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Capítulo 2

Principais modelos de aquisição de segunda língua

Prof.Ms. Viviane Barbosa Caldeira Damacena

Viviane Barbosa Caldeira Damacena é graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade


de Uberaba, pós-graduada em Educação Especial pela mesma instituição. Mestre em Letras
pelo programa Profletras pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM, e
atualmente é doutoranda pelo programa Estudos Linguísticos da Universidade de Uberlândia -
UFU. É professora de língua portuguesa, intérprete de Libras e professora de língua portuguesa
como L2 para surdos, tendo experiência ministrando cursos de capacitação para professores,
sobre língua portuguesa, aquisição de língua materna e língua não materna, além de ter
experiência em produção de materiais didáticos.

Definições:

Com a conceituação das diferentes formas de aquisição linguística e os


diferentes papéis que a língua apresenta para o aprendiz, percebemos a importância
de definir o conceito que a língua portuguesa representa para o surdo.
Quando consideramos a língua portuguesa para o surdo, a vemos com
característica de segunda língua, apenas na modalidade escrita, tendo a Língua de
sinais brasileira, a Libras, como língua materna ou primeira língua. Porém, para
entender o papel da segunda língua, é necessário discutir as teorias e abordagens
que envolvem a sua aquisição.
A aquisição de uma segunda língua tem como princípio a filosofia behaviorista,
que considera que é através da imitação de um adulto que ocorre a aquisição de uma
língua. Isto é, a criança, ao ter contato com uma língua através de um adulto,
consegue perceber a língua em uma relação de estímulos de “certo” e “errado”.
Skinner, o pai do Behaviorismo, sustentava que a aquisição da
linguagem pela criança era feita através da imitação do
comportamento dos adultos e da formação de hábitos - ditos
linguísticos. A língua seria, então, um conjunto de hábitos
adquiridos através do modelo "estímulo-resposta", ou seja, a
criança aprende a forma "correta" da língua quando é
recompensada pela produção de um comportamento linguístico
correto e punida pela produção de um comportamento linguístico
incorreto (MATTOS, 2000, p.53)

Em contrapartida, Chomsky relata que toda criança já nasce com a capacidade


de aquisição da língua, como uma capacidade biológica que considera natural o
aprendizado de uma língua, principalmente através da chamada Gramática Universal,
considerando o ambiente linguístico em que a criança está inserida, pois é através
dele que ocorrerá o contato com a língua a ser desenvolvida.
Esse desenvolvimento linguístico nem sempre demonstra ser linear e
complexo, sendo possível perceber que a criança, ao receber um input, nem sempre
torna-se o suficiente para esse aprendizado. Alguns inputs não são óbvios e nem
mesmo ensinados diretamente, sendo adquirido através da sua exposição direta ou
indireta àquela língua, inclusive em relação à produção de frases agramaticais, que
nem sempre são corrigidas e explicadas.
“A ausência de evidência negativa, ou seja, ausência de
informações explícitas sobre que frases seriam agramaticais,
constitui um outro problema para a aprendizagem da língua.
Pesquisas sobre aquisição de língua materna sugerem que as
crianças geralmente não são corrigidas quando produzem uma
frase agramatical. Este tipo de evidência, portanto, não estaria
presente no input recebido pelas crianças, mas apenas
evidências positivas na forma de frases gramaticais (ou quase)
realmente ouvidas pelas crianças.” (MATTOS, 2000, p.55).
Essa problemática de aquisição linguística apresentada acima refere-se não
apenas à aquisição de língua materna, mas também à aquisição de segunda língua,
pois os aprendizes de segunda língua também necessitam extrair e receber inputs
linguísticos e informações de sentido da língua alvo.
Além dos princípios do gerativismo, há, também, a abordagem da Análise
Contrastiva. Nesta perspectiva, considera-se a língua materna como um suporte de
aprendizado para a segunda língua. Assim, a aquisição de L2 baseia-se no
conhecimento prévio que o aprendiz apresenta na sua L1, percebendo, inclusive, as
diferenças gramaticais entre as duas línguas. Essa percepção pode colaborar ou não
com a segunda língua, pois quanto mais semelhanças houver entre as duas línguas,
mais fácil será a aquisição da L2.
“Uma vez que o principal obstáculo à aprendizagem provém da
interferência do conhecimento prévio, na aprendizagem da L2, a
interferência provém sobretudo da L1. Assim, o grau de
dificuldade da aprendizagem é determinado pelo esforço
requerido para aprender uma forma da língua-alvo e depende da
semelhança ou diferença que existe entre as formas da L1 e as
da língua-alvo: as formas que são idênticas nas duas línguas são
fáceis de aprender (ocorrendo, neste caso, a transferência, ou
influência positiva, da L1), enquanto as formas diferentes são
difíceis de aprender (observando-se, então, efeitos de
interferência, ou influência negativa, da L1)”. (MADEIRA, 2017,
p.311)

Assim, considerando a L1 como base no aprendizado da L2, o aprendiz pode


ter uma maior facilidade ou maior dificuldade nesse processo. Quando as duas
gramáticas apresentam uma grande diferença, o aprendiz torna-se propenso a realizar
uma maior quantidade de desvios no aprendizado. Esses desvios nem sempre podem
ser considerados como “erros”, pois são um espelho da gramática da sua língua
materna. Essa situação é conhecida como interlíngua.
A interlíngua ocorre com praticamente todos os aprendizes de uma outra
língua. Durante o processo de aprendizagem, a língua materna torna-se evidente ao
ser utilizada como suporte no aprendizado. No caso de aprendizes surdos de língua
portuguesa escrita, a presença da interlíngua se torna mais evidente por tratarmos de
duas línguas de modalidades distintas, sendo uma visuo-espacial e a outra oral-
auditiva. Essa discrepância torna-se maior ao considerarmos o fato de que o aprendiz
surdo não utiliza o resíduo fônico como suporte de aprendizado, o que torna ainda
mais complexo o processo de aquisição da segunda língua.
“Diferentemente das crianças ouvintes, no entanto, a aquisição
da escrita pelas crianças surdas vai ser intermediada pela língua
de sinais, uma língua visual-espacial, com gramática própria, e
que permite às pessoas surdas desempenharem as mesmas
funções que os ouvintes por meio da linguagem oral.” (PEREIRA
e ROCCO, 2009, p. 139)

Considerando esses fatores, podemos perceber que a evidência da interlíngua


torna-se clara, porém não significa se tratar apenas de “erros” ou “desvios” na escrita.
Esse fator pode ser considerado como um perceptor do desenvolvimento linguístico
do aluno, pois à medida que o aprendiz passa a se desenvolver mais na língua alvo,
mais a interlíngua tende a desaparecer do texto do aprendiz. Assim, manter a sua
língua materna como suporte de aprendizado para a segunda língua tende a
desaparecer à medida que o aluno passa a internalizar a gramática da língua alvo,
considerando todos os inputs linguísticos.
Assim, podemos perceber a semelhança entre as teorias de abordagens de
primeira língua e de segunda língua. Porém, ao tratarmos de aquisição de L2 por
pessoa surda, essa semelhança se torna menor. Esse aprendizado, por se tratar de
uma modalidade distinta, torna-se sistemático e estrutural, normalmente acontecendo
em um ambiente linguístico formal, como a escola. Castro (2019) a respeito do
aprendizado de L2 pelo surdo, afirma que
“aliado ao fato de os surdos não terem o Português como
primeira língua, nem acesso a materiais específicos em língua
de sinais, nem professores que conheçam a Libras, temos ainda,
em grande parte das escolas, uma metodologia de ensino de
língua tradicional, pautada na língua oral, influenciada por uma
visão estática de língua, que não valoriza a língua de sinais e
não concebe a língua como atividade interacional.” (p. 43)

Vale lembrar, também, que a aquisição de Língua de Sinais por pessoas


Surdas, como primeira língua, nem sempre acontece de forma natural em um
ambiente linguístico propício. Isto ocorre, principalmente, quando a família ouvinte não
tem fluência ou conhecimento da Libras, o que faz com que a criança surda não tenha
o contato com essa língua, crescendo, assim, sem que ocorra essa aquisição
linguística. Deste modo, a L1 é adquirida também de forma sistemática e estrutural,
em um ambiente linguístico formal, o que normalmente não ocorre com crianças
ouvintes.
Percebendo essas características de aquisição de segunda língua, o aprendiz
surdo precisa se apoiar na gramática da sua língua para o aprendizado de uma língua
em outra modalidade. Esse apoio torna-se extremamente importante por não existir o
suporte fônico na aquisição da escrita. Assim, a interlíngua demonstra ter um papel
importante na aquisição de segunda língua na modalidade escrita. Conforme afirma
Arantes (2012), “devido a diferença da língua de sinais e a língua oral os alunos têm
dificuldade no aprendizado da língua oral em sua modalidade escrita, então cabe ao
professor orientar o aprendizado da escrita como L2 e o professor deve ser capacitado
quanto ao ensino de uma segunda língua.” (p. 116)
Outra perspectiva voltada ao aprendizado de segunda língua é baseada na
concepção de língua proposta por Bakhtin, em que a língua é vista como fator social,
sendo a responsável por fatores comunicativos e de interação social. A aquisição
linguística ocorre em interação com seus pares, em um processo reconhecido por
Vygotsky como andaimagem, em que um par mais experiente funciona como suporte
para o par menos experiente, não trabalhando como um professor ou orientador, mas
sim como um companheiro de aprendizagem que ocorre através da interação.
Considerando essa teoria, a segunda língua também passa a ter um papel
social, sendo indispensável para a interação com o outro e com a sociedade. A língua
como papel comunicativo torna-se essencial para o processo de aquisição de segunda
língua, dando uma característica mais palpável à essa aquisição. Assim, a escrita,
para o surdo, apresenta um papel social que se torna mais visível do que o papel que
apresenta ao ouvinte.
Através da interação, a criança desenvolve e adquire a língua, utilizando-se de
textos e situações reais que façam parte do seu dia a dia, para que, assim, a língua
oral na modalidade escrita possa desenvolver e se fazer significado, sendo
ressignificada a cada uso e a cada momento, assumindo, assim, o papel social.
Referência Bibliográfica

CASTRO, C.D.L. O processo de escrita do aluno surdo na educação básica: as


representações de um sistema (in) coerente. Dissertação de Mestrado. UFG. Goiânia.
2019

MADEIRA, A. Aquisição de língua não materna. In: Maria João Freitas & Ana Lúcia
Santos (eds.), Aquisição de língua materna e não materna: Questões gerais e dados
do português. 305-330. Berlin: Language Science Press. DOI: 10.5281-
zenodo.889441

MATTOS, A.M.A. A hipótese da gramática universal e a aquisição de segunda língua.


Rev. Est. Ling., v. 9, n.2, Belo Horizonte, jul.dez. 2000, p. 51-71

PEREIRA, M.C.C.; ROCCO, G.C. Aquisição da escrita por crianças surdas – início do
processo. Letrônica, v.2, n.1, julho 2009, p. 138-149. Disponível em
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/view/4788. Acesso
em 12/02/2020

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