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INTERFERÊNCIAS LINGUÍSTICAS: AS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM DO ESPANHOL PARA BRASILEIROS*

Thais Cerqueira Faria – Instituto Federal Fluminense (IFF)

RESUMO: O português e o espanhol são línguas muito parecidas e por conta disso, brasileiros
acreditam que seja fácil aprender a segunda língua devido suas proximidades. Porém, isso é um
equivoco, pois quanto mais próximo à língua for da materna, mais acontecerá o fenômeno chamado
“Interferência Linguística”. Devido à proximidade das línguas, o brasileiro que não domina bem o
espanhol pode cometer equívocos no momento em que se pratica a língua estrangeira, causando
conflitos e frustrações. Tendo como objetivo apresentar alguns equívocos que podem ocorrer no
ensino/aprendizagem do espanhol para brasileiros, o trabalho bibliográfico de cunho qualitativo,
mostrará algumas interferências da semântica, fonética e morfossintática com breves comparações das
línguas portuguesa e espanhola.

Palavras-chave: Interferência Linguística. Semelhança. Brasileiros. Equívocos. Espanhol

1. Introdução

Entre os brasileiros existe um equívoco muito grande de achar que aprender a Língua
Espanhola (LE) é mais fácil do que outras línguas estrangeiras. Tudo isso é devido as suas
semelhanças, pois de fato, existem sim, muitas coisas parecidas entre a Língua Portuguesa e a
Espanhola: palavras iguais ou semelhantes, pronúncias, valores semânticos e até mesmo
questões da gramática.
O motivo das semelhanças das duas línguas é que ambas vieram do latim vulgar e de
acordo com os linguistas, elas são consideradas como “irmãs”. Segundo Alcaraz (2005,
p.197), “mais de 85% dos vocábulos têm origem comum” e isso leva falantes da Língua
Portuguesa (LP), brasileiros principalmente, acharem que é ‘fácil’ aprender espanhol.
Porém, não é exatamente assim. Alcaraz (2005, p. 197), cita que “a proximidade, em
vez de ajudar, pode dificultar o aprendizado da língua em questão” e ainda questiona a
suposta “vantagem” que o brasileiro tem, ao aprender a LE:

[...] em virtude da mencionada proximidade, o estudante brasileiro consegue,


em um período relativamente curto, resolver quase todo tipo de problema
comunicativo. Por outra parte, dificilmente alcança o domínio de aprendizes
cuja língua materna é o japonês ou alemão, isto é, estudantes que não contam
com a vantagem inicial que ele tem (ALCARAZ, 2005, p. 195).

Essa vantagem que Alcaraz (2005) comenta, seria o benefício de ter duas línguas
parecidas, todavia, ela não é aproveitada como deveria. Parece uma questão muito paradoxal,
pois já é imaginado que por tratar-se da LP e da LE que são parecidas, seria mais fácil
aprender. Contudo, o que muitos estudiosos observam é que essa “vantagem” citada por
Alcaraz (2005) leva os estudantes brasileiros ao famoso “portunhol” que não pode ser
considerado totalmente errado também, visto que o Brasil é vizinho de alguns países que
falam o espanhol e para o processo de comunicação a interferência torna-se necessária.

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XV Encontro Virtual de Documentação em Software Livre e XII Congresso Internacional de Linguagem e
Tecnologia Online.
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Então, pensando na aprendizagem de uma segunda língua que é tão parecida com a
materna, o presente trabalho aborda sobre as interferências linguísticas entre o espanhol e o
português, que segundo Durão (1999, p. 130) é a principal fonte de erros.

2. Desenvolvimento

2.1. Interferência Linguística

A Análise Contrastiva (AC) é a responsável por estudar erros que os aprendizes de


alguma língua estrangeira cometem. Dentro desse estudo é visto fenômenos que causam esses
erros e dentre eles está a Interferência Linguística. De acordo com o site do Instituto
Cervantes, no Diccionario de términos claves de ELE (2013), a interferência é definida como:

Interferencia es un término usado en didáctica de la lengua extranjera y en


psicolingüística para referirse a los errores cometidos en la L2,
supuestamente originados por su contacto con la L1; es sinónimo
de transferencia negativa (grifos do autor). Cualquier aprendiente recurre a
sus conocimientos lingüísticos y generales previos e intenta aprovecharlos
para el aprendizaje de la L2 (CERVANTES, 2013).

No site do Instituto Cervantes, cita que o fato de ter conhecimentos prévios sobre a
LE pode ser uma experiência negativa. Porém, o mesmo cita que há um ponto positivo de usar
esses conhecimentos preliminares, pois também, facilitam no processo de aprendizagem,
recebendo o nome de Transferência Positiva.
Deve-se evidenciar que a Análise Contrastiva quando reformulada por Chomsky, não
concebia de forma negativa as interferências da Língua Materna em relação à Língua
Estrangeira estudada, mas via a AC como objeto de estudo desses erros, não para criticá-los.
Alves (2011), cita em seu trabalho que as Interferências e os erros de produção da Língua
Estrangeira passam a ser entendidos como parte de um período transitório do processo de
aprendizagem chamado Interlíngua, ou seja, no momento em que se está aprendendo pode
ocorrer equívocos, já que , o estudante ainda não sabe o suficiente. Mas, isso é transitório e
quanto mais o aluno aprende, menos ele cai no erro.
A Interlíngua é um termo que Durão (1999, p.23) define como “un sistema lingüístico
en construcción que está entre una lengua y outra(s)”, ou seja, uma melhor definição por
Gonçalves (2013):

A IL é o sistema linguístico próprio de cada indivíduo estudante de uma LE,


ou seja, a língua do aprendiz, que passa por vários estágios em seu processo
de aprendizagem de uma LE a fim de alcançar um nível mais próximo ao da
língua-alvo. Por esse motivo, Mozzillo (2005) entende que a IL é, ao mesmo
tempo, processo e produto final (GONÇALVES, 2013).

Então, se fosse fazer uma conexão, observa-se que a Interlíngua usa a LM para a aquisição de
aprendizagem da LE para chegar a um produto final. Contudo, enquanto o estudante não
chega nesse produto final, à língua estrangeira dele vai sofrer com as interferências
linguísticas até ele tomar domínio da LE, ou, talvez, o aprendiz não consiga tal domínio e
ainda sim errar devido às semelhanças das duas línguas.

2.2 Tipos de Interferências Linguísticas


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A interferência Linguística pode acontecer em qualquer situação em que a pessoa


queira aprender uma Língua Estrangeira e de diversas formas. Por isso, existem vários tipos
de Interferência, porém, serão citados os essenciais. Têm-se, então, as Interferências
semânticas, fonéticas e morfossintáticas que será levado em relação à LM dos brasileiros e a
LE.
Para iniciar, é importante conceituar Interferências Semânticas que são os equívocos
cometidos em relação ao sentido/ significado das palavras. O espanhol é uma língua que
comparado ao português há várias palavras parecidas ou até mesmo iguais, porém, muitas têm
significados diferentes. Também, podem ocorrer equívocos em relação aos conectivos que
parecem ser uma coisa (por ser semelhante no português), mas observa-se outro sentido no
espanhol.
A Interferência Fonética está ligada em relação às pronuncias e aos sons das letras.
Castillo (2009) explica como ocorre isso, usando o exemplo de quando é feito uma leitura:

Durante el proceso natural de vocalización interior que acompaña a


cualquier lectura (especialmente en una lengua extranjera), requiere
representarse de algún modo la pronunciación de lo que se lee, pero puede
suceder que el estudiante no recuerde o no sepa como se pronuncian
las palabras. Entonces se las dirá a sí mismo incorrectamente, con lo cual
fijara muchos errores que puede evitar (CASTILLO, 2009).

Em relação às duas línguas irmãs, portuguesa e espanhola, há algumas diferenças na


pronúncia em determinadas letras do alfabeto e até mesmo nas silabas tônicas de palavras
iguais, como por exemplo, “polícia (português)” e “policía (espanhol)”.
A Interferência morfossintática são aqueles equívocos ocorridos entre as duas línguas
próximas em relação à forma da palavra e sua estrutura sintática.
Henriques (2005, p.156), comenta quando ocorrem esses erros:

[...] no inicio do processo de aquisição/aprendizagem de línguas próximas, é


muito freqüente um tipo de interferência híbrida, na qual o aprendiz usa o
item lexical da língua-alvo (L2/LE), com reflexões da LM. (HENRIQUES,
2005, p.156)

2.3 Interferências comuns entre o português e o espanhol

Nessa parte do trabalho, serão analisados possíveis equívocos que brasileiros podem
cometer ao estudar a Língua Espanhola. Por serem muito parecidas, tanto a LM quanto a LE
sofrem Interferências quando não dominadas de forma correta.
Na interferência semântica, irá ser abordado um equívoco que, talvez, seja um dos
principais que os brasileiros cometem: As Palavras Heterossemânticas, conhecidas também
pelos nomes de “falsos cognatos” ou “falsos amigos”. De acordo Milani (et al, 2005, p.273),
são “[...] palabras morfológicamente iguales o muy semejantes en español y en português,
pero con significados diferentes en ambos idiomas.”
Então, as palavras heterossemânticas são parecidas ou iguais no português e no
espanhol, porém, o significado delas é diferente. Isso pode causar, quando não dominado,
frustrações e mal entendidos, principalmente quando são brasileiros que visitam países
vizinhos que falam em espanhol. Existem vários estudos sobre os falsos cognatos, porém, o
presente trabalho ficará somente com essas definições e alguns exemplos na tabela a seguir:

Tabela 1: Palavras heterossemânticas e suas semânticas nas duas línguas.


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PORTUGUÊS PALAVRAS ESPANHOL


Mamífero roedor doméstico COELHO/ COELLO Pescoço
Favor concedido ou GRAÇA/ GRASA Substância graxa
recebido, benefício; encontrada nos tecidos
Favor de Deus concedido a adiposos dos animais e
alguém em vários vegetais
Abrigo feito pelas aves para NINHO/ NIÑO Criança pequena
a postura de ovos e criação
dos filhotes
Estranho ESQUISITO/ EXQUISITO Delicioso/ requintado
Avergonhada EMBARAÇADA/EMBARAZADA Grávida
Fonte: Autoria própria

Almeida Filho (1995) afirma que a Língua Portuguesa e Espanhola 60% são de
cognatos idênticos e 30% de falsos cognatos, aproximadamente. Para fazer uma análise, 30%
são muita coisa, ou seja, se o brasileiro, no caso, não apresentar um bom domínio dessas
palavras, o risco de Interferência com a LM é enorme.
Outro tipo de Interferência Semântica é a questão dos conectivos. Todos sabem que
eles são responsáveis de ligar uma palavra ou oração em outra. No plano linguístico, entre o
português e o espanhol, existem pequenas diferenças que segundo Henriques (2005), causam
interferências quase que automáticas entre os aprendizes.
Henriques (2005) apresenta alguns desses conectivos que podem causar esses
equívocos:
Tabela 2: Conectivos que podem causar equívocos de Henriques.

ESPANHOL SEMELHANÇA COM O SIGNIFICADO


PORTUGUÊS EM ESPANHOL
“Aparte” “à parte” Além de
“Más” “mas” – conjunção adversativa Mais
“Todavía” “Todavia”- conjunção adversativa Ainda
“En cuanto” “Enquanto” Com relação a
“Aunque” - Embora
“Mientras” - enquanto
Fonte: HENRIQUES (2005)

Já na Interferência Fonética o erro é ainda mais comum. Muitas letras têm o som
semelhante ao português, porém, há aquelas que têm um modo diferente de pronunciá-las.
Um exemplo simples é a palavra “casa”. Ambas se escrevem da mesma forma, mas, a
pronúncia do “S” no português tem som de “z” e no espanhol tem som de “s” mesmo.
Henriques (2005), explica uma das diferenças desse fenômeno:

Basta prestar atenção ao ritmo dessas duas línguas para verificar que os
falantes de espanhol falam mais rápido que os falantes do português do
Brasil. Além disso, a entonação do espanhol é marcadamente ascendente ao
passo que a do português é primordialmente descendente (HENRIQUES,
2005).

Há outros tipos comuns de interferência entre as duas línguas, segundo Henriques


(2005), como, por exemplo, a letra “a” antes de consoante nasal que é pronunciado como
vogais orais no espanhol, diferente do português; também, as palavras terminadas em –ão, que
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no espanhol são pronunciadas como –ión ou – ón; a letra “s” que tem a pronuncia de “s”
mesmo, diferente do português que algumas tem som de “z”, como a palavra “casa” e “coisa”;
entre outros pontos comuns.
Ainda em relação aos equívocos fonéticos, pode-se evidenciar a questão das palavras
heterotônicas que no português a silaba tônica é em um lugar e no espanhol é em outro sendo
que o vocábulo é o mesmo. Seguem-se alguns exemplos abaixo:

Tabela 3: Exemplos de palavras heterotônicas.

PORTUGUÊS ESPANHOL
Academia Academia
Álcool Alcohol
Atmosfera Atmósfera
Diplomacia Diplomacia
Limite Límite
Fonte: Autoria própria

Na Interferência morfossintática, observa-se uma questão limítrofe que envolve as


alterações vocálicas e consonantais, como, por exemplo, “debe” o som de /b/ em espanhol e
“deve” com o som de /v/ em português, que denotam alterações consonantais. Outros
exemplos comuns são: ejemplo e exemplo, casa com som de “s” e casa com som de “z”, Ana
com som de “a” aberto e Ana com som de “ã” nasalado.
Outro fator são as palavras heterogenéricas. Elas são aquelas que no português tem um
gênero e no espanhol tem outro, como, por exemplo, o leite/ la leche; a cor/ el color; o sangue/
la sangre; o nariz/ la nariz; a viagem/ el viaje. Para o brasileiro estudante de LE, quando não é
ensinado ou pouco sabe sobre essa mudança de gênero, o erro irá persistir na Interlíngua desse
estudante.

3. Conclusão

O presente trabalho de caráter bibliográfico tem a pretensão de abordar alguns


problemas causados pelas Interferências Linguísticas, em relação das dificuldades
apresentadas pelos brasileiros ao aprender espanhol. Analisa-se que devido à proximidade da
Língua Portuguesa e da Língua Espanhola, os casos de Interferências são mais comuns,
gerando equívocos na aquisição da aprendizagem podendo até fossilizá-los.
Sabe-se que há aquele mito de achar que as línguas são parecidas e que por conta
disso, é mais fácil aprender. Pode até ser, mas, também, há grandes possibilidades de cair no
erro. Por isso, são mencionados nesse trabalho, vários tipos de Interferência dentro do estudo
da língua, como os semânticos, fonéticos e morfossintáticos.
Portanto, cabe aos profissionais de Língua Espanhola, abordarem em seu ensino essas
Interferências ao aluno, para que ele não fossilize os erros dentro da aprendizagem da LE e
que seja capacitado para observar essas diferenças. Também deve-se

REFERÊNCIAS

ALCARAZ, Rafael Camorlinga. Do português ao espanhol: os prós e os contras da


proximidade. In: João. Sedycias (ORG). O ensino do espanhol no Brasil: presente, passado,
futuro. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
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ALMEIDA FILHO, J. C. Uma metodologia específica para o ensino de línguas próximas? In:
ALMEIDA FILHO, J. C. (Org). Português para estrangeiros interface com o espanhol.
Campinas: Pontes, 2001. p.13-21.

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(UFRJ), n° 28. p. 4.Rio de Janeiro,jun.2011.

CASTILLO, Marlén Días. La interferência Linguística: Tipos de interferência. Disponível


em: <http://www.monografias.com/trabajos70/interferencia-linguistica-tipos
interferencia/interferencia-linguistica-tipos-interferencia2.shtml
>. Acesso em: 23 jan.2018

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em:<http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/diccio_ele/diccionario/interferencia.htm
> . Acesso em: 23 jan. 2018

DURÃO, Adja Balbino de Amorim Barbieri. La interferencia como causa de errores de


brasileños aprendices de español . In: João. Sedycias (ORG). O ensino do espanhol no
Brasil: presente, passado, futuro. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 130-144.

GONÇALVES, D. P.A interferência linguistica no uso de heterossemânticos por brasileiros


aprendizes de espanhol. 2013. 20 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Letras, Universidade
Federal de Pelotas, Goiânia, 2013.

HENRIQUES, Eunice Ribeiro. Distância entre línguas e o processo de


aprendizagem/aquisição. In: João. Sedycias (ORG). O ensino do espanhol no Brasil:
presente, passado, futuro. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 151 – 163.

MILANI, E. M. et al. Listo español através de textos. São Paulo: Santillana, 2005.
Provas UFRGS 1999. Disponível em: <http://passenaufrgs.
com.br/provas/1999/ufrgs_1999_prv_esp.pdf>. Acesso em: 15 ago.2018.

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