Você está na página 1de 5

ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA COMO L2 PARA SURDOS

Eduardo Chu Gabriel Marques Guilherme Oliveira

Se um leigo em relação a Libras for perguntado sobre qual seria a L1 de um surdo, há


uma grande probabilidade de ele dizer que seria a Libras, e não o português. Inclusive, este
método de aprender primeiramente a Libras e depois o português é amplamente utilizado.
Nesta dissertação serão apresentados os benefícios de uma criança surda aprender primeiro o
português para depois aprender a Libras – visto que, apesar de Libras ser a única língua
reconhecida como L2 no Brasil, na prática é notório que línguas como inglês e até espanhol
são mais faladas aqui que a Libras.

Primeiramente, daremos um panorama da situação legal dos surdos no país. A


primeira medida efetiva legal para a inclusão dos surdos na sociedade brasileira foi em 24 de
abril de 2002, uma conquista recente, que demonstra a falta de compromisso do Estado com a
inclusão dos surdos, que não eram amparados legalmente até então. O que mudou esse
panorama foi a Lei nº 10.436, que entre suas atribuições tem como principais pontos o
Reconhecimento de Libras como língua oficial brasileira; garantia de apoio institucional á
difusão da libras pelo poder público e serviços públicos privatizados; garantia de atendimento
especializado na área da saúde; além de garantir a inclusão nos cursos de formação de
Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do
ensino Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Em 2005, com o decreto nº 5.626, as garantias de inclusão dos surdos se mostraram


mais amplas, sendo os principais pontos para esse trabalho os que tratam das reparações na
educação. São o caso da inclusão da libras como disciplina curricular de licenciatura para
nível médio e superior, melhor regulamentação do preparo para professores de libras e a
criação da figura profissional do intérprete, cujo todo aluno teria direito de obter para
acompanhá-lo na sala de aula.

O decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004 e o decreto nº 6.949 de 25 de agosto de


2009 foram medidas legais mais gerais, que reforçam o caráter de inclusão de muitas
condições e definem legalmente termos como “acessibilidade”, “discriminação”, “barreiras”,
mas de uma forma geral.

Ana Cláudia Lodi chama a atenção da importância dessas leis, pois a falta da difusão
da Libras pode fazer com que os surdos sintam-se estrangeiros no próprio país, enquanto que,
muitas vezes, os verdadeiros estrangeiros recebem um melhor atendimento numa língua
estrangeira. A autora ainda coloca que os espaços onde o surdo não tem dificuldade de se
integrar tornam-se espaços de incomunicação, quando deveriam ser justamente o contrário.

Os especialistas da UAB enumeraram três possíveis modelos para o ensino de Libras.


O primeiro visa o Ensino de Libras na sala de aula no período de escolarização para os alunos
que dela necessitam. Logo, ela é realizada a partir de uma língua que seja acessível a todos os
alunos e a partir do ensino fundamental, os alunos surdos seriam incluídos nas salas regulares
com alunos ouvintes e acompanhados por intérpretes. O segundo seria apenas o ensino regular
com profissional intérprete, todavia, este não reconhece a dificuldade de se acompanhar uma
aula através de um intérprete, sendo que muitas vezes a responsabilidade do ensino recai
sobre o intérprete, o aluno acaba ficando distante do professor se a cooperação professor-
intérprete não for bem elaborada. O terceiro modelo é Ensino regular sem profissional
intérprete, que vê papel primeiro da escola é como a socialização, tendo o ensino-
aprendizagem em salas especializadas para surdos (como contra-turnos, por exemplo). Esse
modelo acaba por descaracterizar a sala o ensino regular como um espaço possível para os
alunos surdos. No entanto, apesar dos três modelos serem utilizados no Brasil, segundo a
UAB, eles têm um problema em comum: A libras como primeira língua.

Antes de nos aprofundarmos nessa questão, é necessário explicar a origem do


problema, ou seja, o desenvolvimento da linguagem. O primeiro ponto, é que a linguagem é
desenvolvida a partir do contato com o outro, a criança ouvinte (na maioria dos casos) está em
constante contato com a linguagem, sendo nas relações e práticas humanas, o que a ajuda no
desenvolvimento dessa linguagem e na percepção de sua própria individualização como ser
humano.

A criança surda, muitas vezes nasce numa família ouvinte que não é fluente em libras,
o que a coloca em “desvantagem”, pois não está, desde já, inserida na relação com o outro.
Daí a importância de usuários de libras nesse segmento do aprendizado da criança, para que
estas não sejam prejudicadas. Esse ator se faz ainda mais necessário se considerarmos que só
ele é capaz de transmitir aspectos culturais e o próprio sentimento de pertencimento a
comunidade surda, além disso, seu maior conhecimento das práticas de letramento em Libras
são fundamentais para a alfabetização desta criança.

Lodi ressalta ainda a importância de ter estes agentes usuários de libra no ambiente
escolar. Além disso, ela aponta três razões que justificam a ausência deles nesses espaços,
sendo elas: o não aceitamento deles por parte dos gestores educacionais, por estes não
compreenderem as especificidades do processo educacional de uma criança surda; o
questionamento, por parte dos professores ouvintes, sobre a falta de recursos pedagógicos
desses agentes; o caráter imediatista, pautado em resultados rápidos, que as escolas brasileiras
possuem atualmente, que justifica estas priorizarem o ensino da escrita do português, ao invés
da Libras, tida por elas como fator de atraso escolar. A autora aponta que a união de esforços
entre professores ouvintes e esses agentes é extremamente necessária para que, pelo menos
alguns, desses pontos sejam superados.

Vigotsky ainda aponta para a importância do gesto no inicio da comunicação da


criança (surda ou ouvinte), que depende da interpretação alheia, por ainda não ter uma
significação própria, e como dele, ocorre uma evolução tanto para a libras quanto para a
linguagem oral. Ele ainda a acrescenta o desenho como um relato gráfico da linguagem verbal,
e é nessa evolução que ocorre uma grande diferenciação entre os dois casos. O autor ainda
critica o modelo atual de ensino da língua escrita, pois a ausência de um interlocutor tira o
próprio caráter de linguagem, ou seja, de transmissão de conteúdo. Para ele, é de suma
importância que se crie um vínculo entre a criança e a linguagem a ser aprendida, para, assim,
facilitar o processo. Esse vínculo pode se dar através do estabelecimento de pontos de contato
entre a nova língua e a L1 do indivíduo.

Enquanto o ouvinte transformará seus desenhos em linguagem escrita, como uma


representação daquilo que pronunciava, a criança surda precisará aprender uma nova língua, o
português. Pois a escrita das palavras não detém o mesmo impacto na libras, faz menos
sentido devido a falta de oralidade, as letras para os ouvintes são um código para os sons,
tendo assim menos relações com os sinais.

Como é de conhecimento geral, muitas vezes o intérprete acaba tendo uma função de
“substituir” o professor. Quando este não tem uma preocupação com o aluno surdo, seja por
ignorância ou descaso, o intérprete passa a ser a única fonte de conhecimento do aluno, além
do material didático, onde precisa ouvir, interpretar e falar por Libras simultaneamente, de
forma que o aluno saia o menos prejudicado possível.

Um caso semelhante ocorreu na sala de aula da UFRJ do integrante Gabriel Marques:


o professor de Cálculo I, chileno, que falava praticamente em espanhol fluente, lecionava uma
matéria super complicada, de exatas, explicando numa velocidade tão rápida que nem os
alunos ouvintes conseguiam acompanhar. A intérprete, que não era fluente em espanhol,
pediu ao professor que falasse mais devagar para que ela conseguisse passar a matéria ao
aluno surdo, visto que além da velocidade, os termos matemáticos não tinham sinal próprio,
precisando sinalizar “por extenso”. A resposta do professor foi negativa, dizendo que não
seria possível falar mais devagar pois a ementa era muito grande e ele não poderia atrasar a
turma – era a primeira semana de aula na ocasião.

Lodi apresenta o método de uma professora que encontrara com o autor em um


Congresso, onde ela apresentava reportagens de jornais televisivos (que foram traduzidos por
adultos surdos) aos alunos antes da leitura de reportagens escritas da esfera jornalística a fim
de familiarizá-los com a temática, visto que ela notava uma certa dificuldade no entendimento
pelos alunos de textos desse cunho. É interessante ver como alguns professores utilizam e
criam métodos para facilitar o entendimento de seus alunos – algo que todos os professores
deveriam saber para caso tenha alunos surdos.

No atual modelo de ensino, é notório que o aluno é muito prejudicado se não possuir a
dominância da língua portuguesa. Naturalmente, os alunos dependem do português para todas
as atividades disciplinares. A começar pelas ferramentas de pesquisa, todos os livros didáticos,
apostilas, materiais de consulta e sites na internet são escritos na língua portuguesa, o que é
um grande desafio para alguém que não domina totalmente a língua. Na própria escrita do
aluno, caso ele venha a escrever algo, seja numa avaliação ou num trabalho próprio, existirão
marcas que apontam para uma falta de domínio da língua. Dessa forma, o aluno que não
domina a língua portuguesa deve receber uma avaliação condizente com as suas limitações.
Não se pode exigir que o aluno leia como os outros, que escreva como os outros, se apenas ele
possui limitações na língua. E isto não se aplica apenas à disciplina de Língua Portuguesa,
mas todas as outras que também utilizam materiais didáticos e explicações em português. Por
fim, vale ressaltar que a língua portuguesa pode ser ensinada como L2 se os processos
educacionais forem respeitosos com o desenvolvimento linguístico dos alunos surdos.

Bibliografia:

DA SILVA , João Paulo Ferreira ; ROJAS, Angelina Accetta; TEIXEIRA, Gerlinde Agate
Platais Brasil. Acessibilidade comunicacional aos surdos em ambientes
culturais. Conhecimento & Diversidade, Niterói, jan/jun 2015.
LODI, Ana Cláudia Balieiro. Ensino da língua portuguesa como segunda língua para surdos:
impacto na Educação Básica. In: COLEÇÃO UAB−UFSCAR - PEDAGOGIA. Língua
brasileira de sinais – Libras uma introdução. São Carlos: UFSCar, 2011.

Você também pode gostar