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DIREITO PENAL I

2023/2024

Frequência
Experiência

Em 2022, Alberto, francês com raízes em Portugal, telefonou, a partir de Paris, onde reside,
ao Ministro das Infraestruturas e da Habitação ameando-o que, se não construísse uma ponte
muito necessária para uma determinada população local, acabaria por ser vítima de um
espancamento. O Ministro das Infraestruturas e da Habitação acabou por mandar construir
a dita ponte ainda em 2022.
Em 2023, foi instaurado um procedimento criminal por coação contra órgãos
constitucionais (art. 333.º CP) contra Alberto.

Questões:

1 – À luz dos critérios legais sobre a interpretação da lei penal, foi cometido o crime de
coação contra órgãos constitucionais (art. 333.º CP) por Alberto?

. A letra da lei, qualquer que seja o seu significado (mais extenso ou mais restrito), abrange
este caso
. Mas a ratio do art. 333.º, tal como a de artigos próximos, parece ser a de não ser perturbada
a normal administração do interesse público pelas autoridades públicas
. Só que Alberto interveio, precisamente, para prosseguir o interesse público
. Pela ratio, não é suposto abranger este caso
. Não há problema: quando o texto abrange o caso mas a ratio não, se o juiz decidir não
aplicar a norma ao caso, estará a fazer redução teleológica, que é permitida (se para não
incriminar)
. Se se considerar que a ratio não é essa mas a simples proteção do espaço de decisão da
Administração Pública, então foi cometido o crime do 333.º, bastando ao juiz fazer uma
interpretação declarativa do texto legal
. Em qualquer um dos casos, o juiz não fará integração de uma lacuna (não fará algo
proibido)

2 – Independentemente da resposta à questão anterior, a lei penal portuguesa poderia ser


aplicada a Alberto?

. Sendo o facto praticado fora do território português (ação em França), não podemos aplicar
a lei portuguesa por via do art. 4.º
. Se considerarmos que o tipo incriminador do 333.º é um crime de resultado (tal como a
coação em geral), sim, aplicar-se-ia a lei portuguesa por via do 4.º, já que, pelo 7.º, o facto
considerar-se-á praticado em território português (o resultado da coação, o comportamento
do coagido, deu-se em Portugal)
. Mas suponhamos que não é um crime de resultado
. Temos, então, de ver se é aplicada a lei portuguesa por via do art. 5.º/1
. Cabe na a), princípio dos interesses nacionais
. Aplica-se a lei portuguesa

3 – Se, umas semanas antes do julgamento, fosse revogado o art. 5.º do CP, isso mudaria
alguma coisa relativamente à responsabilidade de Alberto?

. Sim: após a revogação do art. 5.º, os crimes cometidos no estrangeiro não são punidos pela
lei portuguesa
. Isto equivale a descriminalizar o cometimento do crime do 333.º no estrangeiro, como é o
caso de Alberto
. Embora, no mpf, o facto praticado por Alberto seja punível pela lei portuguesa, deixa de o
ser
. Aplica-se o 2.º/2, obrigação de aplicação retroativa da lei nova (ausência de punição), como
exceção à proibição de retroatividade
. Não pode ser punido

4 – E se essa revogação fosse declarada inconstitucional pelo TC ainda antes do


julgamento?

. Não é tal e qual o caso de ser declarada inconstitucional a lei em vigor no mpf
. O mpf é anterior, quando ainda está em vigor a lei que viria a ser repristinada
. Poder-se-á considerar que é um caso análogo ao caso “normal”, visto nas aulas
. As posições teóricas aplicam-se com as devidas alterações
. A Profª Fernanda Palma quererá resolver este caso como se resolvem os casos de lei
intermédia (aplicando a lei inconstitucional ao caso concreto), por vinculação do Estado ao
Direito que cria (princípio do Estado de Direito democrático)
. Há uma lacuna, pois não podemos aplicar as regras do art. 2.º CP e do 29.º CRP, mas
criamos as regras análogas por força dos mesmos princípios subjacentes (igualdade e
previsibilidade)
. O Prof. Rui Pereira quererá resolver este caso como sendo de uma pura nulidade: a lei
declarada inconstitucional (a que revoga o art. 5.º) nunca existiu, não se levanta qualquer
problema, aplica-se a única lei que sempre existiu, o art. 5.º, em vigor no mpf

5 – O tipo incriminador do art. 333.º está justificado pelos princípios constitucionais


subjacentes ao conceito material de crime?

. Identificação do bem jurídico ou conjunto de bens jurídicos (Estado de Direito


democrático? Livre espaço de discricionariedade da Administração Pública para prosseguir
o interesse público?)
. Se não existirem, a norma é inválida/inconstitucional
. Se existirem, ver se há um nexo com os mesmos: de ofensividade ou, no mínimo, de
perigosidade
. Se não existir esse nexo, a norma é inválida/inconstitucional
. Em alternativa à teoria do bem jurídico, procurar princípios constitucionais (dignidade,
Estado de Direito democrático, igualdade, liberdade, culpa, necessidade) que justifiquem a
incriminação
. Se não existirem, a norma é inválida/inconstitucional

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