Você está na página 1de 60

&.

\
'" •••

· II
formação de professores de inglês é um processo complexo.
;\
.\... Exige do indivíduo uma gama variada de conhecimentos. Se esse
indivíduo for brasileiro, as coisas ficam ainda mais complicadas
() contexto atual, em que alguns cursos de letras t;I0 Brasil ainda ~ LUCIANO AMARAL ,OLIVEIRA\.
"em um trabalho eficiente na formação de professores.'

III

11;11 anseiam por cursos de formação continuada ~ po; t~os


de!; alguma luz acerca de questões que os inquietam.
\
vista disso, os professores de inglês da rede PÚ.bliC~~Q.iciPál e esta-
que de em '"
\.....
,

--'
com o objetivo de ajudar a preencher êssa lacuna ~a formaçã~. dos li-
-nciados em inglês e também de suprir a falta de materiais qu~abor-
'111teoria e prática e auxiliem o professor a cumprir com o objetivo de
ixinnr com qualidade seus alunos que vem a lume este Aula de inglês:
) planejamento à avaliação. Porque formar-se professor exige domínio
IS arcas abordadas em cada um dos capítulos deste livro e domínio da
IgU<l inglesa. Mais importante: exige do professor a humildade de reco-
u-ccr que não sabe tudo e a disposição para estar sempre aprendendo.
do planejamento à avaliação
.. lI'
li .
.
Ji .

, .
.' ,,~. i'
,

. !
. ,.

~
'••••n •• """.'

IIIJ"" ~ .. ~~
\lá

".,(~~
Q.

. - .. " J

t
.
""" rt - . ~ J
#y ,,,,.~. 1 Q
"'C 'C

~)!-,
, ;\
,
LUCIANO AMARAL OLIVE1RA

EDITOR:
Marcos Marcionilo

CONSELHO EDITORIAL:
Ana Stahl Zilles [Unisinos]
Angela Paiva Dionisio [UFPE]
Carlos Alberto Faraco [UFPR]
Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP]
Gilvan Müller de Oliveira [UFSC, Ipol]
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela]
Kanavillil Rajagopalan [UNICAMP]
Marcos Bagno [UnB]
Maria Marta Pereira Scherre rUFES] o planejamentoà avaliação
Rachei Gazolla de Andrade [PUC-SP]
Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha]
. \
Roxane Rojo [UNICAMP]
Salma Tannus Muchail [PUC-SP]
Slrio Possenti [UNICAMP]
Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]
J1~~
'rAbO
Direção: ANDR~IA
CUSTÓDIO
Capa e diagramação: TElMACUSTÓDIO
Revisão: KARINA
MOTA
Imagem da capa: 123RF.COM

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

051A

Oliveira, Luciano Amaral


Aula de inglês: do planejamento à avaliação / Luciano Amaral Oliveira. - 1.
ed. - São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
23 cm. (Aula de ... ; 2)

Inclui bibliografia e Indice


ISBN 978-85-7934-106-9

1. Lingua inglesa - Estudo e ensino. 2. Linguagem e línguas. 3. Linguagem


e Ilnguas - Estudo e ensino. I. Titulo. 11. Série.

15-24065 (DO: 372.6521


(OU: 373.3.016=111

Para

Direitos reservados à
PARABOLA EDITORIAL
Rua Dr. Mário Vicente, 394 -Ipiranga Ivone
04270-000 São Paulo, SP
pabx: [1 11 5061 -92621 5061-8075 1fax: [11] 2589-9263 Edvaldo (em memória)
home page: www.parabolaeditorial.com.br
e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br Dinho
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reprodu
zida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou Luciana
mecânico, 'incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema
ou banco de dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial lida.

ISBN: 978-85-7934-106-9

e do texto: Luciano Amaral Oliveira, 2015


e da edição: Parábola Editorial, São Paulo, agosto de 2015
Sumário
Introdução 9

1 A logística da aula 17
1.1 O planejamento da aula .19
1.2 O gerenciamento da sala de aula 30

2 Sobre o ensino das quatro habilidades 45


2.1 Pequena confusão conceitual:
estratégias ou habilidades? .48
2.2 Conhecimentos necessários para o
desenvolvimento das quatro habilidades 55
2.3 Esquemas mentais e os processos de
decodifieação da informação 61
2.4 A integração das habilidades 68

3 O ensino da compreensão oral 75


3.1 O papel das atividades de
pré-compreensão oral 77
3.2 Micro-habilidades de compreensão oral 83
3.3 Recursos tecnológícos e o ensino da
compreensão oral 93

4 O ensino da leitura 97
4.1 A coerência textual 100
4.2 O papel das atividades de pré-leitura 105
4.3 Miero-habilidades de leitura 110

Sumário 7
4.4 'I'r0s controvérsias:a leitura em voz alta, o uso de textos
autênticos e o uso de textos literários 122

5 O ensino da fala 131


5.1 Três questões importantes: barreiras psicológicas,
leitura em voz alta e fluência vs. precisão 132
5.2 O papel das atividades de pré-fala
5.3 Micro-habilidades de fala
137
139 Introdução
6 O ensino da escrita 149
6.1 Os elementos de textualidade 155
6.2 O papel das atividades de pré-escrita 166
6.3 Micro-habilidades de escrita 169 nsinar inglês para brasileiros é uma tarefa
6.4 Escrita colaborativa e correção dos textos escritos: complexa. Requer conhecimentos linguísticos,
questões polêmicas 184 pedagógicos e didáticos. Mas, acima de tudo,
requer conhecimentos específicos sobre o ensino de
7 O ensino do vocabulário 191
línguas estrangeiras. Às vezes, o professor de inglês
7.1 Formas de ensino do significado lexical... 193
procura algo para ler sobre gerenciamento da sala de
7.2 O que é necessário para conhecer uma palavra? 196
aula ou sobre o ensino da gramática ou sobre qualquer
7.3 Fenômenos semânticos e organização do vocabulário 200
outro tema relacionado ao ensino de inglês e acaba
8 O ensino da gramática 205 esbarrando na falta de acesso a livros por conta dos
8.1 The pie chart: a concepção tridimensional da gramática 209 seus altos preços (em quase sua totalidade, os livros
8.2 O problema do conhecimento inerte e a interlíngua na sobre ensino e aprendizagem de inglês são importa-
discussão sobre os erros dos aprendizes 222 dos da Europa ou da América do Norte). Além disso,
8.3 Duas questões importantes: o uso de português eles enfrentam dificuldades para terem acesso a pe-
e o domínio da metalinguagem 229 riódicos como ET ProfessionaL, ELTJournal e TESOL
QuarterLy, que também não são baratos.
9 Avaliação do aprendizado e do ensino 235 Para facilitar o acesso de professores de inglês,
9.1 Princípios gerais para a elaboração de testes 238 formados e em formação, a questões práticas e teó-
9.2 Os tipos de testes 245 ricas relacionadas ao ensino da língua inglesa, decidi
9.3 Duas questões importantes: a mistura de habilidades escrever este Aula de inglês: do planejamento à ava-
e o efeito washback 250 liação. Meu desejo é compartilhar com leitoras e leito-
9.4 A avaliação do ensino: a observação de aulas 255 res informações que angariei e reflexões que realizei
ao longo de 25 anos de ensino de inglês. Desejo con-
Conclusão 261
tribuir para a formação de professores de inglês que,
Referências bibliográficas 265 como eu, tiveram sentimentos misturados e intensos,
expectativas grandes, frustrações não menores.

Aula de inglês: do planejamento à avaliação


Intro!iuçno 9
1\primciru aula de inglês que nós damos nunca sai de nossa ca- .llIll'Sde entrar em sala. Afinal, no momento de planejá-Ia, ele precisa
Iwça. Tensão, ansiedade, nervosismo e insegurança costumam mar- pensar sobre elementos como a faixa ctária e o nível de proficiência de
cur essa experiência. São sensações normais do início de uma car- seus alunos, os materiais didáticos e os recursos que tem à disposição
rei ra que se repetem menos intensamente a cada início de semestre, (' o espaço físico em que a aula será realizada. Obviamente, eu não po-
a cada nova turma, a cada nova instituição na qual o professor inicie deria deixar de comentar sobre os elementos que compõem o plano
um novo trabalho. Mas essas sensações podem ser minimizadas se o de aula, que não se confunde com o planejamento da aula. O segundo
professor tiver acesso a leituras que apontem caminhos, que sugiram aspecto é o gerenciamento da sala de aula, essencial para o controle
ursos de ação. Isso ajuda a diminuir as tensões e os riscos de que do professor sobre o ambiente físico e afetivo em que a aula se rea-
algo dê errado na aula. Iiza. Discuto os principais elementos que compõem o gerenciamento
Mesmo após o início da carreira, o professor de inglês pode con- da sala de aula: o espaço físico, o agrupamento dos alunos, o estabe-
tinuar a ter muitas dúvidas por conta de uma formação inadequada. E lecimento de regras de comportamento, a fala do professor, o uso de
isso é uma prova cabal de que apenas a experiência de sala de aula da português durante a aula, as instruções que o professor fornece aos
graduação ou dos cursos de treinamento de professores de institutos alunos e o monitoramento das atividades.
de idiomas não é suficiente para sanar nossas dúvidas e nos levar a O segundo capítulo, "Sobre o ensino das quatro habilidades",
soluções para os problemas com que nos deparamos na labuta pedagó- discute duas questões importantes sobre a natureza da compreen-
gica. Precisamos de interlocutores, e eu tive muitos ao longo de minha são oral, da leitura, da fala e da escrita. A primeira questão diz res-
arreira de professor de inglês: alunos, colegas, palestrantes, livros e peito à suposta existência de habilidades passivas e ativas. A segun-
artigos. São vozes que atravessam e constituem a minha voz, que colo- da questão, estreitamente relacionada com a primeira, é a equipara-
co nestas páginas em diálogo com você. ção que algumas pessoas fazem entre os modificadores receptiva e
Foi pensando na necessidade dessa interlocução que decidi escre- passiva quando tratam da compreensão oral e da leitura. Inevitavel-
ver este livro para quem já leciona inglês, para quem pretende começar mente, os conceitos de habilidade e de estratégia são contrastados
a lecionar inglês e para quem ministra cursos de formação de profes- para adotarmos uma definição operacional de habilidade, pois os
sores. Dividido em 9 capítulos, ele contém informações e aponta cami- termos skill, ability e strategy podem confundir a cabeça do profes-
nhos que podem ser úteis para a prática docente. A linguagem que uso sor. Abordo ainda a tipologia dos conhecimentos necessários para o
aqui é simples e amigável. Há conceitos que uso, como, por exemplo, desenvolvimento da fala, da escrita, da compreensão oral e da lei-
ompetência comunicativa, i +1, realia, input, abismo de informações e tura. Mostro que os conhecimentos linguísticos não são suficientes
behaviorismo, mas que não defino, por já ter feito isso no livro Métodos para o desenvolvimento das quatro habilidades: os aprendizes pre-
de ensino de inglês: teorias, práticas, ideologias, publicado pela Pará- cisam também de dois outros tipos de conhecimentos. É claro que
bola Editorial, cuja leitura recomendo, caso você sinta necessidade de os esquemas mentais e os processos de decodificação da informa-
revisitar ou de se familiarizar com esses e outros conceitos essenciais ção não poderiam ficar de fora deste capítulo, que trata também da
para a discussão sobre o ensino e a aprendizagem de inglês e com os questão da integração das habilidades.
métodos de ensino. A compreensão oral é a habilidade que mais desafios apresenta
O capítulo que abre este livro é "Alogística da aula", que trata de para os aprendizes brasileiros. Por isso, o capítulo 3, "O ensino da
dois aspectos importantes para o ensino de inglês. O primeiro, o pla- compreensão oral", apresenta informações e provocações que objcti
ncjarnento da aula, mostra ao professor que seu trabalho começa bem vam ajudar o professor no planejamento das suas aulas voltadas para

10 1\1110de Inglês: do planejamento à avaliação IlllrOlhJl;nll II


o dcsenvolvímento dessa habilidade. Discuto o papel que as atividades essa p('rgul\la con ctamcntc é essencial para o ensino ela cscrltu. 1':111
de pré-compreensão oral desempenham na realização das atividades s('guida, mostro a importância de o professor orientar seus alunos a
de compreensão oral. Apresento e comento quatro micro-habilidades levarem em consideração os elementos de textualidade na produção
de compreensão oral: a busca por informações específicas, o reco- de seus textos. Tradicionalmente, os professores costumam falar so-
nhecimento de palavras, a busca por ideias gerais e a inferenciação. bre a coerência textual e a coesão textual, mas é importante também
Finalizo o capítulo abordando uma questão premente nos tempos de onsiderarem os elementos pragmáticos de textualidade, i.e. a inten-
hoje: o uso dos recursos tecnológicos no ensino da compreensão oral. ionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a
Se a compreensão oral é a habilidade que mais desafios apresenta intertextualidade. Depois disso, discuto o papel das atividades de pré-
aos aprendizes brasileiros, a leitura é a que menos desafios apresen- -escrita e oito micro-habilidades de escrita: o uso correto das conven-
ta. Mas isso não significa dizer que tornar-se um leitor eficiente seja ções ortográficas e da pontuação, a ordenação correta das palavras,
uma tarefa fácil para os aprendizes. E é para tratar dessa habilidade o uso correto das regras sintáticas, a adequação do texto ao contexto
que escrevi o quarto capítulo, "O ensino da leitura", que se inicia pro- de produção e de recepção, o uso adequado dos elementos coesivos, a
blematizando a questão da coerência textual a fim de desconstruir a estruturação interna dos parágrafos, a ordenação lógica de parágrafos
concepção imanentista segundo a qual a coerência de um texto nele se e a revisão textual.
encontra. Discuto o papel das atividades de pré-leitura tendo em men- Um elemento importante para o desenvolvimento da competên-
te a questão da coerência textual. Em seguida, apresento as principais cia comunicativa dos aprendizes é o vocabulário. Quanto mais pa-
micro-habilidades de leitura: o reconhecimento dos padrões ortográ- lavras eles conhecem, mais tendem a compreender textos falados e
ficos, a busca por informações específicas, a busca por ideias gerais escritos e menos dificuldades tendem a encontrar para falar e escre-
e a inferenciação. Inevitavelmente, trago à tona três controvérsias a ver. Por isso, no sétimo capítulo, "O ensino do vocabulário", apresento
respeito das quais o professor precisa se situar, e que giram em torno formas de ensinar o significado lexical e discuto o que é necessário
dos seguintes temas: a leitura em voz alta, o uso de textos autênticos e para conhecer uma palavra. Abordo também alguns fenômenos se-
o uso de textos literários. mânticos importantes para o ensino de vocabulário e comento a im-
Outra habilidade que apresenta muitos desafios para os aprendi- portância de o professor orientar seus alunos quanto à organização
es brasileiros é a fala. Muitos deles comentam sua dificuldade de se do vocabulário a que são expostos.
tornarem fluentes. Mas, por que isso acontece? Existem barreiras psi- Inicio o oitavo capítulo, "O ensino da gramática", discutindo a na-
cológicas que interferem nesse desenvolvimento? Ler textos em voz tureza tridimensional da gramática a partir de uma proposta teórica
alta significa a mesma coisa que falar? E o que é mais importante: falar de Marianne Ce1ce-Murcia e Diane Larsen-Freeman: the pie chart. E
com fluência ou com precisão gramatical? Essas questões são tratadas como muitos professores ficam angustiados com alunos que não con-
no quinto capítulo, "O ensino da fala", no qual discuto o papel das ati- seguem, por exemplo, colocar o S nas formas verbais na 3a pessoa
vidades de pré-fala e apresento cinco micro-habilidades: a produção singular do simpLe present depois de muitas horas e até semestres de
inteligível dos sons, o uso apropriado dos elementos gramaticais e do aulas, trago à baila o problema do conhecimento inerte e articulo o
vocabulário, o uso apropriado dos registros, a realização das funções conceito de interlíngua com a discussão sobre os erros dos aprendizes.
comunicativas e o uso de estratégias de comunicação. Finalizo o capítulo discutindo duas questões sobre as quais o professor
"O ensino da escrita" é o sexto capítulo, que inicio discutindo a precisa refletir: o uso do português no ensino da gramática e a neccs
natureza da escrita: ela é um produto ou um processo? Responder a sidade de os alunos dominarem a metalinguagem.

Alllo cio ,"gIOs' do planojamento à avaliação Inlrodllçnu 1 :1


segundo esclarecimento diz respeito ao perfil deste livro: pe
o último capftulo se intitula "Avaliação do aprendizado e do en-
dagógico. Isso implica o [ato de cu não me ater a detalhes técnicos
sino". Apresento os princípios gerais de elaboração de testes e os ti-
sobre, por exemplo, a gramática da língua inglesa ou a elaboração de
pos de testes mais comumente utilizados no universo do ensino e da
testes de proficiência. Afinal, a ideia aqui não é discutir a gramática,
aprendizagem de inglês. Discuto a questão da mistura de habilidades e
mas, sim, discutir o ensino da gramática. A ideia aqui não é discutir os
o efeito washback que os testes exercem sobre a prática docente. Ob-
detalhes envolvidos na elaboração de testes, mas, sim, apresentar in-
viamcnte, eu não poderia deixar de tratar de uma questão fundamen-
formações relevantes sobre os testes que possam levar você a refletir
tal para a formação do professor: a observação das suas aulas.
sobre a maneira como avalia seus alunos. Enfim, a ideia de cada capí-
ostaria de fazer dois esclarecimentos aqui. O primeiro diz
tulo é discutir determinados assuntos do ponto de vista da formação
respeito à palavra formação. Já ouvi duas professoras universitárias
do professor, e não do ponto de vista técnico das diferentes áreas de
crit icarem esse termo, alegando que formar significa dar forma a
"Igo, moldar. Ou seja, a palavra formação teria um ranço behavioris- estudo da linguística.
Espero que este Aula de inglês: do planejamento à avaliação seja
Ia. Contudo, no meu entendimento, o ranço behaviorista se encon-
rrn nessa maneira de pensar, na crença de que alguém pode formar útil para você.
LUCIANO AMARAL OLIVEIRA
o professor. Não compartilho dessa crença. É o próprio professor Salvador, agosto de 2015.
quem se forma a partir dos cursos dos quais participa, das leituras
que faz, das conversas que tem com outros professores, das pales-
tras que ouve. Em inglês, usa-se o termo teacher training para falar
do início do processo de formação e o termo teacher deueíopment
pa ra se referir à continuação da formação do professor. Acho que
"treinamento de professores" e "desenvolvimento do professor" soam
.squísito, assim como soa estranho "educação do professor". Talvez
"desenvolvimento profissional do professor" seja uma tradução mais
adequada, mas seu uso não está consagrado na área de ensino de
inglês. Por isso, defendo o uso da palavra formação tendo em mente
que a formação do professor é um processo que o próprio professor
.ngendra, geralmente auxiliado por leituras, cursos e outros profes-
sores, que podem tranquilamente ser chamados de "formadores" a
partir da perspectiva que adoto aqui. Mas esse auxílio não passa dis-
so: um auxílio. Os méritos que um professor tem por sua formação
são dele. Um grupo de professores pode participar de um mesmo
'urso de formação, mas nem todos eles tomam a iniciativa de lerem
livros e artigos, de participarem em eventos, de refletirem sobre o
processo de ensino e de aprendizagem. Resultado: nem todos eles
se Lornam professores tão bem preparados quanto os que tomam as
récícas do processo da sua formação.

lntrcduçãn 1~)
14 fluiu clu II1gl0s: do planejamento à avaliação
Sobre o ensino
das quatro habilidades
uando um professor de inglês dá início à sua
) formação, ele costuma ouvir e ler a respeito
das quatro habilidades linguísticas: a com-
~
preensão oral, a leitura, a fala e a escrita. Há alguns
autores que preferem usar o termo macro-habilidades
pelo fato de cada uma das quatro habilidades ser, na
verdade, composta de habilidades menores, as micro-
-habilidades, Essa preferência procede, mas, pelo fato
de o termo habilidade já estar consagrado entre os
professores de inglês, eu o utilizarei aqui, mas sem
perder de vista a natureza composicional, multidi-
mensional das habilidades.
Enfatizo que, se estou admitindo a existência
das micro-habilidades, estou olhando para cada ha-
bilidade linguística a partir de uma perspectiva de
multidimensionalidade e, consequentemente, vislum-
brando a possiblidade de elas serem decompostas,
pelo menos do ponto de vista teórico. Entretanto, de
acordo com Feng Liu (2010),há teóricos que afirmam
não haver evidência disso, defendendo a ideia da uni-
dimensionalidade das habilidades linguísticas, posi-
ção rebatida por outros teóricos que acreditam que
elas sejam passíveis de serem decompostas. Como
não há evidência irrefutável para uma posição nem
para a outra, continuarei aqui seguindo a tradicional

CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habilidaclos 45


tendência de pensar as habilidades linguíslieas a partir de uma pers- pos estruturalistas acerca da suposta incxistência do significado íuc
pectiva multidimensional, Além do mais, vale lembrar: a análise, a de- ral e da suposta superioridade dos direitos do leitor (c, por extensão,
omposição teórica de objetos de estudo, é importante para se atingir do ouvinte) sobre os direitos do texto. Portanto, que isto fique bem
um maior entendimento acerca desses objetos. Por exemplo, não po- claro: receptiva e passiva não são sinônimos.
demos conceber o coração separado dos rins, mas um cardiologista Vale lembrar que há uma importante área de estudos que incor-
e um nefrologista fazem essa separação para melhor compreenderem pora em seu nome a palavra recepção e cujo foco está exatamente
cada um desses órgãos. Não podemos conceber a separação dos sons, na produção de sentidos. Refiro-me à estética da recepção, também
dos sinais gráficos e dos significados das palavras, mas um foneticista, chamada de teoria da recepção, na qual se destacam teóricos como
um morfologísta e um semanticista realizam tal separação para melhor Wolfgang Iser, Jonathan Culler, Umberto Eco e Stanley Fish (este, um
compreenderem determinados fenômenos linguísticos. Analogamente, ex-pós-estruturalista radical no que diz respeito à defesa dos direi-
faz sentido pensar na análise da fala, da escrita, da compreensão oral e tos do leitor e à crítica veemente ao estatuto teórico do significado
da leitura para melhor compreender seu desenvolvimento e vislumbrar literal'). Não é interessante? A estética da recepção dá foco à produção
as formas mais eficazes de tratá-Ias na sala de aula. de sentidos. Portanto, ao me referir a uma habilidade com o adjetivo
Há algumas décadas, teóricos e professores de línguas estran- receptiva, não estou significando com isso que ela seja passiva. Muito
geiras costumavam dividir as quatro habilidades linguísticas em pelo contrário: claramente, as quatro habilidades exigem mobilizações
dois grupos: as passivas, i.e., a compreensão oral e a leitura, e a as cognitivas e isso implica que falar, escrever, ler e compreender um tex-
ativas, i.e., a fala e a escrita. Hoje, com os avanços das pesquisas em to falado requer o engajamento ativo do sujeito usuário da língua. O
psicolinguística e em linguística aplicada, a maior parte dos teóri- adjetivo receptiva simplesmente nos remete à ideia de que o usuário da
língua encontra-se na posição de quem recebe e interpreta um texto
cos e professores se conscientizou de que não existe passividade
em nenhuma dessas habilidades. Pelo contrário, nós realizamos um escrito ou falado produzido por outro sujeito.
Ah, um comentário importante antes de seguir adiante: neste li-
esforço cognitivo grande para desenvolvermos as quatro habilidades
vro, considero as habilidades linguísticas sob uma perspectiva ortodo-
independentemente de estarmos falando da língua materna ou de
xa, ou seja, considero apenas as quatro habilidades tradicionalmente
uma língua estrangeira. Basta observar uma criança brasileira ad-
abordadas nos livros sobre ensino e aprendizagem de inglês. Esse co-
quirindo português, labutando com fonemas, conjugações e concor-
mentário se deve ao fato de Larsen-Freernan (2003) propor uma quinta
dâncias para ter ideia do esforço por ela empreendido. Compreender
habilidade, que ela chama de grammaring e que diz respeito ao uso
o que ouvimos, expressar oralmente o que pretendemos, entender o
fluente e preciso da gramática. Apesar dos argumentos interessantes
que lemos e expressar por escrito o que pretendemos são atos cog-
que ela apresenta, considero a gramática como um elemento constitu-
nitivamente complexos, que exigem a mobilização de tipos distintos
tivo da língua e não como uma habilidade linguística.
de conhecimentos.
Bem, para tratar de cada uma das quatro habilidades nos próxi-
Contudo, podemos dividir as habilidades em dois grupos: as re-
mos capítulos, preciso fazer algumas considerações sobre uma confu-
ceptivas, i.e., a compreensão oral e a leitura, e as produtivas, i.e., a fala
são que toma conta da cabeça de muitos professores por causa de dois
e a escrita. Talvez alguém torça o nariz e, indignado, me faça estas
termos: estratégia e habilidade. Aliás, esses termos confundem não
três perguntas, assim em sequência, sem sequer respirar: "Receptivas?'
só a cabeça de professores, mas também a de vários autores, que os
Como assim receptivas?! Isso não dá no mesmo que falar passivas?!".
Certa vez, um estudante de letras me fez essas perguntas, indignado,
Caso você queira ler mais sobre a questão do estatuto teórico do significado literal
eom a revolta teórico-conceitual estampada em seus olhos. Ele prova- e do papel do leitor na produção de sentidos textuais, sugiro a leitura do sétimo capüulo
velmente estava influenciado por tudo o que ouvira e lera de teóricos de Manual de semântica (Oliveira, 2008).

46 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habilldntlu 4/
utilizam como sinônimos, o que demonstra a dificuldade de se diferen- se instaura entre o ensino búsico da língua e o treinamento no uso
ciarem estratégias de habilidades. Sobre esses dois conceitos, tecerei, de estratégias: se decidir realizar o treinamento sistemático dos seus
a seguir, algumas considerações para que possamos tratar dos conhe- alunos no uso de estratégias, o professor acabará tendo menos tem-
cimentos necessários para o desenvolvimento das quatro habilidades po para o ensino de inglês propriamente dito. Renandya cita Michacl
linguísticas. Na sequência, abordarei o conceito de esquemas mentais Swan para corroborar esse ponto:
e os processos de decodificação da informação. Finalizarei este capí-
Ao mesmo tempo em que o treinamento no uso de estratégias pode ser
tulo tratando da integração dessas habilidades.
útil e contribuir para a independência do aprendiz, ele pode ser levado
a extremos não construtivos; e tal treinamento não substitui o ensino
2.1 Pequena confusão conceitual: básico da língua (Swan, 2008 apud Renandya, 2012: 4).
estratégias ou habilidades?
Embora Renandya esteja falando especificamente do treinamento
o início dos anos1990 presenciou um modismo que tomou conta no uso de estratégias de compreensão oral, suas considerações são ex
de vários cursos de inglês no Brasil: o treinamento dos aprendizes no tensíveis ao treinamento dos aprendizes no uso das outras estratégias.
uso de estratégias. Havia a crença de que tal treinamento os levaria E essas duas razões explicam o declínio do interesse pelo treinamento
a níveis mais avançados de proficiência na língua inglesa. E a crença no uso de estratégias. Afinal, não apenas continuam inexistindo evi
continuou como crença, pois, até hoje, não há um estudo longitudinal, dências oriundas de pesquisas que comprovem a relação causal entre
não impressionista, que tenha sido feito para estabelecer uma relação esse treinamento e o desenvolvimento da proficiência, mas também
causal entre o desenvolvimento da proficiência e o treinamento no uso persiste a questão da alocação do tempo de aula.
de estratégias. Não por acaso, o interesse pelo treinamento no uso de Assim como Renandya, diversos outros teóricos contribuíram
estratégias arrefeceu, embora o termo estratégia tenha se mantido ra- com essa profusão de artigos e livros sobre estratégias. Que professor
zoavelmente popular entre professores de inglês, cristalizando-se em de inglês nunca ouviu falar de estratégias? O termo estratégia já foi ou
suas mentes. vido ou lido por quase todos, senão por todos os professores, mesmo
Em 2012, Willy Renandya publicou um artigo cujo título é bastan- que não saibam exatamente o que ele significa.
te instigante no que diz respeito à suposta utilidade do treinamento Curiosamente, muitos professores falam de estratégias, mas, na
de aprendizes com um baixo grau de proficiência no uso de estraté- maioria das discussões em torno do treinamento dos aprendizes no
gias de compreensão oral: "Five Reasons why Listening Strategy Ins- uso de estratégias, uma questão muito importante escorrega para o
truction Might not Work with Lower Proficiency Learners", A vagui- segundo plano e por lá fica, inerte e silenciosa: a definição de estra-
dade da frase lou: proficiency não pode ser ignorada aí, mas podemos tégia. É esse escorrego a causa da tal confusão na cabeça de profes-
intuitivamente considerar baixa proficiência aquela dos aprendizes sores que menciono no início deste capítulo. Por exemplo, a busca por
que se encontram nos níveis iniciantes e intermediários. Dentre as informações específicas em um texto e a inferência a partir de uma
cinco razões apresentadas, destaco duas. A primeira é a falta de evi- conversa são estratégias ou micro-habilidades? Depende. Há alguns
dência empírica de que o treinamento no uso de estratégias funcione. professores e teóricos que as consideram estratégias, enquanto ou-
De acordo com Renandya, há estudos que demonstram uma correla- tros as consideram micro-habilidades. Assim fica difícil, né?
ção entre o uso de estratégias e o nível de proficiência. Entretanto, O termo estratégia costuma ser usado com tanta inconsistên
"como correlação não é causação, não se pode dizer, com alto grau cia que encontramos definições como esta no site do National Capital
de certeza, que o uso de estratégias leve a uma proficiência elevada" Language Resource Center: "Estratégias de compreensão oral são téc
(Renandya, 2012: 3). A segunda razão é a competição por tempo que nicas ou atividades que contribuem diretamente para a comprecnsao

48 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro hablliclfl(lI 4
recordação do input oral'". Conceber estratégias como técnicas ou que vocc já percebeu o problema aí, né? Em inglês, há duas palavras
atividades é difícil de aceitar. A mesma inconsistência marca o uso do que podemos traduzir como 'habilidade': skiLL e ability. O MacmiL/cttt
termo habiLidade. Eis uma definição, formulada por Debra Peterson I)ictionary define skiLL como sendo "the ability to do something weU,
(2014), que evidencia isso: "Uma habilidade de compreensão é uma ati- usuaLLy as a result of experience and training"3 e define ability como
vidade que os alunos realizam com o propósito de aprender aspectos sendo "the fact of being able to do somethínq'". Talvez isso aponte um
do texto como a ideia principal ou causa e efeito". Conceber habilida- aminho para traduzirmos a definição oferecida por Liu, se traduzir'
des como atividades é complicado e difícil de aceitar. Além do mais, mos skill como 'habilidade' e abiLity como 'capacidade': "Habilidade é a
se o propósito em questão é aprender algo, então estamos falando de apacidade que foi automatizada e que opera amplamente de maneira
estratégias e não de habilidades. inconsciente, enquanto estratégia é um procedimento realizado com o
Peter Afflerbach, Paul David Pearson e Scott Paris (2008: 364) di- objetivo de resolver um problema".
vulgaram os resultados de uma pesquisa sobre estratégias de leitura e Já Afflerbach, Pearson e Paris oferecem as seguintes definições d
habilidades de leitura que evidenciam essa inconsistência: "Os termos estratégias de leitura e de habilidades de leitura, reforçando o ponto
habilidades e estratégias são parte do vocabulário usado pelos profes- que defendo:
sores para descrever o que eles ensinam e o que as crianças aprendem.
Contudo, apesar do uso frequente no discurso profissional, os termos Estratégias de leitura são tentativas deliberadas e direcionadas a uma

são usados inconsistentemente". Acredito que a inconsistência decorre meta para controlar e modificar os esforços do leitor para decodifica r
o texto, entender as palavras e construir sentidos para o texto. Habili-
do fato de estratégias e habilidades estarem fortemente imbricadas,
dades de leitura são ações automáticas que resultam na decodificação rv
estreitamente relacionadas.
na compreensão com velocidade, fluência, e geralmente ocorrem sem a
E aí? O que fazer para evitar essa confusão terminológica? Fiquei
consciência acerca dos componentes ou controle envolvidos (Afflerbach;
pensando nisso e em como ajudar você a se situar nessa história. En-
Pearson; Paris, 2008: 368). I
tão, visitei alguns artigos na busca de posições mais esclarecedoras
sobre o tema e percebi que parece haver unanimidade quanto ao ele- Ao participarem da discussão acerca das estratégias e habili-
mento que diferencia estratégias de habilidades: o grau de consciên- dades, Afflerbach, Pearson e Paris (2008) não se limitaram a tentar
cia do indivíduo no momento de realizar atos linguísticos, como ler e diferenciá-Ias. Eles forneceram uma aproximação entre elas: o fato
escrever. Clark Chinn e Lisa Chinn (2014), por exemplo, afirmam que de o ensino das estratégias poder e dever levar os alunos a trans-
as habilidades são diferentes das estratégias "por serem realizadas de formarem-nas em habilidades, mais especificamente em micro-habi-
forma automática, enquanto as estratégias geralmente exigem que os lidades, em ações fluentes e automáticas. Em outras palavras, para
indivíduos pensem a respeito de qual estratégia estão usando". esses teóricos, as estratégias são ações planejadas e conscientes usa-
Liu (2010: 154) faz uma revisão da literatura sobre estratégias e
das por um indivíduo para atingir determinado propósito e as habi-
habilidades e chega à mesma conclusão, que transcrevo em inglês para
lidades são ações automáticas e inconscientes das quais o indivíduo
apontar outro problema termino lógico que enfrentamos ao lidar com
lança mão para atingir esse mesmo propósito. Consequentemente, no
essa discussão em português: "A skiLLis an ability which has been uu-
entendimento deles, uma mesma ação pode ser uma estratégia num
tomatized and operates largely subconsciously, whereas a strategy is
a conscious procedure carried out in order to solve a problem". Creio
Confira essa definição em: <http//www.macmillandictionary.com/dictionary/
american/skill#skill_ 4>; acesso: 5 jun. 2015.
Cf. o texto Strategies for Developing Listening Skills. Disponível em: <http.zywww. 4 Confira essa definição em: <http//www.macmillandictionary.com/dictionary/
nclrc.org/essentials/listening/stratlisten.htm>; acesso: 5 jun. 2015. american/ability#ability_5>; acesso: 5 jun. 2015.

50 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO2 I Sobre o ensino das quatro habilidad !lI

\
momento do processo de aprendizagem e transformar-se numa habi- [...] é frequentemente difícil para os pesquisadores empregarem o rnéto
lidade num momento posterior do processo de aprendizagem por se do padrão de observação. Portanto, muito da pesquisa sobre as estraté-
tornar uma ação automática. gias de aprendizagem de línguas depende da boa vontade e da capacida-
Vejamos um exemplo disso. Um professor que dá aulas a uma tur- de dos aprendizes de descreverem seus comportamentos internos, tanto
ma de iniciantes ensina a seus alunos a buscarem informações espe- cognitivos quanto afetivos (emocionais).
íficas em um texto escrito. Ele lhes diz que devem ter claro em suas Em outras palavras, as pesquisas sobre estratégias não podem ser
mentes as informações que precisam localizar no texto para, então, realizadas por meio da observação direta porque estamos falando aqui
estabelecerem palavras-chave que servirão de norte para sua busca, de processos mentais. Por isso, elas dependem da boa vontade e da
mostrando-lhes ser desnecessário, nesse caso, ler o texto em sua to- capacidade dos aprendizes de falarem sobre tais processos. E isso não
Lalidade. Nesse momento, podemos afirmar que o professor está reali- é algo muito interessante para a credibilidade das pesquisas, embora
ando um trabalho de apresentar aos alunos uma estratégia de leitura. não as torne desmerecedoras de credibilidade.
Com o passar do tempo, espera-se que eles automaticamente sigam A impossibilidade de observação direta não é suficiente para ig-
esse plano de ação para buscarem informações específicas em um tex- norarmos o que já se pesquisou e escreveu sobre as estratégias. Pelo
to escrito. Se eles fizerem isso, podemos afirmar que aquela estratégia contrário, devemos aproveitar o que for útil para ajudar nossos alunos
se transformou em uma micro-habilidade. a aprenderem inglês da maneira mais eficaz possível. E isso se mate-
Em suma, fica claro que a questão da consciência e da automa- rializa no nosso planejamento de aula: sempre que houver uma opor-
ção é o que distingue estratégia de habilidade. Logo, é seguro afirmar tunidade, o professor deve incluir na sua aula um componente de trei-
que as estratégias representam intenções, processos deliberadamen- namento no uso de estratégias. Mas é importante não perder de vis-
te planejados, controlados e conscientes, enquanto que as habilidades ta que, embora viável, isso provoca uma competição por tempo entre
representam ações, processos automáticos e inconscientes. Creio que o treinamento sistematizado no uso de estratégias, que requer aulas
isso ajuda você a sair daquela confusão teórica. inteiras para ser realizado, e o ensino básico de inglês, que também
Contudo, embora muito se tenha pesquisado acerca da relação requer aulas inteiras. Por isso, o treinamento pode ser salutarmente
entre o treinamento no uso de estratégias e a proficiência no uso da incidental e acontecer nos momentos da aula em que seus alunos apre-
língua, e embora muito se tenha escrito sobre estratégias, há um pon- sentem alguma dificuldade que crie uma oportunidade para o profes-
to cego que não pode ser desconsiderado: a natureza escorregadia do sor falar sobre uma estratégia útil para superar tal dificuldade.
conceito de estratégia por não estar sedimentado em uma fundamen- Nas discussões sobre estratégias, geralmente elas são divididas em
tação teórica sólida. Sima Khezrlou (2012: 50), citando Peter Skehan e metacognitivas e cognitivas. Jennifer Livingston (2014) define estraté-
Zóltan Dõrnyeí, lembra que "é questionável a possibilidade de as estra- gias metacognitivas como os "processos sequenciais que um indivíduo
tégias cognitivas serem determinadas em termos de comportamentos usa para controlar atividades cognitivas e assegurar que uma metacog-
observáveis, específicos e universais que poderiam ser ensinados ou nitiva (e.g., entender um texto) seja atingida. Esses processos ajudam a
avaliados". Khezrlou (2012: 51) complementa: "A ambiguidade e a vaguí- regular e a supervisionar o aprendizado e consistem no planejamento e
dade que marcam a natureza das estratégias de aprendizagem de lín- no monitoramento de atividades cognitivas e na verificação dos resul-
guas leva a uma controvérsia a respeito dos vários modos de percebê- tados dessas atividades". Já Chinn e Chinn (2014) definem estratégias
-Ias em diferentes tarefas sob condições diversas". Rebecca Oxford e cognitivas como os "processos mentais ou procedimentos usados para
Judith Burry-Stock (1995: 153), defensoras notórias do treinamento no atingir uma determinada meta cognitiva". Grosso modo, podemos r"-
LISO de estratégias, não negam esse problema: sumir essas definições desta forma: as estratégias metacognitivas suo

Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habillclll(lu !l,
empregadas pelo aprendiz para garantir que as estratégias cognitivas A organização do vocabulário é um exemplo de estratégia cogní-
por ele empregadas sejam bem-sucedidas. Já as estratégias cognitivas tiva essencial para a internalização de itens lexicais. Quando comecei
S<lO aquelas empregadas por ele para aprender com sucesso. a estudar inglês, eu tinha um caderno em que organizava listas de pa-
A busca consciente de oportunidades de aprendizagem e de prá- lavras por categorias semânticas. No período de recesso e nas férias,
tica é um exemplo de estratégia metacognitiva. Há aprendizes que eu visitava as listas e as traduzia para saber se lembrava de tudo. Fiz
têm a iniciativa de procurar tais oportunidades, mas há aqueles que isso durante quatro anos, o que me ajudou muito a internalizar itens
acreditam que apenas ir às aulas basta para aprenderem inglês. É aí lexicais. Entretanto, há aprendizes que não sabem que organizar o vo-
que o professor entra em cena, sugerindo a seus alunos que busquem cabulário ao qual são apresentados e revisá-lo sistematicamente são
oportunidades como, por exemplo, atividades extras que o instituto de estratégias importantes para seu aprendizado. Por isso, o professor
idiomas ofereça: aulas de conversação e de música; eventos em que a precisa orientar seus alunos a fazerem isso.
língua inglesa seja utilizada; o uso da legenda em inglês ou a retirada Outro exemplo de estratégia cognitiva é o resumo de conteú-
da legenda de filmes e séries a que assistem em casa. Ao fazer isso, ele dos. Manter um caderno em que se coloquem resumos dos assuntos
ajudará aqueles alunos que não têm consciência da importância dessa gramaticais estudados e das informações sobre os gêneros textuais
estratégia a se tornarem conscientes delas. estudados é importante para a fixação dos assuntos no momento de
Outro exemplo de estratégia metacognitiva é o planejamento para revisá-los. E a revisão estruturada é outra estratégia cognitiva. O pro-
fessor tem o papel importante de incentivar seus alunos a tomarem
a realização de tarefas. O professor precisa orientar seus alunos acerca
conhecimento dessas estratégias.
de como estudar para melhor aproveitar o curso de inglês. Ele pode
Um último exemplo de estratégia cognitiva é a repetição de pala-
lhes sugerir, por exemplo, que reservem um tempo todo dia para as
vras e frases, algo importantíssimo para o desenvolvimento da fluência
atividades extrac1asse e que sempre tenham em mente um objetivo na
do aprendiz. Obviamente, isso é algo a ser feito fora da sala de aula
realização de leituras e na produção textual.
como parte do seu aprendizado. De novo, vem à tona o caso dos alu-
O monitoramento do desempenho e a avaliação da aprendizagem
nos que acreditam que só precisam ir às aulas para aprenderem inglês
são outros exemplos de estratégias metacognitivas. Eu tive um aluno
e, assim, acabam não usando o tempo fora da aula para intensificar o
particular que estava se preparando para realizar o TOEFL. Eu costu-
processo de aprendizagem. E o professor precisa conversar com seus
mava lhe designar atividades para casa. Ele não apenas era disciplina-
alunos sobre essa estratégia cognitiva.
do, pois realizava todas elas, como também lançava mão dessas estra-
Creio serem suficientes, para nossos propósitos, as considerações
tégias metacognitivas. Ele me dizia sempre na aula seguinte: "Fiz essa
que teci até aqui. Os capítulos 3, 4, 5 e 6 tratam, cada um, de uma das
atividade, acertei tantas questões e errei tantas questões. Entendi por quatro habilidades linguísticas e, neles, abordo algumas micro-habi-
que errei as questões tal e tal, mas ainda tenho dúvidas sobre isso e lidades envolvidas em cada uma delas, mas evito falar de estratégias.
aquilo". Era fantástica a autonomia dele. A seguir, discuto outra questão muito importante: os tipos de co-
Infelizmente, muitos aprendizes não são assim - alguns, por pre- nhecimentos necessários para que os aprendizes desenvolvam as qua-
guiça e falta de vergonha acadêmica na cara; outros, por não terem tro habilidades linguísticas.
consciência dessas estratégias. Eu já tive alunos para quem perguntei
como estavam indo no curso que me responderam: "Você é que é o
2.2 Conhecimentos necessários para o desenvolvimento
professor. Você é quem tem de dizer como eu estou". Novamente, é aí
das quatro habilidades
que o professor entra em cena, reservando uma aula ou parte de algu-
mas aulas para ajudar seus alunos a se tornarem conscientes da neces- Começo esta seção com uma pergunta: o que significa: 0tJ.t.J!)
sidade de eles próprios monitorarem e avaliarem seu aprendizado. cn.tMld:W-r'-g-;fn? Não sabe? Hum ... E se eu colocar isso em letras do

1'4 Aula do inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro hnbllldlltlUA Ia
nosso alfabeto'? Vejamos: AnaLa no o namae wa nan desu ka? Se, por têm mais chances de tomarem a iniciativa para criarem oportunidades
acaso, você continua sem saber o que isso significa, eis uma pergunta de aprendizagem. Conforme vimos na seção anterior, o professor tem
que significa basicamente a mesma coisa, em outra língua, que pode o importante papel de motivar seus alunos a utilizarem estratégias
ajudar você: KaKsac 30ByT?Se isso não ajuda, eis a forma de dizer a cognitivas que contribuam para a construção de seus conhecimentos
mesma coisa numa terceira língua: Wie heifien Sie? E aí? Sabe o que linguísticos, como, por exemplo, a elaboração de listas de palavras e
ssas perguntas significam? de expressões idiomáticas, o uso de gramáticas pedagógicas e o uso
Minha intuição me diz que algumas leitoras e alguns leitores sa- de dicionários para o aprendizado da pronúncia (algo que atualmente
bem que essas perguntas equivalem a What's your name? em japonês, é facilitado pelos dicionários online, que disponibilizam não apenas os
em russo e em alemão respectivamente. Vou além e arrisco-me a afir- significados e a transcrição fonética das palavras, mas também o áudio
mar que a maioria das leitoras e dos leitores deste livro não sabia disso. de sua pronúncia).
E essa maioria não sabia por uma razão específica: ela não possui os Não há dúvida da importância do papel dos conhecimentos lin-
CONHECIMENTOS LINGUÍSTICOS necessários para decodificar pala- guísticos no desenvolvimento da competência comunicativa do apren-
vras escritas em japonês, em russo ou em alemão. diz. Contudo, tais conhecimentos são insuficientes: mesmo os apren-
Os conhecimentos linguísticos englobam os conhecimentos se- dizes com alto grau de conhecimentos linguísticos podem ter dificul-
mânticos, lexicais, morfológicos, sintáticos e fonológicos acerca de de- dades para compreender ou para produzir um texto falado ou um tex-
terminada língua. Isto é básico: sem conhecimentos linguísticos sobre to escrito. E por que isso acontece?
uma língua, a pessoa não consegue ler, escrever, falar ou compreender Vejamos um exemplo que pode nos indicar o caminho de respos-
enunciados produzidos nessa mesma língua. Nenhum professor de in- ta a essa pergunta. Imaginemos que o texto a seguir, retirado de um
glês há de discordar disso. material de divulgação da empresa havaiana Snorkel Bob, disponível
Obviamente, um cidadão japonês, um russo e um alemão ou um no site <www.snorkelbob.corn>, seja apresentado a aprendizes de nível
austríaco, mesmo sendo analfabetos, entenderiam, respectivamente, avançado que vivem em uma pequena cidade interiorana e que nunca
cada uma das perguntas no primeiro parágrafo se as ouvissem. Isso tiveram a oportunidade de viajar a uma cidade litorânea:
quer dizer que uma pessoa analfabeta tem conhecimentos linguísticos
para compreender textos falados e para falar, mas não possui conhe-
Welcome to snorkelbob.com and the best masks, fins and
cimentos linguísticos para ler ou escrever. Portanto, podemos pensar
snorkels in the world. You want to make reservations here for
em graus de conhecimentos linguísticos, que, por sua vez, indicam ní- your Hawaii adventure too? Worry not!
veis distintos de competência comunicativa. Por exemplo, um turista
que esporadicamente vai à Inglaterra precisa ter um grau de conheci- My masks, fins and snorkels come from decades of testing in the
mentos da língua inglesa inferior ao grau de conhecimentos da língua largest research facility on Planet E.YES! I, Snorkel 8ob, learned
inglesa que um aprendiz precisa ter para fazer o doutorado em uma what to do from 3 million snorkelers through the 80's and 90's
universidade britânica. and OO's.These mask skirts are crystal sili-
É importante o professor ajudar seus alunos a se conscientizarem cone - surgical grade! I, Snorkel 8ob, can
do papel que os conhecimentos linguísticos desempenham na cons- spend a clam or 2 more and STILL build
trução da competência comunicativa. Afinal, quanto mais palavras e cheaper than the mass producers - like,
estruturas sintáticas eles internalizarem e aprenderem a usar, mais say, U.S. Divers building for Costco. Do
conseguirão entender textos falados e escritos e mais conseguirão ex- you really want to snort seawater and call
pressar-se oralmente e por escrito. Tendo consciência disso, os alunos it economical? Or would you rather have a SUMOTM

6 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro hobilidados 57
m.isk that WOf1'tyellow, that will stay solt as silk and snug your snorkeltcnha originado o estrangeirismo snorkel, já parte integrante
muo with hardly an oz of pressure? do vocabulário do português brasileiro e que já está dicionarizado,
Did I, Snorkel Bob, mention high-density polymers, no pvc,
os alunos que não sabem o que é mergulho de snorkel encontrariam
compression-molded sub-frames (c-m s-f) and Optic sphero-
dificuldades para entenderem o texto de Snorkel Bob, um empresário
sis (Os)? AND I, Snorkel Bob'll warrant these masks for 2 years
havaiano.
(save your receipt). At 2 feet or 200, the SUMOTM, SEAMOTM,
Esses mesmos alunos provavelmente teriam dificuldades para
MIDMOTM, SEAMO BETIATM and LI'L MO BETIATM top the mo- compreender um texto falado, como o diálogo que apresento a seguir,
dality graphs. NOBODY GIVES YOU MORE BANG FOR YOUR
por falta de conhecimentos linguísticos e enciclopédicos:
BUCK THAN ME, SNORKEL BOB! THE-
SE MASKS WILL OUTLlVE YOU, EVEN IF - Hi, Sean.
YOU DON'T DROWN!
- Hey, dude. What's up?
MOFLEXTM Fins are simply the best per-
- Not much. I'm on my way to Molokai. l'rn going snorkeling.
forming snorkel fins anywhere. And the
I hear there's a lot of different fish and eels there.
patent pending MoflO2™ Snorkel feels
like breathing in a forest compared to - Oh, yeah. And the coral reefs there are awesome! You're
the stuffy elevator available with any ganna lave it. Have fun!
other snorkel. I, Snorkel Bob, have no re-
MOFLEXTMFINS - Thanks, mano Take care.
ceptionist, no water cooler, no secretary
and no dictation. lt's only her, Catfish, and me, Snorkel Bob, get- - See ya.
ting it right with real value for you.

NOTE: Name brands sell at discount stores cheap as dirt, but


Os conhecimentos enciclopédicos englobam desde conhecimen-
it's garbage. Go to the top on any brand, and you'll see pricing
tos gerais até conhecimentos específicos de determinado campo de
20-40% higher than here - for tribute. Phooey, say I, SB. But
estudos. É curioso observar que, embora absolutamente nenhum pro-
enough of the nay say. Here is THE BEST from the only snorkel
fessor se esqueça do papel dos conhecimentos linguísticos nos usos
gear builder in the world a mere step & a stumble from the
da língua, há professores que se esquecem do papel que os conheci-
ching ch ching to the reef. Now who's gonna know what works
mentos enciclopédicos desempenham nesses usos. Quando esse es-
and what won't? quecimento ocorre, e os alunos sentem dificuldade para realizar uma
atividade pelo fato de ela focar um tema não familiar a eles, o professor
~M;~ deixa de entender a verdadeira razão pela qual eles sentem dificuldade
e acredita erroneamente que a dificuldade é causada pela falta de co-
Podemos prever as dificuldades que esses alunos teriam na leitu- nhecimentos linguísticos deles.
ra do texto causadas não apenas por falta de conhecimentos linguís- Agora imaginemos uma turma de nível ainda mais avançado. Me-
Licos relacionados a itens lexicais pouco frequentes para os apren- lhor: imaginemos um grupo de professores de inglês, fluentes, com
dizes brasileiros como snug, OZ, high-density polymers, compression- um elevado nível de proficiência. Você faz parte desse grupo, ao qual
molded sub-frames, Opctic spherosis e ching ch ching, mas também eu solicitarei que escreva um exemplo dos seguintes gêneros textuais:
por falta de CONHECIMENTOS ENCICLOPÉDICOS. Embora a palavra biU of sale, prenuptial agreement, power of attorney, research prOT)()SIII.

8 1\1110do inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro hnllllldllclll6 59
lntuitivamcntc, posso afirmar que os professores leriam dificuldad o professor precisa preparar seus alunos para ela. Abordarei isso deta-
('111redigir a maior parte desses gêneros. E por que haveria dificulda- lhadamente nos capítulos dedicados a cada uma das habilidades, mas,
de para a produção desses gêneros? Seria por faltar aos professores a seguir, trato de dois elementos fundamentais para o ensino das qua-
rn questão conhecimentos linguísticos ou conhecimentos enciclopé- tro habilidades: os esquemas mentais e os processos de decodificação
dicos? Não exatamente. A razão residiria na falta de CONHECIMEN- da informação.
TOS TEXTUAIS dos professores, os quais englobam os conhecimentos
acerca dos gêneros textuais e dos elementos de textualidade. Afinal,
2.3 Esquemas mentais e os processos de decodificação
para que possam redigir, por exemplo, powers of attorney ou research
da informação
proposals, eles precisam estar familiarizados com a estrutura, a lin-
guagem prototípica e a função social desses dois gêneros textuais. A No filme Como se fosse a primeira vez, Lucy Whitmore, a perso-
lógica inversa se aplicaria se eu solicitasse a esses professores que re- nagem interpretada por Drew Barrymore, tem um problema curioso:
digissem gêneros mais frequentes como, por exemplo, personalletters, após sofrer um acidente de carro em que leva uma pancada na cabeça,
notes e essays, ou produzissem gêneros orais mais frequentes como, passa a sofrer de um tipo de amnésia que a faz esquecer os aconteci-
por exemplo, jokes, fairy tales e urban legends. E seria inversa essa ló- mentos do dia anterior. Já pensou se nós simplesmente nos esquecês-
gica exatamente pelo fato de tais professores provavelmente terem os semos das coisas que aprendemos no dia anterior, se não armazenás-
conhecimentos textuais necessários para produzirem esses gêneros. semos os conhecimentos que construímos e tivéssemos de aprender
Um ponto importante a ser esclarecido aqui é a separação teórica tudo novamente a cada dia? Seria terrível; seria um verdadeiro traba-
que faço entre os três tipos de conhecimentos, que juntos constituem lho de Sísifo.
os CONHECIMENTOS PRÉVIOS dos usuários da língua. Tal separação Felizmente a realidade é mais generosa com a gente, pois os co-
é um artifício analítico que facilita a apresentação de cada um deles. nhecimentos que construímos ao longo da vida não se perdem: eles
Que fique claro que os conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e ficam armazenados em nossas mentes. E esse armazenamento ocor-
textuais entrelaçam-se, imbricam-se e são mobilizados simultanea- re na forma de ESQUEMAS MENTAIS (ou apenas ESQUEMAS)5, que,
mente pelo usuário da língua no momento da recepção e da produção segundo George Yule (1996: 85-86), são estruturas de conhecimentos
de textos. É possível, portanto, perceber que os conhecimentos enci- preexistentes na memória. O termo preexistente aí tem como ponto de
clopédicos implicam conhecimentos linguísticos e conhecimentos tex- referência o ato da recepção ou da produção do texto.
tuais a eles relacionados. Por exemplo, uma advogada conhece gêneros A estruturação dos conhecimentos na mente é objeto de estudo
textuais como petição, contestação e sentença, e domina o jargão ne- da teoria dos esquemas. Chris Anson, Ellen Bommarito e Jeffrey Deu-
cessário para elaborar textos que circulam na forma desses gêneros ser (1983: 197) citam Frederic Bartlett, psicólogo que propôs essa teoria
na esfera jurídica. Em suma, os tipos de conhecimentos são acionados nos anos 1930, para esclarecer um ponto importante: nosso passado é
simultaneamente pelos usuários da língua inglesa. "representado em esquemas: massas ativas e organizadas de informa-
Entretanto, apesar dessa imbricação, durante o planejamento ções em constante desenvolvimento". Em outras palavras, os esquemas
das aulas, o professor precisa considerar cuidadosamente a possibi- mentais são estruturas dinâmicas. Concebê-los dessa forma é impor-
lidade de a falta de um tipo de conhecimento dificultar a realização tante porque isso mostra que os conhecimentos que vamos construin-
das atividades que objetivam auxiliar os alunos a desenvolverem sua do ao longo do tempo podem alterar os esquemas mentais que possuí-
competência em cada uma das quatro habilidades. Essa consideração mos. Por exemplo, em meados dos anos 2000, mediei uma oficina d
é essencial para ele decidir se deve realizar certa atividade ou se deve
modificá-Ia para realizá-Ia ou se deve descartá-Ia. Decidindo realizá-Ia, Em inglês, schema (singular) e schemata (plural).

60 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habllid(l(lus
textos tendem a deixar de fora boa quantidade de informações, prcssu
aperfeiçoamento de professores do Estado da Bahia no Instituto Anísio
pondo que os leitores fornecerão os detalhes a partir de seus próprios
Tcixeira. Eu estava falando sobre esse tema e pedi aos cursistas que
squemas mentais.
me dissessem o que vinha às suas cabeças quando ouviam a palavra
funeraL. Eu estava querendo apenas dar um exemplo de um esquema O professor precisa orientar seus alunos a sempre considerarem
mental conhecido, FUNERAL, para mostrar-lhes a prototipicidade dos os esquemas mentais de seus interlocutores no momento de produ-
lementos que constituem os esquemas. Ouvi o que eu esperava: cai- zirem textos escritos e falados. E ele deve levar em consideração os
xão, defunto, cemitério, missa, velas, flores, choro, tristeza. E, curiosa- esquemas mentais dos seus alunos no momento de planejar suas aulas.
mente, ouvi o que eu não esperava, pois duas cursistas disseram que Pelo fato de os esquemas mentais serem dinâmicos e poderem
também vieram às suas mentes elementos como comida, bebida, ca- variar de pessoa para pessoa, podemos prever, mas sem poder garan-
fezinho, jogo de dominó, jogo de baralho e bate-papo, os quais não fa- tir, que os usuários da língua não mobilizarão exatamente as mesmas
iam parte do meu esquema mental FUNERAL. Eu estranhei aquelas res- informações que nós mobilizamos. Em outras palavras, os usuários da
postas. Porém, as duas cursistas me explicaram que é dessa forma que língua podem ter esquemas mentais construídos de maneiras dife-
os funerais acontecem na sua cidade de origem. Foi aí que finalmente rentes, o que os faz mobilizar informações mais ou menos diferentes
ntendi a expressão beber o defunto. E foi aí que o esquema mental ao ouvirem uma palavra que os remete a determinado esquema men-
FUNERAL que eu armazenara em minha mente modificou-se para aco- tal. Por exemplo, ao ouvir a palavra restaurant, a maioria dos falan-
modar aquelas novas informações, evidenciando a natureza dinâmica tes de inglês imediatamente ativa o esquema RESTAURANT, que os faz
dos esquemas mentais. mobilizar os elementos associados a esse esquema: waitress, waiter,
E o que os esquemas mentais têm a ver com o ensino das quatro menu, food, beverage, biH, tip, table, fork, knife, dish, dessert etc. A mo-
habilidades? Tudo. Anson, Bommarito e Deuser (1983: 197) explicam: bilização desses elementos é resultante das suas idas a restaurantes;
"Os esquemas mentais são moldados pelas experiências e, por sua vez, das imagens de restaurantes que viram em jornais, em revistas, no
guiam nossas percepções da experiência". Ora, isso precisa ser leva- cinema ou na TV; dos restaurantes sobre os quais leram ou ouviram
do em conta pelo professor no momento da preparação das suas aulas falar. Contudo, há pessoas socialmente excluídas que nunca foram a
porque seus alunos podem, por exemplo, produzir um texto com insu- um restaurante. Embora algumas delas possam ter construído o es-
ficiência ou excesso de informações por não levarem em consideração quema RESTAURANT indiretamente por meio de filmes e anúncios pu-
os prováveis esquemas mentais dos leitores ou ouvintes dos seus tex- blicitários, outras podem não possuir esse esquema mental. Daí eu
tos, por não saberem que devem levar em consideração a possibilidade falar em tendência.
de seus leitores e ouvintes perceberem a realidade ou aspectos da rea- Obviamente, os elementos que compõem um esquema mental são
lidade de maneira diferente das suas. E eles não levam isso em consi- prototípicos. No caso do exemplo anterior, isso significa que pessoas
deração por não saberem que só podemos produzir textos adequados com pouco dinheiro, que já foram a restaurantes compatíveis com sua
se nos esforçarmos para prever quais são os prováveis esquemas men- renda, possuem uma ideia de restaurante diferente daquela que pesso-
tais dos leitores ou ouvintes, ou seja, se nos esforçarmos para prever as ricas possuem, embora os elementos gerais e prototípicos do esque-
omo os receptores dos nossos textos concebem suas experiências de ma RESTAURANT estejam presentes nos seus esquemas: menu, chairs,
mundo. Anson, Bommarito e Deuser (1983:197)deixam isso claro: tuble, waiter, waitress, food, beverage, dessert, biU, tip etc. Dessa for-
ma, por exemplo, beverage pode fazer vir à mente uma marca cara d
[...] quando recebemos novas informações, temos uma impressão geral
champanhe ou uma cerveja barata; menu pode fazer vir à mente uma
delas e, então, construímos os detalhes prováveis baseados nos esque-
mas mentais que construímos a partir das nossas experiências. Essa
folha de papel manuscrita ou um conjunto de páginas plastificadas
habilidade é especialmente importante na leitura e na escrita, pois os encadernadas em couro. Enfim, como cada indivíduo cresce e convive

(j 1\11111
do mglôs: do planejamento à avaliação
CAPiTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habllldodos
numa determinada comunidade sociocultural, os esquemas das pesso- ativam esquemas mentais e permitem aos tcítorcs compreenderem ()
as pertencentes à comunidade A podem ser mais ou menos diferentes texto". É por conta dos esquemas mentais que construímos acerca do
dos esquemas mentais das pessoas pertencentes à comunidade B. gênero textual "discurso de formatura" que as pessoas presentes a uma
Imaginemos que uma estudante, Penny, produza este enunciado formatura estranham quando faço um discurso em cordel. Similar-
em um e-maii enviado para uma colega, Amy, que acaba de conhecer mente, os leitores da revista Veja sentiriam um estranhamento inco-
num curso de educação a distância na Califórnia: "Yesterday morning mensurável se lessem um artigo de opinião favorável a Luiz Inácio Lula
I drove to Berkeley, which is near my hometown". Penny não precisa es- da Silva por causa do viés conservador de direita dessa revista.
crever detalhes como estes: I woke up. I took a shower. I had breakfast. Para outros teóricos, os esquemas mentais também englobam
I changed. I grabbed my purse and the car key. I opened the caro I got in conhecimentos linguísticos. Isso é o que ressalta Ya-Jun Zeng (2007:
the caro I started the car and drove to a city called Berkeley, which is not 33-34): "Os esquemas envolvidos na compreensão oral podem ser cate-
the city where I tive, which is located in the state of California, which is gorizados em dois tipos maiores: o esquema de língua e o esquema de
near the city where I was born. E ela não precisa escrevê-los porque ela conhecimento". Fica evidente que o "esquema de língua" corresponde
supõe que Amy já possui os esquemas mentais MORNING, GET UP, TRAVEL, aos esquemas mentais que estruturam os conhecimentos linguísticos,
DRIVE, HOMETOWN e BERKELEY: por mais diferenças pontuais que esses i.e., lexicais, semânticos, fonológícos, morfológícos e sintáticos, e que
esquemas possam apresentar na cabeça de Penny e na cabeça de Amy, "esquema de conhecimento" corresponde aos esquemas mentais que
eles compartilham elementos prototípicos semelhantes que permitem estruturam os conhecimentos enciclopédicos.
um entendimento relativamente previsível da interpretação do enuncia- Portanto, podemos falar de esquemas de conteúdo, esquemas for-
do de Penny por parte de Amy. Além disso, Penny não precisa explicar mais e esquemas linguísticos porque os tipos diferentes de conhecimen-
que a palavra drove implica que ela foi de carro e que foi ela quem dirigiu tos são estruturados na nossa memória de longo prazo para que fiquem
o carro, algo expresso pelo pronome I. Afinal, ela espera que essa infor- à nossa disposição no momento da recepção e da produção de textos.
mação linguística faça parte dos esquemas mentais da sua nova colega. De qualquer forma, enfatize-se que, geralmente, quando se fala de es-
Os esquemas mentais estão estreitamente relacionados aos co- quemas mentais, está-se falando dos conhecimentos enciclopédicos que
nhecimentos enciclopédicos. Não por acaso, quando se fala de esque- um indivíduo possui estruturados em sua memória de longo prazo.
mas mentais, muitos teóricos os relacionam automaticamente a eles. Em suma, as atividades que o professor leva para a sala de aula
Entretanto, para alguns teóricos, os esquemas mentais não se relacio- para auxiliar seus alunos a desenvolverem suas habilidades linguísticas
nam apenas a esse tipo de conhecimento. Nigel Scott (2001), por exem- podem causar dificuldades para os alunos se eles não possuírem os es-
plo, nos informa que os esquemas mentais podem ser divididos em dois quemas mentais relacionados aos temas abordados nessas atividades,
tipos: os esquemas de conteúdo, relacionados aos conhecimentos en- aos gêneros textuais que elas trazem e aos elementos linguísticos que
ciclopédicos, e os esquemas formais, relacionados aos conhecimentos elas contêm. No que diz respeito aos conhecimentos enciclopédicos,
textuais ou conhecimentos das estruturas retóricas. Scott cita John essa dificuldade se potencializa porque os livros didáticos usados nas
Swales para lembrar que, ao abrirem um jornal ou uma revista científi- aulas de inglês costumam ser publicados em outras culturas diferentes
ca, as pessoas esperam encontrar determinados gêneros textuais e es- das culturas dos aprendizes brasileiros. Por essa razão, uma ação da
peram não encontrar outros gêneros textuais. É por isso que, se abrir- qual o professor não pode abrir mão é a preparação dos alunos para a
mos uma revista científica e encontrarmos um anúncio publicitário realização das atividades voltadas para o desenvolvimento das quatro
de uma marca de cerveja, teremos um grande estranhamento. Ainda habilidades. Falarei delas com mais atenção nos próximos capítulos.
citando Swales e Scott (2011)lembra que o processo de leitura "envolve Estreitamente vinculados aos esquemas mentais estão os dois Li-
a identificação do gênero, da estrutura formal e do tópico, os quais pos de processamento cognitivo das informações que ocorrem nos atos

64 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habilidad s
de leitura e de compreensão oral: o PROCESSAMENTOASCENDENTE .ultural comum e acabam criando urna interpretação coerente com ele
ou BOTTOM-UP, aquele em que o leitor se baseia nos seus conhecimen- num texto que potencialmente não permite tal ínterpretaçào.
tos linguísticos para processar as informações, e o PROCESSAMENTO Em 2010, a rede de TV estadunidense CNN mostrou um trecho de
DESCENDENTEou TOP-DOWN, aquele em que o leitor se baseia em uma entrevista em que o comediante Sasha Cohen (aquele que inter-
seus conhecimentos enciclopédicos e textuais para processá-Ias. preta o personagem Borat Sagdiyev) pergunta a Buzz Aldrin, segun-
Mary Kato (1999: 60) traz uma adaptação de um texto original- do homem a pisar na Lua, acerca dos seus sentimentos em relação ao
mente publicado em inglês para testar que tipo de processamento o primeiro homem a pisar lá, tentando confundi-lo: "Do you envy Louis
leitor usa na leitura. Transcrevo esse texto a seguir, pois ele serve para Armstrong?". Mas, o ex-astronauta percebeu a pegadinha e não con-
ilustrar a diferença entre o processo descendente e o processo ascen- fundiu o ex-músico com seu ex-colega Neil Armstrong.
dente no ato interpretativo: Esses dois exemplos servem para evidenciar como os processos
de decodificação funcionam. No caso da quantidade de animais na
Um avião americano que voava de Boston para Vancouver caiu exata-
arca, as pessoas que respondem "Tuio" privilegiam o processamento
mente na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. Em que país os
descendente e não realizam um processamento ascendente. Se o rea-
sobreviventes devem ser enterrados?
lizassem, perceberiam que a palavra Moses está ocupando o lugar na
Apresentei este texto no I Encontro de Leitura e Escrita do Cam- sentença que deveria estar preenchido pela palavra Noah e descobri-
pus XV da Universidade do Estado da Bahia em 2007, em Valença, e riam o engodo. Já Buzz Aldrin foi mais esperto: não se deixou levar
houve participantes que acharam que os sobreviventes deveriam ser automaticamente pela pergunta frequente sobre a suposta inveja que
enterrados no Canadá, outros acharam que eles deveriam ser enter- sentiria do primeiro homem a pisar na Lua e realizou um processa-
rados nos Estados Unidos e outros questionaram a possibilidade de se mento ascendente, detectando a palavra Louis no lugar da sentença
enterrarem sobreviventes. As reações foram divertidas e, principal- em que deveria estar a palavra NeiL
mente, elucidativas. Zeng (2007: 33) resume a maneira como os dois tipos de processa-
As respostas favoráveis ao enterro dos sobreviventes num ou nou- mento cognitivo da informação ocorrem no ato da recepção linguística:
tro país vieram de leitores que se basearam exclusivamente nos seus Ao encontrarem-se sinais explícitos ou estímulos no meio ambiente (tais
conhecimentos enciclopédicos para responder a pergunta, ou seja, como sons ou imagens), o processamento ascendente é aplicado para
realizaram apenas o processamento descendente. Eles ativaram o es- reunir informações relacionadas à fonologia, ao léxico, à sintaxe e à gra-
quema mental ACIDENTE DE AVIÃO e concluíram, de maneira lógica, que mática para construir um entendimento do que é percebido. Entretanto,
todos os passageiros e tripulantes morreram na queda. Aqueles que o processamento descendente utiliza as experiências e os conhecimen-
questionaram a possibilidade de se enterrarem os sobreviventes foram tos prévios (esquemas mentais) para predizer, filtrar, analisar e interpre-
os leitores que realizaram os dois tipos de processarnento, sendo o as- tar as informações recebidas.
cendente aquele que os fez refletir sobre a pista linguística no texto, Os aprendizes de inglês, principalmente os que se encontram
i.e., a palavra sobreviventes, e se perguntarem: "Oxe! Como assim? En- nos níveis iniciais, tendem a se concentrar nos estímulos linguísticos
terrar sobreviventes?" no momento de realizarem atividades de leitura e de compreensão
George Yule (1996:85) comenta sobre a seguinte pergunta do tipo oral. Ou seja, eles tendem a lançar mão do processamento ascen-
pegadinha: "How many animals of each type did Moses take on the Ark?". dente e a negligenciar o processamento descendente. E isso não é
Ao lerem ou ouvirem essa pergunta, muitas pessoas tendem a respon- interessante, pois os usuários de inglês bem-sucedidos nos atos de
der automaticamente "Tuio", sem prestar muita atenção às palavras que interpretação textual tendem a lançar mão dos dois tipos de proces-
a compõem. Para Yule, essas pessoas acessam algum conhecimento samento da informação.

66 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habilidades 6
Por essa razão, o professor precisa incluir no seu planejamento maneira estanque, scgrcgacionista? l lá, sim. Robin Scarcclla (' Rdw('(';t
das aulas atividades de pré-leitura e de pré-compreensão oral para xford (1992) esclarecem que existem duas perspectivas a partir d'ls
ajudar seus alunos a ativar ou até mesmo a construir esquemas men- quais considerar o ensino das quatro habilidades: a segregaclonlstn (' .1
tais úteis para a realização das atividades de leitura e de compreensão integrativa. De acordo com as autoras:
oral. Nos próximos quatro capítulos, tratarei das atividades que visam
Muitos programas de inglês como segunda língua tradicionalmente St'
preparar os aprendizes para a realização de atividades especificamen-
gregam as habilidades linguísticas para fins instrucionais, frequente
te voltadas para o desenvolvimento da fala, da compreensão oral, da mente destacando apenas uma habilidade de cada vez. Assim, Ircqucn
leitura e da escrita. temente encontramos cursos de inglês como segunda língua rotulados
Do exposto até aqui, fica claro que o desenvolvimento das quatro de "Intermediate Reading", "Advanced Writing" ou "Basic Listening". Essa
habilidades linguísticas depende tanto de conhecimentos linguísticos forma de instrução - incluindo a elaboração do sylLabus, a organizaçao
quanto de conhecimentos enciclopédicos e conhecimentos textuais. do currículo e o nivelamento dos alunos - é geralmente baseada em
Consequentemente, o professor deve sempre tentar prever dificulda- decisões administrativas e práticas em vez de ser baseada em uma teoria
des que seus alunos podem sentir pela falta de algo em um desses três conceitualmente sadia de ensino e aprendizagem de línguas (Scarccllu:
tipos de conhecimento. E uma forma de prever isso e de se preparar Oxford, 1992: 87).
para evitar ou minimizar possíveis problemas é a realização de ativi-
É possível pensar num caso em que uma habilidade seja o úni
dades de preparação para a realização de atividades voltadas para o
co foco das aulas. Refiro-me aos cursos de inglês instrumental" vol .
desenvolvimento das quatro habilidades. Os próximos quatro capítulos
tados para o desenvolvimento da leitura. Geralmente, o professor ll'a
serão dedicados ao ensino de cada uma das habilidades e neles comen-
balha com textos falando em português sobre eles (e sobre vocabu
tarei essas atividades de preparação. Antes, porém, na próxima seção,
lário e gramática), o que faz com que os alunos não pratiquem nem a
preciso falar de algo importante sobre o ensino da leitura, da escrita,
compreensão oral, nem a fala, nem a escrita.
da compreensão oral e da fala.
Afora os cursos de inglês instrumental dessa natureza, realmente
há cursos rotulados a partir de uma habilidade que sugerem segr
2.4 A integração das habilidades gação. Entretanto, como lembram Scarcella e Oxford, na prática, essa
segregação não se concretiza ou se concretiza apenas parcialmente.
Pensei bastante se deveria incluir ou não esta seção. Acabei de-
Por exemplo, em um curso de Advanced Writing, o professor provavel-
cidindo pela inclusão e isso por duas razões. A primeira é o fato de os
mente dá instruções em inglês, o que leva os alunos a praticarem sua
professores de inglês costumarem ouvir falar, em Teachers' Training
compreensão oral, e provavelmente apresenta eventualmente algum
Courses (TTCs), da necessidade de levarem em consideração a integra-
texto escrito para sua leitura servir de base para a escrita sobre d
ção das habilidades no planejamento de suas aulas. Tal necessidade é
terminado tema. Em um curso de Advanced Conversation, o professor
enfatizada, é comentada, sem que geralmente se esclareça aos profes-
pode levar textos para serem lidos ou ouvidos e servirem de trampolim
sores a origem desse tema. A segunda razão é o fato de os capítulos
3, 4, 5 e 6 serem dedicados, respectivamente, à compreensão oral, à
leitura, à fala e à escrita, o que pode causar a impressão de que há uma 6 Note-se que o termo instrumentaL não é teoricamente apropriado para o ensino
de línguas porque traz subjacente a concepção de língua como instrumento de comu
segregação natural das habilidades, que uma não tem nada a ver com a nicação e não a concepção de língua como interação social. Conceber a língua como
outra, que cada uma deva ser tratada isoladamente. instrumento de comunicação implica considerá-Ia um código transparente e não um
fenômeno opaco, como Oswald Ducrot já esclareceu. Sobre essa questão, recomendo
Afinal de contas, por que a íntegração das habilidades é um tema? a leitura do primeiro capítulo do seu livro Princípios de semântica linguística (Dizer ('
Há quem proponha o ensino de cada uma das quatro habilidades de não dizer).

68 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habiliclncluR
para discussões sobre certo tema. Enfim, na prática, a scgregaçao aca- Finalmente, após lermos os diálogos em voz alta (sim, a leitura se limi-
ba nao se materializando nesses cursos. Luvaa isso), praticávamos a escrita no livro de exercícios.
Quanto à impressão de segregação que posso passar ao dedicar Podemos facilmente perceber a falha nessa ideia da segrega-
um capítulo a cada habilidade, ela é exatamente isto: uma impressão. ção das habilidades, pois os usos reais da língua envolvem, pelo me-
E uma impressão equivocada. Afinal, a separação teórica se justifica na nos, duas habilidades. Por exemplo, a fala de uma pessoa implica a
medida em que podemos nos concentrar em aspectos específicos de compreensão dessa fala por parte de outra pessoa - e as duas seguem
ada uma das habilidades para os analisarmos, o que não significa, in- usando as duas habilidades numa conversa. Também há muitas pesso-
sisto, que aspectos de uma habilidade não possam estar estreitamente as que comentam com outras acerca de algo que leram, sendo que esse
relacionados com aspectos de outra(s) habilidade(s). Aliás, vale lembrar comentário pode se dar oralmente ou por escrito. Você pode estar-se
que a fala e a escrita compartilham características por serem habili- perguntando: uma pessoa não pode falar sozinha, o que significa que
dades produtivas, assim como a compreensão oral e a leitura compar- não haveria compreensão oral envolvida aí? Sim. Isso é possível no caso
tilham características por serem habilidades receptivas. Por exemplo, de alguém estar diante do espelho ensaiando uma apresentação oral
quando os alunos realizam atividades para o desenvolvimento da com- para outras pessoas a ouvirem posteriormente ou no caso de alguém
preensão oral (ou da leitura) em que o professor os auxilia a lançarem estar vivenciando um episódio de loucura (mas, neste caso, quem ga-
mão da estratégia de predição e da estratégia de adivinhação cotextual, rante que a pessoa louca não esteja conversando com alguma entida-
eles acabam internalizando tais estratégias e utilizando-as no momen- de fantasmagórica?). Entretanto, raramente uma habilidade linguística
to de realizarem atividades de leitura (ou de compreensão oral). ocorre sozinha.
Algo que contribuiu para a ideia de se segregarem as habilidades Além disso, no que diz respeito a uma suposta sequência natural
linguísticas foi a suposta existência de uma ordem natural de aquisi- de aprendizagem de habilidades no caso da primeira língua, podemos,
ção das habilidades defendida por alguns métodos de ensino de lín- sim, aceitar, com reservas, que uma criança desenvolva primeiramente
guas estrangeiras. Um deles foi o método audiolingual, cujo princípio a a compreensão oral para depois desenvolver a fala e, depois, a leitu-
respeito da sequência das habilidades linguísticas a serem trabalhadas ra e a escrita. E por que digo "com reservas"? Simplesmente porque
em sala é esta: compreensão oral, fala, leitura e escrita. Essa sequência não podemos nos esquecer do fato de que, mesmo não sabendo ler, as
está lastreada na lógica da aquisição da língua materna: "Primeiro ou- crianças estão expostas a textos escritos que as circundam: outdoors;
vimos para depois falarmos; somente depois aprendemos a ler para, em rótulos de produtos; palavras escritas na TV quando sua mãe ou seu
seguida, aprendermos a escrever" (Oliveira, 2014: 100). Estudei em um pai estão assistindo a programas com ela no colo; palavras e frases es-
curso de inglês que seguia essa lógica (imagino que ainda a siga): pri- critas em camisetas e brinquedos; livros infantis e jornais a seu redor.
meiro, éramos apresentados aos sons da língua por meio de diálogos E ao começar a falar, a criança estará imersa em situações de intera-
ilustrados em slides e gravados em fitas de rolo; depois, praticávamos ção verbal em que utilizará a fala e a compreensão oral. Não há, enfim,
a pronúncia e realizávamos driHs. Perceba-se aí a ideia limitada do que um isolamento total, uma segregação completa das habilidades nem no
seja a fala, vista como um meio de internalização de estruturas grama- processo de aprendizagem da primeira língua.
ticais e de aperfeiçoamento da pronúncia. Somente depois disso é que Quanto ao processo de aprendizagem de inglês como língua es-
éramos autorizados a receber o texto impresso com os diálogos: nos- trangeira, a lógica da segregação das habilidades também não fa
so livro didático, produzido pela empresa que detém a franquia, vinha sentido, pois o brasileiro letrado "pode capitalizar os conhecimentos
com um ticket destacável para ser trocado pela unidade impressa com linguísticos que possui de português, mobilizando-os para aprender
os diálogos e com explicações gramaticais, o que nos forçava a não ter uma língua estrangeira e podendo aprender as quatro habilidades
contato com a forma escrita até o momento determinado para a troca. ao mesmo tempo" (Oliveira, 2014: 100). Ora, este é um fato básico ela

70 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habilldodo 71
'lprcnclií';ugcm de línguas: por mais que algum teórico teimoso queira
Vale lembrar que atividades sem o objetivo de prepará-los para outras
nos convencer do contrário, aprender a primeira língua não é a mesma
atividades podem servir como atividades "pré": basta que o professor
oisa que aprender uma língua estrangeira. Daí não ser automática e
consiga fazer uma conexão lógica entre elas.
imediata a analogia entre a sequência de aprendizagem das habilida-
De qualquer forma, vale registrar que o professor tem nas ativida-
des na primeira língua e a sequência de aprendizagem das habilidades
des "pós" excelentes oportunidades de promover a integração de ha-
numa língua estrangeira.
bilidades. Por exemplo, após realizar uma atividade de compreensão
Em suma, apesar de ser possível analisar o ensino de cada uma
oral, ele pode preparar uma atividade voltada para o vocabulário usado
das quatro habilidades separadamente, é extremamente raro se utili-
no texto, apresentando o tapescript impresso (ou em síides) para os
zar uma única habilidade sem envolver outra. Por essa razão, ao plane-
alunos. Uma atividade de leitura pode ser seguida por uma atividade
jar suas aulas, o professor deve sempre propor atividades que envolvam
de produção textual tendo como tema o mesmo abordado na atividade
pelo menos duas habilidades. É, por exemplo, o caso do ditado: con-
de leitura. Enfim, são várias as possibilidades que o professor tem para
forme nos explica Miguel Sánchez (2000: 30), "quando os procedimen-
promover a integração de habilidades nos estágios de pós-compreen-
tos do ditado são empregados para reprodução, duas habilidades estão
são oral, de pós-leitura, de pós-fala e de pós-escrita.
sendo exercidas ao mesmo tempo: compreensão oral e escrita".
Vamos agora ao próximo capítulo, que trata do ensino da compreen-
Miguel Sánchez ainda nos diz algo bastante útil: "O input linguís-
são oral.
tico deve ser usado como um trampolim para a produção dos alunos"
(Sánchez, 2000: 38). Assim, o professor pode planejar uma atividade
de compreensão oral seguida por uma atividade de fala e/ou de escri-
ta, ou uma atividade de leitura seguida por uma atividade de fala e/
ou de escrita. O corolário disso é que uma forma de promover a inte-
gração das habilidades é realizar, além das atividades especificamente
voltadas para o desenvolvimento de determinada habilidade, atividades
"pré" e "pós" que envolvam outra habilidade. Por exemplo, em inglês,
podemos pensar em pre-Listening activities e posHistening activities,
que envolvam fala, leitura ou escrita.
Nos próximos quatro capítulos, dedicados a cada uma das habili-
dades, haverá uma seção específica sobre o papel das atividades "pré",
mas não haverá uma seção especificamente voltada as atividades "pós".
Essa minha decisão se deve ao fato de as atividades "pré" estarem inevi-
tavelmente vinculadas às atividades de desenvolvimento da habilidade
em foco e ao fato de as atividades "pós" não o estarem necessariamen-
te. Assim, por exemplo, uma atividade de pré-compreensão oral deve
obrigatoriamente preparar os aprendizes para realizarem determinada
atividade de compreensão oral, mas as atividades do estágio de pós-
-compreensão oral podem focar algo apenas perifericamente relacio-
nado ao que foi abordado na atividade de compreensão oral, como, por
exemplo, o desenvolvimento do conhecimento lexical dos aprendizes.

72 Aula de inglês: do planejamento à avaliação


CAPíTULO 2 I Sobre o ensino das quatro habilidado 3
o ensino da
compreensão oral
ompreensão oral: "Processo de receber,
atentar para e atribuir sentido a estímulos
orais" (Scarcella; Oxford, 1992: 138). Ou seja,
a compreensão oral não se limita à percepção dos
sons, obviamente fundamental: ela também está
vinculada à atribuição de sentidos aos sons percebi-
dos, tarefa nada fácil para os aprendizes de línguas
estrangeiras.
Segundo Scarcella e Oxford (1992: 139), "muitos
peritos em ensino de línguas estrangeiras tradicio-
nalmente consideravam a compreensão oral como a
criada, a serva, a prima pobre das outras três prin-
cipais habilidades Iinguísticas: a leitura, a fala e a es-
crita". Não surpreendentemente, a compreensão oral
costumava ser vista como uma mera ferramenta para
o desenvolvimento das outras três habilidades, sen-
do, assim, negligenciada ao longo da história do en-
sino de línguas estrangeiras, de acordo com Michael
Rost (1994).Nobuko Osada (2004) reforça essa visão ao
lembrar que foi a abordagem comunicativa o método
que deu foco sistemático ao desenvolvimento da com
preensão oral, ressaltando que o método audiolingual
partia da ideia equivocada de que bastava expor o
aprendiz ao inglês falado para que ele desenvolvesse
sua habilidade de compreensão oral.

CAPITULO 3 I o ensino da cornpr auusuo uI1I1 1II


Iloje os professores sabem da importância da compreensão oral 3.1 O papel das atividades de pré-compreensão oral
para o desenvolvimento da competência comunicativa dos seus alu- 4 de abril de 2014. Quinta-feira. Uma de muitas audiências ('S
nos. Além disso, sabem que, das quatro habilidades linguísticas, a com- tava ocorrendo em uma sala do Senado do Tio Sam. Nessa audiência
preensão oral é seguramente a que apresenta mais dificuldades para a específica, dentre outras pessoas, estava o Subsecretário do Tesou ro,
maioria dos aprendizes brasileiros de inglês. E isso se deve, principal- David Cohen, aguardando para ser interrogado sobre questões relu
mente, mas não apenas, a uma razão específica: embora haja alguns cionadas ao... Tesouro. "Hum...", você deve estar-se perguntando, "...
aprendizes que se expõem ao inglês falado ao ouvirem músicas e ao isso não é óbvio?". Vejamos se isso é óbvio mesmo: adentra o recinto
assistirem a filmes e séries de TV, a maioria deles ouve palavras, frases o Senador Dan Coats. Cumprimenta todos os presentes, senta-se e
e textos falados em português quase o tempo todo e só fica exposta ao começa a fazer um discurso inicial elogiando a brevidade com que seu
inglês falado nas aulas, que costumam ocorrer duas vezes por semana departamento respondeu a uma carta do escritório de contabilida
durante 100 minutos cada vez, sendo que apenas parte desse tempo é de militar sobre assuntos relacionados aos veteranos de guerra. Pera í!
feita de inglês falado. Ora, quanto menos nós nos expomos ao inglês Como assim?! Veteranos de guerra?! O que assuntos relacionados aos
falado, mais lentamente desenvolvemos nossa habilidade de compre- veteranos de guerra têm a ver com o Tesouro norte-americano? Nada,
ensão oral. Simples assim. né? Por essa razão, o que o senador estava dizendo não era nada óbvio
Obviamente, outros fatores desempenham papéis fundamentais para as pessoas ali presentes. Em outras palavras, elas não estavam
no processo de desenvolvimento da compreensão oral dos aprendi- conseguindo produzir sentidos que formassem um todo lógico a par
zes de inglês, como, por exemplo, o vocabulário, os elementos fo- tir da fala dele.
nológicos e as estruturas sintáticas que eles dominam ou não do- O problema é que Coats achava que estava na sala em que ocor
minam; os assuntos com os quais estão ou não familiarizados, ou reria a audiência do Subcomitê de Agências Relacionadas à Construção
seja, os esquemas mentais que possuem ou não possuem; dificulda- Militar e a Assuntos dos Veteranos. Dá para imaginar a expressão de
des físicas de audição; qualidade do equipamento de som usado nas "não tenho a menor ideia do que essa criatura está falando" estampa-
aulas; determinadas características do inglês falado, como as pausas da na cara das pessoas ali presentes, aguardando por uma discussão
e o sândi (que diz respeito às alterações fonológícas que as palavras relacionada ao Tesouro e, por isso, fazendo um esforço hercúleo para
sofrem ao serem justapostas); e a maneira como o professor planeja tentar produzir algum sentido lógico a partir das palavras do senador.
Felizmente o esforço desnecessário foi interrompido por um funcioná-
e conduz as aulas voltadas para o desenvolvimento da compreensão
rio que passou um bilhete para Coats, que o leu silenciosamente e, em
oral de seus alunos.
seguida, comunicou a todos: "I just got a note saying I'm at the wrong
Diante da importância que o desenvolvimento da compreensão
hearing". Pois é. A criatura estava na audiência errada! Essa informa-
oral dos aprendizes tem para o desenvolvimento de sua competên-
ção aliviou a tensão do angustiado e perdido senador Mark Udall, qu
cia comunicativa e diante das dificuldades por eles encontradas de
presidia a audiência e que disse: "Oh, that uiould expLain why I didn't
engendrar esse processo, o professor precisa dedicar algum tempo
know anything about this Ietter", É claro que as pessoas ali presentes
ao planejamento das atividades que visam ao desenvolvimento dessa
não conseguiram segurar o riso. E Coats brincou colocando a culpa
habilidade. Por isso, abordarei, a seguir, o papel que as atividades nos russos: "I think the Russians have been messing with my schedule'".
de pré-cornpreensão oral desempenham nas aulas de inglês. Depois,
tratarei das micro-habilidades de compreensão oral e dos recursos
I Se quiser ler mais a respeito desse caso curioso, acesse o seguinte linfz: htlp:j /
à disposição do professor para a realização das atividades de com- www.washingtonpost.com/blogs/in-the-loop/wp/2014/04/03/coats-im-at-th"
preensão oral. wrong-hearíng /; acesso: 17jun. 2015.

6 Auln do inglês: do planejamento à avaliação


CAPíTULO 3 I O ensino da compreensão orol
Esse episódio nos mostra uma coisa importante: a cornprccnsã Trocando em miúdos: a lntcrvcnçao do professor é essencial para
que os usuários da língua têm de um texto falado depende dos seus o desenvolvimento da capacidade que os alunos têm de compreender
onhecimentos prévios. Nesse caso específico, as pessoas presentes à o inglês falado. Por isso, eles precisam ser preparados para realizar as
audiência possuíam conhecimentos linguísticos relativos ao inglês, sua atividades de compreensão oral. Se não houver uma preparação, eles
primeira língua. O problema se deveu à confusão de contextos que foi provavelmente encontrarão dificuldades para realizá-Ias e, pior, sen-
instaurada: Coats produziu um texto oral com base em determinado tirão um baque na sua autoestima, o que pode se tornar uma barreira
contexto; as outras pessoas tentaram interpretar o texto de Coats com psicológica para o aprendizado.
base em um contexto totalmente diferente. E certo contexto implica a Tal preparação não é algo que deve ocorrer apenas na sala de
mobilização de conhecimentos diferentes dos conhecimentos que um aula. Como nos lembra Gareth Rees (2104), na vida real, é incomum as
contexto diferente faz os ouvintes mobilizarem. Enfim, foi a confusão de pessoas realizarem a tarefa de compreenderem a fala de alguém sem
contextos que falou mais alto ali. terem a menor ideia do que elas vão ouvir:
Situação semelhante pode se instaurar na sala de aula se o pro-
fessor e seus alunos não operarem com base em um mesmo contexto, Quando ouvem um programa de rádio, as pessoas provavelmente sabem
se eles não compartilharem determinados conhecimentos enciclopé- que tópico está sendo discutido. Quando ouvem uma entrevista com uma
dicos, se não ativarem os esquemas mentais apropriados. Isso significa pessoa famosa, elas provavelmente já sabem alguma coisa sobre essa
pessoa. Um garçom conhece o cardápio a partir do qual o cliente está
que eles precisam de um mínimo de preparação para interpretar os
fazendo seu pedido.
textos que ouvirão em sala de aula.
[...]
Não por acaso, Scarcella e Oxford (1992: 140) criticam duramente
Por isso, apenas pedir aos alunos que ouçam algo e respondam a algumas
Stephen Krashen por exortar os professores de línguas estrangeiras a
perguntas é um tanto injusto e torna o desenvolvimento da habilidade de
"fornecerem aos alunos grandes quantidades de input compreensível
compreensão oral mais difícil.
sem lhes oferecer nenhuma instrução especial sobre como lidar com
esse input. Esse conceito, compartilhado por outras autoridades, pa- A preparação é feita pelo professor por meio de atividades realiza-
rece ser o de que a compreensão oral simplesmente cuida de si mesma das imediatamente antes das atividades de compreensão oral. Refiro-
sem qualquer ajuda do ensino e que osmose é tudo de que se precisa". -me às ATIVIDADES DE PRÉ-COMPREENSÃO ORAL, que possuem al-
Gillian Brown faz eco a essa crítica questionando se os professores es- guns objetivos bem claros. Vejamos alguns deles.
tão mesmo ajudando os alunos a desenvolverem sua compreensão oral O primeiro objetivo é o ESTABELECIMENTO DO CONTEXTO: o
ou apenas testando a habilidade de compreensão oral deles: professor precisa situar seus alunos quanto às personagens ou pes-
soas que participam da fala que ouvirão, onde elas estão, quando a
Por muitos anos, sugeriu-se que os alunos aprenderiam a entender a for-
fala ocorre. Muitas vezes, as atividades propostas em livros didáticos
ma falada da língua simplesmente sendo expostos a ela. Muitos cursos
que alegam 'ensinar' compreensão oral de fato consistem em exercícios trazem informações para o estabelecimento do contexto. Nesse caso,
que expõem os alunos a um trecho de material falado em uma fita e de- ele precisa se assegurar de que seus alunos leram as informações ne-
pois fazem 'perguntas de compreensão' para tentar descobrir se o aluno cessárias antes de reproduzirem o CD ou o áudio onLine. Se não hou-
entendeu ou não a língua do texto. Isso parece mais um exemplo de 'tes- ver tais informações, ele precisará fornecê-Ias. Na vida real, quando
te' do que de 'ensino'. Os alunos não estão recebendo nenhuma ajuda na alguém conversa conosco sem que o contexto esteja estabelecido,
aprendizagem de como processar essa língua estranha - a eles está sim- costumamos dizer: "Peraí, meu fio. Me situe." ou "Como assim? Cê tá
plesmente sendo dada uma oportunidade de descobrirem por si mesmos falando de que mesmo?". Portanto, na sala de aula, o contexto tam-
orno lidar com ela (Brown, 1990: 8). bém é um elemento fundamental para a realização das atividades de

18 1\11111 (lu II1gl0s: do planejamento à avaliação CAPiTULO 3 I o ensino da compreensão 01"1 I·


comprccnsao oral e deve ser estabelecido para que os alunos tenham ajude ti ativar ou a construir os esquemas mentais necessários para
ndiçocs de realizá-Ias com sucesso. que a produção de sentidos ocorra a partir do texto que ouvirão.
segundo objetivo das atividades de pré-cornpreensão oral é a Joan Rubin (1994: 209) cita pesquisas de Michael Long (1990), d
MOTIVAÇÃO dos alunos. Elas os motivam a realizarem a atividade de Barbara Schmidt-Rinehart (1992) e de Chung Chiang e Patricia Dunkel
compreensão oral planejada quando ela tratar de um tema que pode, a (1992) sobre o papel que os conhecimentos enciclopédicos desempe-
princípio, não ser interessante para eles devido ao seu perfil. Por exem- nham na compreensão oral dos aprendizes de línguas estrangeiras
plo, uma atividade que traz um diálogo entre dois adultos sobre oportu- e resume os resultados de maneira simples: "Em todos os três estu-
nidades de emprego pode ser considerado chato por adolescentes, em dos, mostra-se que os conhecimentos enciclopédicos melhoram a
cuja realidade a questão do emprego ainda não é relevante. Mas sempre compreensão oral". Por isso, a ativação (ou a construção) dos esquemas
é possível provocá-los a falar sobre o que querem e sobre o que não é importante para a mobilização de conhecimentos e dos processos de
querem ser quando crescerem, sobre o que eles pensam acerca de de- decodificação da informação e deve ser planejada pelo professor. Ste-
terminadas profissões etc. Analogamente, um diálogo sobre esportes ven Brown (2006: 3) explica por que isso deve ser feito:
radicais pode não suscitar o menor interesse numa turma de adultos de
Os alunos devem ouvir alguns sons (processamento ascendente), mantê-
meia idade. Novamente, pode-se mexer com a imaginação dessas pes-
-los em sua memória operacional por tempo suficiente (alguns segundos)
soas, provocando-as a se imaginarem praticando algum esporte radical para conectá-los uns aos outros e depois interpretar o que acabaram de
e analisando as vantagens e desvantagens de praticá-lo. ouvir antes de algo novo aparecer. Ao mesmo tempo, os ouvintes estão
O terceiro objetivo é a ATIVAÇÃO OU CONSTRUÇÃO DOS ES- usando seus conhecimentos enciclopédicos (processamento descenden-
QUEMAS MENTAIS dos alunos. Conforme vimos no capítulo anterior, te) para determinar o sentido com base nos conhecimentos prévios e nos
os esquemas mentais são essenciais para o processamento descen- esquemas mentais.
dente, no caso dos esquemas vinculados aos conhecimentos enciclo-
Nunca é demais enfatizar que as atividades de pré-cornpreensão
pédicos, e para o processamento ascendente, no caso dos esquemas
oral devem ajudar os alunos a ativarem seus esquemas mentais ou, até
vinculados aos conhecimentos linguísticos. As atividades de pré-com-
mesmo, a construírem novos esquemas mentais. E isso vale tanto do
preensão oral possibilitam ao professor avaliar se seus alunos possuem
ponto de vista dos conhecimentos enciclopédicos quanto do ponto de
os esquemas mentais necessários para realizarem a atividade de com-
vista dos conhecimentos linguísticos. Nesse segundo caso, refiro-me
preensão oral. Ao realizá-Ias, ele pode perceber que precisa ajudá-los a
especificamente a itens de vocabulário desconhecidos dos alunos, mas
construir determinados esquemas mentais. Rees (2014) esclarece isso
necessários para a realização das atividades de compreensão oral.
de maneira bem didática:
Há tipos diferentes de atividades de pré-compreensão oral, que
"You are going to listen to an ecoLogicaL campaigner taLk about the des- geralmente costumam focar temas e/ou palavras e frases. O professor
truction of the rainforest." Isso estabelece o contexto. Mas se você for deve decidir que tipo de atividade é mais adequado, tendo sempre em
diretamente para a atividade de compreensão oral, os alunos não terão mente a ideia de variar as atividades para não provocar tédio nos alunos.
tempo de transferir ou ativar seus conhecimentos (que podem ter sido Uma questão importante a se considerar é a duração das ativida-
construídos na primeira língua) na língua estrangeira. O que eles sabem des de pré-compreensão oral. Não existe uma duração definida. Em-
sobre florestas tropicais? Onde elas ficam? O que elas são? Que problemas
bora, geralmente, tais atividades devam ser breves, o professor terá de
enfrentam? Por que são importantes? O que um ativista ambiental faz?
levar em consideração alguns fatores para decidir quanto à sua dura-
Que organizações fazem campanhas voltadas para problemas ecológicos?
ção: complexidade temática e frequência das palavras que constituem a
Em outras palavras, não basta que o professor estabeleça o con- atividade de compreensão oral; familiaridade dos alunos quanto ao tip
texto para que os alunos realizem a atividade: é necessário que ele os de atividade de compreensão oral; o perfil dos alunos. Obviamente,

80 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 3 I o ensino da compreensão oro I 81


importante que ele ajude seus alunos a se prepararem para realizar as A breve exposição oral sobre () tema da fala ou do di{Jlogoqllt' os
atividades de compreensão oral. Contudo, repito, as atividades de pré- alunos ouvirão é outro tipo comum de atividade de pró compn-cnsào
-compreensão oral devem ser breves, pois o objetivo principal é a reali- oral. Nela o professor comenta o que os alunos vão ouvir, destacando o
ação das atividades de compreensão oral. Afinal, não faz sentido reali- tema e, se necessário, palavras e frases que ocorrerão e que ele consi
zar uma atividade de pré-compreensão oral que seja mais longa do que dera importante apresentar antes de os alunos ouvirem o texto.
a atividade de compreensão oral ou que dure o mesmo tempo que ela. Outra sugestão de atividade de pré-compreensão oral está direta
Um tipo comum de atividade de pré-compreensão oral é a tem- . mente relacionada à atividade de compreensão oral: o professor I)('d('
pestade de ideias, o brainstorming. Nela o professor informa aos alu- aos alunos que leiam o comando da atividade e prevejam as respostas
nos que realizarão uma atividade de compreensão oral sobre deter- às perguntas propostas pelo comando, justificando por que prevccm
minado tema e os encoraja a dizerem que palavras e tópicos esperam tais respostas. Isso faz com que eles se concentrem nas inforrnaçôcs
ouvir sobre aquele tema. Se achar necessário, o professor escreve no relacionadas àquelas perguntas ao ouvirem o texto.
quadro o que os alunos vão dizendo e até acrescenta palavras e frases Você pode pensar em outras propostas de atividades além das que
esclarecedoras para o sucesso dos alunos na realização da atividade. se encontram no livro didático. O importante é você compreender a aju
Ao decidir escrever no quadro as palavras, frases e tópicos que da que as atividades realizadas no estágio de pré-compreensão ora I po
seus alunos dizem, o professor pode lançar mão de uma ferramenta dem trazer na hora de seus alunos se prepararem para a realizaçao d;ls
interessante: o mapa semântico. Ele coloca o tema, em forma de pala- atividades de compreensão oral. Afinal, não basta ao professor solicíuu
vra-chave, numa posição central no quadro e puxa linhas a partir dele -lhes que abram o livro didático em determinada página e leiam o co
para ir registrando o que os alunos dizem. Vejamos um exemplo de um mando de uma atividade para, em seguida, reproduzir o áudio ou o vkk-o
mapa semântico que pode ser criado a partir do tema vacation, com li- relativo àquela atividade. Isso não é pedagogicamente recomendável. ()
nhas que emergem a partir do centro e linhas secundárias que surgem que é recomendável é a preparação dos alunos para as atividades.
a partir das outras palavras. Na próxima seção, tratarei das micro-habilidades de comprecnsao
oral que os alunos precisam desenvolver.
MAPA SEMÂNTICO

TRAIN
PLANE

~\
CAR

TRIP
-. \/
HOTEL HOSTEL

ACCOMMODATION
MOTEL

-:
INN
3.2 Miero-habilidades de compreensão oral

A compreensão oral é, repito, das quatro habilidades Iínguísticas,


a que apresenta mais dificuldades para o aprendiz brasileiro de inglês.
Consequentemente, o professor precisa ajudar seus alunos a desen-
volverem micro-habilidades de compreensão oral que os ajudem não
INSURANCE apenas a realizar as atividades de compreensão oral na sala de aula,
mas também a compreender o inglês falado em situações extraclassc,
VACATION PASSPORT
Essa ajuda é facilitada pelas atividades que geralmente os livros didá
LUGGAGE ticos trazem ou que o próprio professor prepara. O mais importante é
SIGHTSEEING
ATTRACTION
que o professor tenha consciência de qual micro-habilidade está sendo

BAGGAGE \~PACK

MUSEUM
/ v -.
CHURCH MONUMENT
praticada quando leva uma atividade para a sala de aula.
Nesta seção, destaco micro-habilidades de compreensão oral ('
comento apenas de passagem algumas atividades. A razão disso é que

8 I\IIln do Inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 3 I O ensino da compreensão 01111


os professores de inglês já estão familiarizados com os tipos de ati- por meio ele atividades, sejam elas oferecidas pelo livro didático adota
vidades de compreensão oral oferecidas pelos livros didáticos. O que do, sejam criadas pelo professor, embora eu considere extremamente
esses livros muitas vezes não fazem é explicitar a artieulação entre as improvável que os livros didáticos publicados pelas grandes editoras
atividades propostas e as miero-habilidades que elas objetivam pra- estadunidenses e britânicas não forneçam atividades voltadas para a
tiear. E, repito, o professor precisa estar consciente de qual miero- prática dessa miero-habilidade.
-habilidade está sendo focada quando realiza qualquer atividade na Um tipo comum de atividade que oferece aos alunos a oportuni-
sala de aula. dade de desenvolver a miero-habilidade de buscar informações especí-
As micro-habilidades de compreensão oral são ações automátieas ficas é aquele em que eles ouvem um texto, na forma de diálogo ou não,
realizadas por um ouvinte as quais contribuem para que ele compreen- para preencherem quadros, mapas ou lacunas em um texto. A título de
da um texto e retenha informações em sua memória. Por exemplo, ilustração, vejamos uma atividade vislumbrada para alunos inieiantes
quando estamos no aeroporto aguardando para embarcar, costuma- com base no seguinte script:
mos prestar atenção aos anúncios dos voos, mas não ouvimos todos
eles: nós só ouvimos na íntegra o anúncio específico do nosso voo. E
como fazemos isso? Ao ouvirmos o sinal sonoro que indiea que uma - Jean! Hi! How are you?
mensagem será transmitida pelo sistema de som do aeroporto, mo- - Katy! Hey! I'm fine. Long time no see, huh?
bilizamos algumas palavras-chave e nos concentramos em ouvi-Ias. - Yeah! lt's been a long time. After high school, I moved to
Se nosso voo é o AC420, tendo como origem Toronto com destino a New York, went to university, got married and now l'rn back to
Montreal, operado pela empresa Air Canada, temos quatro palavras- San Francisco.
-chave em que nos concentrar. Se reconhecermos as palavras-chave, - Got married?
prestamos atenção à repetição do anúncio. Já se ouvirmos o anúncio
- Uh-huh. To Dale.
abaixo, não o ouviremos novamente pelo fato de não localizar nele as
palavras-chave que havíamos selecionado: - Dale?! Really?
- Yeah. We married three years ago.
Good afternoon, passengers. This is the pre-boarding announ-
- Wow! And what are you doing for a living?
cement for flight 898 to Rome. We are now inviting those pas-
sengers with small children, and any passengers requiring spe- - l'm a doctor at San Francisco General Hospital and Dale's a
cial assistance, to begin boarding at this time. Please have your teacher at Kennedy High. How about you?
boarding pass and identification ready. Regular boarding will - Well, 1have a law office now and a husband.
begin in approximately ten minutes time. Thank you-. - Really?

Essa miero-habilidade é a BUSCA POR INFORMAÇÕES ESPECÍFI- - Yeah. 1married my accountant, Josh. He's Rachel's brother.
CAS. Ela leva o ouvinte a realizar o processo de decodifieação ascen- Remember Rachei?
dente, em que o ouvinte estabelece palavras-chave que vão direcionar - Sure. She lived down the street where we lived. How's she?
sua atenção no momento de ouvir o texto. O professor precisa for- - She's great. She opened a restaurant here is San Francisco,
necer a seus alunos oportunidades de prátiea dessa miero-habilidade
the Tropical Palace, and married Laura. She is also the chef of
the restaurant.
Disponível em: <http://www.englishclub.comjenglish-for-workjairline-an- - Laura? Is she the Laura who graduated a year before us?
nouncements.htm>; acesso: 17jun. 2015.

84 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 3 I O ensino da compreensão orol 85


Yes. She teaches Philosophy at the University of California at () doze pode ler trcs formatos diferentes, segundo Brown (ID!lt1).
San Francisco. Um formato é aquele em que o método de apagamento segue uma ra
ão fixa, ou seja, cada enésima palavra é apagada. Nesse método, nao
- Wow! We should get together one of these days. What do
há uma lógica discursiva para o apagamento. Outro formato é aquele
you think?
que segue um apagamento racional: as palavras a serem apagadas são
- That sounds great. Here's my cardoGive me a call.
selecionadas com base em algum critério discursivo. Por exemplo, os
- 1will. It was really nice to see you. conectivos ou os pronomes são apagados. O terceiro formato de doze é
- Me too. Bye. aquele em que há alternativas para cada lacuna. Para ilustrar esses três
- Bye. formatos de doze, eis três exemplos que criei a partir do artigo Roving
reporter recounts her travels in Turkey, de Kathy Barrows, publicado
no San Leandro Journal em 29 de novembro de 1996:
Cada aluno recebe uma cópia da atividade abaixo, na qual deve
preencher o quadro com informações retiradas do diálogo acima, re-
FORMATO 1:
produzido a partir de um CD ou de outro recurso de áudio:
1have to admitthat prior to a to Turkey a few weeks ago,
1had to ali my stereotypical images ofthat county _
Jean and Katy are friends. They run into each other in a café in
its people. 1 had expected to see passersby in the fali
San Francisco. Listen to their conversation and fill in the chart
to their knees on rugs when the calls for prayer floated
with information about them, Dale, Rachei and Laura.
from the minarets. 1 that my only contact with women
would be sight of dark eyes peering out from behind
MARITAL STATUS OCCUPATION PLACE OF WORK veiled o 1 had even planned to avoid any deep _
JEAN corners of Istanbul's Grand Bazaar, where mustached men
KATY ___ be dealing drugs behind colorful Turkish carpets.
DALE But 1learned on this trip, as 1do ali my wande-
rings, is how travei serves to the myths that we have un-
RACHEL
consciously etched into psyches.
LAURA
FORMATO 2:
1 have to admit that to a trip to Turkey a few weeks
Outro tipo de atividade, muito comum também, é o doze, em que ago, 1 had succumbed ali my stereotypical images of
uma palavra é apagada e substituída por uma lacuna. Por exemplo, that county and its people. 1 had expected to see passersby
você seleciona uma músiea relacionada com o conteúdo da aula e faz in the street fali to their knees rugs when the mournful
a substituição de palavras por lacunas. Neste caso, a miero-habilidade calls for prayer floated the minarets. 1figured that my
de compreensão oral praticada é o RECONHECIMENTO DE PALA- only contact women would be the sight of dark eyes
VRAS. Infelizmente, não posso colocar um exemplo com uma músiea
peering out behind veiled faces. 1had even planned to
popular aqui por conta da complicada questão dos direitos autorais,
avoid any deep dark corners lstanbul's Grand Bazaar,
mas imagino que você já tenha usado ou, pelo menos, visto uma ativi-
where mustached men might be dealing drugs colorful
dade desse tipo. Turkish carpets.

8 Aula de Inglôs: do planejamento à avaliação


CAPíTULO 3 I O ensino da cornpreensao OJ ul 8/
I lá fatores, portanto, que contribuem para os aprendizes lerem
But what I learned this trip, as I do ali my wan
dificuldade para reconhecer palavras. Vejamos três deles.
derings, is how travei serves to dispel the myths that we have
O fator mais óbvio é o nível de proficiência dos aprendizes.
unconsciously etched our psyches.
Quanto menos conhecem palavras e estruturas sintáticas, menos
FORMATO 3: serão capazes de reconhecer palavras ao ouvirem um texto. Inver-
I have to admit that __ (1) to a trip to Turkey a few weeks ago, I samente, quanto maior o vocabulário e o conhecimento gramatical
had succumbed __ (2) ali my stereotypical images of that coun- dos aprendizes, mais facilmente eles poderão reconhecer palavras d
ty and its people. I had expected to see passersby in the street fali textos falados.
to their knees __ (3) rugs when the mournful calls for prayerflo- Outro fator complicador é o sotaque do falante. Se estão acostu-
ated __ (4) the minarets. I figured that my only contact __ mados com inglês estadunidense, os aprendizes estranham o inglês
(5) women would be the sight of dark eyes peering out __ (6) britânico, e vice-versa. Aqueles que estão acostumados com o inglês
behind veiled faces. I had even planned to avoid any deep dark de nova-iorquinos e de angelinos estranham o inglês texano. E não
corners __ (7) Istanbul's Grand Bazaar,where mustached men vou nem mencionar o estranhamento que o inglês australiano cau-
might be dealing drugs __ (8) colorful Turkish carpets. sa em muitos aprendizes não afeitos a ele. Por isso, é interessante os
But what Ilearned __ (9) this trip, as I do __ (10) ali my produtores de livros didáticos incluírem sotaques variados nas ati-
wanderings, is how travei serves to dispel the myths that we vidades de compreensão oral para que os alunos não se acostumem
have unconsciously etched (11) our psyches. apenas a um sotaque.
(1) before - prior - de (5) with - to - for (9) in - on - onto O terceiro fator é o chamado connected speech e que traduzirei
(2) to - for - against (6) to - from - within (10) in - on - with aqui como fala encadeada, fenômeno que ocorre nas falas espontanea-
(3) in - on - from (7) in - on - of (11) in - onto - into mente produzidas em velocidade normal. Muitas vezes, o professor d
(4) to - from - above (8) behind - in front of - on turmas de iniciantes tende a falar com uma velocidade mais lenta do
que o normal para facilitar o entendimento por parte de seus alunos,
Reconhecer palavras é uma micro-habilidade essencial para a com- aproximando-se daquilo que, em inglês, é chamado de motherese ou
preensão oral. Afinal, o ouvinte só consegue buscar informações espe- baby talk, ou seja, a maneira como uma mãe fala com seu bebê.
cíficas ou ideias principais e só consegue fazer inferências e resumos de Na fala encadeada, ocorrem junções de palavras, as quais pro-
um texto falado se reconhecer as palavras que compõem esse texto. vocam efeitos que obscurecem os limites sonoros das palavras jus-
O reconhecimento de palavras depende fortemente do processo tapostas. Um desses efeitos é a ASSIMILAÇÃO,em que um som in-
de decodificação ascendente e é uma micro-habilidade mais complexa fluencia um som vizinho provocando alterações sonoras, sendo uma
do que parece, pois reconhecer palavras implica outras ações como, delas a palatalização, como ocorre com som final de [did] no sintag-
por exemplo, reconhecer suas pronúncias, seus significados e as fun- ma did you, geralmente pronunciado como [dI3jU] e não como [drd ju].
ções sintáticas que desempenham no texto ouvido. Rost explica a com- Outra alteração sonora é o ensurdecimento (de sons sonoros). Por
plexidade dessa micro-habilidade assim: exemplo, o som consonantal sonoro Ivl é pronunciado Ifl após o
som surdo Itl no sintagma have to go: [beeftagco]. Outro efeito im-
o reconhecimento de palavras consiste de três processos praticamen- portante da fala encadeada é a ELISÃO, ou seja, o total apagamen-
te simultâneos: encontrar um candidato adequado (ou seja, uma palavra
to do som de uma consoante ou de uma vogal, que estaria present
provável), estimar o sentido da palavra (que é aquele que a maioria das
se pronunciássemos as palavras isoladamente. É o que vemos nes
pessoas pensa ser o significado da palavra) e encontrar a referência cor-
tes exemplos: a frase Next, please é pronunciada [nekspli:z], com
reta para ela no contexto de linguagem que não ouvimos (Rost, 1994: 24).

CAPiTULO 3 I O ensino da compreensão orul 8U


88 Aula de inglês: do planejamento à avaliação
apagamento de IV, e o sintagrna you and rue é pronunciado [ju:nmi:], personagens no processo de construção de sentidos, pois já COJlIH'
com o apagamento de Id/ cem um repertório de linguagem não verbal que expressa sentimentos
Fica claro que a fala encadeada torna difícil, para os aprendizes e que os ajuda a construir sentidos. Em outras palavras, os esquemas
nos níveis iniciais, a compreensão de textos falados. A esse respeito, mentais que os alunos possuem são muito úteis para a compreensão
Michael Rost e 1.1.Wilson (2013:11)lembram: de textos falados já que de tais esquemas depende o processo de d
codificação descendente.
Os aprendizes de uma segunda língua tipicamente podem
O uso de esquemas mentais na compreensão oral é a base de ou-
conhecer uma palavra isolada, mas podem não reconhecê-Ia
tra micro-habilidade: a REALIZAÇÃODE INFERÊNCIAS,que podemos
em uma fala conectada. Por exemplo, um aprendiz pode clara-
chamar também de INFERENCIAÇÃO.Ela permite ao ouvinte fazer
mente conhecer itens lexicais como vegetable ou comfortable
deduções a partir do que não está dito no texto, do que está nas en-
ou first of ali, mas, na fala encadeada, pode ouvir 'vech tipple',
trelinhas, do contexto de produção textual, dos indivíduos envolvidos
'come to Pau/' ou 'festival'.
no texto e dos elementos não linguísticos, como tons da voz, gestos
Por isso, o professor precisa ajudar seus alunos a se tornarem expressões faciais desses indivíduos. Em outras palavras, a partir dos
conscientes dos efeitos que a fala encadeada provoca na pronúncia das seus conhecimentos prévios e de pistas textuais e contextuais - lin-
palavras. Essa conscientização é essencial para o desenvolvimento da guísticas e não linguísticas -, o ouvinte chega a conclusões sobre o
sua competência comunicativa. texto que ouve por conta dessa micro-habilidade.
Outra micro-habilidade de compreensão oral que precisa ser pra- Há teóricos, como Krashen, que consideram a inferenciação uma
ticada é a BUSCA POR IDEIAS GERAIS. Os aprendizes precisam ser micro-habilidade inata. Não sei se ela é inata, mas acredito piamente
capazes de ouvir um texto e, mesmo sem entender seus detalhes, en- que todos inferimos, independentemente do nosso grau de escolari
dade. A inferenciação faz parte da competência comunicativa de to-
tender do que ele trata. Muitas atividades de compreensão oral podem
dos os usuários da língua pelo fato de nós, desde nossa infância, não
ser facilmente adaptadas para a prática dessa micro-habilidade: basta
apenas ouvirmos pessoas fazendo inferências, mas também fazermos
que o professor faça perguntas aos alunos sobre elementos genéricos
inferências. Vemos nuvens no céu e inferimos que vai chover. Quan-
do texto. Eis alguns exemplos de perguntas comumente relacionadas a
do pessoas diferentes ficam nos olhando, inferimos que há algo er-
ideias gerais de um diálogo:
rado ou esquisito com nossa roupa. Se tentamos conversar com uma
cWho are the speakers?
pessoa e ela insiste em nos responder monossilabicamente, inferimos
cWhere are they?
que ela não está a fim de conversar. Há alguns dias, fui a um shopping
cWhat are they talking about?
center e passei apressadamente pelo corredor que conecta o estacio-
Para responder a perguntas sobre pontos genéricos assim, os
namento às lojas. Passei por duas mulheres que conversavam e ouvi o
aprendizes precisam mobilizar conhecimentos linguísticos, obviamen- seguinte trecho:
te, a fim de reconhecerem as palavras, e conhecimentos enciclopédi-
cos. Afinal, os conhecimentos que eles já trazem de suas experiências A - Eu tenho dez chips.
de mundo ajudam no processo de interpretação de textos em língua B - Pra que cê quer dez chips se só tem quatro operadoras?
inglesa. Por exemplo, os sons de talheres e pratos ajudam a situar a Como passei rapidamente, não ouvi o resto da conversa. Confesso
conversa em um restaurante ou na casa de um dos personagens do que fiquei curioso e quase desacelerei para ouvir a resposta de A, pois,
diálogo no horário de uma refeição. Outro exemplo: ao assistirem a para mim, possuir dez chips parece completamente sem lógica. Deci-
um vídeo, os alunos podem utilizar as expressões faciais e gestos dos di seguir meu caminho - fiquei sem saber a razão da criatura, mas

90 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 3 I o ensino da compreensão oral 91


fiquei com esse caso para contar aqui. O que interessa nessa história ral. E um elemento essencial para a rcalizaçao das atividades de ('0111
o fato de eu ter inferido que elas estavam falando de telefonia celular preensão oral são os recursos à disposição do professor. É disso que iI
por causa da palavra chips e da frase quatro operadoras. Isso parece próxima seção trata.
óbvio, não é? Contudo, uma pessoa idosa, avessa às novas tecnologias
de informação e que detesta celulares, não faria a inferência que fiz (e
3.3 Recursos tecnológicos e o ensino da compreensão oral
que você certamente faria). Isso serve de alerta para o professor: pode
haver alunos que não possuem determinados esquemas mentais que Até o advento do ensino comunicativo de línguas estrangeiras, ()
lhes permitam fazer inferências claramente óbvias para o professor, desenvolvimento da compreensão oral dos aprendizes não era alvo de
conforme abordei no capítulo anterior. sistematização. Até aquele momento, no entendimento de muitos t
Brown (2006: 5) dá um exemplo simples e claro de como a infe- ricos, os aprendizes desenvolveriam essa habilidade se fossem expos-
renciação é necessária para a produção de sentidos a partir do breve tos à língua falada - era aquilo que Oavid Mendelsohn, segundo Osa-
diálogo a seguir: da (2004), rotulou cinicamente de "abordagem da osmose", Scarcella
Oxford (1992) também utilizam o termo osmose para criticar Krashcn
WOMAN: We're going out to dinner after class. Do you want to e outros teóricos que acreditam que o desenvolvimento da habilidade
come, toa? de compreensão oral se dá a partir da mera exposição do aprendiz ~l
MAN: Maybe. Where are you going? língua falada.
WOMAN: Pizza King. Preparar atividades especificamente voltadas para o desenvolvi
MAN: Pizza? I lave pizza! mento da compreensão oral e preparar os aprendizes para realizá Ias
eram coisas impensáveis há algumas décadas. Osada (2004) comenta
Afinal de contas, o homem vai ou não vai jantar com a mulher com que a compreensão oral foi negligenciada durante um longo tempo
quem conversa e as outras pessoas? Um ouvinte com a micro-habili- pelo fato de muitos teóricos considerarem-na uma habilidade passiva,
dade de inferência desenvolvida e com um mínimo de capacidade de o que explica a ideia segundo a qual ela seria adquirida pela mera ex-
reconhecimento de palavras responderá que ele vai. E a resposta está posição dos aprendizes à língua falada.
contida nas entrelinhas do enunciado "I love pizza!". Hoje, graças às pesquisas de teóricos vinculados ao ensino comuni-
Em suma, parece realmente que os usuários de uma língua já pos- cativo de línguas, sabemos que a compreensão oral não é uma habilida-
suem a micro-habilidade de inferenciação internalizada, bastando-lhe de passiva, que é a mais difícil para um aprendiz de línguas estrangeiras
transferi-Ia para o uso de uma segunda língua. Entretanto, como não e que, exatamente por isso, precisa ser trabalhada em sala de aula. Por
há evidências de que isso seja verdadeiro, vale a pena o professor ficar conta dessa tomada de consciência e do melhor entendimento do papel
atento às atividades de compreensão oral que envolvem o uso da infe- da compreensão oral no desenvolvimento da competência comunicati-
renciação para ajudar seus alunos a tomarem consciência da sua im- va dos aprendizes, os livros didáticos passaram a contemplar atividades
portância e, assim, ajudá-los a ter a confiança de realizar inferências, voltadas para o desenvolvimento da compreensão oral, que dependem
Aliás, reforçar a confiança é muito importante no caso dos aprendizes de recursos tecnológicos para a reprodução de textos falados.
iniciantes, que costumam se apegar mais ao processo de decodifica- Entretanto, essa relação estreita entre compreensão oral e re-
ção ascendente. cursos tecnológicos precisa ser analisada com cuidado para evitar
As quatro micro-habilidades de compreensão oral são as mais equívocos, como os cometidos pelas pessoas que adotam a aborda-
comumente praticadas nos cursos de inglês exatamente por serem gem da osmose. Afinal, o ato de reproduzir textos falados não sig-
as mais básicas e essenciais para a macro-habilidade de compreensão nifica que a compreensão oral seja alvo de prática. Lembro-me de

92 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 3 I o ensino da compreensão orul


Who em' they'? Wfwl ls Iftdr re[c.t!io'ttshi,,'? Ilow <Ú) Ih('y /('(" ín Iftis
quando estudei num instituto de idiomas que adotava o que eles cha-
mavam de método audiovisual: os professores usavam gravadores d conuersutíon? Quanto à fase de compreensão oral, eles fornerr-m ()
rolo e projetores de filmes para reproduzir textos falados e não havia seguinte procedimento:
sequer uma atividade de compreensão oral até os níveis mais avança- (Iistening) Read the first dialogue with your choice of inflection
dos. Nestes, a única atividade que realizávamos era o preenchimento and intonation, taking both parts. (Or you may pre-record th
de lacunas para a prática do reconhecimento de palavras e frases. Os dialogues with two actors.) Ask the students to think of situa
gravadores de rolo foram substituídos por minicassetes e os projeto- tions. Encourage as many guesses as possible. There is, of cour
res de filmes, por VHS. Provavelmente, na década de 2000, passaram se, no single correct answer (Rost; Wilson, 2013: 33).
a usar cos e ovos, e agora devem usar recursos mais modernos. Mas
acredito que a metodologia não se modificou, pois é um instituto de É o próprio professor que deve ler, em voz alta, os diálogos. Ou
idiomas que ganha muito dinheiro até hoje (e em time que está ga- seja, ele deve representar o papel de dois personagens diferentes, com
nhando não se mexe, não é?). a inflexão e a entonação que quiser. A não ser que ele grave os diálogos
O uso de recursos tecnológicos para as atividades de compreen- com antecedência com dois atores! Ora, ler sozinho e em voz alta cada
são oral é um fator motivador para os aprendizes. Esses recursos reti- um dos diálogos não é nada motivador para os alunos, além de não ser
ram momentaneamente a voz do professor de foco, dando aos alunos a nada próximo do que é um diálogo autêntico; e conseguir dois atores
oportunidade de ouvirem vozes diferentes e apresentando-lhes desa- para gravarem os diálogos é uma tarefa bastante surreal.
fios, especialmente quando as falas ocorrem em velocidades acima da Rost e Wilson apresentam algumas atividades em que há () uso
velocidade pedagógica que o professor está acostumado a imprimir em de vídeos e gravações disponíveis na internet. Por exemplo, eles pro
sala de aula. põem a atividade Word grab, voltada para a prática do reconheci
Por isso O professor deve evitar a ideia de ser ele a fonte exclusiva mento de palavras, e orientam o professor, da seguinte forma, acerca
de voz nas atividades voltadas para a compreensão oral. Além de ser dos materiais:
mais trabalhoso para ele, isso retira dos seus alunos a oportunidade Materiais
mencionada no parágrafo anterior. Curiosamente, Rost e Wilson pu- Any listening passage of at least a minute's length. Stories are a
blicaram um livro em 2013 pela Pearson intitulado Active Listening, o good genre for this activity.
qual propõe dezenas de atividades de compreensão oral nas quais o htpp://storyteller.net/stories/audio contains audio recordings
professor é quem deve ler em voz alta os diálogos e os outros gêneros of fictional stories, fairies tales and myths, told quite slowly and
textuais orais (além de ser aquele que terá um trabalho enorme para appropriately for language learners.
preparar os materiais das atividades). Newspapers and magazines such as Reader's Oigest often con-
Ao apresentarem os procedimentos das atividades, Rost e Wilson tain human interest stories that are short enough to read to the
frequentemente fornecem instruções muito vagas para o professor. c1ass (Rost; Wilson, 2013: 109).
A título de exemplo, comentarei uma atividade que eles chamam de
Pinch and ouch, em que o professor deve levar diálogos curtos e am- Você deve ter percebido que o professor terá de ter tempo, muito
bíguos para os alunos realizarem determinada tarefa. Os autores ex- tempo disponível, para selecionar os trechos. Além disso, os autores dei
plicitam os procedimentos, desde a fase de pré-compreensão oral até xam aberta a possibilidade da leitura em voz alta, o que, já sabemos, é
a fase de pós-compreensão oral. Eles pedem que o professor explique bastante chato para os alunos e uma ação nada próxima de diálogos reais.
aos alunos que ele lhes pedirá para imaginar uma situação para cada As propostas de atividades feitas por Rost e Wilson no livro Acuw
um dos diálogos com base nestas perguntas: Where are the speakers? Listening são inadequadas para o contexto brasileiro por, pelo menos,

94 1\1110cio Inglôs: do planejamento à avaliação


CAPiTULO 3 I o ensino da compreensão ornl
três razões. A primeira é a carga de trabalho cxtraclasse imposta a
professor, que deverá procurar os materiais e prepará-Ios para as aulas
(sem ser remunerado por isso!). A segunda é o fato de tais atividades
retirarem o fator motivador que os recursos tecnológicos trazem para
os alunos. E a terceira razão é o fato de não oferecerem aos alunos vo-
zes diferentes, deixando a cargo do professor a leitura em voz alta de
todas as falas de um diálogo.
Um ponto que ainda preciso comentar é o fato de Rost e Wil-
son proporem o uso de vídeos e áudios disponíveis na internet. Eles
o ensino da leitura
se demonstram, com isso, antenados e pari passu com o papel que as
novas tecnologias da informação podem desempenhar no ensino e no
aprendizado de línguas estrangeiras. Há, inclusive, uma tendência de
as editoras pararem de produzir CDS de áudio para os livros didáticos: leitura é um processo cognitivo de constru-
elas manteriam um hot site com os áudios ali disponíveis a alunos e
professores. Contudo, o uso de recursos da internet para a realização
de atividades de compreensão oral na sala de aula tem prós e contras.
A j
ção de sentidos a partir de um texto escrito,
que pode conter imagens. Esta é uma definição
tranquila, passível de ser aceita sem contestação. Gos-
Vejamos: taria de enfatizar duas frases nessa definição: constru
ção de sentidos e processo cognitivo. A ênfase se deve
PRÓS CONTRAS ao fato de a leitura não se reduzir à mera decodifica-
O professor tem muitas possiblidades O professor precisa de muito tempo
ção de símbolos impressos no papel, na tela, na cami-
de encontrar vídeos e áudios na internet. extra classe para garimpar os materiais seta ou em outros suportes: os sentidos são produzi
adequados e não será remunerado dos a partir da interação entre o que está no texto e os
pelo tempo gasto nessa tarefa.
conhecimentos que o leitor traz para o ato de leitura.
O uso de materiais que se encontram O acesso ao hot site das editoras de- Esses dois fatores, os símbolos linguísticos im-
em um hot site torna desnecessária pende da boa conexão da internet na pressos e os conhecimentos do leitor, suscitam algu-
a compra de cos de áudio, que geral- escola. Se a conexão cair ou estiver len-
mente são caros. ta na hora da aula, não dá para realizar
mas dificuldades no ensino da leitura, grosso modo,
as atividades. categorizáveis em dois grupos. Um grupo é o das di-
ficuldades textual-linguísticas, relacionadas ao nível
o professor precisa levar em consideração os prós e contras do de conhecimentos que os alunos possuem (ou não) da
uso de recursos tecnológicos no ensino da habilidade de compreensão língua inglesa e dos gêneros textuais. O outro grupo
oral, que, como vimos, não é uma habilidade passiva, e sim receptiva. O é o das dificuldades de leitura, relacionadas às habili-
próximo capítulo tratará da outra habilidade receptiva: a leitura. dades que eles possuem (ou não) como leitores em lín-
gua portuguesa, habilidades passíveis de serem trans-
feridas para a leitura em língua inglesa. Entretanto,
há um tipo diferente de dificuldade à qual o professor
precisa ficar atento e que não se encaixa em nenhum
desses dois grupos: a resistência que os alunos podem

I1 96 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 4 I o ensino da 1000ur I

II
o ensino da fala
história do ensino de línguas estrangeiras nos
mostra que a fala nem sempre teve lugar 11(l
sala de aula. O método de gramática e tradu
ção, por exemplo, lhe nega esse espaço, difcrcntcnun
te do que fazem o método direto e a abordagem ('0
municativa. Ainda há, no Brasil, muitas escolas, ('ol!'
gíos e faculdades que lançam mão do método de grél
mática e tradução. Entretanto, é seguro afirmar que
todos os institutos de idiomas em nosso país incluem
o desenvolvimento da fala dos seus alunos não apenas
nas suas listas de prioridades, mas também nos seus
anúncios publicitários. Existem cursos que chegam :1
anunciar milagres deste tipo: "Fale inglês em 3 meses".
Ora, os religiosos dogmáticos que me desculpem, mas
não há milagres no processo de ensino-aprendizagem
de línguas estrangeiras. Para aprender a falar inglês,
o aprendiz tem de ralar. Ele tem de estudar, de se d
dicar, de praticar. A não ser que esses cursos tenham
uma ideia bem limitada do que "falar inglês" signifi
que. Se eles entendem "saber falar inglês" como sendo
a capacidade de se dizer My name's Luciano e 1 am
Brazilian e a capacidade de responder a meia dúzia
de perguntas, então o que eles anunciam é possível.
Porém, se por "falar inglês" entendemos a capacida
de de interagir com outras pessoas utilizando a língua

CAPiTULO 5 I o ensino do lolu


inglesa, entendendo-as c fazendo-nos entender acerca de assuntos método de ensino adotado pelo professor. Mas existem também luto
diversos, três meses é obviamente uma pequena parte do começo do res de ordem psicológica, importantíssimos para o desenvolvimento dél
processo de desenvolvimento da fala. fala dos aprendizes, que nos colocam diante da seguinte questão: QUE
Tal processo envolve o aprimoramento da pronúncia das palavras BARREIRAS PSICOLÓGICAS ATRAPALHAM O DESENVOLVIMENT
na fala encadeada e o desenvolvimento de conhecimentos linguísticos, DA FALA?
enciclopédicos e textuais, de micro-habilidades, da precisão gramati- O professor precisa pensar sobre essa questão porque a aprcn-
cal' e da fluência. Podemos perceber que não se trata de um processo dizagem de uma língua é uma atividade que envolve não apenas éI
simples. Exatamente por essa razão, os aprendizes que não são autodi- cogníção, mas também os estados psicológicos dos aprendizes. Esses
tatas (ou seja, quase todos os aprendizes) precisam da ajuda do profes- elementos são tão importantes que Lozanov propôs a suggestopeclicl
sor para desenvolverem a fala de maneira eficaz e consistente. O papel concentrando-se em formas de superar as barreiras psicológicas que
do professor nesse processo é essencial, principalmente nos níveis ini- eles podem criar e que dificultam a aprendizagem. E fontes de barrci
ciantes de aprendizagem. ras psicológicas muito comuns são a timidez e o medo de errar, que
E para ajudar seus alunos nesse processo, o professor de inglês acabam provocando nos aprendizes ansiedade e insegurança, princi
precisa evitar a questão que historicamente se instaurou de maneira palmente nas atividades de fala.
confusa em torno do ensino da fala: ela é um fim em si mesma e deve Há pessoas com barreiras psicológicas tão fortes que se rccusnm
ser pensada como uma habilidade a ser desenvolvida ou é apenas um a responder uma pergunta do professor diante de todos os colegas.
meio para se desenvolverem conhecimentos gramaticais e a pronún- Essa recusa pode se dar de maneira explícita ou camuflada, que se mu
cia? Atualmente, o professor de inglês bem informado sabe que a fala terializa na forma da resposta I don't know. Lembro-me de uma situa-
deve ser vista como uma habilidade que os alunos precisam desenvol- ção, em 1990, durante uma aula em que eu estava revisando a pronún-
ver para serem usuários competentes da língua e que ela depende do cia dos nomes de cidades e de países, na qual perguntei a uma aluna da
desenvolvimento dos conhecimentos linguísticos, aí incluído o aprimo- minha idade: What's the capitaL af EngLand? Ela prontamente respon
ramento da pronúncia. deu: I dan't knaw. Ao final da aula, quando todos se retiraram, ela me
Com o objetivo de ajudar o professor na tarefa de ajudar seus alu- disse em português bem claro e com um tom irritado: "Nunca mais me
nos a desenvolverem sua fala, escrevi este capítulo e o dividi em três faça perguntas de geografia numa aula de inglês!". Enfatize-se que era
seções. Incialmente, abordo três questões essenciais para o ensino da um estágio da aula voltado para a reciclagem de vocabulário: não era
fala. Em seguida, trato do papel das atividades de pré-fala no ensino da uma atividade de produção oral complexa, embora estivesse tentand
fala. Finalizo o capítulo comentando micro-habilidades de fala. estabelecer um diálogo simples com ela. Felizmente, esse é um caso
extremo de barreira psicológica e, por isso, raro. O mais comum é a
5.1 Três questões importantes: barreiras psicológicas, existência de alunos temerosos de cometerem erros ao falar. E esse V'-
leitura em voz alta e fluência vs. precisão mor acaba provocando uma espécie de timidez contingencial no aluno,
que não necessariamente é tímido, mas que sente insegurança e evita
Existem vários fatores didático-pedagógicos que interferem no tentar falar para não correr riscos.
desenvolvimento da fala dos aprendizes, como, por exemplo, o tempo Como o professor pode ajudar os alunos que sentem medo de erra r
de exposição ao inglês falado e escrito, o tempo investido na práti- a tentarem se arriscar, a não evitarem tentar falar na sala de aula? Sei
ca da fala, seu nível de conhecimentos linguísticos e enciclopédicos, o que estamos aqui retornando à questão do gerenciamento da sala de
aula, retorno inevitável quando falamos de ensino da fala. Por isso, V"
Optei por usar o termo precisão gramaticaL como equivalente do termo accuracy. jamos algumas sugestões para o professor conseguir essa diminuição.

I\ulo do inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 5 I O ensino da foln 1,


No prirnciro dia de aula, eu costumava perguntar nos meus alunos do trabalho em grupo: "Determinadas capacidades de um iuclivkluo
se havia alguém tímido naquele grupo. Invariavelmente, alguns levan- não são trazidas à Lonaa não ser sob o estímulo da sua associaçao com
tavam a mão. Eu levantava a minha mão também e dizia-lhes que sou outros indivíduos" (Dewey, 1916 apud Ellis, 2004: 266). Entretanto, Ellis
tímido, embora muitas pessoas não acreditassem naquilo. Afinal, eu lembra que "nem Lodos os aprendizes estão positivamente dispostos
sou um professor! Explicava-lhes, então, que não posso deixar minha a trabalharem com outros aprendizes na realização de tarefas" e cita
timidez interferir no meu trabalho e que eles também não deveriam uma pesquisa feita por Ken Willing com estudantes imigrantes na Aus
deixar sua timidez interferir no seu aprendizado. Dizia-lhes que errar trália, a qual revelou que os alunos pesquisados afirmaram ser as tare-
é parte natural do processo de aprendizagem e que, por isso, eles não fas em duplas aquelas das quais eles menos gostam (Ellis, 2004: 266). A
deveriam ter medo de errar. Lernbrava-lhes que só podemos aprender mensagem que isso passa para o professor é que ele deve estar atento
a falar falando: não há outro jeito. ao perfil do seu grupo de alunos para gerenciar as atitudes deles pa ra
O objetivo dessa conversa com meus alunos logo no primeiro dia com o trabalho em dupla.
de aula era criar cumplicidade entre eles e entre eles e mim. A sensa- No capítulo anterior, comentei que há casos curiosos em que alu
ção de cumplicidade, de união em torno do objetivo de aprender inglês, nos tímidos pedem para ler texto em voz alta. Para muitos desses alu-
contribui positivamente para ajudar os alunos a se sentirem mais se- nos, a leitura em voz alta na sala de aula lhes dá a sensação de que
guros, mais autoconfiantes, sem medo de errar. Incentivar os alunos estão falando inglês. E aí surge a segunda questão desta seção: A LEI-
a se arriscarem, a tentarem se expressar oralmente na sala de aula é TURA EM VOZ ALTA É UMA FORMA DE FALA?
importantíssimo para eles se sentirem estimulados a tentar falar. Não!
Além de conversas, há medidas práticas que contribuem para a Ler em voz alta não é falar, é oralizar textos escritos. O professo!'
diminuição do medo de errar que alguns alunos sentem. Uma delas é precisa ter consciência disso para não cair na armadilha de acredita!'
fornecer instruções bem claras para os alunos realizarem as atividades que seus alunos estão falando inglês ao realizarem leituras em voz alta.
de fala. Isso faz com que eles se sintam seguros quanto ao que têm de Já vi professores colocarem no quadro um tipo de atividade de fala que
fazer. Instruções confusas podem levar os alunos a sentirem dificulda- é uma espécie de diálogo que segue um formato semelhante ao qu
des na realização das atividades e até a acreditarem que as dificulda- apresento a seguir:
des que sentem são causadas por sua incapacidade.
A-Hi.
Outra medida prática é não colocar os alunos tímidos no centro
B
das atenções da turma. O trabalho em duplas, o popular pair work, se
A - How are you?
apresenta como uma forma de implementar essa medida, já que o alu-
B- _
no só se expõe a um colega. O professor pode também atribuir iden-
A - Do you want to go to the movies tonight?
tidades diferentes aos alunos em role plays e scenarios. Assim, se eles
B- _
cometerem erros, quem estará errando são os personagens, não eles
A - Blade Runner is playing again.
mesmos. Aliás, essa é uma solução proposta por Lozanov na suggesto-
B- _
pedia para ajudar a diminuir as barreiras psicológicas (Oliveira, 2014).
A - At the Savoy.
Vale lembrar que scenarios nada mais são do que atividades de role
B- _
play que envolvem uma situação específica para estabelecer o contex-
A - Seven-thirty is fine.
to para o diálogo que os alunos realizarão.
B- _
Entretanto, as atividades em dupla não são unanimidade. John
A - See you there. Bye.
Dewey talvez tenha sido a primeira pessoa a falar sobre as vantagens

134 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 5 I o ensino da falo 13~


Se observarmos atentamente esse tipo til' diúlogo, um dos alu a mensagem independentemente da forma como ela é transmitida. Na
1l0S não fala nada, pois ele apenas lê em voz alta, Nesse exemplo, é o verdade, o que é importante para os aprendizes é aprenderem a usar
que acontece com A. Apenas B produz enunciados: A apenas reproduz a língua inglesa para ínteragirem com outras pessoas de maneira ade-
cuunciados. Além disso, o aluno que desempenha o papel de B nem quada e precisa.
pl ccísa ouvir o que A diz porque pode ler as falas de A: não há um abis- Ficou claro: o professor precisa ajudar seus alunos a combaterem
mo de informações. o medo de errar, a não confundirem fala com oralização de textos es-
utro tipo de atividade que pode provocar ilusões quanto ao critos e a se conscientizarem de que a fluência e a precisão gramatical
aluno estar falando inglês é a apresentação oral. Nela o aluno tem de são igualmente importantes.
apresentar oralmente determinado tema por, digamos, cinco minutos. Passo agora a tratar da preparação dos aprendizes para as ativi-
I:: um excelente tipo de atividade, potencialmente muito boa para a dades de fala.
prática da fala, principalmente se estiverem nos níveis mais avançados.
() problema é esse "potencialmente" que usei aí. Explico: há alunos que
5.2 O papel das atividades de pré-fala
simplesmente memorizam um texto inteirinho e a apresentação não
passa de uma espécie de leitura em voz alta a partir de um texto im- Já vimos a importância de preparar os alunos para as atividades
presso em sua memória. Por isso, o professor precisa estar atento para de compreensão oral e de leitura. Similarmente, o professor não deve
não cair nas armadilhas das coisas que parecem com a fala, mas que simplesmente dar instruções para que seus alunos, em seguida, come-
são apenas leituras em voz alta. cem a realizar uma atividade de fala. Ele tem de prepará-los para ela.
A terceira questão que me propus abordar nesta seção é esta: A Geralmente, o livro didático traz atividades de pré-fala, mas, se não as
FLUÊNCIA É MAIS IMPORTANTE DO QUE A PRECISÃO GRAMATI- trouxer, caberá ao professor suprir essa lacuna.
AL? Se respondermos "sim" a essa pergunta, estaremos aderindo à Um dos objetivos das atividades de pré-fala é ESTABELECER O
ideia segundo a qual o importante é que o aprendiz consiga transmitir CONTEXTO dentro do qual os alunos devem situar a atividade de fala.
sua mensagem de maneira que seu interlocutor a entenda. Isso implica Esse objetivo se aplica tanto a uma simples atividade com abismo de
que a precisão gramatical chega até a ser irrelevante. Por exemplo, se informações voltada para as práticas do alfabeto quanto a um role
perguntado "What did you do Iast night?", o aprendiz pode responder play ou scenario voltado para a prática de funções comunicativas mais
'" go movie". É verdade que seu interlocutor entenderá o que ele quis complexas, como convencer alguém a aderir a um ponto de vista. Por
dizer. Afinal, "quanto mais contexto, menos gramática", de acordo com exemplo, se o professor vai utilizar um role play em que um aluno é o
Scott Thornbury (1999: 8). Mas também é verdade que seu interlocutor garçom e outro aluno é o cliente em um restaurante, o professor pode,
saberá que o aprendiz sabe pouco inglês. Só que o entendimento pode como atividade de pré-fala, fazer perguntas sobre o ato de comer fora,
se complicar em outras situações. Imagine que o aprendiz quer dizer e.g., How often do you eat out?, What kind of food do you like?, What's
a seu interlocutor que é casado há cinco anos e que ele produza o se- your favorite dish?
guinte enunciado: "I was marriedfive years". Agora seu interlocutor vai Ao estabelecer um contexto, o professor ajudará seus alunos a ATI-
ntender que o aprendiz não é mais casado. VAREM OU CONSTRUÍREM ESQUEMAS MENTAIS necessários para a
Percebe-se que a resposta correta à pergunta "a fluência é mais realização das atividades de fala, o que se constitui em outro objeLivo
importante que a precisão?" é "não". Ambas são igualmente importan- das atividades de pré-fala. Já vimos, nos dois capítulos anteriores, que o
tcs para o desenvolvimento da fala dos aprendizes de inglês. Uma con- brainstorming é uma atividade que ajuda os alunos a ativarem esquemas
scquência dessa resposta é a recusa a um dos mitos que se instaura- mentais e que ela pode culminar em um mapa semântico. Por exemplo,
ram em torno da abordagem comunicativa: o que importa é transmitir imagine que o professor preparou uma atividade de fala que depende da

6 I\ula de inglês: do planejamento à avaliação CAPITULO 5 I O ensmn do 111111 137


rculizaçào de funções comunicativas. Ele pode solicitar aos alunos qu
1. Hi. Is Mary there?
digam formas diferentes de realizar as funções que ele lhes disser. Se na
2. Would you like to leave a message?
atividade houver as funções greet someone e make a request, o profes-
3. Good morning. Sean speaking. May I help you?
sor pode escrevê-Ias no quadro e, abaixo delas, ir escrevendo o que os
4. Can I speak with Janet?
alunos forem dizendo. O quadro provavelmente ficaria com as seguin-
5. 1'11tell her to call back.
tes formas linguísticas em uma turma de nível intermediário:
6. Is this Henry?
7. She isn't here right now. Do you wanna leave a message?
GREET SOMEONE MAKE A REQUEST
Hi. Please _
Helio. Could you ? Ao mesmo tempo em que permite ao professor diagnosticar s
Good morning. Is it OK if I ? seus alunos têm consciência das diferenças de registro entres as for-
Good afternoon. Do you mind ? mas linguísticas apresentadas na lista, essa atividade serve para ajudar
Good evening. Would you mind ? os alunos a ativarem esquemas mentais e a se aprontarem para se en-
Hey! What's up? I'd appreciate if you __ . gajarem na atividade de fala.
Will you ? No estágio da pré-fala, o brainstorming pode ser associado à cs
crita. Para exemplificar isso, voltemos ao exemplo anterior. Imagine
Objetivo importante das atividades de pré-fala é DIAGNOSTI- que o professor planeja que seus alunos ativem esquemas mentais re
CAR A FAMILIARIDADE DOS ALUNOS COM O TÓPICO DA ATIVI- lacionados às funções comunicativas greet someone e make a request.
DADE. Para realizar o diagnóstico, o professor pode fazer perguntas Ele pode solícítar-lhes que anotem formas linguísticas para cada uma
aos alunos relacionadas ao tópico da atividade de fala. Por exemplo, das funções e lhes dá um minuto exato para fazerem as anotações.
se a atividade é sobre a localização de prédios públicos e privados Depois o professor pede que eles socializem com os colegas o qu
nas ruas, ele pode projetar um mapa e fazer perguntas sobre a loca- anotaram. Isso ajuda alguns alunos a ouvirem formas linguísticas das
lização de determinados estabelecimentos e prédios: What's next to quais não se lembravam.
the schooL?, Where's the barber shop?, e assim por diante. Pode tam- Uma vez preparados para realizarem as atividades de fala, os alunos
bém colocar no quadro preposições e locuções prepositivas que ex- estão prontos para darem seguimento a seu aprendizado de inglês de-
pressam posição (e.g., across from, between, next to, on the right) e senvolvendo micro-habilidades de fala. É disso que trata a próxima seção.
solicitar aos alunos exemplos que as contenham. Assim, ele poderá
diagnosticar se esse vocabulário será ou não um entrave para a reali- 5.3 Micro-habilidades de fala
zação da atividade, analisando a necessidade de reapresentá-lo antes
da atividade de fala. A fala requer o desenvolvimento de diversas micro-habilidades
Um tipo de atividade útil para diagnosticar o conhecimento dos para as quais o professor deve estar atento, a fim de garantir que seus
alunos, ativar esquemas e estabelecer o contexto é o popular Odd man alunos tenham oportunidades de desenvolvê-Ias. Nesta seção, veremos
out. Imagine que os alunos realizarão um diálogo funcional no qual de- cinco delas.
vem manter uma conversa telefônica formal. O professor pode prepa- E a primeira é a PRODUÇÃO INTELIGÍVEL DOS SONS. Obvia-
rar uma lista de frases para eles riscarem da lista aquelas que não se mente, estamos aqui falando da pronúncia. Enfatize-se o modificado r
adequam ao registro formal. Eis um exemplo de elementos que pode- inteligíveL para que o professor não caia na armadilha do mito do fala n
riam compor essa lista: te nativo. Esse mito baliza os objetivos de alguns métodos de ensino,

138 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 5 I O ensino do 1010 13!l


('OI1l0 o 11)('(Odo aucliolinguul, os quais estabelecem o nível de proücí- visitar a Alemanha certa vez, alguém elogiou sua pronúncia c sua flu-
('n('in c o nível de pronúncia a serem atingidos pelos aprendizes como ência, dizendo-lhe que ele falava alemão como um nativo. Bolitho nos
sendo os níveis de um falante nativo. Conforme discuto alhures (Oli- disse que aquilo o incomodou profundamente, porque não queria soar
veira, 2014), o falante nativo é um mito porque é um conceito vago, como um alemão, não queria soar como um falante nativo: ele queria
.xtrcmamente difícil de ser definido para ser usado como balizador ou soar como um britânico, pois britânico é o que ele é. Ele não queria
parârnetro de algo em termos de aprendizagem de inglês. Para resumir perder esse traço identitário.
essa discussão, apresento uma lista de falantes cuja primeira língua é O depoimento de Bolitho foi muito legal. Ele me faz pensar nos
o inglês, o que, em tese, Ihes confere o rótulo de falantes nativos. Você brasileiros que sonham falar inglês como um falante nativo (seja lá o
consideraria todos como falantes nativos? Em caso afirmativo, consi- que isso signifique), o que pode trazer subjacente uma séria questão de
deraria todos o tal modelo de falante nativo sobre o qual tanto se fala subalternidade, do desejo de ser o Outro colonizador.
na área de ensino de inglês? Os livros didáticos trazem atividades para a prática da pronúncia
oum nova-iorquino negro cujo dialeto é o ebonics; envolvendo os sons vocálicos e consonantais, a tonicidade e a entona-
o uma londrina branca analfabeta cujo dialeto é o cockney; ção. Há atividades, por exemplo, voltadas para os pares mínimos, que
o uma jamaicana mestiça com escolaridade completa; objetivam desenvolver a consciência dos aprendizes a respeito das di-
o um australiano aborígene semianalfabeto; ferenças semânticas que os sons vocálicos provocam e do fato de uma
oum estadunidense pardo cujo dialeto é o texano; mesma vogal possuir mais de uma forma de realização, a depender
ouma irlandesa mestiça com escolaridade incompleta. do ambiente fonológico em que está inserida, como é o caso desses
Acredito que você considere nativos todos os falantes dessa lista, exemplos:
mas desconfio que você não elegeria todos como exemplos do proto-
típico falante nativo do qual tanto se fala em anúncios de cursos de not - note kit - kite cap - cape mutt- mute

inglês e em TTC's. Duvido que algum professor brasileiro pretenda que hop - hope sit - site mad - made cut - cute
seus alunos adotem o paradigma verbal do ebonics para o simple pre- cop - cope shin - shine hat - hate jut - jute
sent ou a forma ain't para o verbo to be. Duvido também que algum
professor brasileiro pense no jamaicano ou na irlandesa ao ouvirem Contudo, os livros didáticos produzidos fora do Brasil não apre-
"falante nativo". Simplesmente, não é esse o esquema FALANTE NATIVO sentam os problemas que os aprendizes brasileiros costumam ter ao
que a maioria dos professores brasileiros de inglês possui. produzirem os sons em inglês. O professor é quem tem de planejar ati-
É preciso estar claro na cabeça dos professores de inglês que os vidades voltadas para tais problemas ou abordá-los incidentalmente à
alunos precisam aprender a pronunciar as palavras de forma inteligí- medida que eles surgirem na sala de aula. Vejamos alguns deles.
vel, de maneira que sejam entendidos. Afinal, eles não precisam apren- Um problema bem conhecido dos professores é a produção das
der a pronunciar as palavras como um falante nativo, que, como vimos, consoantes fricativas interdentais surda j8j e sonora jôj, que, res-
um conceito escorregadio, vago. O sotaque não é relevante para a pectivamente, são os sons do dígrafo th de thanks e there. Os apren-
interação com outros falantes, desde, que, repito, ele não interfira na dizes brasileiros têm dificuldade para reproduzir esses sons por uma
inteligibilidade. razão muito simples: esses sons não existem no português brasileiro.
Aliás, há, nesta discussão sobre pronúncia e falante nativo, uma Assim, eles acabam substituindo esses sons por outros: /v/, jfj, jsj,
questão identitária muito importante. Em 1998, participei da Laurels jz/, jt/, jd/ Por isso, o professor precisa falar com seus alunos sobre
Tcacher Trainers' Convention em Maceió, e tive a oportunidade de ou- esses dois sons, orientá-Ios acerca de como pronunciá-Ios e rnonitorur
vir Rod Bolitho comentar sua proficiência em alemão. Ele disse que, ao essa produção.

o Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 5 I O ensino Ilu fll!tl 141


A letra E no final de palavras em inglês também apresenta uma pontual é cntonação das chamadas W 11quesuons e das tag 4IH'stio/ls.
dificuldade para os aprendizes brasileiros. Pelo fato de, em português, omo as perguntas em português sempre são pronunciadas com <:11
a letra E ser pronunciada no final das palavras, geralmente de forma tonação final ascendente, os aprendizes brasileiros tendem a fazer a
átona, eles acabam fazendo a mesma coisa com as palavras inglesas. mesma coisa em inglês. O problema é que as perguntas que são ini
Assim, em vez de Ineymj, eles pronunciam Ineymij ao pronunciarem ciadas com pronomes interrogativos, as W-H questions, devem ser
a palavra name. Curiosamente, a palavra coffee (/kofij), que tem dois pronunciadas com entonação final descendente. Já as tag questions
EE no final, é pronunciada por muitos brasileiros da forma que se pro- são pronunciadas com entonação final ascendente se o locutor esti
nuncia a palavra cough (/kof/). O professor precisa chamar a atenção ver verificando uma informação junto ao seu interlocutor, e aí elas são
de seus alunos para esses detalhes. perguntas mesmo, ou com entonação final descendente se o locutor
Um terceiro problema enfrentado pelos aprendizes brasileiros é a estiver apenas buscando a confirmação de algo junto ao interlocutor,
falta de consciência do papel que a tonicidade pode desempenhar na Se o professor não chamar a atenção para problemas pontuais
diferenciação entre verbos e substantivos homógrafos. Há pares deles como esses e outros que encontrar durante as aulas, seus alunos terão
em que um dos membros, cuja sílaba tônica é a primeira, é substantivo, dificuldade até de saber que eles existem, e isso se refletirá negativa-
enquanto o outro membro, cuja sílaba tônica é a segunda, é verbo. O mente na sua capacidade de automonitoramento. Afinal, se seus alunos
quadro a seguir traz alguns pares de verbos e substantivos homógrafos pronunciarem algo de maneira inadequada e se ele não os ajudar a se
para ilustrarem isso (a sílaba tônica está em negrito): conscientizarem da inadequação, eles não saberão que a inadequação
existe e, assim, não terão como se automonitorar.
NOUN
Outra micro-habilidade importante é o USO APROPRIADO DOS
VERB
ELEMENTOS GRAMATICAIS E DO VOCABULÁRIO. Para se tornarem
refuse to refuse falantes eficientes de inglês, os aprendizes precisam ter um vocabulá-
increase to increase rio amplo e saber usar as palavras adequadamente. Simultaneamente,
eles precisam dominar os elementos sintáticos, como as regras de con-
decrease to decrease
cordância e de conjugação verbal. Note que estamos falando do desen-
record to record volvimento da precisão dos aprendizes.
import to import
Um tipo de atividade voltada para o desenvolvimento dessa mi-
cro-habilidade é o popular Find someone who ..., que se encaixa na ca-
conflict to conflict tegoria guarda-chuva das cocktaiL party activities, aquelas que exigem
permit to permit que os alunos se levantem e circulem pela sala de aula. Eis um exemplo:

FINO SOMEONE WHO ...


Há ainda problemas pontuais que muitos aprendizes brasileiros
podem ter no processo de aprimoramento da pronúncia. Por exemplo, 1. went to the beach last Saturday.
muitos aprendizes não sabem que as palavras there, their e they're são 2. saw a movie yesterday.
pronunciadas da mesma forma. Outro exemplo é o hábito de pronun- 3. ate at a restaurant last week.
ciarem a palavra eraser com a fricativa alveolar sonora Izl em vez da 4. read the newspaper yesterday morning.
fricativa alveolar surda Is! Além disso, eles costumam não saber que 5. bought a book last month.
o verbo perifrástico have to é pronunciado com a fricativa labiodental 6. ate bacon and eggs for breakfast today.
surda Ifl em vez da fricativa labiodental sonora Iv! Outro problema 7. took a shower last night.

142 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 5 I O ensino do Inln 14 a


Esse tipo de atividade IlOS permite alglllllíls consklcraçõcs. 1\ pri- produzem. Se o livro didático adotado pclo instituto de idiomas ou pela
nu-ira é a assunção de que a rcpctlçao é necessária para o descnvol- scola em que leciona não oferecer atividades voltadas para o uso apro
virncnto da fala. E cssc é um tipo de atividade dc repetição do padrão priado de registros, ele deverá planejar atividades que deem foco a isso.
verbal Did you ...? Contudo, não é aquela repetição mecânica, sem sen- Uma atividade útil para que a prática desse micro-habilidade é
tido, proposta pelo método audiolingual. A segunda consideração é aquela em que o professor pede aos alunos para, em duplas, criarem
que podemos notar que essa atividade de repetição é significativa por um diálogo entre as personagens que o professor indicará às duplas.
ter um propósito a ser atingido, além de possuir um abismo de infor- Quando as duplas terminarem de preparar os diálogos, cada uma delas
mações, apesar de não haver opções de escolhas de formas linguísticas terá que encenar o diálogo para que os colegas digam se o diálogo foi
para os alunos realizarem as perguntas. Podemos perceber claramente
formal ou informal e para que tentem adivinhar a relação existente en-
que o foco dessa atividade é a prática da formação de perguntas do
tre os personagens. O professor, então, distribui cartões com as duplas
tipo YES-NO no simpLe past com verbos irregulares. E os aprendizes
de personagens, como estas:
precisam, dentre outras coisas, saber fazer perguntas sobre eventos
o boss - employee;
passados para ampliarem sua competência comunicativa. Daí a neces-
o doctor - patient;
sidade de praticarem o uso do simpLe pasto A terceira consideração é
o hotel receptionist - guest;
que atividades voltadas para a prática de estruturas gramaticais são
o detective - suspect;
propostas por um dos mais influentes proponentes da abordagem co-
o mother - daughter;
municativa, William Littlewood (1991),o que reforça a desconstrução
do mito segundo o qual não se pratica a gramática nas aulas da abor- o salesperson - customer;
o friend - friend.
dagem comunicativa. Afinal, tanto a fluência quanto a precisão grama-
tical precisam ser desenvolvidas pelos aprendizes para que eles pos- O scenario é outro tipo de atividade em que os papéis atribuídos
sam, consequentemente, desenvolver sua competência comunicativa. aos alunos os forçam a escolher uma linguagem mais ou menos formal.
O USO APROPRIADO DOS REGISTROS é outra micro-habilidade Basta que o professor, ao elaborar o scenario, escolha personagens que
de fala muito importante e faz parte da competência sociolinguística. façam os alunos optarem por formas linguísticas mais ou menos for-
Saber adequar a fala aos diferentes contextos e aos diferentes interlocu- mais. As duplas de personagens do exemplo anterior podem ser o pon-
tores faz parte da competência sociolinguística de um usuário da língua. to de partida para se criar um scenario. Eis um exemplo:
Dois elementos marcam os graus de formalidade na interação so-
cial. Um deles são as escolhas lexicais. Por exemplo, os verbos frasais, STUDENT A: You are a hotel receptionist in London. There is
como to Look up to, to get away with, to caH off e to give up, são ge- only one room available today. It has a single bed but no view.
ralmente empregados em situações informais. As gírias, como dude e It is on the first floar. The computer system is offline, so you
awesome, obviamente, ocorrem em situações informais. Há verbos mo- cannot check reservations.
dais, que expressam usos sociais, que tendem a ocorrer em situações
informais, como é o caso de can e couíd, e que tendem a ocorrer em STUDENT B: You are a businessman and has just arrived in
situação formais, como é o caso de may, wouLd e wiLL O outro elemen- London. You are at a hotel where you have for the penthouse
to que marca graus de formalidade são as estruturas gramaticais. Por suite overlooking the Thames. You are very tired and it is alre-
xemplo, I wish I was e I ain't são estruturas informais, cujas estruturas ady 11 P.M.
formais correspondentes são I wish I were e I am not respectivamente.
É importante que o professor chame a atenção dos seus alunos O professor explica aos alunos que eles receberão um cart ao
para a necessidade da adequação sociolinguística dos enunciados que com uma personagem que deverão encarnar e resolver a sítuaçao ;di

.4 4 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 5 I O ensmo dn fnln 14 r


descrita. Entü<>,ele distribui o cartão, dá a eles uns dois minutos para Em diálogos funcionais, os alunos precisam escolher que for-
lerem c se prepararem para iniciar a conversa. mas linguísticas usar. Nesse exemplo específico, os alunos precisam
Existe um tipo de atividade chamada diálogo funcional. Ele foca perceber que o registro da conversa é formal para poderem escolher
a REALIZAÇÃO DAS FUNÇÕES COMUNICATIVAS, outra importan- as formas linguísticas mais adequadas para realizarem as funções
te micro-habilidade de fala, mas também serve para a prática do uso indicadas.
apropriado dos registros. Nela há dois grupos de comandos a partir A última micro-habilidade que abordo nesta seção é o USO DE
de funções comunicativas que os alunos devem realizar com formas ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO, que servem para o falante superar
linguísticas apropriadas. A seguir, um exemplo desse tipo de atividade. problemas de comunicação no momento da interação e, assim, pro-
SPEAKING ACTIVITY: Functional dialog.
duzirem os sentidos que desejam transmitir a seus interlocutores. Os
aprendizes brasileiros provavelmente já levam para a aula de inglês es-
LEVEL: Upper intermediate.
tratégias de comunicação que construíram ao usarem a língua portu-
PROCEOURES: Tell your students that they'll work in pairs and guesa. Entretanto, é possível que eles não tenham consciência delas. É
that they'lI receive a card with a group of commands. Tell them aí que entra o professor para ajudar seus alunos a tomarem consciên-
they cannot look at their partner's cardo Pair them off and distri- cia dessas estratégias ou até a tomarem conhecimento da existência
bute the cards. de algumas delas.
CAROS: O professor pode planejar uma aula ou mais de uma aula para
apresentar a seus alunos as estratégias de comunicação e formas lin-
STUDENT A: You work in the marketing department of a big guísticas de materializá-Ias. Há cinco estratégias que devem ser apre-
company. This Friday you and your colleagues are going to a din- sentadas e comentadas em sala de aula.Vejamos cada uma delas.
ner party at your house. You are responsible for inviting your boss. A primeira delas é NEGOCIAÇÃO DE SENTIDOS. Uma forma de
1. Greet B. negociar sentidos é repetindo algo que o interlocutor disse, o qual,
2. Ask B if he/she has plans for this Friday. em seguida, parafraseia o que disse antes. Por exemplo, se o professor
3. Give an explanation and invite B to join you. pergunta a uma aluna "Do you like seafood?",e ela não sabe o que é sea-
4. Answer B's questiono food, ela pode repetir "Seafood?", com uma interrogação na testa, e ele
5. Tell B your address. provavelmente dirá "Fish, shrimp, lobster..". Ela também pode solici-
6. Answer B's questiono tar um esclarecimento, repetindo ou nãoa palavra, dizendo "(Seafood?)
7. Say goodbye. What do you mean?", ou dizendo "I don'tunderstand".
A segunda estratégia de comunicação é a CIRCUNLOCUÇÃO, que
é o uso de várias palavras para se dizer algo,descrevendo esse algo. Por
STUDENT B: You are the director of a big company. You are
exemplo, se a aluna do parágrafo anterior estiver em Liverpool, preci-
working in your office when an employee enters to talk to you.
1. Greet A.
sar comprar uma bucha para parafuso enão souber como se diz bucha
em inglês, ela pode lançar mão da circunlocução e dizer o seguinte à
2. Ask B why.
vendedora: "I need that plastic thing thatwe put in the waH and that the
3. Ask A about the date and time.
screw goes into". Com certeza, a vendedora entenderá o que ela quer
4. Accept A's invitation. Ask where A lives.
comprar. A aluna poderia também lançar mão de um NEOLOGISMO,
5. Ask A if you should take anything.
da criação de uma palavra, que se constitui na terceira estratégia, ex-
6. Thank A and say goodbye.
plicando à vendedora que precisa de umscrew holder.

~6 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CA~II UlO 5 I O onSlllO 11111111/1 14/


EVITAR UM TÓPICO é a outra estratégia de comunicação. Mui-
tas pessoas evitam falar de determinado tópico, mudando de assunto,
quando não se sentem confortáveis para falar sobre ele. Esse descon-
forto pode ser causado pela falta de conhecimentos sobre o tópico ou
por questões emocionais. Por exemplo, nas décadas de 1980 e 1990,
muitos pais e mães estadunidenses simplesmente evitavam falar sobre
o vício em drogas e mudavam de assunto. Curiosamente, segundo uma
reportagem apresentada pelo âncora Peter Jennings no telejornal ABC
News no início dos anos 1990, muitos jovens estavam com problemas
o ensino da escrita
de vício e morando nas ruas de Los Angeles porque suas famílias esta-
vam desestruturadas. Assim, evitar falar da questão do vício em drogas
era evitar falar sobre a falência da família como instituição social.
Aúltima estratégia é o USO DE LINGUAGEM NÃO VERBAL. Apon-

D
e vez em quando, estudantes universitários
tar para algo ou alguém, fazer mímica são formas legítimas de que o / me perguntam onde fazer um curso de inglês
falante dispõe para superar problemas de comunicação. E os aprendi- I que os ajude a desenvolver sua habilidade de
zes precisam saber disso. leitura para que possam fazer a prova de língua cs
O desenvolvimento dessas cinco micro-habilidades é fundamental trangeira da seleção de determinado programa de
para o desenvolvimento da habilidade de fala dos aprendizes. No próxi- pós-graduação. Já tive alunos particulares que que
mo capítulo, trato do ensino da outra habilidade linguística produtiva: riam apenas desenvolver a fala para viajar e se comu
a escrita. nicar em situações típicas que envolvem os turistas,
como, por exemplo, pedir pratos e bebidas em restau-
rantes e bares, comprar roupas e sapatos, alugar car
ros, buscar atendimento médico emergencial. Esses
dois grupos de aprendizes claramente não desejavam
desenvolver a escrita. É um não desejo legítimo, em-
basado em necessidades imediatas e pontuais.
Contudo, os aprendizes brasileiros de inglês em
geral não focam o desenvolvimento desta ou daquela
habilidade: em suas aulas de inglês, o foco é o desen-
volvimento da sua competência comunicativa. Inevi-
tavelmente, o desenvolvimento da competência co-
municativa dos aprendizes passa pelo desenvolvimen-
to da habilidade de escrita, que deve ser vista com
uma habilidade linguística a ser desenvolvida.
Isso parece óbvio, não é? Conceber a escrita
como uma habilidade linguística a ser desenvolvida
parece óbvio. O problema é que, durante muito tempo,

148 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 6 I o ensino da escruu 14 ti


A organizaçao do vocabulário é uma estrall'gia de aprcndíza
gem importante para a construção da competência comunicaLiva dos
aprendizes. E ela não se limita à organização de acordo com hipero-
nímia ou meronímia. Por exemplo, eles podem organizar palavras que
têm pronúncias parecidas ou iguais, como estas:
D

D
son
some
o scene

o horse
-
-
-
-
sun
sum
seen
hoarse
o ensino da gramática
right - rite - write

,
D

D root - route
o knows - nos e
As palavras acima são exemplos de outro fenômeno semântico em
que duas ou mais palavras possuem a mesma pronúncia e/ou a mesma
grafia: a HOMONÍMIA. Vale a pena o professor alertar seus alunos acer-
(2; )
ramática: palavra que causa arrepios em
muitos alunos. Que professor nunca ouviu
um aluno dizer algo do tipo "Grammar is so
boring!"? E, por causa da suposta chatice da gnllnú
ca desse fenômeno para eles não utilizarem palavras incorretamente. tica, ainda dizem coisas como estas: "I hate grmn-
Os aprendizes podem escolher quaisquer critérios que tenham mar!". Mas... será que a gramática é chata mesmo'}
lógica organizacional, que passe por uma categorização que faça sen- Ou será que a suposta chatice da gramática não pus
tido para eles. Podem categorizar as palavras que vão registrar em seu sa de um mito? Deixemos Larsen-Freeman (2003: 21)
caderno a partir das classes gramaticais, e.g., prepositions e irregular responder: "Agramática nunca é chata. O que ped i
verbs, dos tipos de palavras quanto à sua natureza contável, e.g., count mos aos alunos para fazer a fim de aprendê-Ia é que
nouns e uncount nouns, do grau de formalidade; e.g., idioms e slang pode ser chato".
expressions. O importante é que organizem o vocabulário e consultem Pois é. A gramática não tem culpa nenhuma no
seu caderno de tempos em tempos para fixarem as palavras. cartório. Lembremo-nos da mesma lengalenga que
No próximo capítulo, trato de outra área de ensino fundamental ocorre nas aulas de português: a maioria arrasadora
para o desenvolvimento da competência comunicativa dos aprendizes: dos estudantes brasileiros detesta gramática. Tam-
a gramática. bém pudera: a maioria dos professores enche o saco
dos alunos com a memorização de uma nomencla-
tura gramatical inconsistente e com regras norma
tivas questionáveis, muitas vezes alheias à realidade
linguística deles. O professor é que precisa prestar
atenção às atividades sobre gramática que leva à sala
de aula para que seus alunos não as considerem cha
tas e para que não acabem transferindo para a gra
mática o tédio das atividades propostas pelo profcs
sor e pelo livro didático.

204 Aula de inglês: do planejamento à avaliação


CAPiTULO 8 I o ensino da gramál1cII
~já que estou falando aqui de um mito, permita-me abordar lima defendeu o nào cnslno da gram~lLictl. O que houve foi <I
I 1lll\lllli(,lILiva

questão controversa que acabou desembocando em um mito: o profes- t:Ilt.lfH' dada por alguns teóricos, como Christopher Brurnfjt, à nucn
sor deve ensinar gramática ou não? ei;1 I~tn detrimento da precisão gramaLical, reação natural ao domínio
Se pensarmos na aquisição da primeira língua, é óbvio que não 1''''\ luLllralisLado método audiolingual até a década de 1950, que enfa-

pensaremos no ensino da gramática (e nem no ensino da fala). Como II/,;Ivaa precisão gramatical em detrimento da fluência. William Lit-
a criança é exposta à primeira língua 24 horas por dia todos os dias, 1ll'wood, por exemplo, um dos mais importantes proponentes da abor-
ela acaba desenvolvendo sua competência comunicativa nessa língua, t1,Ij.{em comunicativa, deixou claro o espaço que o ensino da gramática
a qual engloba, não nos esqueçamos, a competência gramatical. Aliás, possui nas aulas de línguas estrangeiras, um espaço materializado na-
foi com base nas características da aquisição da primeira língua que quilo que chamou de atividades pré-comunicativas dentro das quais as
Krashen propôs a abordagem natural, considerada por alguns teóricos ,1\ ividades estruturais se inserem.
Enfim, o não ensino da gramática nas aulas de inglês como língua
como um método que se encaixa no ensino comunicativo de línguas.
Esse método defende o não ensino da gramática ao advogar que basta ('strangeira não faz sentido. Os aprendizes podem se beneficiar de ex-
expor os aprendizes ao input linguístico que eles acabam adquirindo a plicações e práticas voltadas para determinados pontos gramaticais.
língua estrangeira. Por exemplo, o present perfect e a causative farm são estruturas gra-
O problema no raciocínio de Krashen é que ele perde de vista o maticais que costumam causar dificuldades aos aprendizes brasileiros.
fato de que a aquisição da primeira língua é diferente da aquisição de Logo, a intervenção do professor ao apresentá-Ias, esclarecer pontos
outra língua, principalmente se estivermos falando de uma língua es- que pareçam obscuros a seus alunos e oferecer-Ihes atividades para a
trangeira, como o inglês aprendido no Brasil, em vez de uma segunda prática desses pontos é bem-vinda.
língua, como o inglês aprendido na Inglaterra. Além disso, a proposta Portanto, é imprescindível ensinar gramática nas aulas de inglês
teórica de Krashen foi muito criticada por defender a diferença en- como língua estrangeira, pois seu ensino pode ser útil aos aprendi-
tre aquisição e aprendizagem sem ter explicitado essa diferença (para zes. As questões a que o professor deve responder são: para que seus
mim, não há nenhuma) e o tal do i + 1, que ninguém (nem Krashen!) alunos precisam aprender determinado elemento gramatical e quantas
sabe explicar direito o que é. Logo, a abordagem natural não é parâme- informações sobre esse elemento ele deve lhes fornecer?
tro para a discussão do ensino de gramática. Essas perguntas só podem ser respondidas adequadamente se
A questão de ensinar ou não gramática nas aulas de línguas es- esclarecermos que concepção de gramática é mais adequada para o
trangeiras é, na verdade, reflexo de um mito que tomou corpo com o ensino. Afinal, a concepção de gramática adotada pelo professor é fun-
advento da abordagem comunicativa - o mito segundo o qual esse damental para o norte que ele dará às aulas e aos tipos de atividade
método de ensino defende o não ensino formal da gramática em sala que desenvolverá com seus alunos.
Há diferentes concepções de gramática, cada uma com suas im-
de aula porque o aprendiz supostamente a aprende naturalmente.
Lembro-me de alguns professores em um centro binacional em que plicações teóricas e práticas, todas elas legítimas. Podemos conceber a
trabalhei justificando por que não explicavam pontos gramaticais aos gramática como um conjunto de estruturas e de regras que regem es-
seus alunos: "Grammar takes care af itself". sas estruturas. Contudo, essa não é uma concepção interessante para
Conforme já explicitei alhures (Oliveira, 2014), essa estória de o ensino de línguas estrangeiras, pois o professor que a adota acaba
que não se ensina gramática na abordagem comunicativa não passa focando apenas a forma, a estrutura dos elementos gramaticais. Por
de um mito. Parece até um fiat Iux gramatical: um belo dia, o apren- exemplo, ao dar uma aula voltada para o simpLe present, o professor
diz vai acordar iluminado, dominando as regras gramaticais todinhas. ensina aos alunos como formar orações afirmativas, negativas c in
Ora, nenhum, absolutamente nenhum, dos proponentes da abordagem terrogativas, mas não lhes informa que as situações atemporais SUO

CAPiTULO 8 I O ensino da gramlltlc


06 Aula de inglês: do planejamento à avaliação
xpressas apenas por esse tempo verbal, que curiosamente nao cx 11', ('ll'l\)el1Losgramaticais qut' lhcs ensina. Toda vez que o professor
pressa situações que ocorrem no momento presente, a não ser quando ,...•\ivt'1 planejando uma aula em que precise ensinar determinado ele
se trata dos chamados stative verbs, como to see e to hear. Podemos uu-nto gramatical, deve se perguntar: "Qual o uso que se faz desse el
também conceber a gramática como um conjunto de estruturas e de 111I'I1LO'? Que significado esse elemento veicula?". O professor não deve
regras que as regem e que é usado por sujeitos no estabelecimento da I' limitar à forma do elemento gramatical.

interação social. Logo, a partir dessa concepção, o professor não ape- Assim, a partir de uma perspectiva pragmática, apresento, neste
nas dá foco às formas linguísticas, mas também aos significados que ("pílulo, uma forma pedagogicamente fecunda de conceber a gramá-
elas expressam em diferentes situações de usos da língua. \ l(,lI, proposta por Celce-Murcia e Larsen-Freeman. Aproveito para co-

Não por acaso, teóricos como Thornbury e Larsen-Freeman de- montar uma questão pedagógica importante: o escopo que o professor
fendem a gramática como ferramenta para a produção de significados. Iirccísa estabelecer para o ensino de determinado elemento gramati-
Para Thornbury (1999: 4), a implicação dessa ideia para os professores ('aI. Em seguida, comento os erros gramaticais cometidos pelos apren-
"é que a atenção do aprendiz precisa ser direcionada não apenas para dizes a partir do problema do conhecimento inerte e do conceito de
as formas da língua, mas também para os significados que elas veicu- Interlíngua. Finalmente, discuto a questão do uso da língua portuguesa
lam". Larsen-Freeman dá um exemplo que evidencia essa ideia: 110ensino da gramática da língua inglesa e o papel da metalinguagem
Se um aluno diz It's a pencil on the table, com a intenção de veicular o
no processo de ensino e aprendizagem.
sentido There is a pencil on the table, eu diria que a forma está correta,
mas seu sentido não veicula o sentindo pretendido pelo aluno. A afirma- 8.1 The pie chart: a concepção tridimensional da gramática
ção com it é usada para mostrar identidade (It's a pencíl, not a pen, on
the table) enquanto a oração com there mostra a localização. A gramática Estudei num instituto de idiomas que adotava (e acho que ainda
não diz respeito apenas à forma: ela também diz respeito ao significado adota) o que chamavam de método audiovisual, que se constituía de uma
(Larsen-Freeman, 2003: 14). teoria estruturalista de língua e de uma teoria behaviorista de aprendi-
agem, materializadas em aulas que se baseavam em slides e, nos níveis
Esse exemplo não apenas corrobora as palavras de Thornbury,
mais avançados, em filmes também. Estudávamos a gramática da língua
mas também evidencia que não há como negar os aspectos semânticos
inglesa com foco na forma, na estrutura. Os significados dessas formas
relacionados à gramática. Algum teórico ou professor pode até ignorá-
e os usos que se fazem delas não eram foco das aulas. Nesse mesmo
-los, não negá-los.
instituto, iniciei minha carreira de professor de inglês em 1983. Logica-
A preocupação com os significados veiculados pelas estruturas
mente, eu ensinava gramática da mesma maneira que meus professores
gramaticais na interação social é um reflexo da virada pragmática, mo-
a ensinaram a mim, até porque o instituto era uma franquia, tínhamos
vimento epistemológico que tomou corpo nos anos 1960 e se consoli-
dou na década seguinte. Os adeptos desse movimento defendiam a in- de seguir rigidamente as diretrizes estabelecidas pelo dono.
clusão, nos estudos linguísticos, do sujeito usuário da língua, dos usos Provavelmente, após sair daquele instituto de idiomas, eu teria
que se fazem da língua e das variações linguísticas. A influência da vi- continuado a ensinar gramática focando apenas na forma se, um belo
rada pragmática no ensino de línguas estrangeiras foi exatamente dar- dia, não tivesse posto minhas mãos em um livro sobre gramática peda-
-lhe um viés pragmático: ensinam-se línguas estrangeiras para serem gógica escrito por Celce-Murcia e Larsen-Freeman: The Grammar Book.
usadas, para que as pessoas interajam socialmente com as outras, e não Já na introdução, as autoras anunciavam algo que me intrigou:
para que os aprendizes memorizem regras gramaticais e itens lexicais. "two approaches to teaching Language". Hum... Pensei com meus bo-
A consequência disso para o ensino da gramática é simples: o tões: "Quer dizer que tem mais de uma maneira de ensinar a língua ~,
professor precisa ajudar seus alunos a se tornarem capazes de usar consequentemente, a gramática?". Minha curiosidade foi aumentando.

08 Aula de inglês: do planejamento à avaliação


CAPíTULO 8 I O ensino da gramátic ou
Naquele pequeno trecho, aprendi que as aulas de gramática podem dar tl'lul('n'lll a dar foco tll>l'llílS b dimcnsuo formal, negligt'lu:itlIHlo í1S di
foco à forma ou aos usos que se fazem dessa forma. Eram ecos da vira- 11I('IlS()('S semântica e pragmática. O professor nao deve íocar CXCIIISI
da pragmática sobre a qual eu ainda não ouvira falar. v.uncntc a forma do elemento gramatical nem negligenciar seu uso ('
A introdução daquele livro continuou a me provocar. Aprendi que xr-u significado, se quiser ajudar seus alunos a desenvolverem a cornpc
existem diferentes formas de definir gramática. Descobri que pode- t r-nela comunicativa. Afinal, os professores precisam entender que os
mos pensar na gramática a partir de uma perspectiva tridimensional. I'Ivl11entos gramaticais vão além de suas formas. O segundo ponto é II
Foi então que vi o pie chart, o gráfíco-pizza que Celce-Murcia e Lar,:- rnzáo pela qual Celce-Murcia e Larsen-Freeman colocaram essas tn's
sen-Freeman (1999: 4) escolheram para ilustrar a concepção tridimen- perguntas no gráfico: para auxiliar o professor a refletir sobre cada
sional da gramática que estavam propondo. elemento gramatical que planejam ensinar. O terceiro ponto é a difi
culdade que o professor pode ter para lidar com esse gráfico. Deixarei
THE PIE CHART
para comentar esse ponto no final desta seção.
As perguntas contidas no gráfico são ferramentas que o profcs
sor tem à disposição para pensar qual das dimensões dos elementos
MEANING gramaticais que ensina pode ser mais desafiadora para seus alunos,
What does it mean?
sem desconsiderar a importância das outras. É isso que diz o PRINCÍ
(Meaningfulness)
FORM PIO DO DESAFIO, conforme Larsen-Freeman (2003: 45). As setas ('0111
How is it
formed?
pontas duplas estão presentes no gráfico exatamente para indicar '1"('
(Accuracy)
USE
uma dimensão está estreitamente à outra.
When / Why is
it used? É importante lembrar que, com qualquer elemento da língua, todas ilS
(Approppriateness) três dimensões da língua estão presentes. É impossível separar a forma
do significado e do uso. Entretanto, por razões pedagógicas, é possível
focar a atenção dos alunos em uma dessas três dimensões (Larsen-Frcc
man, 2003: 45).

o que esse gráfico nos diz é que os elementos gramaticais po- Se você for apresentar a seus alunos os pronomes possessivos,
dem ser concebidos a partir de três perspectivas diferentes, ou seja, a que dimensão será a mais complicada para eles? Lembremo-nos do
partir de três dimensões. A DIMENSÃO FORMAL, representada pela quadro de pronomes:
fatia FORM do gráfico, diz respeito à precisão gramatical e responde à
SUBJECT OBJECT POSSESSIVE POSSESSIVE REFLEXIVE
pergunta: "Como esse elemento gramatical é formado?". A DIMENSÃO
PRONOUNS PRONOUNS ADJECTIVES PRONOUNS PRONOUNS
SEMÂNTICA, representada pela fatia MEANING do gráfico, refere-se ao
I me my mine mysetf
significado expresso pelo elemento gramatical e, obviamente, respon- you you your yours yourself
de à pergunta: "O que esse elemento gramatical significa?". A DIMEN- she her her hers herself
SÃO PRAGMÁTICA, representada pelo fatia USE do gráfico, diz respeito he him his his himself
à adequação contextual do elemento gramatical e responde à pergun- it it its 0 itself
ta: "Quando e por que esse elemento gramatical é usado?". we us our ours ourselves

Há três pontos a observar acerca da natureza tridimensional da you you your yours yourself
-
gramática. O primeiro é o fato de tradicionalmente os professores they them their theirs themselves

I1

210 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 8 I O ensino da gramétic 11


11,,11
s aprendizes brasileiros já cstao Iamiliarizados com o conceito I hat lian is walk IIlS lowly. l think leg is hurt. (its / his)
de pronome e com a ideia de que alguns pronomes expressam rela- 4. Jane hurt I when she was hiking yesterday. (her /
ções de posse. Além disso, os aprendizes já estão familiarizados com hers)
os adjetivos possessivos quando eles Ihes são apresentados. Por isso, o 5. Bill's English teacher is terrible. is great. (Our / Ours)
significado e o uso dos pronomes possessivos não são, em si, grandes 6. The teacher told the children to open books. (their /
problemas, embora sejam obviamente tão importantes quanto a for- theirs)
ma. O principal desafio que os pronomes possessivos apresentam aos 7. 1'11park car on the street (my - mine) so you can
aprendizes brasileiros é sua forma. leave in the garage. (your/ yours)
Em português, os adjetivos possessivos e os pronomes possessi-
vos possuem exatamente a mesma forma. Por exemplo, em "Meu livro Se o maior desafio dos pronomes possessivos para os aprendizes
é azul. O dela é vermelho." e "O livro dela é vermelho e o meu é azul.", brasileiros reside na dimensão formal, a voz passiva vai concentrar a
meu está funcionando como determinante e o meu, como pronome. E atenção dos aprendizes muito mais na dimensão pragmática. Insisto:
eles possuem exatamente a mesma forma, havendo apenas a inserção as três dimensões são importantes. Mas o que dificulta a vida desses
do artigo definido na função de pronome. aprendizes é saber quando usar a voz passiva.
Entretanto, as formas pronominais possessivas em inglês não são A dificuldade sentida pelos aprendizes brasileiros no uso da voz
tão simples assim. Apenas a 3a pessoa singular masculina possui duas passiva tem uma origem claramente localizada: o ensino da voz passi-
formas iguais: his e his. Para dificultar as coisas, não existe um pronome va nas aulas de português. Conforme já expliquei em outro livro (Oli-
possessivo para a 3a pessoa singular neutra correspondente ao adjetivo veira, 2010), os professores tradicionalmente ensinam aos alunos qu
possessivo its. Daí a presença do símbolo 0 no quadro de pronomes. A a voz passiva é uma transformação da voz ativa, o que é equivocado.
forma pronominal its só pode funcionar como determinante, conforme Até Noam Chomsky, para quem essa transformação foi tão importan-
explicam Celce-Murcia e Larsen-Freeman (1999: 323): "Para todos os te para a construção da sua teoria padrão, desistiu da ideia de que as
propósitos práticos, os pronomes possessivos its e one's não existem". orações na voz passiva sejam transformações impostas a orações na
Assim, muitos aprendizes brasileiros começam a misturar as for- voz ativa: ele entendeu que elas são estruturas verbais independentes,
mas my e mine, her e hers, your e yours, our e ours, e their e theirs logo embora exista semelhança semântica no nível proposicional entre a
após Ihes serem apresentados os pronomes possessivos. Eles levam um maioria das orações ativas e das suas orações passivas semanticamen-
tempo para se acostumarem com essas formas, com a ideia de inexis- te correspondentes. E como ele chegou a esse entendimento? Ao se
tência do pronome its e para distinguirem os adjetivos possessivos dos deparar com orações na voz ativa que não possuem correspondentes
pronomes possessivos. Por essa razão, é aconselhável que o professor passivas. Consideremos as orações a seguir:
prepare atividades sobre pronomes possessivos e adjetivos possessi-
1. Ali the students in this c/ass speak two languages.
vos para os alunos se familiarizem com eles. Algumas dessas atividades
2. Two languages are spaken by ali the students in this ciess.
podem ter o formato tradicional do preenchimento de lacunas, como a
apresentada a seguir. Elas possuem significados proposicionais totalmente diferentes.
Em 1, todos os alunos da turma falam duas línguas. Não sabemos que
Choose a possessive adjective or a possessive pronoun to fill línguas são essas, mas sabemos que cada um deles fala duas línguas, que
in the blanks. podem ser diferentes ou não. Já em 2, duas línguas específicas, X e Y,
1. Jean's bicycle is red. is blue. (My / Mine) são faladas por todos os alunos da turma. Pode haver alunos que falem
2. Mom, do you know where keys are? (my / mine) três, quatro ou cinco línguas, mas duas dessas línguas necessariament

12 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 8 I o ensino da gramátlc 13


são X e Y e todos eles as falam. E como regras gramaticais que se pre- de que () signiflcado da voz passiva em inglês é o mesmo que o ela voz
am não podem ter exceções, concluiu Chomsky que a voz ativa e a vo passiva em português. E precisam ser informados acerca do seu uso:
passiva são estruturas verbais independentes uma da outra. quando e por que se usa a voz passiva em vez da voz ativa?
O resultado pedagógico dessa visão equivocada da voz passiva é Evidenciando esse desafio, Larsen-Freeman (2003: 46) dá um
que os professores torram a paciência dos alunos com as inutilidades exemplo interessante:
de transformação de orações passivas em ativas e vice-versa. Além dis-
so, professores de português tendem a não ensinar aos alunos quando [00'] which is the better way to complete this mini-text, with the
se usa a voz passiva, já que nenhum falante normal do português bra- active voice (a) or passive voice (b)?
sileiro usa a voz passiva na oralidade. Pense em você, leitora ou leitor, Some of the Olympic athletes from the smaller countries, such
usando a língua portuguesa: qual das orações a seguir você usaria para as Korea and Romania, were truly remarkable. In fact,
1. the Romanians won three gold medals in gymnastics.
expressar a informação acerca de algo que aconteceu com a janela da
2. three gold medals in gymnastics were won by the Romanians.
sala da diretora da instituição em que você ensina ou estuda?

3. O vidro da janela da sala da diretora foi quebrado. Esse tipo de exercício é interessante para levar os aprendizes a
4. O vidro da janela da sala da diretora quebrou-se. pensarem sobre a razão para se usar a voz ativa ou a voz passiva. Nesse
5. Quebraram o vidro da janela da sala da diretora. caso, a alternativa adequada é a primeira porque o texto claramente
6. O vidro da janela da sala da diretora quebrou. está dando foco ao agente (the Romanians) e não ao paciente (three
goLd medaLs). Larsen-Freeman (2003: 47) explica que se o texto desse
A não ser que esteja numa situação extremamente formal ou que foco às medalhas de ouro, a história seria diferente:
tenha algum problema espiritual, você jamais dirá 3 ou 4. Os brasilei-
ros, na absoluta maioria das vezes, usam o tal sujeito indeterminado de Many medals were awarded to athletes from smaller countries.
5 ou a construção ergativa de 6 para expressar passividade'. In fact,
Enfim, o professor de português tradicionalmente não explica aos 1. the Romanians won three gold medals in gymnastics.
alunos quando se usa a voz passiva. Ele geralmente explica seu signifi- 2. three gold medals in gymnastics were won by the Romanians.
cado, que é a mudança de foco do agente para o paciente de uma ação.
Agora, é a alternativa B que completa adequadamente o trecho em
Mas ele não costuma falar nem do uso da voz passiva nem dos gêneros
questão: o foco recai sobre medaLs.
textuais que favorecem sua ocorrência. Em outras palavras, a dimen-
A dimensão pragmática da voz passiva, portanto, é a que vai apre-
são formal e a dimensão semântica da voz passiva são contempladas no
sentar mais desafios para os aprendizes. Apenas a título de curiosidade, já
ensino de português, mas a dimensão pragmática é negligenciada. Por
que o objetivo desta seção não é tratar das especificidades dos elementos
essa razão, os aprendizes brasileiros de inglês levam o reflexo dessa
gramaticais discutidos, apresento as principais razões pelas quais a voz
negligência para o estudo da voz passiva na língua inglesa.
passiva é usada, seguindo Ce1ce-Murcia e Larsen-Freeman (1999: 353).
É claro que as três dimensões devem ser apresentadas aos apren-
RAZÃO 1: o agente é redundante, óbvio ou fácil de ser inferido. No
dizes. Eles precisam se acostumar com a forma da voz passiva: a cons-
exemplo a seguir, inferimos facilmente que quem cultiva as bananas
trução com o verbo to be ou com o verbo to get como auxiliar e do par-
são os agricultores.
ticípio passado de um verbo transitivo. Eles precisam ser informados
BANANAS ARE GROWN in tropical regions where the avera-
Se você quiser saber mais sobre a questão da passividade em português, recomen- ge temperature is 80°F (27°C) and the yearly rainfall is between
do a leitura da seção 6.2 do livro Coisas que todo professor de português precisa saber: a
teoria na prática (Oliveira, 2010). 78 and 98 inches.

14 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPiTULO 8 I O ensino da gramétic


1111 voz pnssiva e dl' l'xpll(,:1I :lW! uluuo» que o agente (. prcccdklo 1)('1:1
RAZÃO 2: o agente é desconhecido, como no exemplo a seguir.
jll cposiçao by e que, se o "gellte for someone, somebody ou people, de

BANK OF THE WEST GOT ROBBED on July 16,2014. V('IllOSomitir o agente e a preposição. Eu estava fazendo tudo errado,
pois, além de a transformação de orações na voz ativa para orações na
RAZÃO 3: o falante ou o escritor quer ser cuidadoso com as pala- V()~passiva ser reflexo de um entendimento equivocado da natureza
vras, como no exemplo abaixo, em que uma pessoa envia uma pergun- sintática das vozes verbais, a maioria das orações na voz passiva nao
ta para uma coluna de aconselhamento jurídico, tentando não criticar possui agente. Logo, eu não apenas deveria parar de usar exercícios
(mas criticando) um amigo personaL trainer que lhe deu sugestões so- de transformação desse tipo, como deveria explicar aos alunos quando
bre dieta e exercícios, a fim de saber se pode processar o amigo. H(' insere o agente e não quando se omite o agente. E devemos inserir

() agente nas orações na voz passiva quando ele é muito importante


I WAS GIVEN BAD ADVICE about fitness and nutrition. What para ser omitido (e.g., The Sistine Chapel was painted by MicheLangeLo
can 1do? fl('tween 1508 and 1512)ou quando ele é inesperado (e.g., This book was
Illritten by a 12-year-oLd Indian girL).
RAZÃO 4: o falante quer ser evasivo, como no exemplo a se- Pois é. Há muitas informações sobre a voz passiva que o professor
guir, em que uma funcionária de uma empresa, durante uma reu- precisa saber: quando usar o verbo to get no lugar do verbo to be como
nião, criticou um erro no orçamento sem citar o nome do colega que auxiliar; que verbos só podem ser usados na voz passiva; que verbos
o cometeu. nunca podem ser usados na voz passiva; como se forma a voz passiva
complexa; como se estrutura o sintagma verbal quando o verbo é bi
I AN ERROR WAS MADE in the budget. I transitivo. Contudo, o fato de o professor precisar ter muitas informa
Aliás, encontrei
na internet- um comentário sobre o uso da frase ções não quer dizer que ele deva compartilhar com seus alunos todas
Mistakes were made, semelhante ao uso da frase An errar was ma de r-Ias ou muitas informações numa mesma aula ou num mesmo serncs
nesse exemplo: t re letivo. O professor há de se preocupar com aquilo que chamo d"
'SCOPO DA APRESENTAÇÃO, ou seja, quanto deve informar a seus
"Mistakes were rnade" is an expression that is commonly used
alunos sobre determinado elemento gramatical. E isso deve ser pensa-
as a rhetorical device, whereby a speaker acknowledges that
do no momento do planejamento da aula.
a situation was handled poorly or inappropriately but seeks to Por exemplo, imagine que você introduzirá o present perfect
evade any direct admission or accusation of responsibility by para seus alunos. Esse elemento gramatical apresenta desafios nas
not specifying the person who made the mistakes. Irês dimensões por uma razão simples: não existe, em toda a língua
Em todos esses exemplos, o agente não aparece. Notou? Isso se portuguesa, um tempo verbal similar. Os significados expressos pelo
deve ao fato de a grande maioria das orações na voz passiva não pos- present perfect são expressos, em português, pelo pretérito perfeito
suir agente, conforme pesquisas comentadas por Ce1ce-Murcia e Lar- do indicativo, pelo presente do indicativo e pela locução verbal cons-
sen-Freeman (1999). Iruída com o auxiliar ter no presente do indicativo e o particípio pas-
Lembro-me de quando comecei a ensinar inglês e tinha de ensinar sado do verbo principal.
a voz passiva seguindo o livro didático do instituto de idiomas: eu tinha Que informações sobre o present perfect o professor precisa ter.
de apresentar a transformação das orações na voz ativa para orações quadro abaixo apresenta algumas informações importantes sobr
esse elemento gramatical agrupadas de acordo com cada dimensão do

Disponível em: <http://sussle.orgjtjMistakes_were_made>; acesso: 23 jun. 2015.


pie chart.

CAPiTULO 8 I O ensino da graml1l1clI


216 Aula de inglês: do planejamento à avaliação
-
(a) O present perfect é formado pelo auxiliar to have no simple Na verdade. t{li', osu uturas sao incomuns, mas não impossivr-i
present e do particípio passado de um verbo regular ou ir
regular. (embora os aprendizes devam evitá-Ias). Aqui estão algun
(b) O verbo auxiliar inverte posições com o sujeito nas orações exemplos reais retirados de transmissões de TV, artigos de jor
interrogativas diretas.
nais, anúncios publicitários, cartas e conversas.
(c) A negativa é formada com a colocação da partícula not
após o verbo auxiliar.
France has detonated a Hiroshima-sized nuclear bomb on Mu
FORMA ruroa Atol! in the South Pacific at 17.02 GMT on Wednesday.
(d) Pode ocorrer a contração da forma has do verbo auxiliar
com qualquer elemento que ocupe a posição de sujeito. Police have arrested more than 900 suspected drugs traffickers
(e) Pode ocorrer a contração da forma have do verbo auxiliar
in raids throughout the country on Friday and Saturday.
com o elemento que ocupar a posição de sujeito se ele for I,
you, we ou they. ... a runner who's beaten Linford Christie earlier this year.
(f) A 24-year-old soldier has been killed in a road accident while
Uma expressão adverbial de tempo concluído pode ocorrer
em uma oração com o present perfect, embora essa ocor- on patrol last night.
rência seja rara.
A lot of the drivers wil! be thinking about the circuit, because
SIGNIFICADO Como o aspecto perfeito em inglês significa "antes de", present we've had some rain earlier today.
perfect significa "antes do momento presente".
The borse's trainer has had a winner here yesterday.
O present perfect expressa uma ação realizada ou uma situa-
ção ocorrida antes do momento presente com resultados no Swan dá mais alguns exemplos, mas esses bastam para ilustrar'
momento presente que fazem o falante olhar para o passado sua explicação. Fica evidente: não procede a informação dada pelas
apoiando-se nesses resultados presentes.
gramáticas e professores sobre não usar uma expressão adverbial d('
USO O present perfect expressa uma ação que começou a ser reali-
tempo concluído do ponto de vista teórico e do ponto de vista de ocor-
zada ou uma situação que começou a ocorrer antes do momen-
to presente que continuam no momento presente. A presença rências reais da língua inglesa. Entretanto, do ponto de vista pedagÓgi
de for ou de since na oração é necessária para indicar esse uso. co, essa informação é válida, pois reduz o escopo da aula sobre a forma
O present perfect expressa uma ação que acabou de acontecer.
do present perfect e evita confusão na cabeça dos alunos. O professo I
A presença de just na oração é necessária para indicar esse uso.
não precisa contar tudo. Precisa contar apenas o necessário e de ma
neira didática. Talvez seja pedagogicamente mais sensato nunca dar
É uma quantidade razoável de informações. Só que o professor aos alunos a sexta informação sobre a forma. Que eles descubram isso
não deve apresentar todas elas aos alunos numa mesma aula ou num estudando gramática avançada algum dia na vida, estudo improvável
mesmo semestre. Eles precisam de tempo para se acostumar com a para a maioria.
forma do present perfect, embora ela não seja muito desafiadora. A ex- Quanto à dimensão semântica, o significado do present perfect (,
ceção fica por conta da sexta informação a respeito da forma porque desafiador para os aprendizes. Afinal, muitos deles ficam com uma in
muitos professores de inglês e gramáticas pedagógicas dizem a seus terrogação na cabeça: "Como é que um tempo verbal que tem a palavra
alunos que não se usam expressões adverbiais de tempo concluído, present no nome se refere a algo que aconteceu no passado?". Pergunta
como, por exemplo, Last month ou Wednesday. Swan (1995: 422-423) es- procedente, não é? Lewis (1986: 76) esclarece esse ponto: "A coisa mais
clarece essa questão: importante acerca do present perfect, ou presente retrospectivo, é que
ele é uma forma do presente. Está essencialmente ancorado no AGORA
As gramáticas geralmente dizem que os tempos verbais do
do tempo, o momento da fala". O aposto usado por Lewis é interessam
present perfect não podem ser usados com expressões de tem-
mente intuitivo: "presente retrospectivo". É como se, ao usarmos o prr
po concluído - podemos dizer I have seen him ou I saw him
sent perfect, ficássemos de pé sobre o tempo AGORA e olhássemos para ()
yesterday, mas não podemos dizer I have seen him yesterday.
passado por causa dos seus efeitos que observamos agora no presente.

218 Aula de inglês: do planejamento à avaliação


CAPiTULO 8 I o ensino da grOlo(1I11.1I
Os alunos precisarão se acostumar ao significado do present perJect
Michael Halliday une as duas dimensões e que, portanto, eu estaria em
para se acostumarem a seus usos, pois há uma relação muito estreita
hoa companhia se o fizesse. Entretanto, defendeu a separação das duas
entre o significado e os usos do present perfect. Por isso, eles precisam
dimensões porque elas, principalmente a dimensão pragmática, costu-
de tempo, muito tempo, para se acostumarem a seus diferentes usos,
mam ser ignoradas pelos professores.
principalmente o primeiro, pois o simple past também expressa uma
Então, me recomendou a leitura de um de seus livros, From Gram-
ação realizada ou uma situação ocorrida antes do momento presente.
mar to Grammaring. Nessa obra, Larsen-Freeman (2003) reproduz a
Eu costumava dar um exemplo simples para meus alunos perceberem a
onversa que teve com um professor chamado Ed, que também sente
diferença entre esses dois tempos verbais. Colocava os dois grupos de
dificuldade para separar as duas dimensões e que lhe pergunta por que
sentenças a seguir no quadro e fazia o comentário que os segue:
é importante distingui-Ias se são difíceis de serem distinguidas. Ela faz
1. Not Hawaii. I was there last year. um comentário a esse respeito que transcrevo in extenso:
2. Not Hawaii. I've been there.
Tenho de admitir desconforto com a pergunta de Ed. Preciso me afastar
Imagine that Mary, Oale and Sally are planning a trip. They're mentalmente da minha tendência analítica e do meu treinamento linguís-
trying to decide where to go. Mary suggests that they go to Ha- tico para perguntar se faz sentido ou não distinguir significado de uso.
waii. But Sally doesn't want to go there and explains why. Which Muitos tratamentos dados à língua não fazem essa distinção. Realmente,
sentence is more appropriate for her to use in this situation? já é lugar-comum ouvir falar de oposições binárias, forma-significado e
forma-função, mas não da oposição terciária que estou fazendo. Contu-
A alternativa mais adequada é a 2. E explicava: a oração no simple
do, parece-me inadequado dizer que o que os aprendizes têm de aprender
past veicula apenas um fato ocorrido antes do presente, enquanto a
é conectar a forma ao significado porque eles também têm de aprender
oração no present perfect expressa um fato que ocorreu antes do mo-
quando usar essa conexão forma-significado. Além disso, às vezes, linguís-
mento presente e que tem efeitos importantes para esse momento: o tas falam de significado pragmático, apontando que o significado não pode
resultado de Sally ter ido ao Havaí no ano passado é que ela já conhece ser determinado separadamente do seu contexto de uso. Embora isso pos-
o Havaí e esse conhecimento se reflete na discussão presente acerca sa ser verdadeiro, acho que os aprendizes precisam aprender o significado
do destino que ela e seus amigos estão escolhendo. das unidades linguísticas que transcendem o contexto. Contudo, tenho de
Depois de um tempo, com os alunos acostumados à forma, o sig- me perguntar: apenas porque eu consigo fazer a distinção das três dimen-
nificado e o primeiro uso do present perfect, o professor pode planejar sões, o esforço é realmente válido? (Larsen-Freeman, 2003: 42).
uma aula para apresentar o segundo uso. Tempos depois, apresenta o
É muito legal perceber a preocupação pedagógica de Larsen-
terceiro. O escopo da apresentação, repito, deve ser levado em consi-
-Freeman ao ler suas ponderações. No frigir desses ovos, fui conven-
deração na hora de o professor planejar aulas de gramática.
cido por suas palavras. O professor de inglês precisa fazer um esforço
Você já deve ter observado que a distinção entre a dimensão se-
para distinguir a dimensão semântica da dimensão pragmática. Mas se
mântica e a dimensão pragmática não é simples. Pelo menos para mim
determinado elemento gramatical tornar essa tarefa muito difícil, ele
não é. Por essa razão, há alguns anos, enviei um e-mail para a pro-
pode momentaneamente esquecer essa distinção e focar a atenção na
fessora Larsen-Freeman comentando minha dificuldade de distinguir
dimensão pragmática, pois isso lhe garantirá que estará ajudando seus
essas duas dimensões no momento de planejar as aulas sobre deter-
alunos a aprenderem a usar o elemento em questão.
minados elementos gramaticais. Perguntei-lhe se essa distinção era
Creio que consegui deixar claro o que é a concepção tridimensio-
mesmo necessária e se não seria mais prático unirmos as duas em uma
nal da gramática proposta por Celce-Murcia e Larsen-Freeman. Passo
única dimensão semântico-pragmática. Ela admitiu que distinguir uma
agora à próxima seção, na qual discuto uma questão importante para o
dimensão da outra é realmente difícil às vezes. Inclusive me disse que
ensino da gramática: os erros cometidos pelos aprendizes.

220 Aula de inglês: do planejamento à avaliação


CAPíTULO 8 I O ensino da gramática
8.2 O problema do conhecimento inerte e a interlíngua .rplk-am", E acrescenta: "Os alunos podem lembrar-se das regras gr;l
na discussão sobre os erros dos aprendizes uraticals quando sao solicitados a fazê-lo, mas não as utilizarão espon-
I nncarnente na comunicação, mesmo quando elas forem relevantes".
Vez por outra, quando estava numa sala dos professores de um
Conhecimento inerte: aí está a causa da frustração de muitos pro-
instituto de idiomas em que trabalhei, ouvia um ou outro colega se
k-ssores por seus alunos não colocarem o S da 3a pessoa singular das
queixando de seus alunos do nível mais avançado do curso básico por
lorrnas verbais afirmativas no simple present quando estão engajados em
eles não colocarem o S da 3a pessoa singular nas formas afirmativas
lima atividade comunicativa, voltada para o desenvolvimento da fluência.
dos verbos no simple present quando estavam engajados numa ativi-:
E o que o professor pode fazer para ajudar seus alunos a trans-
dade de fala. Alguns colegas chegavam a dizer que alguns alunos já
formarem conhecimento inerte em conhecimento ativo? Em uma en-
haviam atingido um estado de fossilização no que diz respeito a essa
Irevista concedida a Maria Carmen Pérez-Llantada (2007: 158), Larsen-
estrutura gramatical. Outros reclamavam porque já haviam apresen-
Freeman aponta um caminho possível ao comentar que os métodos
tado aos seus alunos do nível iniciante o verbo can e realizado vários
comunicativos "colocam os alunos para usar a língua desde o começo
exercícios sobre esse verbo e, mesmo assim, alguns deles ainda esta-
em vez de fazê-los aprender sobre a língua com a esperança de que,
vam usando o auxiliar do para fazer perguntas com cano
mais tarde, possam aplicar o conhecimento das regras de maneira ati-
Reclamações e queixas desse tipo não apenas explicitam a frus-
va". O corolário disso é óbvio: em vez de o professor focar exclusivamen-
tração de professores, mas também deixam transparecer, nas entreli-
nhas, duas questões importantes. te na forma dos elementos gramaticais, fazendo com que seus alunos
realizem apenas exercícios estruturais, ele deve oferecer-lhes também
A primeira é aquilo que Alfred North Whitehead chamou de PRO-
atividades em que tenham de usar esses elementos. Ou seja, o professor
BLEMA DO CONHECIMENTO INERTE. Nathalie Cote explica o que é:
deve adotar uma perspectiva pragmática no ensino da gramática.
Em muitas situações em que se espera que o aprendizado ocorra, os alu- Isso implica que o professor tem de contemplar tanto as atividades
nos deixam de armazenar novas informações na memória de uma manei- voltadas para a precisão gramatical quanto para a fluência. Nas ativi-
ra tal que elas fiquem acessíveis ou que sejam úteis. Eles podem até ser dades de fluência, se o professor notar, por exemplo, que alguns alunos
capazes de regurgitar a informação em exames, mas, quando solicitados estão sempre "comendo" o S da 3a pessoa singular do simple present,
a raciocinar ou a resolver problemas em que fatos e procedimentos que ele pode mostrar ao aluno três dedos para indicar que se trata da 3a
acabaram de adquirir poderiam ser úteis, não conseguem usar ativamen-
pessoa e que ele deve acrescentar o S ao verbo. Essa correção sistemá-
te seu conhecimento. Ou seja, a informação que adquiriram está inerte
(Cote, 1994:3). tica ajuda os alunos a se acostumarem com o monitoramento da fala.
Obviamente, os aprendizes desempenham papel importante no
Whitehead estava pensando no aprendizado em geral quando processo de tornar ativo seu conhecimento inerte. Uma forma de faze-
propôs o problema do conhecimento inerte. Enoch Hale (2013), di- rem isso é estudando fora da sala de aula. É por essa razão que o pro-
retor do Institute for Critica I and Integrated Thinking, por exemplo, fessor precisa ajudar seus alunos a se conscientizarem da importância
baseou-se no problema do conhecimento inerte para discutir as difi- de realizarem as atividades extraclasse: elas aumentam o tempo de ex-
culdades de estudantes de geografia de utilizarem as informações que posição à língua. Isso também contribui para os alunos desenvolverem
recebem nas aulas. Larsen-Freeman (2003: 8) também lança mão do a capacidade de automonitoramento.
problema do conhecimento inerte para descrever o que acontece com A questão dos erros cometidos pelos aprendizes de línguas es-
os aprendizes de inglês que, por exemplo, não conseguem colocar o S trangeiras não está circunscrita à discussão do problema do conhe-
a
da 3 pessoa singular nas formas verbais no simple present: "[...] mesmo cimento inerte. Ela passa inevitavelmente pela discussão da segunda
que os alunos entendam a regra explícita, eles não necessariamente a questão que sussurra nas entrelinhas das reclamações dos professores.

222 Aula de inglês: do planejamento à avaliação


CAPiTULO 8 I o ensino da gramática
Refiro-me ao conceito de INTERLÍNGUA, que, segundo Rod Ellis, foi 11I11!llin~uístico, associado a IIll1;' 111\('1 fcrencia provocada especifica
criado por Larry Selinker em 1972 para se referir: Ilu'nlc pela primeira língua do aprendiz. O outro é o erro intralinguís
tu-o, cometido por aprendizes de línguas estrangeiras independente-
[...] ao conhecimento sistemático de uma segunda língua, o qual é ind
nu-ntc de qual seja sua primeira língua.
pendente tanto da primeira língua do aprendiz quanto da língua-alvo.
comentário de Larsen-Freeman e Long levanta algumas ques-
termo passou a ser usado com significados diferentes, mas relacionados:
t oes. Primeira: como o professor brasileiro pode saber se os erros co-
(a) para se referir à série de sistemas interconectados que caracterizam
mcudos por seus alunos se devem à interferência do português ou se
a aquisição;
'l:IO universais? Segunda: essa interferência é inevitável? Terceira: co-
(b) para se referir ao sistema observado num único estágio de desenvol-
vimento (i.e. "uma interlíngua"); meter erros é algo ruim?
(c) para se referir a combinações específicas da língua-mãe com a lín- Responder à primeira questão é muito difícil, pois ou precisaría-
gua-alvo [00'] (Ellis, 1991:299). mos realizar uma pesquisa com aprendizes de várias nacionalidades
para comparar seus erros com os dos aprendizes brasileiros, algo fora
Os aprendizes brasileiros de inglês podem criar uma forma de lín- de nossa realidade, ou precisaríamos ter acesso a alguma pesquisa
gua que não é nem português nem inglês, mas que se baseia nessas realizada que envolva também aprendizes brasileiros. Não conheço ne-
duas línguas. Essa forma de língua é a interlíngua. O professor precisa nhuma, o que não quer dizer que não haja alguma.
ter consciência disso para diminuir o sentimento de frustração se, por A resposta à segunda questão é afirmativa: a interferência da pri-
exemplo, alguns de seus alunos construírem orações interrogativas meira língua na aprendizagem da língua estrangeira é inevitável. Os
com o verbo do auxiliando o verbo modal cano Talvez esse seja um es- aprendizes, que já desenvolveram totalmente ou mesmo razoavelmente
tágio da sua interlíngua a ser superado após algum tempo de estudos e sua competência comunicativa em português, consciente ou incons-
de exposição à língua inglesa. iientemente recorrem a seus conhecimentos fonológicos, sintáticos
Por que os aprendizes criam uma interlíngua? Há uma ordem semânticos para realizarem enunciados em inglês. Os teóricos cha-
fixa para a aquisição de inglês por aprendizes brasileiros? Será que mam isso de transferência linguística, que acaba por provocar interfe-
a interlíngua é resultante de uma predisposição mental ou genética rências na pronúncia, na construção gramatical e no uso das palavras.
vinculada a algo como a gramática universal? Quando observamos Por exemplo, a letra E no final de palavras tende a não ser pronun-
crianças brasileiras aprendendo português, ficamos com pulgas atrás ciado na língua inglesa, à exceção de poucas palavras como she, he, we,
da orelha: por que todas elas, independentemente de classe social, me, catastrophe e recipe e de palavras com dois EE no final, e.g., coffee
cor da pele e origem geográfica passam pelos mesmos estágios de e committee. Contudo, muitos brasileiros a pronunciam por causa de
aquisição da língua? Por exemplo, todas elas produzem estruturas uma clara influência das regras fonológícas do português brasileiro.
que fogem totalmente às regras sintáticas do português como "eu Em termos sintáticos, um exemplo é o apagamento dos auxiliares
sabo", "eu faz i", "espera eu" e "eu vou ir". Essas questões são impor- do e did na formação de perguntas. Isso ocorre exatamente porque a
tantes, mas fogem ao escopo deste livro e requerem muito tempo e língua portuguesa não possui um verbo com essa função. Assim, em
muitos recursos para serem respondidas por meio de pesquisas cui- vez de Did you go to the movies yesterday?, há alunos que dizem You
dadosamente realizadas. went to the movies yesterday? Note que essa construção sem o auxiliar
Após analisarem os resultados de algumas pesquisas sobre a aqui- é possível de ocorrer em inglês, especialmente quando o falante repe-
sição de línguas estrangeiras, Larsen-Freeman e Michael Long (1997) te o que seu interlocutor falou por conta de algum estranhamento ou
comentam que há dois tipos de erros cometidos pelos aprendizes de por outra razão, o que não é o caso dos aprendizes em questão. Outro
línguas estrangeiras relacionados à interlíngua. Um deles é o erro exemplo de erro sintático provocado por transferência linguística é a

224 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 8 I o ensino da gramática 225


junção de preposições a verbos que em inglês não sao regidos por prc cI('sscs termos. Imagino que nao. Portanto, vou usar a grana em ingles
posições (e.g., tike of, discuss about). .rqui. A diferença entre eles, segundo Ellis (1997: 17), é a seguinte: "OS
Um exemplo de interferência no nível semântico é o de um apren- ,'I rors refletem lacunas em um conhecimento do aprendiz; eles ocorrem
diz que estava em um nível avançado. Durante uma conversa, ele usou porque o aprendiz não sabe o que é correto. Os mistakes refletem lapsos
a palavra candle para se referir ao tecido ou à lona colocada em barcos ocasionais no desempenho; eles ocorrem porque, em uma situação es-
movimentados pelo vento - a palavra que ele deveria ter usado para pecífica, o aprendiz é incapaz de colocar em uso o que ele ou ela sabe".
expressar esse significado é saiL O que o confundiu é o fato de tanto Às vezes, é fácil sabermos se erros cometidos por um aluno são
candle quanto sai! serem equivalentes a vela e vela, duas palavras ho- ('rrors ou mistakes. Uma forma de saber isso é verificar se ele comete
mônimas em português. um erro uma vez e usa a forma correta em seguida. Por exemplo, ima-
De acordo com Ellis (1991: 48), há alguns processos que operam gine que ele esteja falando sobre o que fez no último final de semana e
para a criação de uma interlíngua. Dentre eles, além da transferência produza estes enunciados:
linguística, está a supergeneralização das regras da língua estrangeira.
Saturday evening I went to the movies with some friends. After
Um exemplo dessa supergeneralização é o uso do auxiliar do em orações
that, we go to a bar on Sunset Boulevard. On Sunday morning
interrogativas diretas com o verbo modal can: há aprendizes brasileiros
I went to the beach with Dale. It was crowded.
que dizem Do you can play the guitar? em vez de Can you play the guitar?
Quanto à terceira questão provocada pelo comentário de Larsen- Percebemos que o aluno sabe que a forma do sírnple past do verbo
-Freeman e Long (i.e. "cometer erros é algo ruim?"), a resposta óbvia seria to go é went porque ele o usa duas vezes. Portanto, ele comete um mis-
"sim", correto? Que professor vai desejar que seus alunos cometam erros? take ao usar a forma go em vez de went.
Contudo, de novo, a obviedade pode nos enganar, pois é possível enxer- Agora imaginemos que esse aluno produza os seguintes enun-
gar algo de positivo nos erros cometidos pelos aprendizes. E essa possi- ciados errando consistentemente o simple past do verbo to go:
bilidade nos é dada se adotarmos uma concepção construtivista de erro.
Saturday evening I go to the movies with some friends. After
Seguindo essa concepção, o professor vê os erros dos seus alunos
that, we go to a bar on Sunset Boulevard. On Sunday morning
como evidências do seu processo de aprendizagem, do processo de
I go to the beach with Dale. It was crowded.
construção de conhecimentos linguísticos, e essas evidências podem
ser positivas. Voltemos ao exemplo do uso do auxiliar do em pergun- Poderíamos concluir, a partir desses enunciados, que ele não sabe
tas que envolvem o modal can: podemos enxergar algo positivo aí em qual é o simple past do verbo to go e que, assim, ele cometeu um errar?
termos do processo de aprendizagem? Sim. Podemos ver algo muito Ainda não. Teríamos de lançar mão de um artifício para ter certeza
positivo: o fato de eles já terem assimilado uma importante função sin- disso: solicitar ao aluno que corrija o erro. Se ele conseguir, sabere-
tática do verbo auxiliar do, a qual é exatamente construir perguntas mos que cometeu um mistake e estaremos diante de um caso provável
diretas. Esse erro também diz ao professor que seus alunos ainda não do problema do conhecimento inerte. Se ele não conseguir, saberemos
entenderam a autossuficiência sintática do modal can, que não precisa que cometeu um errar.
de verbos que o auxiliem na formação das orações em que se encon- O problema é que as coisas não são tão simples assim quando se
tram. Logo, ele precisará planejar aulas para que eles apreendam essa trata de distinguir errors de mistakes. Ellis (1997: 17-18)explica isso: "Os
informação sintática sobre o modal cano aprendizes podem usar consistentemente um elemento como o passa-
Uma questão importante acerca dos erros cometidos pelos apren- do em alguns contextos e consistentemente falhar em usá-lo em ou-
dizes é a diferença do que se chama em inglês de errar e de mistake. tros contextos. No fim das contas, uma distinção clara entre um errar
Desconheço se há termos consagrados em português para cada um e um mistake pode não ser possível".

226 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 8 I o ensino da gramálic


o papel do professor no desenvolvimento da competência grama "Errar uma V('Z (. luuuuno. Errar duas vezes é burrice." Esse é o
tical dos seus alunos é importante. Entretanto, o maior papel é desem- dito popular, que faz scnudo em algumas situações de nossas vidas.
penhado pelos próprios alunos, pois o domínio das estruturas grama- Mas nenhum sentido se estivermos falando das situações de aprendi-
ticais depende do seu empenho em estudar fora da sala de aula, do seu zagern em que nos inserimos. Errar é parte inevitável do processo de
interesse em desenvolver seu nível de proficiência. Afinal, há aprendi- aprendizagem. E o professor precisa entender isso e aprender a inter-
zes que chegam a um nível de proficiência que lhes permite ler textos pretar os erros cometidos por seus alunos. Só assim poderá ajudá-los
acadêmicos ou se comunicar satisfatoriamente em viagens turísticas, a superar os erros.
ficam satisfeitos com esse nível e não têm intenção de aprender mais Na próxima seção, discuto duas questões importantes para o en-
do que o que já sabem. Nesse caso, não adianta o professor tentar aju- sino de gramática: o uso do português e o papel da metalinguagem na
dar o aluno a melhorar sua precisão gramatical. aprendizagem.
Quando o aprendiz acha que não precisa aprender mais do que
aquilo que já sabe; quando está satisfeito com os enunciados que pro-
8.3 Duas questões importantes:
duz, mesmo em desacordo com as regras gramaticais; quando até de-
o uso de português e o domínio da meta linguagem
seja produzir enunciados gramaticalmente corretos, mas não conse-
gue, independentemente do que ele e seus professores façam, podemos O uso de português nas aulas de inglês é polêmico. De um lado,
pensar que ele está passando pelo processo de FOSSILIZAÇÃO. Segun- há professores que assumem uma posição injustificavelmente radical
do Ellis (1991: 299), Selinker "observou que a maioria dos aprendizes de de total rejeição ao uso da língua portuguesa nas suas aulas. De outro
línguas estrangeiras falham em atingir a competência na língua-alvo. lado, há professores que assumem uma posição mais racional, demons-
Ou seja, eles param de aprender quando seu sistema de regras interna-
trando consciência de que seus alunos precisam ser expostos à língua
lizado contém regras diferentes daquelas da língua-alvo". É a isso que
inglesa o máximo de tempo possível e, mesmo assim, veem a impor-
Selinker chamou de fossilização.
tância estratégica do uso ocasional da língua portuguesa para darem
A fossilização faz com que formas gramaticais incorretas se ins-
instruções aos alunos no nível inicial e para explicarem determinados
talem no sistema de conhecimentos do aprendiz de uma maneira tão
elementos gramaticais.
forte que dificilmente são corrigidas, fazendo com que o aprendizado
Há uma prática comum a quase todos - se não a todos - os
cesse temporária ou definitivamente. Conforme esclarece Ellis, apesar
aprendizes brasileiros: a tradução de palavras e orações para o portu-
da dificuldade de serem corrigi das:
guês. O curioso é que muitos professores resistem a essa prática como
As estruturas fossilizadas podem, contudo, não ser persistentes. De vez em se fosse algo ruim. Ora, é mais do que normal que os aprendizes nos
quando, o aprendiz pode ser bem-sucedido na produção da forma línguís- níveis iniciais recorram ao sistema da língua que já dominam, no caso
tica correta, mas quando está focado no significado - especialmente se o o sistema do português brasileiro, para elaborar e testar hipóteses so-
assunto for difícil -, escorrega de volta para a interlíngua (Ellis, 1991: 48).
bre a língua estrangeira que estão aprendendo. Até os professores cos-
É difícil afirmar, com segurança, que um aluno atingiu a fossili- tumam buscar traduções de algumas palavras para se certificarem de
zação. Ele precisaria ser exposto à língua inglesa por mais tempo, e o que entenderam seus significados. À medida que o aprendiz avança em
professor precisaria investigar se alguma intervenção altera a produ- proficiência, recorre à tradução com menos frequência porque já co-
ção linguística dele. Sugiro que o professor não se apresse a rotular meça a pensar em inglês. Por isso, o professor de inglês não pode des-
de fossilizada a produção gramatical de seus alunos, pois, além de ser cartar a tradução e o uso do português de maneira radical e sem um
difícil afirmar isso com segurança, tal afirmação não adianta nada em mínimo de consideração pedagógica. Vejamos dois elementos grama
termos práticos, não ajuda o aluno a superar esse estágio. ticais que justificam o uso da língua portuguesa na sua apresentação.

228 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 8 I o ensino da grOll1ólicu


Um deles é o present perfecL Muitos aprendizes brasileiros tcn djuda muito os <lpl('IHli:,CH:1 SI: üuulllartzurcm com os sigllilk<ldos do
dem a traduzir equivocadamente muitas orações nesse tempo verbal. fi resen t TJerfeCL
O quadro abaixo ilustra isso: Um segundo exemplo da importância do uso de português em <l1I-
Ias de gramática é o ensino do verbo moda! would. A dificuldade que
ORAÇÕES NO PRESENT PERFECT TRADUÇÃO PROVÁVEL FEITA esse verbo apresenta para os aprendizes brasileiros é o fato de ele S(,I'
POR APRENDIZES BRASILEIROS
-svazíado de significado lexical. Afinal, o que would significa? Podemos
(a) I have met Jennifer Lawrence. pensar no significado que veicula como verbo auxiliar, mas não podemos
Eu tenho conhecido Jennifer
Lawrence pensar em um significado da palavra would. É um caso semelhante ao
(b) Mary's has worked as a secretary. Mary tem trabalhado como auxiliar ir em português, em construções como Eu vou estudar amanha:
secretária. a forma verbal vou expressa a ideia de futuro, mas não possui significado
(c) Dale's lived in Montreal for 25 years. Dale tem vivido em Montréal há 25
lexical, diferentemente do que vemos em Eu vou à praia amanhã.
anos. O professor precisa passar essa informação sobre would para seus
(d) Penny's often visited Omaha since
alunos e ilustrá-Ia com exemplos como estes:
Penny tem visitado Omaha
2010. frequentemente desde 2010.
ORAÇÕES COM WOULD EQUIVALENTES EM PORTUGU~S

As únicas orações que estão traduzidas satisfatoriamente são a (c) Mary would be on the beach now if Mary estaria na praia agora se ela
e a (d), embora a tradução mais apropriada para elas fosse aquela em she could. pudesse.

que o tempo verbal é o presente do indicativo. -


l'd resign from that job if I were you. Eu pediria demissão se fosse você.
É pedagogicamente recomendável que o professor mostre aos -
alunos quais tempos verbais em português veiculam os mesmos sig- Se o professor comparar as orações que contêm toould com ora
nificados que o present perfect. Assim, ele precisa mostrar-lhes que ções no futuro do pretérito, o entendimento do significado expresso
as orações em que o present perfect é usado sem as preposições for por would ficará mais simples para seus alunos.
nem since (explícitas ou subentendidas) cor respondem a orações em Enfim, não há por que o professor resistir a usar pontualmente
português construídas com o pretérito perfeito do indicativo. É o a língua portuguesa nas aulas de gramática. A não ser, repito, que e!
caso das orações (a) e (b) do quadro anterior, as quais correspondem, seja radical no que diz respeito ao espaço ocupado pela primeira língua
respectivamente, a Eu conheci Jennifer Lawrence e Mary trabalhou nas aulas de línguas estrangeiras.
como enfermeira. O professor precisa informar aos seus alunos que Antes de finalizar este capítulo, preciso tocar em uma questão
as orações no present perfect que contêm for ou since correspondem, breve, mas importante: o papel que a metalinguagem desempenha no
em português, às orações no presente do indicativo que contêm ex- ensino de inglês. Lembremo-nos de que metalinguagem é a linguagem
pressões adverbiais temporais com por ou há. É o caso das orações usada para se falar da própria linguagem. Termos como verb, verb ten-
(c) e (d) do quadro anterior, embora sejam aceitas as construções em se, subject-verb agreement, modifier e artide são parte da metalingua-
português ali apresentadas, com a locução formada pelo presente gem da língua inglesa. A pergunta que materializa essa questão é esta:
do indicativo do verbo ter e o particípio passado do verbo principal. os aprendizes precisam dominar a metalinguagem?
Construções com essas locuções são mais adequadas para traduzirem Talvez você esteja tentado a responder com um "não" bem grande.
orações no present perfect progressive. Uma pessoa realmente não precisa conhecer os termos do parágrafo
A tradução das orações no present perfect é essencial para con- anterior e mais outros termos metalinguísticos para ser uma usuária
trastar esse tempo verbal com construções verbais em português. Isso da língua inglesa. Aliás, o exemplo máximo disso é um estadunidensc

30 Aula de inglês: do planejamento à avaliação CAPíTULO 8 I o ensino da gramá!i :l


quai» os nomes dos (lrordl's l'IHIlIillllO Im',1 lima l>e(;:I de B<ldvll Powoll.
analfabeto: ele não sabe o que é subject, verb ou reLative cLause, mas os
Ele atingiu o quarto estágio: ('slÚ inconscienlemente compeLenle.
utiliza eficientemente para formar enunciados quando conversa com
O objetivo ideal da aprendizagem é levar o aprendiz a se tornar
outras pessoas.
inconscientemente competente. No caso da aprendizagem de inglês
Entretanto, pensemos com cuidado. O desenvolvimento da compe-
'orno língua estrangeira, ele usa os elementos gramaticais de maneira
tência comunicativa dos aprendizes brasileiros não se limita ao desen-
adequada e fluente, tanto na fala quanto na escrita, sem precisar se
volvimento da fala e da compreensão oral: ela passa também pelas habi-
lidades de leitura e de escrita. Importante micro-habilidade de escrita é lembrar da metalinguagem.
Espero que este capítulo tenha contribuído para suas reflexões
a revisão textual. Ora, para que os aprendizes a desenvolvam e se tornem
sobre o ensino da gramática. Daremos atenção agora a um elemento
capazes de revisar seus próprios textos, ele precisará dominar a meta-
linguagem para entender as explicações do professor acerca da concor- importantíssimo na vida do professor de inglês: a avaliação.
dância, da fragmentação sentencial, da quebra de paralelismo sintático e
semântico, do uso indevido dos tempos verbais etc. Uma evidência dessa
necessidade é a lista de símbolos para revisão textual que apresentei no
sexto capítulo e que é usada por muitos professores de inglês.
Agora, deixemos claro que o domínio da metalinguagem é necessá-
rio apenas durante o período em que o aprendiz está desenvolvendo sua
micro-habilidade de revisão textual. Depois disso, ele não precisará dela:
ele precisará usar adequadamente os elementos gramaticais rotulados
pela metalinguagem sem nem se lembrarem de que os estão usando.
Conforme discuto em outro lugar (Oliveira, 2010), podemos pen-
sar em quatro estágios de aprendizagem:
(1)incompetência inconsciente;
(2) incompetência consciente;
(3) competência consciente;
(4) competência inconsciente.
Imaginemos que uma pessoa, digamos, Zé, esteja aprendendo a to-
car violão. Se ele estiver no estágio 1, seu aprendizado demorará muito
para decolar porque não tem consciência do que não sabe. Se ele entrar
em um curso, o professor lhe apresentará, aos poucos, o que ele pre-
cisa aprender. Ele, então, terá consciência do que não sabe - estágio
2 - e, com a ajuda do professor, escolherá as melhores estratégias para
aprender. Com o passar do tempo, ele aprende os acordes naturais e os
dissonantes. Fica tão feliz que mostra para sua mãe o que já sabe. Ele
se encontra no estágio 3. Mas Zé quer ser músico profissional e decide
estudar violão oito horas por dia todos os dias. E se torna um grande
violonista, conseguindo se apresentar no palco principal do Teatro Cas-
tro Alves, em Salvador. Durante o show, Zé toca e nem se lembra mais

CAPíTULO 8 I o ensino da gramlltlcH 3:\


232 Aula de inglês: do planejamento à avaliação

Você também pode gostar