuı́das (i.i.d.). Podemos en-
contrar aplicações da teoria de passeios aleatórios em diversas áreas do
conhecimento tais como estatı́stica, fı́sica, economia, computação e bi-
ologia. Nestas notas limartar-nos-emos aos passeios aleatórios simples,
ou seja, aos passeios cujos saltos tem tamanho um. Estas curtas notas
estão baseadas nas obras [1, 2, 3]. Nelas o leitor interessado encontrará
2 RENATO JACOB GAVA
onde {Xj }j≥1 são v.a.’s i.i.d. com P(Xj = 1) = p, P(Xj = −1) = q e
p + q = 1.
Para encontrar a probabilidade de que o jogador quebre a banca,
seja Pi a probabilidade de que o jogador eventualmente atinja N . Con-
dicionando no valor do primeiro passo, obtemos
Pi = Pi+1 p + Pi−1 q para i ∈ {1, . . . N − 1}.
Em seguida, observe que
pPi + qPi = Pi+1 p + Pi−1 q,
o que implica que
q
Pi+1 − Pi = (Pi − Pi−1 ).
p
Fazendo a indução em i e aplicando a condição inicial P0 = 0, temos
q i q i
Pi+1 − Pi = (P1 − P0 ) = P1 .
p p
Usemos esse resultado para obter uma expressão para a seguinte soma
telescópica
i−1
X q q 2 q i−1
P i − P1 = (Pj+1 − Pj ) = P1 + ... + .
j=1
p p p
Isto é,
1 − (q/p)i
P1 , se p 6= q
Pi = 1 − q/p
P1 i, se p = q
6 RENATO JACOB GAVA
4. Recorrência e trasiência
Nesta seção voltamos a lidar com o PAS {Sn }n≥0 , definido no inı́cio
da Seção 2, e assumiremos sem perda de generalidade que S0 = 0.
Estudaremos brevemente a recorrência e a transiência do PAS em Z e
sua dependência em relação ao parâmetro p. Considere a seguinte v.a
definida por
Ti = min{n ≥ 1; Sn = i}.
Observe que Ti é um tempo de parada.
Definição 4.1. Dizemos que o PAS é recorrente se P(Ti < ∞) = 1.
Se P(Ti < ∞) < 1, dizemos que o PAS é transiente.
Intuitivamente, recorrência significa que o passeio visitará o sı́tio i
em algum momento, o que por sua vez implica que o sı́tio i será visitado
infinitas vezes. Transiência significa que há probabilidade positiva de
o passeio nunca visitar o sı́tio i, o que por sua vez implica que o sı́tio i
será visitado um número finito de vezes ao longo do tempo.
Teorema 4.2. Para o PAS em Z, as seguintes afirmações são equiva-
lentes:
P∞0 < ∞) = 1
i) P(T
ii) n=0 P(Sn = 0) = ∞
Demonstração. Omitida.
Introduza agora o número de visitas V0 ao sı́tio 0 ao longo do tempo.
Note que
∞
X
(4) V0 = 1{Sn =0}
n=0
Então
X∞ ∞
X ∞
X
E(V0 ) = E( I{Sn =0} ) = E(I{Sn =0} ) = P(Sn = 0),
n=0 n=0 n=0
É fácil ver que o retorno ao sı́tio 0 ocorre apenas num número par de
passos. Usando os resultados da Seção 2 obtemos
2n n n
P(S2n = 0) = p q .
n
O próximo passo da prova requer o uso da fórmula de Stirling. A
fórmula de Stirling nos garante que
√
n! ∼ 2πnnn e−n
onde o sı́mbolo ∼ significa que
n!
lim √ = 1.
n→∞ 2πnnn e−n
2n
Aplicando a fórmula de Stirling ao coeficiente n
obtemos que
22n
2n
∼√ ,
n πn
o que implica que
(4pq)n
(5) P(S2n = 0) ∼ √ .
πn
Agora analisemos (5) em função de p. Se p 6= q, temos 4pq < 1. Logo
existe n0 inteiro tal que se n ≥ n0
(4pq)n
P(S2n = 0) ≤ √ ,
π
o que implica que
∞
X
P(S2n = 0) < ∞,
n=0
Referências
[1] W. Feller, An Introduction to Probability Theory and its Applications, Wiley,
New York,1966.
[2] S.H. Ross, Introduction to Probability Models, Academic Press, New York,
2010.
[3] R. Schinazi, Classical and Spatial Stochastic Processes with Applications to
Biology, Birkhauser, New York, 2010.